Mauro Boianovsky, embaixador do pensamento econômico brasileiro
André Roncaglia*
Folha de S. Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024
Em sua obra, economista aliou meticulosidade à sua admirável erudição
No dia 21 de fevereiro de 2024, as ciências sociais brasileiras receberam um golpe triplo: Affonso Celso Pastore, Luiz Werneck Vianna e Mauro Boianovsky nos deixaram. Destacarei a obra de Mauro Boianovsky, pela sua importância no campo da história das ideias econômicas.
Figura proeminente, com destacada carreira como professor na Universidade de Brasília, Mauro foi um dos pesquisadores mais influentes do mundo, tendo presidido a History of Economics Society (HES) no biênio 2016-17 e recebido inúmeros prêmios por suas contribuições.
Boianovsky atuou como embaixador do pensamento econômico brasileiro no exterior e enriqueceu o diálogo global sobre a evolução da economia como campo do conhecimento. Sua vasta obra abrange o pensamento econômico brasileiro e as contribuições de economistas de renome internacional, bem como a evolução de teorias econômicas, com destaque para a macroeconomia, em contextos históricos variados.
Sempre meticuloso e com admirável erudição, Boianovsky trouxe à luz as complexidades do estruturalismo latino-americano, explorando a profundidade da visão de Celso Furtado sobre a industrialização e a dependência tecnológica, temas que permanecem relevantes nas discussões sobre desenvolvimento econômico.
Boianovsky também defendeu a prioridade de Mário Henrique Simonsen no entendimento de restrições quantitativas na decisão de consumo (cash-in-advance constraint) e revelou a sofisticação do pensamento de Simonsen sobre política econômica e teoria monetária.
Sua notável habilidade em traçar conexões entre diferentes escolas de pensamento e períodos históricos ampliava nossa compreensão acerca das dinâmicas que moldam as políticas econômicas e teorias ao longo do tempo. Exemplo notório dessa habilidade fica evidente em seu trabalho sobre inflação e estabilização na América Latina, no qual ele combina análise econômica com uma compreensão profunda dos contextos políticos e sociais.
Fui diretamente influenciado pela reconstituição e ressignificação que Mauro fez do pensamento de Knut Wicksell, economista sueco que antecipou em um século o modelo básico de metas de inflação e o conceito de taxa de juros neutra que dominam os debates contemporâneos sobre política monetária.
Seu livro "Transforming modern macroeconomics: exploring disequilibrium microfoundations (1956-2003)", escrito com o pesquisador britânico Roger Backhouse, faz uma magistral reconstrução do pensamento macroeconômico, narrando a busca de fundamentos microeconômicos do desequilíbrio compatíveis com a teoria macroeconômica keynesiana. Esse programa de pesquisa influenciaria a safra de modelos estocásticos dinâmicos usados pelos Bancos Centrais atualmente. O livro foi escolhido pela Sociedade Europeia de História do Pensamento Econômico (ESHET) como a melhor obra de 2013.
Recentemente, Mauro explorou como as viagens de economistas pelo mundo afetaram suas visões sobre a economia e como o contexto do regime militar afetou o debate brasileiro sobre distribuição de renda nos anos 1970 (em parceria com Alexandre Andrada). Organizou com Ricardo Bielschowsky e Maurício Coutinho um compêndio sobre o pensamento econômico brasileiro da era colonial até o século 21, no qual Mauro analisa a formação da comunidade científica em economia no Brasil a partir dos anos 1960.
A obra de Mauro Boianovsky é essencial para qualquer pessoa interessada na evolução do pensamento econômico. Sua partida prematura é uma perda inestimável para o campo da economia.
Deixo esta singela homenagem ao mestre que tanto influenciou toda uma geração de pesquisadores no Brasil e no mundo. Descanse em paz, Mauro.
*Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Professor de Economia da UnB e referência no campo de História do Pensamento Econômico, Mauro Boianovsky faleceu nesta quarta-feira (21).
OBITUÁRIO
MORRE MAURO BOIANOVSKY, PROFESSOR DE ECONOMIA DA UNB
O professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Mauro Boianovsky morreu na manhã desta quarta-feira (21), aos 64 anos, em decorrência de câncer. Referência no campo de História do Pensamento Econômico, foi considerado um dos pesquisadores mais influentes do mundo, conforme lista elaborada pela Universidade de Stanford e pelo repositório de dados Elsevier em 2023.
Formado em Economia pela UnB, em 1979, Mauro fez mestrado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e doutorado em Cambridge, na Inglaterra. Era professor titular na Universidade de Brasília, onde lecionava Teoria do Desenvolvimento Econômico, na graduação, e História do Pensamento Econômico na pós-graduação.
Com a morte de Mauro, o Brasil perde duas referências da área da economia no mesmo dia. Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, também morreu nesta quarta-feira.
Durante o doutorado, o professor fez uma tese sobre o pensamento do economista Knut Wicksell e aprendeu sueco para ler os textos originais. “Eu até brincava com o Mauro, comparando-o com Indiana Jones. O que ele fazia era ‘arqueologia econômica’: buscar os textos originais para colocar nuances que eram pouco conhecidas de economistas famosos”, diz José Luís Oreiro, professor de Economia da UnB e colega de Mauro.
Além de ter sido professor na UnB, Mauro Boianovsky também foi presidente da History of Economics Society (HES), um dos mais respeitados fóruns de discussão econômica do mundo, em 2015, sendo o primeiro latino-americano a comandar o órgão.
“Foi uma grande perda para a Universidade de Brasília e para a linha de pesquisa. Primeiro, porque é uma pessoa com notável conhecimento na área, uma das grandes referências do mundo. Ele era uma pessoa cuja publicação científica era muito importante para o programa de pós-graduação em Economia na Universidade de Brasília. E era especialista em um em um assunto que poucas pessoas têm domínio”, lamenta Oreiro.
O vice-presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Jorge Arbache, também lamentou o falecimento de Boianovsky. Em postagem no LinkedIn, o economista destacou que o professor era considerado “um dos mais brilhantes autores de todos os tempos” pelos seus pares na linha de pesquisa de História do Pensamento Econômico.
“A obra de Mauro foi imensa e intensa, e muito influente. Mauro recebeu os mais importantes prêmios nacionais e internacionais, era considerado pela academia de escola do pensamento econômico como um dos mais brilhantes autores de todos os tempos, ocupou os mais importantes cargos internacionais na área, e talvez possa ser considerado o economista brasileiro que mais prestígio e influência teve na sua respectiva área em nível internacional”.
Publicado há poucas semanas atrás, o último artigo do professor, intitulado “Recollections of My Time at the History of Economics Society” (Lembranças do meu tempo na History of Economics Society), é um balanço da produção acadêmica, de sua atuação no órgão e uma espécie de despedida.
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