Meu amigo e colega Rodrigo Estrela, acaba de me enviar um belo texto afetivo, de suas lembranças com o, e do sociólogo Luiz Werneck Vianna. Reproduzo aqui o que ele me escreveu:
Fiquei feliz com a sua menção a ele no Blog Diplomatizzando
(aqui: Luiz Jorge Werneck Vianna, obituários (enviados por Maurício David)
Conheci o Werneck eu tinha 15 anos incompletos, era um adolescente iniciando minha militância nos estertores do velho PCB. Lembro-me bem de uma palestra com ele na UERJ, em 1990, em seminário sobre o futuro do partidão, às vésperas daquele que seria seu IX Congresso. Eu era um moleque, mas jamais esqueci o que ele falara, e que me marcou profundamente: a única chance de nós (“nós”, evidentemente, significava “os comunistas”) sobrevivermos naqueles tempos, meses após a queda do Muro de Berlim, era por meio da superação política da ruptura leninista com a tradição social-democrata, aquele efeito colateral da Revolução Russa e da Primeira Guerra, e investirmos fortemente no que de melhor a política de frente ampla antifascista havia oferecido ao Ocidente, no século XX, a construção do estado de bem-estar social, com suas políticas de saúde, educação e habitação universais.
Ouvir aquilo aos 16 anos, pouco tempo após a promulgação da Carta de 1988, seria uma espécie de passaporte para minha militância; valeria como uma orientação para a distância que – como comunista – sempre tomei do “esquerdismo” como “doença infantil”. Vindo do maior leninista brasileiro, que também era o maior dos gramscianos não ideológicos, se tornou uma lição inesquecível.
Na cola do Werneck, e com amigos até hoje presentes, no Rio eu assisti atentamente às últimas reuniões do grupo carioca da revista Presença, que uniu em suas páginas gente como Leandro Konder, José Guilherme Merquior, e tantos outros de um tempo em que o Brasil ainda contava com muitos verdadeiros intelectuais. As reuniões eram no sebo do cartunista Ferdo – Fernando de Carvalho, também falecido, há poucos anos – em sobrado antigo, quase em ruínas, na Lapa, em cima de um Açougue. Discutíamos conjuntura em meio ao odor de mofo dos livros velhos que se misturava ao cheiro de carne crua que subia do térreo.
Quando eu ia pra casa, no distante subúrbio de Bangu, cruzava com as meninas de vida não-tão-fácil que por ali perambulavam. Werneck foi-me grande e querido amigo e conselheiro e o primeiro intelectual que verdadeiramente admirei. Werneck era o meu Berlinguer – na falta de melhor comparação.
Foi ele quem me aconselhou generosamente, como sempre fazia, a cursar economia na UFRJ, em lugar de direito (“afinal, foi na economia que o Marx ficou, pense bem”), me levantou a autoestima, como era de seu feitio, para que eu fizesse a prova do IRBr, em cuja aprovação eu próprio não poderia, naqueles tempos, acreditar – vindo de onde vinha. Werneck me pôs em contato com outros mestres. Por seu intermédio, conheci Conceição Tavares, que me deu o primeiro emprego, de assessor parlamentar, pelos idos de 94. No curso de economia da UFRJ tornei-me amigo, irmão, um filho-adotivo do professor Carlos Lessa, outro gigante intelectual brasileiro.
Mas, para além do pós-leninismo, herdei do Werneck convicções sobre o lugar do Brasil no Ocidente. Esse lugar meio torto e às vezes incômodo, feito de espírito ibérico e matéria americana. Esse Ocidente não-ocidentalista, mas Ocidente, de toda maneira. Com Werneck aprendi inicialmente a apaixonar-me pelas gerações de brasileiros que pensaram o Brasil, sem os preconceitos hoje tão presentes em certa militância que se diz “de esquerda”.
Em 2005 ou 2006, não me lembro ao certo, levei o Werneck a Brasília para falar no primeiro curso para diplomatas sul-americanos, que ajudei a organizar na Secretaria-Geral do Itamaraty, na altura terceiro-secretário, sob a batuta do também inesquecível Samuel Pinheiro Guimarães, que nos deixou há menos de um mês.
Me sinto mais órfão esses dias. E mais velho também.
Rodrigo Estrela
23/022024
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