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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Luiz Werneck Vianna: um critico precoce da Lava Jato - Luiz Sérgio Henriques e Bernardo de Melo Franco (Maurício David)

 Realmente eu desconhecia esta postura do Werneck com relação à Lava Jato... Bastaria este posicionamento para manchar irreparavelmente a biografia política deste que parecia – qual Robespierre na França pós-Revolução – um acadêmico incorruptível. Que pena que após o seu desaparecimento venham à luz estas manchas na sua biografia. Ainda  mais que sob os (falsos) elogios de um cronista político tal qual o articulista do jornal O Globo Bernardo Mello Franco, o campeão da intransigência e do facciosismo na crônica política brasileira.

Maurício David


 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Luiz Sérgio Henriques* - A linguagem da frente democrática 


O Estado de S. Paulo

Há um terreno comum a ser redescoberto por todas as forças democráticas, de modo que a luta áspera inerente às democracias marginalize extremos

Em memória de Luiz Werneck Vianna

Este é um tempo político de mudanças simultaneamente repentinas e graduais. E tudo se complica ainda mais quando observamos que, entre os dois tipos de mudança, não há nenhuma muralha da China. Transformações mínimas, mas prolongadas, subitamente abrem um quadro novo, alteram as relações entre política e economia, deixam para trás formas tradicionais de expressão dos conflitos. Os saudosistas diriam que nunca foi muito diferente e que assim se cumpre uma das outrora celebradas “leis da dialética”, a que determinaria a transformação da quantidade em qualidade.

O certo é que hoje nos sentimos em geral forçados a andar sem muletas ou corrimãos. Quando alguma correlação menos instável podia ser estabelecida entre classe e partido, ou entre partido e nação, seguia-se daí, quase automaticamente, um esboço de tipologia. Extremadas seriam as agremiações que se limitassem a escutar sua classe de referência, sem interpelar de verdade outros setores sociais. Maduras seriam as que se abrissem aos problemas de toda a nação, mais além do próprio interesse parcial. Para estas, a questão do centro político tornavase estratégica, implicando, entre outras coisas, a permanente busca de alianças e a posse de uma cultura de governo.

Estudiosos de praticamente todas as orientações têm destacado, nas democracias contemporâneas, a implosão deste centro político. Lugar de mediação por excelência, ele não é um vazio termo médio entre extremos, mas o produto da ação muitas vezes dura e conflituosa de atores antagônicos. Tais atores, no entanto, estão plenamente conscientes de que, não obstante os confrontos, mais importante do que o resultado eventual do jogo é a manutenção das suas regras ou a alteração consensual delas. Destruído este lugar, anuladas as mediações que o compõem em cada circunstância, a política se esfuma, os interesses brutos se chocam, a violência logo se desenha com seu cortejo de golpes e embates sem lei.

Não é preciso muito esforço para perceber que tal ameaça habita o coração dos modernos populismos autoritários. Nativistas economicamente e socialmente conservadores – ou, melhor, reacionários –, querem moldar toda a vida a partir de um fictício passado que desconheceria as dilacerações do presente e os riscos do futuro. O antagonismo que propõem é de tipo “radical” e “subversivo”. A polarização que estimulam não admite assimilação ou superação do argumento adversário, mas seu aniquilamento. De resto, os autoritários não querem fazer brotar consenso algum, ainda que provisório e sujeito a disputas e revisões.

Em conjunto, tais populismos delineiam uma vertiginosa “biografia do abismo” – para usar a metáfora de Felipe Nunes e Thomas Traumann – que se baseia na versão rebaixada de um slogan soixante-huitard, o de que “tudo é política”. Da arena pública em sentido estrito transbordam indevidamente indicações e comandos sumários para todas as dimensões do cotidiano. A canção que escutamos, o livro que lemos, a marca que consumimos e, muitas vezes, até os amores que escolhemos são sobredeterminados pela orientação política totalizante. E o circuito se fecha quando este mesmo cotidiano devolve à política a exigência de girar em torno de valores absolutos ou pretensamente absolutos, por natureza inegociáveis.

A esquerda brasileira no poder apresenta-se como o núcleo de uma frente ampla e democrática que ultrapassa a própria fronteira – uma frente que se impôs devido à particular gravidade de que se reveste o segundo mandato de autocratas e aspirantes a autocratas. Daí decorre, pela natureza das coisas, a necessidade de efetivar o movimento acima mencionado – saber superar a si própria, saindo do seu horizonte mais estrito e incorporando de boa-fé conceitos e modos de agir que antes lhe eram estranhos. Cada palavra e cada ação passam a ser medidas pelo potencial que carregam de aumentar ou diminuir o fosso entre os eleitores da frente e a outra metade de brasileiros que por este ou aquele motivo preferiram – legitimamente, diga-se – um caminho diverso.

Trata-se de esforço a ser empreendido de múltiplos modos. Do ponto de vista prático, antes de mais nada, é preciso admitir para todos os efeitos que aquele autoritarismo reacionário de que falamos não é flor envenenada de um único jardim. Costuma medrar também nos espaços da “esquerda negativa”, como é o caso próximo de uma Venezuela repressiva internamente e perigosa externamente. E este é só um exemplo, ao qual poderíamos sem esforço acrescentar muitos outros.

Culturalmente, no entanto, a linguagem da frente ainda precisa se generalizar, tornando-se potente recurso expressivo. Em torno dela e das suas variações dialetais é que se poderá reconstituir o centro político ou, como dissemos, o lugar central da política. Há um terreno comum – contraditório, mas comum – a ser redescoberto por todas as forças democráticas, de modo que a luta áspera inerente às democracias marginalize extremos, propicie equilíbrios sociais mais avançados e impeça a mútua destruição dos atores.

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das Obras de Gramsci no Brasil

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domingo, 25 de fevereiro de 2024

Bernardo Mello Franco - Werneck Vianna remou contra a maré

O Globo, 25/02/2024


Na quarta-feira morreu o sociólogo Luiz Werneck Vianna. Estudioso do Judiciário, foi um dos primeiros críticos dos métodos da Lava-Jato. Quando a operação surfava o auge da popularidade, teve coragem de remar contra a maré.

Em 2016, o professor alertou que a força-tarefa usava a bandeira do combate à corrupção para promover a negação da política. Ele já enxergava um projeto de poder por trás da rotina de ações espetaculosas e vazamentos seletivos.

“Há uma inteligência organizando essa balbúrdia. Essa balbúrdia é provocada e manipulada com perícia”, afirmou, em entrevista a Wilson Tosta no jornal O Estado de S. Paulo.

Werneck decifrou o espírito da Lava-Jato. Identificou em seus próceres os herdeiros dos militares que lideraram o movimento tenentista, na década de 1920. “Só que os tenentes tinham um programa econômico e social para o país. E esses tenentes de toga não têm. São portadores apenas de uma reforma moral”, diferenciou.

Na visão do sociólogo, a demonização da política ajudou Justiça e Ministério Público a manterem privilégios, como o pagamento de salários acima do teto. “Essas corporações tomaram conta do país”, afirmou. “Quando são atacadas, se defendem dizendo que na verdade quem está sendo atingindo é o interesse público. Conseguiram armar esse sistema que as tem protegido de críticas”.

A blindagem funcionaria até a revelação das conversas que evidenciaram a parcialidade de Sergio Moro e dos procuradores que se comportavam como seus subordinados.

Em 2021, quando o Supremo anulou as condenações de Lula, Tosta voltou a procurar o professor. Ele informou que a Lava-Jato estava “acabada” e não podia culpar ninguém por sua “morte morrida”. “Desde o começo, foi um erro monumental, em que juízes e procuradores jovens, eu diria provincianos, assumiram o papel de salvadores do país”, disse.

Na avaliação de Werneck, os protagonistas da força-tarefa “passaram da conta” ao escolher alvos e se investir de um papel messiânico. “Eles foram levados à desgraça pelo sucesso”, resumiu. O sociólogo também criticou a atuação de setores da imprensa: “Não existiria República de Curitiba sem a mídia”.

Na época da segunda entrevista, Moro havia deixado o governo de Jair Bolsonaro e se insinuava como candidato ao Planalto. Para Werneck, já estava claro que daria com os burros n’água. “Moro sai desse processo inteiramente desqualificado como juiz. Ele foi parcial”, afirmou.

Convidado a fazer um balanço da operação, o professor sustentou que era preciso combater a corrupção de outra forma, “não de uma forma que comprometa todo o tecido político”. “Desqualificou-se a política, os partidos, e ficamos em um deserto. O legado da Lava-Jato é a desertificação da política”, constatou.

“O saldo primeiro, para mim, é o de que não se deve combinar ação política com ação judiciária. São duas dimensões. A política é uma coisa, a Justiça é outra. Houve essa combinação esdrúxula, e deu no que deu”.

 

 

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Luiz Werneck Vianna: homenagem de um estudante que conviveu com ele - Rodrigo Estrela

Meu amigo e colega Rodrigo Estrela, acaba de me enviar um belo texto afetivo, de suas lembranças com o, e do sociólogo Luiz Werneck Vianna. Reproduzo aqui o que ele me escreveu:

Fiquei feliz com a sua menção a ele no Blog Diplomatizzando

(aqui: Luiz Jorge Werneck Vianna, obituários (enviados por Maurício David)

Conheci o Werneck eu tinha 15 anos incompletos, era um adolescente iniciando minha militância nos estertores do velho PCB. Lembro-me bem de uma palestra com ele na UERJ, em 1990, em seminário sobre o futuro do partidão, às vésperas daquele que seria seu IX Congresso. Eu era um moleque, mas jamais esqueci o que ele falara, e que me marcou profundamente: a única chance de nós (“nós”, evidentemente, significava “os comunistas”) sobrevivermos naqueles tempos, meses após a queda do Muro de Berlim, era por meio da superação política da ruptura leninista com a tradição social-democrata, aquele efeito colateral da Revolução Russa e da Primeira Guerra, e investirmos fortemente no que de melhor a política de frente ampla antifascista havia oferecido ao Ocidente, no século XX, a construção do estado de bem-estar social, com suas políticas de saúde, educação e habitação universais. 

Ouvir aquilo aos 16 anos, pouco tempo após a promulgação da Carta de 1988, seria uma espécie de passaporte para minha militância; valeria como uma orientação para a distância que – como comunista – sempre tomei do “esquerdismo” como “doença infantil”. Vindo do maior leninista brasileiro, que também era o maior dos gramscianos não ideológicos, se tornou uma lição inesquecível.   

Na cola do Werneck, e com amigos até hoje presentes, no Rio eu assisti atentamente às últimas reuniões do grupo carioca da revista Presença, que uniu em suas páginas gente como Leandro Konder, José Guilherme Merquior, e tantos outros de um tempo em que o Brasil ainda contava com muitos verdadeiros intelectuais. As reuniões eram no sebo do cartunista Ferdo – Fernando de Carvalho, também falecido, há poucos anos – em sobrado antigo, quase em ruínas, na Lapa, em cima de um Açougue. Discutíamos conjuntura em meio ao odor de mofo dos livros velhos que se misturava ao cheiro de carne crua que subia do térreo. 

Quando eu ia pra casa, no distante subúrbio de Bangu, cruzava com as meninas de vida não-tão-fácil que por ali perambulavam. Werneck foi-me grande e querido amigo e conselheiro e o primeiro intelectual que verdadeiramente admirei. Werneck era o meu Berlinguer – na falta de melhor comparação. 

Foi ele quem me aconselhou generosamente, como sempre fazia, a cursar economia na UFRJ, em lugar de direito (“afinal, foi na economia que o Marx ficou, pense bem”), me levantou a autoestima, como era de seu feitio, para que eu fizesse a prova do IRBr, em cuja aprovação eu próprio não poderia, naqueles tempos, acreditar – vindo de onde vinha. Werneck me pôs em contato com outros mestres. Por seu intermédio, conheci Conceição Tavares, que me deu o primeiro emprego, de assessor parlamentar, pelos idos de 94. No curso de economia da UFRJ tornei-me amigo, irmão, um filho-adotivo do professor Carlos Lessa, outro gigante intelectual brasileiro.

Mas, para além do pós-leninismo, herdei do Werneck convicções sobre o lugar do Brasil no Ocidente. Esse lugar meio torto e às vezes incômodo, feito de espírito ibérico e matéria americana. Esse Ocidente não-ocidentalista, mas Ocidente, de toda maneira. Com Werneck aprendi inicialmente a apaixonar-me pelas gerações de brasileiros que pensaram o Brasil, sem os preconceitos hoje tão presentes em certa militância que se diz “de esquerda”. 

Em 2005 ou 2006, não me lembro ao certo, levei o Werneck a Brasília para falar no primeiro curso para diplomatas sul-americanos, que ajudei a organizar na Secretaria-Geral do Itamaraty, na altura terceiro-secretário, sob a batuta do também inesquecível Samuel Pinheiro Guimarães, que nos deixou há menos de um mês.

Me sinto mais órfão esses dias. E mais velho também.

Rodrigo Estrela

23/022024

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Até quando suportaremos? - Luiz Werneck Vianna, Carlos Alberto Torres, Paulo Roberto de Almeida

 Transcrevo do FB de Roda Democrática, que por sua vez copiou de Decisões Interativas, este artigo de Luiz Werneck Vianna, introduzido por Carlos Alberto Torres. Devo dizer que concordo com ambos em seus argumentos descritivos da situação, mas discordo radicalmente da conclusão, aliás pouco conclusiva, de Luiz Werneck Vianna, que pretende que:

"O lixo do atraso está pronto para ser varrido."

Não, não está, ele está mais pujante do que nunca, e pretende continuar no próximo governo, que, como todos os precedentes, depende de um Congresso formado por um estamento parlamentar basicamente corrupto para dispor de um mínimo de governança. Não estamos perto de eliminar o atraso...

Paulo Roberto de Almeida


terça-feira, 9 de novembro de 2021


Até quando suportaremos?


A palavra autorizada do sociólogo Luiz Werneck Vianna nos auxilia a reconhecer o contexto histórico-político em que se desdobrarão os próximos acontecimentos.

 

Permito-me ressaltar, com o meu olhar, contemplando o amplo quadro de análise com que o artigo nos brinda, três pontos estratégicos, que dele se podem deduzir, para desbloquear o desenvolvimento de nossa democracia:

1.              O caráter democrático do combate à corrupção e para acabar com a impunidade;

2.             A superação do risco de um golpe militar de Bolsonaro apoiado por militares nostálgicos do regime militar instaurado em 1964;

3.             A necessidade histórica de superarmos a polarização bolsonarismo versus lulopetismo para dar espaço ao projeto da democracia; ou seja, “o lixo do atraso está pronto para ser varrido”.


 

Com a palavra Werneck Vianna, em Horizontes Democráticos, 9 de novembro de 2021 (*)

 

Até quando vamos tolerar o saque de uma gangue instalada no coração da política brasileira que se apropria do que é ganho pelos brasileiros que mourejam para ter o pão de cada dia?

 

Até quando vamos permanecer passivos diante dos crimes continuados que perpetram mesmo diante de uma sociedade vítima de uma cruel pandemia que ceifou a vida de 600 mil cidadãos, parte dos quais poderia ter sobrevivido não fossem as ações criminosas da quadrilha que pretendeu tirar proveito da calamidade sanitária que ainda nos aflige em negócios escusos?

 

Até quando será permitida a eles comprometer nosso futuro com a depredação da nossa natureza e dos recursos nossos humanos privando as novas gerações de uma formação que lhes permita o acesso a uma vida ativa e produtiva? Quem são os nossos algozes e de onde extraem o poder com que nos assolam? 

 

Não fomos objeto de uma conquista militar por parte de um país inimigo que nos imponha pela força a vassalagem como a antiga Roma reinava em seu vasto império. Ao contrário, estamos submetidos a naturais da terra com nomes e sobrenomes conhecidos, não poucos de longa data, herdeiros da nossa história comum de contubérnio entre o latifúndio e a escravidão. Essa marca de registro do nosso DNA, tantas vezes diagnosticada e não poucas combatidas pelos que tentam extirpá-la sem êxito, persiste como mácula em nossa formação, resistente ao que foi a obra da Abolição, que deixou ao desamparo a população liberta com sua opção preferencial pela emigração massiva dos pobres europeus, e na forma de república sem povo que se criou aqui com o protagonismo dos militares e dos proprietários de terras paulistas.

 

Tal herança maldita, longe de perder influência com os sucessivos surtos da modernização do país, foi preservada em suas linhas principais, exemplar o processo de industrialização conduzido por uma política de Estado que sintomaticamente se aliou às elites agrárias. No caso, nada de melhor expressa essa aliança do que a legislação trabalhista do governo Vargas nos anos 1930 do que a exclusão dos trabalhadores da terra dos direitos concedidos aos urbanos. 

 

Classicamente, configuraríamos o tipo de modernização conservadora, confirmado nas décadas seguintes, com os resultados nefastos que hoje se estampam aos olhos de todos como na abissal desigualdade social reinante entre nós, raiz dos processos pelos quais as elites proprietárias se apropriam do poder político e fazem uso dele para preservar seus privilégios.

 

Raimundo Faoro, em ensaio magistral sobre a modernização nacional procura demonstrar seus elos de ligação com as reformas modernizadoras introduzidas pelo marquês de Pombal em Portugal de fins do século XVIII, que se aproveitou de recursos do despotismo político para introduzi-las ao tempo em que conservavam os setores privilegiados como a nobreza e o clero. Sem bases novas de sustentação, suas mudanças não resistiram à duração de um reinado e tiveram frustrados seus objetivos. Tal modelagem pombalina, conclui Faoro, nunca abalada ter-se-ia conformado na plataforma de todas as modernizações brasileiras, cujas mudanças sempre impuseram o resultado de ainda mais reforçar o domínio das forças conservadoras.

 

Quase ironicamente, o argumento de Faoro sugere que, por volta dos anos 1870, a tal revoada das ideias novas de que fala a bibliografia no seu culto à ciência importado pelo positivismo mal ocultaria o retorno do espírito pombalino de cientificismo. O lugar de assentamento dessas novas ideias seria a das academias militares, o da Escola Politécnica e das faculdades de medicina. O positivista Comte teria recuperado Pombal. A emergência das novas elites intelectuais forjadas nessas instituições teria dado origem ao pathos de um desenvolvimento e de uma industrialização induzida pelas luzes da ciência mediante ações orquestradas por elas. 

 

Nesse novo cenário, sob a república, os militares são investidos de papel de protagonismo e com advento do Estado Novo, em 1937, se tornam hegemônicos na condução da política brasileira e, a partir daí, atores privilegiados na condução da industrialização acelerada do país, presentes na construção de Volta Redonda, na Petrobras, assim como na imensa malha das empresas estatais. O script, longamente ensaiado cumpriria seu enredo: a modernização brasileira teria um andamento conservador sob a tutela militar.

 

O desafio a esse andamento, no começo dos anos 1960, centrado em um programa de reformas sociais, entre as quais a agrária, proposto pelo governo João Goulart, com ampla base popular, encontrará seu desenlace no golpe de 1964, quando os militares se auto-investirão dos papeis de condutores da modernização pelo alto, com atenção especial à questão agrária, tal como se evidenciou na implantação do agronegócio.

 

Essa história de frustações e de desencantos das modernizações autoritárias podem, até elas, conhecer o sortilégio da astúcia na história, pois os processos que desatam contêm em si a possibilidade de trazer o moderno como antídoto a elas, tal como ocorreu nos idos dos anos 1980 quando foram derrotadas por uma coalizão ampla de forças democráticas escorada por massivas manifestações populares. Lá como agora onde se generaliza a percepção de que o país está sem rumo e dirigido por caminhos equívocos que somente trazem o aprofundamento da miséria social reinante, por toda parte, inclusive em setores das elites, soam os sinais de que isso que aí está deve ser interrompido como solução de salvação nacional.

 

A derrota da fascitização da sociedade, a essa altura consumada, culminou, como último recurso para esse governo de militares nostálgicos da ditadura do AI-5 se manterem no poder, na cínica aliança aos políticos avulsos do Centrão sempre aplicados em suas pretensões de roer até os ossos o patrimônio comum. Tal mudança de rota se afasta radicalmente das tradições modernizadoras brasileiras, inclusive daquelas que se originaram nos meandros das corporações militares. O lixo do atraso está pronto para ser varrido.


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(*) https://horizontesdemocraticos.com.br/ate-quando-suportaremos/