JUSTIÇA COMPANHEIRA.
Se fosse estadista, Lula se empenharia em desarmar o círculo vicioso de politização da Justiça e judicialização da política. Como não é, está colonizando a Justiça com leais servidores
O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/12/2024
Há tempos as pesquisas de opinião registram que a credibilidade do Judiciário junto à população, em especial a do Supremo Tribunal Federal (STF), diminuiu na exata proporção em que cresce a percepção de seu protagonismo político. Há pelo menos dez anos está em curso um círculo vicioso e antirrepublicano que não dá sinais de arrefecer: a judicialização da política retroalimentada pela politização da Justiça.
Há razões estruturais para isso. A Constituição de 1988 é um documento excessivamente abrangente e prolixo que, como já notou o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, “constitucionalizou inúmeras matérias que, em outras partes do mundo, são deixadas para a política”.
Mas há razões conjunturais. Os freios e contrapesos estão estiolados. Sob chefes do Executivo fragilizados, o Congresso assumiu para si prerrogativas exorbitantes, mormente sobre o Orçamento, gestando uma espécie de parlamentarismo bastardo, em que os caciques têm muito poder e pouca responsabilidade. Com o colapso do presidencialismo de coalizão, ante um Legislativo indócil, o Executivo tem buscado no Judiciário um fiador da governabilidade.
Chamada para a dança política, a Suprema Corte não se fez de rogada, e tomou gosto em atuar ora como poder moderador da República, ora como poder tensionador, seja ditando políticas públicas às instâncias executivas, seja legislando a pretexto da “omissão” das Casas Legislativas. Na Lava Jato, instâncias inferiores do Judiciário se auto-outorgaram uma espécie de “competência universal de combate à corrupção”. Hoje, é o STF quem assume para si uma “competência universal de defesa da democracia”.
Os próprios representantes eleitos contribuem para a politização da Justiça. Partidos nanicos, sobretudo de esquerda, abusam do tapetão judiciário para reverter ou impor nas cortes causas que perderam no voto. “Nós temos culpa de tanta judicialização”, confessou ninguém menos que o presidente Lula da Silva, no início de seu mandato, num raro surto de sinceridade. “A gente perde uma coisa no Congresso Nacional e, ao invés de a gente aceitar a regra do jogo democrático de que a maioria vence e a minoria cumpre aquilo que foi aprovado, a gente recorre a uma outra instância para ver se a gente consegue ganhar.”
Se fosse o estadista que finge ser, Lula teria buscado sanear esse estado de coisas, desestimulando seus partidários de recorrerem ao tapetão sempre que perdem no voto e fazendo indicações técnicas para a Justiça. Ao contrário, Lula mandou às favas o pudor e o notório saber jurídico e indicou para o STF seu amigo e advogado Cristiano Zanin e o também amigo e correligionário Flávio Dino, realizando um “sonho antigo” de instalar nele alguém com “cabeça política”.
A colonização da Justiça não para por aí. Como mostrou reportagem do Estadão, Lula tem se dedicado com afinco a forrar não só o Executivo, mas tribunais superiores e regionais, além de órgãos e autarquias com leais servidores. As nomeações ligadas ao grupo de advogados militantes de esquerda Prerrogativas chegam às dezenas.
Respeitadas as prioridades técnicas, seria natural indicar figuras que compartilhem de uma visão progressista sobre a coisa pública. Mas não se trata apenas de alinhamento ideológico. Se fosse, a indicação de Joaquim Barbosa ao STF, em 2003, não seria considerada “desastrosa”, como disse um interlocutor próximo ao presidente à reportagem. Do que se sabe de suas manifestações públicas, Barbosa comunga dos ideais progressistas, mas seu pecado foi ter aplicado a lei no julgamento do mensalão petista.
“Estou convencido que tentar mexer na Suprema Corte para colocar amigo, para colocar companheiro, para colocar partidário é um atraso”, disse o então candidato Lula na disputa presidencial de 2022. Já o presidente Lula parece convencido de que se trata de um avanço. “A gente ganhou mais malícia”, disse o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas e amigo de Lula. Quando a malícia é critério para indicações na Justiça, o corolário, por necessidade lógica, é um só: más escolhas e más consequências para a legitimidade do Judiciário.
A Lula o que é de Lula
O petista diz que o governo falha ao comunicar suas conquistas à população e avisa que vai ‘falar mais’. Mas esse é precisamente o problema: sempre que Lula fala, os problemas se agravam
Por Notas & Informações - 16/12/2024
Ao participar do encerramento de um seminário do PT destinado a debater os rumos do partido – aquele tipo de encontro em que o comissariado petista costuma reafirmar vícios do passado para aprimorá-los no futuro –, o presidente Lula da Silva fez uma crítica contundente à comunicação do governo. “Há um erro do governo na questão da comunicação e sou obrigado a fazer as correções necessárias”, disse o presidente, em declaração interpretada como um prenúncio de que em breve trocará o responsável pela área, o desgastado ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República. “Quero começar a resolver no começo de ano”, avisou. Apoquentado com o que considera um abismo entre suas grandes realizações e a tépida aprovação popular, Lula endossou e inflamou as queixas já recorrentes num tema que ganha evidência toda vez que o demiurgo sente que seus poderes divinos não estão sendo bem compreendidos.
A fala amuada de Lula contra a comunicação do seu governo até adquiriu contornos inéditos pelas palavras duras que escolheu, mas na prática ele só repetiu o velho hábito de terceirizar a responsabilidade por problemas que nascem, no fundo, no próprio gabinete presidencial. A Lula o que é de Lula: a despeito da inquestionável má qualidade da comunicação no atual mandato e do baixo nível de conhecimento dos seus artífices sobre as dinâmicas do ambiente digital, o defeito de origem está no produto, não no marketing destinado a vendê-lo. O fato é que não há ministro, marketing político ou estratégia de qualidade capaz de vender um produto ruim.
Ocorre que, com a fritura pública de Pimenta, a bolsa de apostas para substituí-lo já tem até favorito: o marqueteiro do presidente na eleição vitoriosa de 2022, Sidônio Palmeira, ideia que teria ganhado corpo após o ruidoso anúncio que misturou, em rede nacional de rádio e TV, o pacote de ajuste fiscal e a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil. Coube a Sidônio a ideia de combinar as duas coisas e adornar a fala do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, convertida no primeiro ato de uma campanha institucional, lançada com slogan marqueteiro e consistência duvidosa. A mistura, o timing e a forma do anúncio provocaram estragos adicionais em um pacote que deveria comprovar a alegada sobriedade econômica do governo, mas foi levado adiante como peça de propaganda eleitoral. Ao que parece, contudo, Lula considerou a operação um sucesso.
Não faltou nem mesmo a velha tática de afetar humildade, quando Lula se incluiu entre os responsáveis pelos problemas de comunicação: “Há um equívoco meu na comunicação. O Stuckert (referência a seu fotógrafo oficial, Ricardo Stuckert) costuma dizer ‘presidente, o senhor é o maior comunicador do nosso partido, o senhor tem que falar mais’. E a verdade é que não tenho organizado as entrevistas coletivas”. Então estamos combinados: Lula, que já fala pelos cotovelos, avisou que vai “falar mais”.
E talvez seja exatamente esse o problema. Quando Lula fala, quase sempre de improviso, ou cria expectativas incompatíveis com a capacidade do governo de realizá-las, ou constrange a equipe econômica com discursos demagógicos que contrariam o compromisso com a saúde das contas públicas. O resultado é a crescente falta de credibilidade do governo.
Mas Lula está convencido de que seu governo é um primor e que a maioria dos brasileiros se convenceria disso se o presidente concedesse “mais entrevistas” – sobretudo para meios escolhidos a dedo pelo Palácio por deixarem Lula à vontade.
Enquanto isso, Lula não comenta sobre os problemas de coordenação política (liderada por ele mesmo), ou sobre a falta de um núcleo dirigente no Planalto capaz de corrigir os rumos ditados pelo presidente, ou ainda sobre a malaise provocada por um governo que chega envelhecido à metade do mandato. Como se vê, o que o presidente espera da comunicação do seu governo é algo que diz respeito mais a ele próprio. Uma certeza que só escancara a inutilidade do debate proposto na reunião do PT.
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