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quarta-feira, 13 de março de 2024

A visão a favor do Comício da Central do Brasil - Luiz Carlos Azedo, comentário: Maurício David; releitura de Paulo Roberto de Almeida

Minha visão das famosas reformas de base: 


 O governo Goulart e o mito das reformas de base”, Brasilia, 13 março 2024, 14 p. Revisão, aos 60 anos, do famoso comício da Central do Brasil, em 13/03/2024; divulgado no blog Diplomatizzando (13/03/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/03/o-governo-goulart-e-o-mito-das-reformas.html).

Paulo Roberto de Almeida


Um comício que marcou a história do Brasil 


Luiz Carlos Azedo 

Correio Braziliense, quarta-feira, 13 de março de 2024


Era mais útil respeitar as decisões do Congresso e convencer a sociedade de que as reformas eram necessárias, em vez de tentar impô-las, fiando-se no “dispositivo militar”

A memória do ex-presidente João Belchior Marques Goulart (PTB) será lembrada nesta quarta-feira num evento convocado pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), sob a presidência do jornalista Octávio Costa, a propósito dos 60 anos do Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. Estarão presentes a viúva do ex-presidente João Goulart, dona Maria Thereza; Clodsmidt Riani Filho, organizador do comício; e o jornalista, professor de literatura e ex-capitão do Exército Ivan Proença, ex-presidente do Conselho Deliberativo da ABI, que pertencera ao chamado “dispositivo militar” de Jango, como oficial de sua confiança nos Dragões da Independência.

Em 1º de abril, após impedir a invasão do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (Caco) da Faculdade Nacional de Direito por um grupo paramilitar de extrema-direita, ao voltar para o Ministério do Exército, Proença foi preso pelos colegas. Jango havia se deslocado para Brasília, o golpe de Estado estava consolidado. Deu errado o famoso “dispositivo” do chefe do Gabinete Militar da Presidência, Argemiro de Assis Brasil, que consistia em promoções e nomeações a comandos importantes de militares supostamente leais ao presidente da República.

A situação havia se radicalizado desde o plebiscito que restabeleceu o presidencialismo, em 6 de janeiro de 1963. A oposição ao presidente João Goulart, que havia assumido o Palácio do Planalto após a surpreendente renúncia de Jânio Quadros, no contexto de um regime parlamentarista negociado com a oposição, acusava Jango de preparar um golpe de Estado aliado aos comunistas.

Em 12 setembro daquele ano, em Brasília, uma rebelião de sargentos da Aeronáutica e da Marinha, que não aceitaram a decisão do Supremo Tribunal Federal de não reconhecer a elegibilidade dos sargentos para o Legislativo com base na Constituição, alimentou as suspeitas. Em protesto, os sargentos tomaram de assalto a Base Aérea e o Ministério da Marinha, fecharam rodovias e o aeroporto, invadiram o Congresso Nacional e ocuparam o prédio do STF.

Os comandantes militares liquidaram a rebelião dos sargentos, mas ficaram ressentidos com Jango, por sua “neutralidade” diante da insubordinação e da quebra de hierarquia militar, que sempre foram vistas como ameaça aos fundamentos organizacionais e operacionais das Forças Armadas. Além disso, desde outubro, quando fora entrevistado pelo jornal Los Angeles Times, o governador carioca Carlos Lacerda (UDN) atacava o presidente da República e os chefes militares que o apoiavam.

Irritado com Lacerda, Jango solicitou ao Congresso a decretação de estado de sítio para intervir na Guanabara, mas houve forte reação dos grandes partidos da época, PTB, UDN e PSD, e até dos comunistas, que rejeitaram a proposta. O desgaste de Jango foi grande. A oposição passou a acusá-lo de inimigo da democracia e da legalidade, ao mesmo tempo em que ela própria conspirava para destituir o presidente da República.

Apelo às massas

A situação econômica do país era delicada, com uma inflação de 79,9%, a economia estava estagnada, com uma taxa de crescimento de 1,5%, o que levou o empresariado e a classe média à oposição. Além disso, num ambiente de guerra fria, a aproximação de Jango com os países socialistas, principalmente União Soviética, China e Cuba, apesar de ter sido iniciada por Jânio Quadros, levou ao bloqueio financeiro pelos credores externos. E os Estados Unidos, presidido por Lyndon Johnson após o assassinato de John Kennedy, se negaram a renegociar a dívida externa brasileira.

Foi quando o assessor de imprensa de Jango, o jornalista Raul Riff, ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), procurou Antônio Ribeiro Granja, integrante do secretariado do Comitê Central da legenda, para marcar um encontro de Jango com o líder comunista Luís Carlos Prestes. Os dois se reuniram num apartamento em Copacabana. À saída do encontro, Prestes comentou com Granja que Jango estava se sentindo acuado e temia o colapso financeiro do governo. Por isso, havia sugerido ao presidente da República que “apelasse às massas” para realizar as reformas de base. Dessa conversa resultou o comício da Central do Brasil, para o qual os sindicatos controlados por PTB e PCB promoveram intensa mobilização.

No foyer do nono andar da ABI, será inaugurada a exposição Rio 64 — a capital do golpe, que permanecerá em cartaz até 13 de abril. A exposição traz uma representação iconográfica dos principais acontecimentos que culminaram no golpe de 31 de março, consumado na madrugada de 1º de abril, data desprezada por ser o dia da mentira. Não foi, os militares permaneceram no poder por 20 anos. Há diferentes leituras sobre o golpe de 1964, todas têm em comum a conclusão de que Jango havia se isolado, os Estados Unidos patrocinaram o golpe de Estado e as esquerdas não tinham a força que imaginavam na Central do Brasil. Em vez de apostar num “dispositivo militar”, era mais importante respeitar as decisões do Congresso e convencer a sociedade de que as reformas eram necessárias. E não as impor.

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 Comentário Maurício David: 

Meninos, eu vi ! Jovem de 17 anos, presidente do grêmio estudantil do então colégio-padrão do Brasil (o Pedro II), fui um dos 100 mil participantes do comício da Central do Brasil, no qual Jango discursou (ao lado de Brizola, Arraes, Darcy Ribeiro, líderes sindicais) defendendo uma radicalização do seu governo e do que chamávamos então de “A Revolução Brasileira”... 13 de março... Poucos dias depois a insurreição dos marinheiros (lembram do filme “Encouraçado Pontenkin”, do grande cineasta russo Serguei Eisenstein, considerado, ao lado do “Citizen Kane”, do Orson Welles, os dois maiores clássicos de todos os tempos do cinema moderno ?...), que tomaram o Sindicato dos Metalúrgicos, situado na rua Ana Neri, no bairro do Rocha, logo depois a passeata dos marinheiros anistiados pelo ministro da Marinha por ordem do presidente Goulart que, dias depois, selou a sua deposição quando nos dias finais do mês de março radicalizou ainda mais o seu discurso no comício do Automóvel Público, ali na rua do Passeio, para uma plateia de sargentos e líderes da esquerda. Foi o sinal para a milicada ensandecida por-se definitivamente de acordo para a derrubada de Jango. Horas depois, Jango, absolutamente isolado, viu-se obrigado a abandonar o Rio de Janeiro e embarcar no avião presidencial para Brasília para reunir a sua família e seguir para Porto Alegre e daí seguir para o exílio de 12 anos no Uruguai, até a sua morte em 76... Ruíra-se completamente o “dispositivo militar” organizado pelo general Assis Brasil, chefe da Casa Militar do governo Jango que até então parecia inexpugnável na garantia do governo de João Goulart. Quem se interessar por este período da nossa História recomendo muitíssimo o filme “Jango”, do meu queridíssimo amigo Silvio Tendler. E a visita à exposição Rio 64- a capital do golpe, na ABI (rua Araújo Porto Alegre, no centro do Rio) que estará aberta à visitação pública até o dia 13 de abril. 

MD



domingo, 10 de março de 2024

Entrevista de Edmar Bacha (Brazil Journal): Declarações-bomba contra Lula e o PT - comentários de Maurício David

Brasil poderia deslanchar, mas Lula põe empresários na defensiva, diz Bacha


Entrevista ao Brazil Journal, 10/03/2024


Eleitor de Lula no pleito de 2022, o economista Edmar Bacha diz que o Brasil tem oportunidades “extraordinárias,” mas não as está aproveitando por falta de confiança de empresários e investidores na economia. E todo mundo sabe o que está gerando este clima: o próprio comportamento e as decisões do Presidente. “Lula ainda tem na cabeça que o Estado deve forçar o investimento das empresas e usar seus instrumentos para fazer com que isso aconteça,” Bacha disse nesta entrevista ao Brazil Journal. É o caso da Vale, que Lula e trata como se ainda fosse estatal apesar de ter sido privatizada há 26 anos. O economista diz que o ministro do Trabalho “age como um sindicalista dos anos 1930” ao tentar regular os aplicativos, e que a política industrial anunciada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin vai afastar o Brasil ainda mais das cadeias internacionais de valor. Mas para Bacha, nem tudo são espinhos no governo Lula. Ele elogia a gestão de Fernando Haddad – “Está tudo errado na área econômica, com exceção da parte fiscal” – a nomeação de Nísia Trindade Lima para a Saúde e as iniciativas do presidente na área social. “Lula faz um bom trabalho nessa área.” Bacha diz que o País terá que fazer a reforma do Estado, outra reforma da Previdência, e aumentar a eficiência dos programas sociais. Mas se o Governo insistir nas ideias atrasadas, é o próprio PT que pagará o preço. “O Lula não entendeu que o mandato dele é muito restrito. Se o bolsonarismo for minimamente competente e apresentar um candidato razoável, por exemplo, o Tarcísio de Freitas [governador de São Paulo], o Lula vai ter que ralar para ser reeleito.” Abaixo, os principais trechos da entrevista. 

 

Como o senhor avalia a gestão do governo Lula? 

 

Acho que o Haddad está conseguindo segurar as pontas. Basicamente, é disso que se trata, enfrentar o “fogo amigo” dentro do governo e o “fogo inimigo” no Congresso. Bolsonaro realmente deixou esse horrível legado. Outro dia vi o gráfico da proporção das emendas dos parlamentares no Orçamento Geral da União [R$37,6 bilhões, metade do total previsto para investimento em 2024].

 

Foi boa ideia acabar com o teto de gastos?

 

Não foi bom acabar com o teto, mas, tendo visto todos os furos de que o teto foi vítima, era preciso conceber alguma coisa nova. O Haddad conseguiu, dentro das circunstâncias, conceber algo aceitável para Lula e o PT. A gente não pode esquecer que este é um governo do Lula e do PT. Dentro desse constrangimento, acho que ele fez o melhor possível. O governo tem diversas dimensões. A política externa, por exemplo, é um absurdo. 

 

Por quê?

 

Porque é um absurdo que Celso Amorim, que é antiamericano radical desde sempre, esteja no comando da política externa. Estamos apoiando Vladimir Putin, Nicolás Maduro e Xi Jinping, e fazendo coisas unilaterais no Oriente Médio, quando deveríamos tentar fazer o meio de campo. 

 

Que papel o Brasil poderia ter no conflito entre Israel e Palestina?

 

Temos condições internas para fazer o meio de campo no Oriente Médio porque essas questões estão razoavelmente pacificadas no Brasil. A lei antirracismo, por exemplo, foi proposta por Afonso Arinos de Melo Franco e aprovada em 1951. Naquela época, os EUA ainda tinham “apartheid”. Estamos purgando os pecados do passado, mas enfim, somos uma sociedade misturada e temos honra de sermos assim. Obviamente, há um problema terrível de distribuição de renda que a gente precisa enfrentar, mas que está sendo trabalhado. Lula faz um bom trabalho nessa área. Imagine ter a Nísia Trindade Lima no Ministério da Saúde. Isso é uma verdadeira prenda! Então, há coisas boas no governo.

 

O que o preocupa além da política externa?

 

Lula ainda tem na cabeça que o Estado deve forçar o investimento das empresas e usar seus instrumentos para fazer com que isso aconteça. Ele não tem mais as estatais na mão porque elas foram privatizadas. Lula quer entrar na Vale porque a companhia não está investindo tanto quanto ele queria. Ele entrou na Petrobras. O presidente [Jean Paul Prates] que ele nomeou quer comprar de volta refinarias privatizadas [durante os governos Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro]. Está querendo, também, comprar os postos de gasolina de volta [a BR Distribuidora foi privatizada em 2019]. Isso é absurdo! A Petrobras tinha que estar focada para fazer o que sabe fazer bem, que é a exploração de petróleo. É uma empresa estatal, então, precisa ter uma super governança. A Lei das Estatais [aprovada na gestão Temer] tentou fazer isso, mas, hoje, essa lei está sob ataque do Lula e dos petistas. Vejo problemas também no Ministério do Trabalho. 

 

Por quê?

 

O ministro do Trabalho [Luiz Marinho] age como um sindicalista dos anos 1930. Ele acha que está fazendo a consolidação das leis do trabalho para um Brasil que estaria começando a se industrializar e a se urbanizar… Ele pressionou de todas as formas para fazer a chamada, entre aspas, regularização da atividade dos entregadores de aplicativos. Os entregadores reagiram, dizendo: “Não queremos essa regularização”. O pessoal do PT tem uma mentalidade atrasada. 

 

Como o senhor avalia a política industrial lançada pelo governo? 

 

A esta altura da partitura, aumentar a tarifa sobre importação, os requisitos de conteúdo local e a preferência para compras governamentais são decisões contrárias ao aumento da produtividade da economia. Está tudo errado na área econômica, com exceção da parte fiscal. A reforma tributária passou muito bem no Congresso, mas eu me pergunto: se o Lula estivesse realmente interessado e não tivesse delegado o assunto totalmente para o pobre do Bernard Appy [secretário especial da Reforma Tributária], que teve que resolver tudo com o Congresso sem nenhum poder político, teriam aparecido tantos jabutis quanto apareceram? E agora, há o risco de termos ainda mais jabutis na regulamentação. A reforma tributária manteve o IPI sobre produtos que tenham similares fabricados na Zona Franca de Manaus.

 

Este é um jabuti?

 

Acho que eles vão restringir a lista de produtos sujeitos a essa regra. Espero que seja como a lista da cesta básica. Há a promessa de revisão daqui a cinco anos. Nos próximos anos, temos que ficar batendo em cima para que, de fato, daqui a cinco anos a gente possa tirar esses jabutis da árvore. Quando a Constituição foi promulgada em 1988, fixou-se prazo de cinco anos para a revisão. Houve revisão? Lembro-me perfeitamente. Mandamos 63 projetos de emenda constitucional e o Congresso rejeitou 62. Só passou a criação do Fundo Social de Emergência [que desvinculou 20% da arrecadação dos tributos federais atrelados a gastos com saúde e educação]. O PIB cresceu 2,9% no ano passado, mas a taxa de investimento recuou 3%.

 

Falta confiança aos empresários?

 

Não há confiança. O que me irrita no Lula é que o país poderia estar deslanchando se houvesse confiança. Há oportunidades extraordinárias, mas é preciso ficar na defensiva com o Lula o tempo todo. Sabe-se lá como ele vai intervir na economia. E uma economia que joga na defesa não vai para frente. 

 

O senhor defende há muitos anos a abertura da economia como medida necessária para o aumento da produtividade. Vê alguma chance para essa agenda?

 

Os “Mercadantes” estão muito exultantes com o fato de que, agora, os EUA começaram a praticar a política industrial. Mas é uma política voltada para a sua luta contra a China. E, aí, o pessoal do governo do PT diz: “Se eles fazem, a gente pode fazer também”. O Alckmin fala: “Olha quanto eles [os americanos] estão gastando”. Quando o mundo estava se globalizando, o Brasil não se globalizou. Agora, o mundo está se desglobalizando. 

 

Durante a pandemia, cadeias globais de produção foram quebradas. Isso não criou oportunidade para o Brasil se reindustrializar?

 

Acho que sim. O país precisa repensar a indústria. A questão não é ter política industrial, e sim ter uma política industrial voltada para a integração do Brasil nas cadeias internacionais de valor. A política industrial anunciada pelo governo é o contrário: é para desintegrar ainda mais o Brasil das cadeias internacionais de valor. Vai na contramão do que precisa. Esse pessoal não entende que isso vai criar meia dúzia de empregos, mas a que custo fiscal e a que preço para os consumidores nacionais? Nós, que temos dinheiro para viajar ao exterior, podemos comprar tudo lá fora, sem pagar nenhum imposto aqui. E ainda nos deixam comprar mais US$1.000 no free shop, sem pagar imposto. Mas e os brasileiros que não conseguem sair do país porque não têm dinheiro? Esses brasileiros descobriram que existe um canal chinês que vende produtos, de até US$ 50, sem imposto. Aí, vem o governo querendo taxar esse pessoal. Isso é falta de respeito com os consumidores brasileiros, especialmente os de baixa e média renda. Eles [o governo e os empresários contrários à abertura comercial] acham que o mercado interno é deles. Meu argumento é sempre produtividade, mas o que realmente me toca é a insensibilidade social com o consumidor de baixa renda no Brasil. 

 

O senhor enxerga alguma saída política, capaz de romper esse “pacto” anti-abertura comercial?

 

Essa coisa é muito difícil. Estava pensando politicamente o seguinte: todos nós somos produtores de alguma coisa e consumidores do resto. O que a gente produz a gente quer proteger. Para proteger o que produzo, eu sei como agir. Vou lá no meu sindicato, no meu deputado, no Ministério da Indústria e Comércio. Agora, para as coisas que eu consumo, a quem eu recorro, com quem me reúno? Com quem? Não tem! Não há agregação de interesses individuais em coletividades que possam exercer a pressão que os grupos de interesse operam sobre o governo. E, aí, nós somos prejudicados. Bem, nós não porque temos como fazer compras no exterior. Eu me lembro bem quando, em 1983, trouxe um computador dos EUA pela primeira vez e o José Serra olhou para mim e perguntou: “O que é isso, hein?”. Naquela época, tínhamos uma Lei de Informática que proibia a importação de computadores. 

 

O Plano Real completa 30 anos em julho. O senhor vê alguma ameaça à estabilidade dos preços? 

 

Não.

 

Acredita nisso porque os brasileiros aprenderam que inflação baixa é algo bom?

 

Não são os brasileiros, e sim a classe política. Os políticos aprenderam que, se não mantiverem a inflação sob controle, eles caem fora.

 

Que reformas o país precisa fazer além de abrir a economia?

 

A reforma do Estado brasileiro, um tema que vem sendo bastante tratado pelo Arminio Fraga e a Ana Carla Abrão. Qual é o aspecto mais importante dessa reforma? Uma reforma administrativa entendida amplamente. A gente tem que reduzir o peso que o gasto de pessoal exerce hoje sobre o orçamento. Há também a questão da Previdência, que vai voltar, uma vez que o Lula está corrigindo o salário mínimo acima da inflação. Com o piso da Previdência indexado ao salário mínimo, essa situação vai se deteriorar ao longo do tempo. Mesmo os programas sociais poderiam ser melhor gerenciados. O ex-senador Tasso Jereissati apresentou proposta de lei de responsabilidade social dando um pouquinho mais de consistência e integração às transferências sociais. Estas poderiam ser feitas de forma muito mais efetiva, com muito menos custo e mais benefícios para quem de fato necessita. 

 

De que forma? 

 

Unificar os programas, ter portas de entrada e saída, criar poupança para quem necessita no setor informal, para uso durante momentos de desemprego. Enfim, teria muito o que fazer para tornar o Estado mais leve e ágil, e mais voltado para o que deve fazer pelo país.

 

Como o senhor analisa a polarização política que caracteriza hoje a política brasileira? 

 

Aqui, o problema foi o afundamento do PSDB. O partido surgiu como alternativa ao petismo, mas só foi bem-sucedido por causa do real. O Plano Real criou essa possibilidade de o PSDB ficar no governo federal por oito anos e, no governo de São Paulo por 20. O PSDB se desintegrou. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, está tentando alguma coisa, vamos ver o que ele consegue.

 

Por que o encolhimento do PSDB explica a polarização?

 

Porque isso criou um vácuo no espectro anti-lulista e anti-PT. A direita se apropriou desse espaço. No passado recente e na época do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso [1995-2002], o centro tinha controle sobre suas partes. Estou pensando aqui em Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Mário Covas, José Richa, Eduardo Campos e outros grandes líderes que tivemos. O PMDB, de onde nasceu o PSDB, era uma força que também se diluiu em inúmeros partidos com aspectos fisiológicos e muito pouco caráter programático. O PSDB é um partido de centro-esquerda. Por que seu espaço foi ocupado pela extrema-direita? Acho que aí tem um problema de personalidade. De vez em quando a história é determinada por indivíduos. O líder carismático que apareceu [Jair Bolsonaro] é um líder de extrema-direita.

 

Que grupos a extrema-direita representa? 

 

O agronegócio moderno e as igrejas pentecostais. Não consigo ver muitas outras características que possam ser identificadas. 

 

Por que o Lula ganhou a eleição? 

 

Porque, na última hora, muita gente, inclusive eu e os pais do Real, declarou voto nele. Foi isso, até mais do que os votos da Simone Tebet, que garantiu a vitória. Mas o Lula não entendeu isso até hoje. 

 

O quê, exatamente?

 

Lula não entendeu que o mandato dele é muito restrito. Se o bolsonarismo for minimamente competente e apresentar um candidato razoável, por exemplo, o Tarcísio de Freitas [governador de São Paulo], o Lula vai ter que ralar para ser reeleito.

 

O senhor vê riscos à democracia brasileira? 

 

Com Trump, sim. Da vez que o Bolsonaro tentou, eu estava tranquilo porque, pensei, se ele quiser fazer alguma coisa, os americanos não deixam. 

 

No cenário externo, que riscos o senhor vê adiante?

 

O maior é a eleição de Donald Trump. É complicada a situação. Os americanos se acostumaram a ter uma taxa de juros muito baixa por muito tempo. A dívida pública não importava muito porque qualquer crescimento do PIB compensava a elevação da dívida. Agora, com os juros a 5,5% ao ano, não mais. O mundo é muito sensível aos juros americanos. O problema do Trump é seu discurso super radical, dizendo, por exemplo, que quer classificar imigrantes como terroristas. É inacreditável!

 

Ele disse que não indicará Jay Powell para novo mandato no comando do Federal Reserve [Fed, o banco central dos EUA]. Isso preocupa? 

 

Pois é, sabe-se lá qual será a política monetária, embora a estrutura do Fed seja muito sólida. Não dá para colocar muitos “pombos” [economistas subservientes ao governo] na diretoria. Ele está falando em colocar imposto de 150% sobre o que se compra da China. Isso não depende tanto do Congresso para fazer. E tem a questão da geopolítica. 

 

Qual, exatamente? 

 

Trump está ameaçando enfraquecer a OTAN, além de todas as outras organizações multilaterais. Seriam os EUA se voltando para si mesmo. O isolacionismo se manifestando a esse nível pode ser muito ruim para o mundo.Os europeus terão que reagir de alguma maneira porque a ameaça da Rússia está aí. Matéria do “The New York Times” revelou a atração, por Vladimir Putin, de uma importante ala do partido Republicano. Não é só o Trump. É um grau muito grande de deterioração em relação ao que se espera do país líder do mundo ocidental. 

 

Com a possível volta de Trump, voltamos para a era das incertezas?

 

Essa é a questão. O retorno de Trump é algo que, obviamente, não vai ser bom. O que podemos discutir é o quão ruim será porque os interesses comerciais e empresariais americanos no exterior são muito relevantes. A dependência da força do dólar, tendo em vista que os EUA são um país deficitário e que sua dívida externa precisa se manter sólida, é muito importante. Ainda hoje é impossível imaginar uma corrida contra o dólar. Todas as crises internacionais, inclusive, as mais recentes, foram uma corrida para o dólar, que continua sendo o ativo mais seguro. Isso expõe o mundo.

 

Por quê?

 

Seria um risco enorme você não dispor da moeda básica, um ativo sobre o qual os investidores não têm a menor dúvida. Este seria o limite que um governo Trump, isolacionista e muito aguerrido, poderia provocar no mundo. Temos que nos preparar para essa situação. E como estamos? O saldo comercial do Brasil é bem favorável [US$98,8 bilhões em 2023, recorde histórico]. Temos boa perspectiva tanto em termos de safra agrícola quanto de petróleo e gás. E temos reservas internacionais bastante fortes [US$ 354 bilhões]. A gente tem que se preocupar com a solidez fiscal porque o que pode ocorrer de pior é uma crise financeira, que vai nos atingir diretamente.

 

De que forma?

 

Atinge a colocação da dívida pública aqui no país, mesmo esta sendo interna. Haveria fuga de capitais. Se você olhar a composição das reservas internacionais ao longo dos últimos anos, há uma queda da importância do dólar. Ao contrário do que alguns previam, isso não ocorre por causa do renminbi. Há uma diversificação de portfólio em relação a países ocidentais sólidos, mas a dimensão desses mercados é muito pequena. Você pode diversificar 5%, 10% ou 15% do portfólio das reservas, mas, logo, logo, chega ao limite porque não existe outro país, com exceção da China, com a dimensão econômica dos EUA. Dependendo do que ocorra na Europa, temos que imaginar como seria porque, lá, não há mais líderes com a qualidade da Angela Merkel [ex-premiê da Alemanha]. Isso é preocupante porque, se não forem os EUA, têm que ser a Europa para segurar o mundo ocidental. 

 

Como o senhor vê a situação econômica da China?

 

Enquanto continuar o controle político que o Partido Comunista possui, os chineses têm os instrumentos em mãos [para lidar com uma possível crise]. Eles não têm problema fiscal como o nosso. Têm um superávit fiscal considerável. A taxa de poupança da China é extraordinária [45% do PIB]. O Brasil [cuja taxa de poupança em 2023 foi de 15,4%] tem um problema de excesso de demanda, enquanto na China falta demanda. É por isso que os chineses dependem tanto das exportações e dos investimentos em construção civil. Mas, os governantes têm os instrumentos e é mais fácil combater falta de demanda do que falta de oferta. O fato é que acabou o milagre chinês. A discussão neste momento é a que taxa de crescimento eles vão pousar.


Leia mais em https://braziljournal.com/brasil-poderia-deslanchar-mas-lula-poe-empresarios-na-defensiva-diz-bacha/?utm_source=Brazil+Journal&utm_campaign=928212ade3-weekendjournal-10032024-1_COPY_03&utm_medium=email&utm_term=0_850f0f7afd-928212ade3-427950289 .

 

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Citações do dia : em bombástica entrevista publicada no dia de hoje, Edmar Bacha (o principal economista da área direita do PSDB, ex-presidente do BNDES) usa seus drones para bombardear Lula, Alckmin, Aloizio Mercadante e à população civil em geral...

 

Algumas das suas pérolas : (há pérolas de sabedoria, outras parecem que saídas de um bombardeio israeli da Faixa de Gaza...) 

Mauricio David


Declarações de Edmar Bacha:

 

“Lula ainda tem na cabeça que o Estado deve forçar o investimento das empresas e usar seus instrumentos para fazer com que isso aconteça”

 

a política industrial anunciada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin vai afastar o Brasil ainda mais das cadeias internacionais de valor

 

se o Governo insistir nas ideias atrasadas, é o próprio PT que pagará o preço

 

A política externa (...do PT) , por exemplo, é um absurdo

 

é um absurdo que Celso Amorim, que é antiamericano radical desde sempre, esteja no comando da política externa

 

O ministro do Trabalho [Luiz Marinho] age como um sindicalista dos anos 1930

 

 O pessoal do PT tem uma mentalidade atrasada

 

aumentar a tarifa sobre importação, os requisitos de conteúdo local e a preferência para compras governamentais são decisões contrárias ao aumento da produtividade da economia. Está tudo errado na área econômica, com exceção da parte fiscal

 

O PIB cresceu 2,9% no ano passado, mas a taxa de investimento recuou 3%.

 

O que me irrita no Lula é que o país poderia estar deslanchando se houvesse confiança. Há oportunidades extraordinárias, mas é preciso ficar na defensiva com o Lula o tempo todo. Sabe-se lá como ele vai intervir na economia. E uma economia que joga na defesa não vai para frente

 

Os “Mercadantes” estão muito exultantes com o fato de que, agora, os EUA começaram a praticar a política industrial. Mas é uma política voltada para a sua luta contra a China. E, aí, o pessoal do governo do PT diz: “Se eles fazem, a gente pode fazer também”. O Alckmin fala: “Olha quanto eles [os americanos] estão gastando”. Quando o mundo estava se globalizando, o Brasil não se globalizou. Agora, o mundo está se desglobalizando.

 

A questão não é ter política industrial, e sim ter uma política industrial voltada para a integração do Brasil nas cadeias internacionais de valor. A política industrial anunciada pelo governo é o contrário: é para desintegrar ainda mais o Brasil das cadeias internacionais de valor. Vai na contramão do que precisa. Esse pessoal não entende que isso vai criar meia dúzia de empregos, mas a que custo fiscal e a que preço para os consumidores nacionais? Nós, que temos dinheiro para viajar ao exterior, podemos comprar tudo lá fora, sem pagar nenhum imposto aqui. E ainda nos deixam comprar mais US$1.000 no free shop, sem pagar imposto. Mas e os brasileiros que não conseguem sair do país porque não têm dinheiro?

 

. A gente tem que reduzir o peso que o gasto de pessoal exerce hoje sobre o orçamento. Há também a questão da Previdência, que vai voltar, uma vez que o Lula está corrigindo o salário mínimo acima da inflação. Com o piso da Previdência indexado ao salário mínimo, essa situação vai se deteriorar ao longo do tempo.

 

Por que o Lula ganhou a eleição? Porque, na última hora, muita gente, inclusive eu e os pais do Real, declarou voto nele. Foi isso, até mais do que os votos da Simone Tebet, que garantiu a vitória. Mas o Lula não entendeu isso até hoje. 

 

Se o bolsonarismo for minimamente competente e apresentar um candidato razoável, por exemplo, o Tarcísio de Freitas [governador de São Paulo], o Lula vai ter que ralar para ser reeleito.

 

. A dependência da força do dólar, tendo em vista que os EUA são um país deficitário e que sua dívida externa precisa se manter sólida, é muito importante. Ainda hoje é impossível imaginar uma corrida contra o dólar. Todas as crises internacionais, inclusive, as mais recentes, foram uma corrida para o dólar, que continua sendo o ativo mais seguro. Isso expõe o mundo.

 

. Atinge a colocação da dívida pública aqui no país, mesmo esta sendo interna. Haveria fuga de capitais. Se você olhar a composição das reservas internacionais ao longo dos últimos anos, há uma queda da importância do dólar. Ao contrário do que alguns previam, isso não ocorre por causa do renminbi.

 

A taxa de poupança da China é extraordinária [45% do PIB]. O Brasil [cuja taxa de poupança em 2023 foi de 15,4%] tem um problema de excesso de demanda, enquanto na China falta demanda.

 

. O fato é que acabou o milagre chinês. A discussão neste momento é a que taxa de crescimento eles vão pousar.


Olof Palme: El último socialdemócrata - Daniel Suhonen (Tribune); comentário de Maurício David

Olof Palme: El último socialdemócrata

Daniel Suhonen

Tribune, 06/03/2024

El Primer Ministro sueco Olof Palme fue asesinado tal día como hoy de 1986. Fue el último líder socialdemócrata que realmente creyó en un mundo más allá del capitalismo.

A las 23.21 del viernes 28 de febrero de 1986, el Primer Ministro sueco Olof Palme fue asesinado en plena calle en Estocolmo. Su asesino no ha sido identificado y sigue en libertad. Cada año por estas fechas, los periódicos suecos y los medios de comunicación especulan con nuevas teorías sobre quién pudo hacerlo. Pero muy pocos reflexionan sobre su impacto político.

Olof Palme fue Primer Ministro de Suecia durante dos períodos, de 1969 a 1976 y de 1982 hasta su muerte en el 86. Durante ese periodo, dirigió un Partido Socialdemócrata que seguía comprometido con una visión radicalmente diferente del mundo y con el desafío al capitalismo en casa y al imperialismo en el extranjero.

Palme es quizás más conocido por esto último. Al igual que Tony Benn, Olof Palme procedía de la clase alta y era relativamente moderado cuando apareció en escena en la década de 1950. Y como Benn, se radicalizó con los tiempos, y en particular con los tumultos anticolonialistas y antibelicistas de los años sesenta. Como Primer Ministro, el internacionalismo de Palme fue notable: apoyó al Vietcong contra Estados Unidos durante la guerra de Vietnam, condenó al régimen de Franco en España como "malditos asesinos" por ejecutar a presos políticos y visitó Cuba en 1975, donde condenó al régimen de Batista y elogió a los revolucionarios cubanos.

Pero el internacionalismo del gobierno de Palme no alcanzó su punto álgido. Bajo su liderazgo, Suecia no sólo apoyó sino que financió al FMLN en El Salvador y a los sandinistas en Nicaragua durante sus luchas contra las milicias de la Contra apoyadas por Estados Unidos. Y lo que es más famoso, también financió el Congreso Nacional Africano en Sudáfrica. Palme fue uno de los más firmes opositores al apartheid. Cuando fue asesinado, el presidente del CNA, Oliver Tambo, escribió un increíble ensayo en su memoria:

"Olof Palme demostró que teníamos razón al esperar que los principales políticos y estadistas del mundo occidental pudieran superar todas las limitaciones, tanto reales como imaginarias, para ponerse finalmente del lado de los pobres, los oprimidos, los explotados y los maltratados del sur de África. Cuando murió, se apagó un faro de esperanza... Las generaciones presentes y futuras de los pueblos de nuestra región, nuestro continente y nuestro mundo cantarán siempre a Olof Palme como la espina clavada en la carne de las fuerzas de la reacción que representaban un terrible y petrificado viejo orden".

Palme y el modelo sueco

Pero también en su país, Palme representaba un desafío fundamental a los intereses establecidos, y estaba en la mejor tradición de la socialdemocracia sueca. Se comprometió a proteger una economía en la que la inmensa mayoría de los trabajadores (entre el setenta y el ochenta por ciento durante su mandato) estaban sindicados, el Estado era propietario de la mayor parte de la economía y el Estado del bienestar garantizaba que las necesidades básicas de la vida estuvieran al alcance de todos.

El predecesor de Olof Palme, Tage Erlander, que fue primer ministro durante veintitrés años ininterrumpidos, era, bajo su tranquila apariencia, un marxista estudiado y un socialista apasionado. En 1974 preguntaron a Erlander cuál era el futuro de las ideas de nacionalización y control de los medios de producción. Respondió que en la actualidad "el cincuenta por ciento de la producción se ha extraído de la economía capitalista a través de los impuestos. Si podemos aumentar esta (cuota) al 60-70-80 por ciento, entonces el Estado del bienestar se habrá convertido en una forma de socialismo".

Ese tipo de economía había sido construida por la izquierda. En 1932, los socialdemócratas suecos ganaron las elecciones a la sombra de la Gran Depresión prometiendo el pleno empleo y una nueva política económica. Ernst Wigforss, que pronto se convertiría en Ministro de Finanzas, atacó a sus oponentes de derechas con una pregunta retórica - "¿podemos permitirnos trabajar?" - y argumentó que los economistas del laissez-faire socavaban la economía al abogar por dejar a los trabajadores ociosos y pobres.

De 1932 a 1990, los socialdemócratas consideraron el pleno empleo su objetivo más importante y lo convirtieron en el elemento esencial de su política económica. En principio, el desempleo nunca superó el dos o el tres por ciento durante todo el periodo. El socialismo a través de la expansión del Estado del bienestar era la estrategia, y el sector estatal aspiraba a convertirse en una esfera ajena al sistema de producción capitalista con sus principios de maximización de beneficios.

La generación política que creó estas estrategias reformistas tenía algo en común: una profunda convicción socialista democrática. Palme y los políticos que antes que él construyeron el Partido Socialdemócrata más fuerte del mundo eran reformistas porque pretendían transformar la sociedad capitalista. Las reformas graduales basadas en valores socialdemócratas con la distribución equitativa de la riqueza, la toma de decisiones democrática y la libertad de expresión como objetivos primordiales eran el camino hacia el socialismo democrático.

Visto en este contexto, el asesinato de Olof Palme fue un asesinato político, ya que tuvo enormes consecuencias políticas. Cuando Palme cruzó Sveavägen, en Estocolmo, a las 23:17 era el líder del partido que había ganado las elecciones parlamentarias de 1985 oponiéndose a la privatización del sistema de bienestar, que había introducido fondos para los asalariados en las empresas privadas, que se oponía a la adhesión a la CEE (ahora UE), defendía la no alianza y la neutralidad en política exterior y estaba decidido a mantener un sector público que se extendía por la mitad de la economía y estaba subvencionado a través de los impuestos más altos del mundo. El tipo de socialdemocracia que surgiría minutos después, sin Olof Palme, no sólo en Suecia sino en todo Occidente, supuso una ruptura fundamental con todo esto.

Después de Palme

En 1980, Suecia era posiblemente el país capitalista más igualitario que el mundo había visto jamás. Bajo el mandato de Palme, el país había respondido a los tumultos de las décadas anteriores con una nueva oleada de políticas socialdemócratas: guarderías públicas universales, ayudas a la vivienda para pensionistas y padres con hijos pequeños, aumento de las prestaciones por hijos y ampliación de la oferta de asistencia sanitaria gratuita, incluso para abortar.

Sin embargo, según la OCDE, Suecia es hoy el país desarrollado en el que la brecha entre ricos y pobres aumenta más rápidamente. Como demuestra el sociólogo Göran Therborn en su libro Capitalism, the Powerful and the Rest of Us (El capitalismo, los poderosos y el resto de nosotros), en lo que respecta a la distribución de la riqueza Suecia se ha convertido en uno de los países menos igualitarios del mundo, comparable a Brasil, Sudáfrica y Estados Unidos.

Los ingresos fiscales de la economía aumentaron durante la década de 1980 hasta superar el cincuenta por ciento. Hoy ronda el cuarenta y tres por ciento, lo que constituye un recorte de impuestos del siete por ciento del PNB desde 2000, o una reducción de 240.000 millones de coronas suecas (20.000 millones de libras) al año en el gasto público.

Durante décadas, el Partido Socialdemócrata de Suecia aplicó una política de pleno empleo. En 1990, cambió de rumbo e hizo de la baja inflación su principal objetivo. Esta reevaluación fue dictada en cierta medida por la entrada de Suecia en la UE, pero también era la política que la derecha nacional y sus asesores económicos habían defendido durante décadas. Desde entonces, el desempleo nunca ha bajado del seis al ocho por ciento, tres veces más que antes.

En las últimas décadas también hemos sido testigos de una revolución neoliberal desenfrenada impulsada por escuelas de propiedad privada que maximizan los beneficios, pero financiadas con fondos públicos, similares a las defendidas por Milton Friedman. Estas escuelas siguen el modelo de las que los "Chicago Boys" utilizaron para construir la economía de libre mercado en el Chile de Pinochet, pero incluso allí fueron posteriormente abolidas. En Suecia, uno de cada cinco alumnos asiste ahora a una escuela privada, lo que agrava la ya pronunciada segregación racial y de clase. Desde hace varios años existe una gran crisis en el sistema sanitario debido a la grave falta de recursos y a que no se ha conseguido construir hospitales privados.

Tras las elecciones de 2018, el Partido Socialdemócrata Sueco, que había sido el mayor del país durante más de un siglo, se consideró obligado a firmar un acuerdo de cooperación con los partidos centristas, abrazando un programa neoliberal que incluía recortes fiscales para las rentas altas, la privatización de la bolsa de trabajo y la desregulación del mercado de alquiler de viviendas.

Desde la firma de este acuerdo, el apoyo a los socialdemócratas en las encuestas de opinión ha caído en picado y los sondeos más recientes indican un apoyo de sólo entre el 22-23% del electorado, menos que el mayor partido de extrema derecha de Suecia, los Demócratas Suecos.

Por decirlo suavemente, algo le ha pasado al partido de Olof Palme y a su país. En el 34 aniversario de su asesinato, la socialdemocracia se encuentra en una crisis existencial. El cambio de paradigma que he descrito ha provocado décadas de declive, y no hay indicios de que vaya a terminar pronto.

Legado

En los días de conmemoración, se puede oír a algún político socialdemócrata lamentar que tan poca gente reconozca los logros políticos de Palme. Pero el partido moderno ha erradicado prácticamente todo lo que él representaba. En este vacío, Palme pasó rápidamente a formar parte de la historia.

Olof Palme no fue un mesías. Como muchos políticos, cometió errores. Muchas de sus ideas no tuvieron en cuenta los cambios provocados por el final de la Guerra Fría y una era emergente en la que el capital ya no estaba controlado por el Estado nación. Pero el asesinato de Palme fue un momento de trascendencia mundial: el fin de una corriente de socialdemocracia radical y reformadora que veía un mundo más allá del capitalismo y de los crímenes seculares del imperialismo. Aunque fue Palme quien recibió el disparo, fue una política la que murió.

No fue sustituida por nuevas ideas socialdemócratas, sino que los partidos de centro-izquierda europeos se adaptaron al neoliberalismo y a sus políticas económicas. Desde 1986, la socialdemocracia no ha propuesto ninguna política importante para reformar la sociedad, al menos ninguna que pudiera cuestionar el control de los medios de producción por parte de las empresas. Los fondos para los asalariados que se introdujeron en 1982 fueron revocados sin protesta por el gobierno de derechas de 1991-94.

Los fuertes y bien organizados enemigos de la socialdemocracia se enfrentaron a un oponente más flexible y complaciente tras la destitución de Palme. La socialdemocracia ya no era un concepto político distinto. Había roto con una línea de pensadores independientes que existía desde hacía más de un siglo, y uno de los padres fundadores del partido, Axel Danielsson, declaró en el primer programa del partido que su objetivo era "distinguirnos de todos los demás partidos". Hoy el Partido Socialdemócrata es uno más del montón.

Según la línea oficial del partido, fue el odio a la personalidad de Palme el motivo del asesinato. Pero hay que examinar el motivo de este odio. La personalidad de Palme fue sin duda un factor que contribuyó, especialmente el rencor que caracterizaba su estilo como polemista. Pero fue su mensaje político el que provocó este odio. Palme se convirtió en el blanco de quienes detestaban lo que podía conseguir un movimiento obrero enfrentado, agresivo, orgulloso y seguro de sí mismo, que subía los impuestos y pretendía democratizar.

Sin esas políticas no habría habido odio. El odio a Palme no iba dirigido a un único polemista provocador que había traicionado sus orígenes de clase alta; era una campaña muy específica contra una persona que defendía políticas que amenazaban intereses creados arraigados.

A menudo pienso en Olof Palme. Su retrato cuelga de mi despacho. El modelo sueco ha servido de inspiración a los izquierdistas de todo el mundo. Nuestros fuertes sindicatos, nuestro amplio Estado del bienestar y la igualdad de género han convertido a Suecia en un modelo a seguir. En Estados Unidos, Bernie Sanders se refiere con frecuencia a los estados de bienestar nórdicos y a su sanidad y educación universitaria gratuitas como un camino a seguir.

Pero hoy el Partido Socialdemócrata Sueco mira en dirección contraria. Su responsable internacional volvió de un reciente viaje a Estados Unidos y declaró a Sanders demasiado "radical". Mejor ponerse del lado de los multimillonarios. Hoy, la dirección del partido de Palme encuentra más inspirador a Pete Buttigieg. Para millones de socialistas suecos, sin embargo, Sanders es un modelo a seguir y un icono. Sus intervenciones en los debates y sus discursos se difunden en las redes sociales y son retomados por celebridades. Su orgullosa adopción del término "socialismo democrático" sigue conmoviendo a los socialdemócratas y a todos los que sueñan con políticas que cambien el mundo.

La mañana siguiente al asesinato de Palme, el 1 de marzo de 1986, me desperté y encontré a mis devastados padres consolándose mutuamente en el sofá de nuestro pequeño salón. Lloraban desconsoladamente en la penumbra. La televisión estaba encendida. Extrañamente, la recuerdo en blanco y negro, como una fotografía. "Lo han cogido", dijo mi madre, sin decir a quién se refería.

Fueron muchos los que en aquel momento pensaron que Suecia nunca volvería a ser la misma. Ahora sabemos que tenían razón. Han pasado treinta y cuatro años. Aún no sabemos quién asesinó a nuestro Primer Ministro. Pero sabemos quién lo llora. Y sabemos quién mantiene su tradición.

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Daniel Suhonen

dirige el grupo de reflexión Katalys, respaldado por los sindicatos suecos. Fue redactor de discursos del líder izquierdista del Partido Socialdemócrata, Håkan Juholt, y es autor del libro "The Party Leader who Came in from the Cold". 

 

Fuente: 

Tribune, 28 de febrero de 2024 

 

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Comentário de Maurício David: 


  

Tenho críticas a muitas considerações e comentários deste artigo de Daniel Suhonen,  especialmente no que se refere à evolução do SAP ( o Socialdemocratiska Arbetanas Partiet - Partido Social-Democrata Operário  Sueco, liderado por boa parte dos anos 60, 70 e 80 por este político extraordinário que foi Olof Palme) , mas apesar disto recomendo a sua leitura para os que se interessam por compreender o caminho político e econômico que levou a Suécia a transformar-se, de um país agrário e relativamente pobre – no qual quase a metade da população havia se visto obrigado a emigrar do país impulsionada pela fome e pelo subdesenvolvimento – em um país de elevado grau de desenvolvimento econômico-industrial, por muitos anos o de maior índice de desenvolvimento social do mundo.  Olof Palme foi um grande líder do Partido ( o SAP) que liderou este processo. 

Sempre tive grande admiração por Palme. Não só porque foi por sua iniciativa que o governo sueco acolheu uma pequena legião de brasileiros (eu e Beatriz inclusive, e creio que em total nunca ultrapassamos a uns 150 ...) como asilados após o golpe que depôs no Chile o presidente Allende em 1973, mas também porque sempre vi nele o espelho dos grandes líderes políticos que o Brasil tanto necessitava para o trânsito entre a ditadura militar e um regime social-democrata a la sueca ( o que me levou a procurar primeiro organizar, junto a Brizola, Darcy Ribeiro e um punhado de exilados mais, o PDT e, posteriormente depois do meu rumoroso rompimento com as características mais perversas do brizolismo, a juntar-me ao Fernando Henrique, Mario Covas e Franco Montoro na fundação do PSDB inspirado, em grande parte, na social-democracia sueca). Presidi, nestes dois partidos, as suas respectivas fundações de estudos políticos, econômicos e sociais, respectivamente a Fundação Alberto Pasqualini, do PDT,  e a Fundação Theotonio Vilela, do PSDB.

Não sei se as pessoas sabem que, na noite em que foi assassinado, Palme havia tomado o metrô em Santiago para ir, junto com a sua esposa, a um cinema no centro de Stockholm, assistir a um filme em cartaz. De metrô !!! Um primeiro-ministro ! Sem guarda-costas !!! Depois do cinema certamente iriam preparar em casa uma pizza ou Kottbullar (um prato de bolinhos de carne típico da cozinha sueca, o meu prato predileto...) para comer em casa... E depois lavariam os pratos, sem ajuda de empregados domésticos, pois estes eram os costumes suecos então... Um brasileiro(a) achará que estou delirando. Mas era assim mesmo, meninos eu vi (como nos versos famosos de Gonçalves Dias...). 

Hoje, ainda guardo no peito um imenso amor a este país – e sua gente – tão diferentes e distantes do nosso, não só pelos seis anos em que ali vivemos, mas também também porque nosso filho mais velho – Antonio Carlos – que ali nasceu em 1978, pouco antes de voltarmos do exílio para o Brasil, pois por seis anos em que a ditadura nos negava documentos de identidade e passaportes (durante 6 anos tínhamos apenas um passaporte das Nações Unidas para refugiados e apátridas emitido pelo Governo sueco – melhor ser patrocinado pelo Rei sueco do que pelos generais assassinos da ditadura brasileira ...). 

MD


segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Luiz Werneck Vianna: um critico precoce da Lava Jato - Luiz Sérgio Henriques e Bernardo de Melo Franco (Maurício David)

 Realmente eu desconhecia esta postura do Werneck com relação à Lava Jato... Bastaria este posicionamento para manchar irreparavelmente a biografia política deste que parecia – qual Robespierre na França pós-Revolução – um acadêmico incorruptível. Que pena que após o seu desaparecimento venham à luz estas manchas na sua biografia. Ainda  mais que sob os (falsos) elogios de um cronista político tal qual o articulista do jornal O Globo Bernardo Mello Franco, o campeão da intransigência e do facciosismo na crônica política brasileira.

Maurício David


 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Luiz Sérgio Henriques* - A linguagem da frente democrática 


O Estado de S. Paulo

Há um terreno comum a ser redescoberto por todas as forças democráticas, de modo que a luta áspera inerente às democracias marginalize extremos

Em memória de Luiz Werneck Vianna

Este é um tempo político de mudanças simultaneamente repentinas e graduais. E tudo se complica ainda mais quando observamos que, entre os dois tipos de mudança, não há nenhuma muralha da China. Transformações mínimas, mas prolongadas, subitamente abrem um quadro novo, alteram as relações entre política e economia, deixam para trás formas tradicionais de expressão dos conflitos. Os saudosistas diriam que nunca foi muito diferente e que assim se cumpre uma das outrora celebradas “leis da dialética”, a que determinaria a transformação da quantidade em qualidade.

O certo é que hoje nos sentimos em geral forçados a andar sem muletas ou corrimãos. Quando alguma correlação menos instável podia ser estabelecida entre classe e partido, ou entre partido e nação, seguia-se daí, quase automaticamente, um esboço de tipologia. Extremadas seriam as agremiações que se limitassem a escutar sua classe de referência, sem interpelar de verdade outros setores sociais. Maduras seriam as que se abrissem aos problemas de toda a nação, mais além do próprio interesse parcial. Para estas, a questão do centro político tornavase estratégica, implicando, entre outras coisas, a permanente busca de alianças e a posse de uma cultura de governo.

Estudiosos de praticamente todas as orientações têm destacado, nas democracias contemporâneas, a implosão deste centro político. Lugar de mediação por excelência, ele não é um vazio termo médio entre extremos, mas o produto da ação muitas vezes dura e conflituosa de atores antagônicos. Tais atores, no entanto, estão plenamente conscientes de que, não obstante os confrontos, mais importante do que o resultado eventual do jogo é a manutenção das suas regras ou a alteração consensual delas. Destruído este lugar, anuladas as mediações que o compõem em cada circunstância, a política se esfuma, os interesses brutos se chocam, a violência logo se desenha com seu cortejo de golpes e embates sem lei.

Não é preciso muito esforço para perceber que tal ameaça habita o coração dos modernos populismos autoritários. Nativistas economicamente e socialmente conservadores – ou, melhor, reacionários –, querem moldar toda a vida a partir de um fictício passado que desconheceria as dilacerações do presente e os riscos do futuro. O antagonismo que propõem é de tipo “radical” e “subversivo”. A polarização que estimulam não admite assimilação ou superação do argumento adversário, mas seu aniquilamento. De resto, os autoritários não querem fazer brotar consenso algum, ainda que provisório e sujeito a disputas e revisões.

Em conjunto, tais populismos delineiam uma vertiginosa “biografia do abismo” – para usar a metáfora de Felipe Nunes e Thomas Traumann – que se baseia na versão rebaixada de um slogan soixante-huitard, o de que “tudo é política”. Da arena pública em sentido estrito transbordam indevidamente indicações e comandos sumários para todas as dimensões do cotidiano. A canção que escutamos, o livro que lemos, a marca que consumimos e, muitas vezes, até os amores que escolhemos são sobredeterminados pela orientação política totalizante. E o circuito se fecha quando este mesmo cotidiano devolve à política a exigência de girar em torno de valores absolutos ou pretensamente absolutos, por natureza inegociáveis.

A esquerda brasileira no poder apresenta-se como o núcleo de uma frente ampla e democrática que ultrapassa a própria fronteira – uma frente que se impôs devido à particular gravidade de que se reveste o segundo mandato de autocratas e aspirantes a autocratas. Daí decorre, pela natureza das coisas, a necessidade de efetivar o movimento acima mencionado – saber superar a si própria, saindo do seu horizonte mais estrito e incorporando de boa-fé conceitos e modos de agir que antes lhe eram estranhos. Cada palavra e cada ação passam a ser medidas pelo potencial que carregam de aumentar ou diminuir o fosso entre os eleitores da frente e a outra metade de brasileiros que por este ou aquele motivo preferiram – legitimamente, diga-se – um caminho diverso.

Trata-se de esforço a ser empreendido de múltiplos modos. Do ponto de vista prático, antes de mais nada, é preciso admitir para todos os efeitos que aquele autoritarismo reacionário de que falamos não é flor envenenada de um único jardim. Costuma medrar também nos espaços da “esquerda negativa”, como é o caso próximo de uma Venezuela repressiva internamente e perigosa externamente. E este é só um exemplo, ao qual poderíamos sem esforço acrescentar muitos outros.

Culturalmente, no entanto, a linguagem da frente ainda precisa se generalizar, tornando-se potente recurso expressivo. Em torno dela e das suas variações dialetais é que se poderá reconstituir o centro político ou, como dissemos, o lugar central da política. Há um terreno comum – contraditório, mas comum – a ser redescoberto por todas as forças democráticas, de modo que a luta áspera inerente às democracias marginalize extremos, propicie equilíbrios sociais mais avançados e impeça a mútua destruição dos atores.

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das Obras de Gramsci no Brasil

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domingo, 25 de fevereiro de 2024

Bernardo Mello Franco - Werneck Vianna remou contra a maré

O Globo, 25/02/2024


Na quarta-feira morreu o sociólogo Luiz Werneck Vianna. Estudioso do Judiciário, foi um dos primeiros críticos dos métodos da Lava-Jato. Quando a operação surfava o auge da popularidade, teve coragem de remar contra a maré.

Em 2016, o professor alertou que a força-tarefa usava a bandeira do combate à corrupção para promover a negação da política. Ele já enxergava um projeto de poder por trás da rotina de ações espetaculosas e vazamentos seletivos.

“Há uma inteligência organizando essa balbúrdia. Essa balbúrdia é provocada e manipulada com perícia”, afirmou, em entrevista a Wilson Tosta no jornal O Estado de S. Paulo.

Werneck decifrou o espírito da Lava-Jato. Identificou em seus próceres os herdeiros dos militares que lideraram o movimento tenentista, na década de 1920. “Só que os tenentes tinham um programa econômico e social para o país. E esses tenentes de toga não têm. São portadores apenas de uma reforma moral”, diferenciou.

Na visão do sociólogo, a demonização da política ajudou Justiça e Ministério Público a manterem privilégios, como o pagamento de salários acima do teto. “Essas corporações tomaram conta do país”, afirmou. “Quando são atacadas, se defendem dizendo que na verdade quem está sendo atingindo é o interesse público. Conseguiram armar esse sistema que as tem protegido de críticas”.

A blindagem funcionaria até a revelação das conversas que evidenciaram a parcialidade de Sergio Moro e dos procuradores que se comportavam como seus subordinados.

Em 2021, quando o Supremo anulou as condenações de Lula, Tosta voltou a procurar o professor. Ele informou que a Lava-Jato estava “acabada” e não podia culpar ninguém por sua “morte morrida”. “Desde o começo, foi um erro monumental, em que juízes e procuradores jovens, eu diria provincianos, assumiram o papel de salvadores do país”, disse.

Na avaliação de Werneck, os protagonistas da força-tarefa “passaram da conta” ao escolher alvos e se investir de um papel messiânico. “Eles foram levados à desgraça pelo sucesso”, resumiu. O sociólogo também criticou a atuação de setores da imprensa: “Não existiria República de Curitiba sem a mídia”.

Na época da segunda entrevista, Moro havia deixado o governo de Jair Bolsonaro e se insinuava como candidato ao Planalto. Para Werneck, já estava claro que daria com os burros n’água. “Moro sai desse processo inteiramente desqualificado como juiz. Ele foi parcial”, afirmou.

Convidado a fazer um balanço da operação, o professor sustentou que era preciso combater a corrupção de outra forma, “não de uma forma que comprometa todo o tecido político”. “Desqualificou-se a política, os partidos, e ficamos em um deserto. O legado da Lava-Jato é a desertificação da política”, constatou.

“O saldo primeiro, para mim, é o de que não se deve combinar ação política com ação judiciária. São duas dimensões. A política é uma coisa, a Justiça é outra. Houve essa combinação esdrúxula, e deu no que deu”.