Chefe do Pnud defende taxar múltis e ‘super-ricos’
Para Achim Steiner, medidas permitiriam fortalecer o combate a pobreza, desigualdade e mudanças climáticas
Por Estevão Taiar — De Brasília
Medidas que elevem a arrecadação dos países, como a taxação global de multinacionais e um imposto sobre os "super-ricos" ao redor do planeta, abrem espaço para fortalecer o combate a pobreza, desigualdade e mudanças climáticas. A avaliação é do subsecretário geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Achim Steiner. Ele está no Brasil para as reuniões do G20, grupo que reúne as principais economias do planeta, além de União Europeia e União Africana.
Em entrevista exclusiva ao Valor, Steiner destaca a importância "de os governos aumentarem receitas para realizarem os investimentos necessários" no combate aos três desafios: pobreza, desigualdade e mudanças climáticas.
"Isso depende bastante da arrecadação doméstica", diz. A ONU calcula que, para que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos em 2015 pela Assembleia Geral da entidade sejam alcançados, os países precisarão investir US$ 5,4 trilhões anualmente, dos quais US$ 2,4 trilhões em investimentos climáticos.
A taxação de multinacionais foi defendida ontem pela secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, em entrevista coletiva realizada em São Paulo - onde ela também está para as reuniões do G20. A proposta, elaborada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), sugere taxação de pelo menos 15% sobre os lucros de multinacionais com receita anual superior a € 750 milhões, independentemente do local em que elas operem.
Para Steiner, as declarações de Yellen são "um sinal importante de que muitos países concordaram" que a proposta é "boa para todo mundo". Ele reconhece, no entanto, que a implantação do imposto "obviamente vai demorar para ser negociada".
Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou em entrevista ao jornal "O Globo" no fim de semana que apresentará nas reuniões do grupo uma proposta para a taxação global dos "super-ricos".
O subsecretário da ONU destaca que não conhece o conteúdo da proposta. Mas diz que com o aumento da arrecadação governamental talvez essa seja "uma maneira melhor" de direcionar "parte da riqueza global" para "enfrentarmos alguns dos grandes desafios" atuais. Entre os exemplos dos desafios, ele cita a "necessidade de investimentos em tecnologias que levem a economia e a criação de empregos para o futuro".
Para Steiner, a presidência brasileira do G20 também é uma notícia positiva, justamente por trazer um foco "muito bem-vindo" para o combate a pobreza, desigualdade e mudanças climáticas. A presidência começou em 1-de dezembro do ano passado e vai até 30 de novembro próximo.
Mas o subsecretário da ONU chama atenção para outros problemas que pretende tratar durante as reuniões ao longo da semana. Um é a performance desigual da economia mundial depois das elevações das taxas básicas de juros em todo o planeta. Enquanto os países ricos vêm conseguindo alcançar um "pouso suave", a mesma coisa não acontece com os países em desenvolvimento, de acordo com o administrador do Pnud.
Um segundo problema é o serviço da dívida pago também pelos países em desenvolvimento. Durante a maior parte da pandemia, o G20 suspendeu o pagamento da dívida que essas nações tinham com o grupo e organismos multilaterais. Posteriormente, criou uma espécie de tratamento comum ("common framework") para lidar com essas obrigações.
Ainda assim, números da ONU mostram as dificuldades que diversas economias vêm enfrentando: países de renda baixa gastam em média 130% a mais no serviço da dívida do que em assistência social e 40% a mais do que gastam em saúde; 48 países gastam mais de 10% de sua arrecadação com o serviço da dívida, contra 28 países uma década atrás; em 22 dos "países mais pobres do mundo" o custo do serviço da dívida externa deve superar 20% da arrecadação no futuro, o que não acontecia há mais de duas décadas.
"Tudo isso significa que esses recursos não estão disponíveis para educação, saúde, infraestrutura e certamente não estão disponíveis para os grandes investimentos necessários no combate às mudanças climáticas", afirma. "A nossa responsabilidade é lembrar para o G20 que as decisões deles afetam todos os países."
Um desafio adicional com o qual o grupo terá que lidar são as tensões geopolíticas. "A geopolítica imediatamente afeta a habilidade de os países se unirem no G20 e concordarem em atuarem juntos", diz Steiner, destacando que "passos mais ousados" em temas como mudanças climáticas e serviço da dívida das nações em desenvolvimento já vêm esbarrando nessas tensões.
Dentro do Brasil especificamente, ele elogia o Plano de Transição Ecológica coordenado pelo Ministério da Fazenda. De acordo com o subsecretário da ONU, "há sinais extraordinários" de que o plano traça um "bom caminho" a ser seguido por outros países. Mas, mais uma vez, Steiner reconhece que a implantação de todas as medidas não é algo simples.
"Estamos observando como o Brasil vai avançar, porque são assuntos complexos. Alguns são de curtíssimo prazo, ligados a questões fiscais, subsídios, impostos. Outros são de longo prazo, como qual a maneira de incentivar o setor privado a investir na mitigação e na adaptação às mudanças climáticas", afirma.
Steiner nasceu no Brasil, mas se mudou ainda na infância e também tem nacionalidade alemã. Ele é administrador do Pnud desde 2017, atualmente no segundo mandato. É graduado em filosofia, política e economia pela Universidade de Oxford e tem passagens acadêmicas, entre outras instituições, pela Universidade Harvard e pelo Instituto Alemão de Desenvolvimento.
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