Quem disse que os alemães tinham se curado do nazismo? Se eles pareciam vacinados desde os anos 1960 até os 80, a unificação alemã, e os problemas que ela trouxe, levaram os alemães da antiga DDR, a República Democrática Alemã, onde eles eram oficialmente antinaziptas e antifascistas, a se voltarem para os seus antigos ídolos da época totalitária (cabe registrar que eles já viviam numa ditadura, teoricamente socialista e antifascista, mas não há nada mais parecido com um fascista do que um comunista da linha soviética). Pois é, eles votaram maciçamente pela extrema-direita, nas últimas eleições e prometem reincidir com mais força nas próximas, dando maioria aos fascistas, sim, aos fascistas-nazistas.
Acho que os alemães estão novamente divididos, entre democratas e autoritários, e cabe também registrar que o AfD é diretamente financiado por Putin, como o são outros partidos de direita da Europa.
Os companheiros, Lula em especial, têm certeza de que querem continuar apoiando Putin, só porque ele é teoricamente antiamericano? O seu antiamericanismo supera o seu antifascismo de extrema-direita?
Se isso se registrar de fato, vou denunciar Lula e o PT como amigos e apoiadores da extrema-direita internacional. Prometido.
Paulo Roberto de Almeida
Estadão Internacional
O homem que prepara o terreno para uma Alemanha extremista
Björn Höcke tem feito mais que levar a extrema direita para o mainstream; ele está fazendo o mainstream pender para a extrema direita
Por Erika Solomon (The New York Times)
24/06/2024 | 22h00, Atualização: 25/06/2024 | 10h10
Em cima de um pequeno palco de um bar numa cidade de arquitetura enxaimel do leste alemão, o ideólogo de direita Björn Höcke contava para um grupo de seguidores, no ano passado, uma história sobre seu iminente julgamento. Ele tinha sido indiciado por dizer, “Tudo pela Alemanha” em um comício político — infringindo leis alemãs que proíbem a propagação de slogans nazistas.
Apesar da iminência daquele julgamento, ele olhou para os fãs e lhes abriu um sorriso maroto. “Tudo pela?”, perguntou ele.
“ALEMANHA!”, gritaram todos.
Depois de uma década colocando em teste os limites do discurso político na Alemanha, Höcke, um dos líderes do partido Alternativa para a Alemanha, ou AfD, não precisa mais passar dos limites sozinho. A multidão faz isso por ele.
Aquele momento amalgama o motivo pelo qual, segundo seus críticos, Höcke, além de representar um desafio para a ordem política, ameaça também a própria democracia alemã.
Por anos, Höcke tratou de desgastar proibições que a Alemanha impôs sobre si mesma para evitar ser tomada por extremistas novamente. A posição alemã a respeito da liberdade de expressão é mais dura que a de muitas democracias ocidentais, consequência das amargas lições dos anos 30, quando os nazistas se valeram de eleições democráticas para capturar os mecanismos do poder.
“Tudo pela Alemanha” era o slogan gravado nos punhais dos soldados nazistas. Ao ressuscitar frases como essa, afirmam os oponentes de Höcke, ele buscou tornar as ideias fascistas mais aceitáveis numa sociedade em que essas expressões não são apenas tabu, são ilegais.
Em maio, juízes consideraram Höcke culpado de usar um slogan nazista intencionalmente e lhe aplicaram uma multa equivalente a US$ 13 mil. Nesta segunda-feira, em razão desse discurso no bar, Höcke foi julgado pela mesma corte por usar o mesmo slogan — novamente.
Este é apenas um dos muitos processos na Justiça que Höcke enfrenta atualmente — e nenhum parece ter diminuído a ascensão de Höcke ou de seu partido. Nas eleições deste mês para o Parlamento Europeu, o AfD ficou em segundo lugar na Alemanha, superando os partidos que governam o país.
Não muito tempo atrás, Höcke se posicionava no extremo de um partido extremista. Ao longo do tempo, ele trouxe o partido cada vez mais para o seu lado, tornando-o ainda mais extremista — e, argumentam especialistas, influenciando todo o ambiente político de direita na Alemanha nesse processo.
Para os seus oponentes, Höcke personifica um esforço odioso da extrema direita de desestigmatizar o passado nazista da Alemanha.
Para seus apoiadores, Höcke é um defensor da liberdade linguística, um combatente que tenta reaver palavras difamadas injustamente e, de maneira mais ampla, preservar sua concepção de uma cultura alemã étnica.
No último dia de seu julgamento, em maio, Höcke, de 52 anos e cabelos grisalhos, vestiu um terno escuro para apresentar-se diante dos promotores de Justiça numa sala de tribunal lotada — e, apaixonadamente, declarou-se inocente.
Apesar de ser ex-professor de história, Höcke insistiu que não sabia que estava usando um slogan nazista. As palavras vieram à sua cabeça espontaneamente, afirmou o réu, ignorando o fato de que, desde que foi acusado, ele persuadiu em duas ocasiões multidões a pronunciarem a frase nazista em seu lugar.
“Nós queremos banir a língua alemã porque os nazistas falavam alemão?”, perguntou ele aos juízes. “Até onde isso deve chegar?”
Os julgamentos de Höcke, que recusou um pedido de entrevista para a elaboração desta reportagem, são parte de uma nova guerra de narrativas sobre a história recente da Alemanha e a respeito de quem pode exatamente se dizer alemão em um país cada vez mais diverso e ansioso em razão de novos desafios econômicos e estratégicos.
Se o objetivo seu é plantar as sementes de um etnonacionalismo, com seus ecos do fascismo, Höcke pode estar fazendo ganhos sutis.
Antes do julgamento, muitos alemães nunca tinham ouvido o slogan nazista “Tudo pela Alemanha”. Agora a frase tem sido repetida e debatida rotineiramente em programas de TV e reportagens em todo o país.
Jogando com a perseguição
A história desempenhou um papel determinante na vida de Höcke.
Höcke nasceu numa família conservadora de prussianos orientais, entre milhões de alemães que viviam na Europa Oriental e fugiram dos avanços do Exército Vermelho no fim da 2.ª Guerra e buscaram refúgio no que veio a se tornar a Alemanha Ocidental.
Essa história de deslocamento e perda na Alemanha foi, na visão de Höcke, ofuscada pelo acerto de contas nacional com os crimes de guerra dos nazista e o Holocausto.
Höcke tem se valido de uma amargura persistente entre os alemães — particularmente na região que pertenceu no passado à comunista Alemanha Oriental — que se sentem ludibriados pela história e consideram que lhes foi negado o direito ao orgulho nacional e à expressão.
Ele acusa os vitoriosos Aliados da 2.ª Guerra de furtar dos alemães suas raízes. “Deixou de haver vítimas alemãs”, afirmou ele num discurso, em 2017. “Havia apenas alemães perpetradores.”
Höcke se mudou para o Estado da Turíngia, no leste da Alemanha, em 2013. Por lá, ajudou a estabelecer um comitê do AfD. Desde então, ascendeu à proeminência em meio a uma série de controvérsias sobre terminologias.
Espelho em Berlim, em protesto contra a direita, mostra frase de Hocke: "O problema é que Hitler é retratado como mal absoluto."
Espelho em Berlim, em protesto contra a direita, mostra frase de Hocke: "O problema é que Hitler é retratado como mal absoluto." Foto: REUTERS/Christian Mang
Höcke qualificava as autoridades da ex-chanceler Angela Merkel como uma “Tat-Elite”, mesmo termo com que os oficiais da SS descreviam a si mesmos. Ele questionou repetidamente a razão da palavra “Lebensraum”, que define “espaço vital” e era empregada pelos nazistas no sentido de expansão territorial no Leste Europeu, ainda ser evitada pelos alemães. E chamou o memorial do Holocausto em Berlim de “monumento infame”.
As invocações às ideias da era nazista são tão numerosas que um tribunal decidiu que não é difamação críticos de Höcke descrevê-lo como fascista, mas um “julgamento de valor com base em fatos”.
Por anos, até seu próprio partido buscou escanteá-lo. Agora, seus aliados detêm dois terços das posições de liderança dentro da legenda.
A ascensão dos apoiadores de Höcke, afirmam analistas políticos, reflete a evolução do AfD, de um pequeno partido conservador cético em relação à União Europeia para uma legenda muito mais radical.
Seus líderes passaram a promover o argumento de que o estatuto alemão de nação tem base em linhagens sanguíneas e que somente duras políticas de deportação podem evitar que a Alemanha e outras sociedades ocidentais sejam sobrepujadas por imigrantes.
Hoje, o AfD considera a si mesmo antiglobalista. O partido desconfia das elites urbanas e do que percebe como esforços excessivos do governo nos combates à pandemia de covid e à mudança climática. Muitos de seus líderes propagam teorias conspiratórias que questionam a legitimidade do governo alemão no pós-2.ª Guerra.
A popularidade do AfD, afirmam especialistas, afetou discursos políticos em toda a Alemanha. No ano passado, políticos de todo espectro no mainstream adotaram a hostilidade à imigração promovida pelo AfD e até mesmo em relação a políticas ambientais.
Os líderes do AfD afirmam que os críticos entenderam errado.
“Não houve nenhuma reorientação para a direita”, afirmou o porta-voz do AfD na Turíngia, Torben Braga, que trabalhou para Höcke por anos e mantém uma foto do político sobre sua mesa no escritório. “Ocorreu que certas convicções — demandas políticas que sempre estiveram presentes na sociedade — encontraram uma voz depois de ser suprimidas por décadas.”
Os seguidores do AfD percebem os processos judiciais contra Höcke como uma caça às bruxas para impedir seu despertar.
Essa ideia de perseguição impregna a retórica de Höcke. Em um comício, no mês passado, ele comparou a si mesmo com Sócrates, Jesus Cristo e Julian Assange — colegas dissidentes “espancados pela clava da justiça”.
Coincidentemente ou não, a história também exerce um papel enorme sobre o Estado que Höcke representa.
Cem anos atrás, a Turíngia foi o primeiro lugar onde políticos de extrema direita alcançaram a maioria no Parlamento Estadual. Posteriormente, tornou-se o primeiro Estado em que os nazistas conquistaram o poder.
Em setembro, a previsão é que o AfD obtenha a maioria dos votos na eleição estadual da Turíngia.
“Um ano atrás, eu teria dito que seria impossível Höcke virar primeiro-ministro da Turíngia”, afirmou o historiador Jens-Christian Wagner, que trabalha no memorial do campo de concentração de Buchenwald, na Turíngia.
“Agora eu digo que é improvável”, afirmou ele. “Mas ‘improvável’ significa que é possível.”
Um alter ego?
Em 2012, o sociólogo alemão Andreas Kemper começou a estudar a ascensão da retórica anti-imigração na política alemã — o que despertou seu interesse no AfD e nos discursos do então relativamente desconhecido Björn Höcke.
Höcke usava o termo “economia orgânica de mercado”, que parecia ecoar a expressão “ordem orgânica”, usada pelos nazistas em sua reorganização da economia, em 1934.
Kemper afirmou que, buscando online por outros indivíduos que usavam a mesma terminologia que Höcke, obteve “apenas um resultado exato”: Landolf Ladig, o pseudônimo de um colaborador de uma revista neonazista.
Em um artigo, Ladig descreveu os nazistas como o “primeiro movimento antiglobalista” da história, que “teria se deparado com imitadores em todas as partes” caso tivesse sido bem-sucedido. Alguns, afirmou o autor, sustentam até hoje essas ideias: “As brasas ainda não se apagaram por aqui”.
Kemper encontrou outras similaridades entre as palavras dos homens. A mais estranha foi Ladig citando um livro mencionado por Höcke em um discurso — ambos cometeram exatamente o mesmo erro nas citações.
Kemper eventualmente publicou uma análise com uma acusação chocante: Landolf Ladig, afirmou ele, era na verdade Björn Höcke. “Havia coincidências demais.”
Em 2015, a liderança do AfD pediu que Höcke esclarecesse a controvérsia assinando uma declaração juramentada afirmando que nunca escreveu nem colaborou em artigos sob o pseudônimo de Landolf Ladig.
Höcke se recusou. “Não porque tenho algo a esconder”, disse ele a meios de imprensa alemães na época, mas porque se tratava de “uma tentativa de me difamar”. Ele insistiu que nunca escreveu sob nenhum pseudônimo.
O serviço doméstico de inteligência da Alemanha citou em 2021 o trabalho de Kemper quando classificou o ramo turíngio do AfD como uma organização extremista de direita.
Desde então, vários outros comitês do AfD, assim como a juventude do partido, foram classificados como extremistas. Os líderes do AfD contestam essas classificações, mas afirmam que elas não prejudicaram sua crescente popularidade. Braga, o porta-voz do partido na Turíngia, afirmou que elas podem até estar os ajudando.
“Minha resposta a essa asserção constantemente repetida seria: continuem escrevendo-a”, afirmou ele.
Antes de seu julgamento, Höcke participou de um debate televisionado, no qual insistiu que é difamado intencionalmente. Ele insistiu que deplora o nazismo. E, além disso, argumentou Höcke, muitos antes dele usaram equivocadamente a frase “Tudo pela Alemanha” — até mesmo anúncios da Deutsche Telekom.
Essa alegação chamou a atenção da empresa de telecomunicações — que negou a afirmação de Höcke e solicitou uma ordem de cessar e desistir contra ele.
A Deutsche Telekom compeliu Wagner, o historiador de Buchenwald, a voltar a pesquisar uma coleção de livros em seu escritório publicados pela editora de direita do escritor Götz Kubitschek, que é considerado o padrinho intelectual de Höcke e do AfD.
Um dos ensaios de Kubitschek, intitulado Autotrivialização, define uma estratégia para atrair apoiadores.
O primeiro passo é fazer “cabeças de ponte” verbais, usando palavras controvertidas. O segundo é “entrelaçar-se com o inimigo” — sublinhando exemplos de figuras do mainstream que usam essas mesmas palavras — para semear dúvidas sobre quão radical uma ideia é realmente.
O terceiro passo é “fazer-se inofensivo”, insistindo que essas regras estão dentro das normas do mainstream.
O ensaio termina com um alerta: o objetivo é parecer inofensivo — não se tornar.
Com tantos esforços fracassando em se contrapor ao AfD, Wagner considera os processos judiciais contra Höcke ainda mais importantes.
“Se os políticos não conseguirem definir o limite”, afirmou ele, “o Judiciário, pelo menos, definirá”.
Se houver um limite, contudo, Höcke o testará mesmo assim. No início de maio, ele pronunciou outro discurso na cidade de Hamm, no oeste da Alemanha, anteriormente às eleições europeias. Ele disse à multidão que os tempos estão mudando em sua pátria, acrescentando que “Os sinais apontam para uma tempestade”. Uma frase familiar para quem conhece a história alemã, usada por um jornal nazista em 1933, um dia antes de Hitler assumir o poder.
TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO