Uma entrevista concedida a um jornal mexicano em 2005, e que permaneceu inédita até aqui (não creio que tenham usado a maior parte de minhas respostas), e que já revela meu ceticismo quanto à obsessão pessoal do presidente Lula e seu chanceler, quanto às chances do Brasil vir a obter uma cadeira no CSNU.
O
Brasil e o Conselho de Segurança da ONU
Paulo
Roberto de Almeida (Brasília, 1 junho 2005)
Respostas
a questões colocadas por jornalista
Correspondente
no Brasil do Jornal Reforma/Grupo Reforma-México
1) China, Coréia do Sul e Rússia manifestaram também
simpatia à candidatura do Brasil?
PRA: Sim, Coréia do Sul de forma
explícita, por ocasião da recente visita do presidente Lula ao país asiático,
agora em maio de 2005. A China de forma mais ambígua, pois disse que via com
simpatia a pretensão do Brasil. A Rússia fez um apoio mais direto, mas de toda
forma verbal.
Outros
países que apoiaram, direta ou indiretamente, o Brasil na suas pretensões:
Reino
Unido: Em visita do Presidente Lula a Londres, nos
dias 13 e 14 de julho de 2003, para participar da Cúpula da Governança Progressista,
o Primeiro-Ministro Tony Blair declarou apoio à candidatura do Brasil a uma
vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Alemanha: Por ocasião de visita, em 27 de janeiro de
2003, reiterou-se o apoio mútuo às candidaturas do Brasil e da Alemanha a
membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
Japão: O Primeiro-Ministro, Junichiro Koizumi, visitou o Brasil de 14 a
16 de setembro de 2004. Expressou-se o compromisso de apoio recíproco às
respectivas candidaturas a membros permanentes do Conselho de Segurança das
Nações Unidas.
Índia: O Presidente Lula fez visita de 24 a 28 de
janeiro 2004, como convidado de honra do Governo indiano às celebrações do 55o
Dia da República. Os dois países reiteraram o apoio mútuo ao pleito de assento
permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Chile: visita do presidente Lagos, em agosto de 2003: No Comunicado
Conjunto, divulgado ao fim da visita do Presidente Lagos ao Brasil, o Chile
reconheceu o legítimo interesse do Brasil em integrar o Conselho de Segurança
das Nações Unidas como membro permanente. Na visita do Presidente Lula a
Santiago, em agosto de 2004, o apoio à
aspiração brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança foi
explicitado de modo mais enfático do que antes.
Venezuela: Em sua quinta visita ao Brasil, em 15 de setembro de 2004, o
Presidente Chávez confirmou o apoio da Venezuela a que o Brasil venha a
integrar o Conselho de Segurança das Nações Unidas como membro permanente.
Bolívia: Em visita a Brasília, em 28 de abril de 2003, o Presidente Gonzalo
Sánchez de Lozada, declarou apoio a que o Brasil integre o Conselho de
Segurança na qualidade de membro permanente.
Guiana: O Presidente Bharrat Jagdeo, em visita ao Brasil, em 30 de julho
de 2003, declarou apoio ao ingresso do Brasil no Conselho de Segurança das
Nações Unidas como membro permanente.
Suriname: O Presidente Runaldo Ronald
Venetiaan, em visita ao Brasil, em 22 de julho de 2003, manifestou apoio
ao ingresso do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas como membro
permanente.
Extrato
de um Relatório do Ministério das Relações Exteriores sobre os primeiros dois
anos de política externa do Governo Lula:
Começo de transcrição:
PRESENÇA
NO CONSELHO DE SEGURANÇA COMO MEMBRO NÃO-PERMANENTE
O Brasil foi eleito, em 2003, para ocupar
um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, durante o biênio
2004-2005, em uma das duas vagas destinadas à América Latina e Caribe. Trata-se
do nono mandato brasileiro desde o estabelecimento do órgão, em 1946. Nenhum
país foi eleito mais vezes do que o Brasil para o Conselho de Segurança.
Na condição de membro não-permanente do
CSNU, o Brasil tem-se envolvido crescentemente nas questões da paz e da
segurança internacional. Participa ativamente na formulação de políticas
voltadas para a paz e a reconstrução pós-conflito, em particular no que diz
respeito a países e regiões prioritários para a política externa brasileira
(Haiti, Timor-Leste, África e Oriente
Médio). Sem prejuízo do diálogo de alto nível com os membros permanentes, a
ênfase da delegação brasileira tem sido na cooperação com os demais países em
desenvolvimento presentes no Conselho. Esta cooperação tem sido excelente,
destacando-se a atuação conjunta com o Chile, em 2004; a presença de diplomata
argentino como integrante da delegação brasileira, em iniciativa inédita que
demonstra o alto grau de confiança na aliança estratégica Brasil-Argentina; e a
coordenação com os membros africanos e a União Africana no encaminhamento das
questões de paz e segurança na África.
O Brasil assumiu papel de liderança no
processo de estabilização e reconstrução do Haiti, país com o qual
compartilhamos a herança cultural africana. As Forças Armadas brasileiras
fornecem o maior contingente e o comando de tropa na Missão de Estabilização
das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH). O Brasil tem impulsionado, tanto no
território haitiano quanto no Conselho de Segurança, uma visão criativa do
processo de construção da paz, que enfatiza a interdependência entre três
pilares: a estabilização da situação de segurança, o processo de reconciliação
política em bases democráticas e participativas e a promoção do desenvolvimento
econômico e social, com projetos de impacto imediato associados a um
planejamento de longo prazo.
O Brasil reforçou seu compromisso com o
Timor Leste, país de língua portuguesa, ampliando o contingente brasileiro na
Missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNMISET). A delegação brasileira junto
ao Conselho de Segurança coordenou as consultas para aprovação da resolução que
estendeu por mais um ano, até março de 2005, a UNMISET. Na medida em que o
Timor-Leste consolida sua independência e ingressa em fase pós-operação de paz,
o Brasil continua a estender solidariedade e apoio, implementando medidas
concretas de cooperação.
No tocante aos temas africanos, a atenção
brasileira, no âmbito do CSNU, tem-se voltado crescentemente para Guiné-Bissau.
O Brasil designou o conselheiro militar do Escritório das Nações Unidas na
Guiné-Bissau (UNOGBIS), participou de diversas missões da Comunidade de Países
de Língua Portuguesa (CPLP) e coordenou as consultas entre os membros do
Conselho de Segurança, que possibilitaram a aprovação, em dezembro de 2004, da
primeira resolução sobre Guiné-Bissau desde 1999, ampliando e fortalecendo o
mandato do UNOGBIS.
Quanto aos demais temas africanos (Côte
d´Ivoire, Libéria, Sierra Leone, Burundi, República Democrática do Congo, Saara
Ocidental, Somália, Etiópia - Eritréia), o Brasil tem ressaltado a necessidade
de apoiar a União Africana na busca de soluções para os problemas daquele
continente. A abertura de Embaixadas em São Tomé e Príncipe, República
Democrática do Congo e Adis Abeba (sede da União Africana e da Comissão
Econômica das Nações Unidas para a África) é expressão concreta do compromisso brasileiro
com o continente africano. O Brasil enviou, ainda, observadores para participar
em operações de paz das Nações Unidas na Libéria e em Côte d´Ivoire, além de
Chipre e Kossovo - Sérvia e Montenegro.
A presença do Brasil no Conselho de
Segurança tem possibilitado a reafirmação de princípios tradicionais da
diplomacia brasileira (respeito ao direito internacional, solução pacífica de
controvérsias, defesa da soberania e da democracia) no exame das questões de
paz e segurança internacional. O Brasil tem defendido ativamente os valores e
os interesses nacionais - sem perder de vista a perspectiva dos países
sul-americanos e do mundo em desenvolvimento - em questões como combate ao
terrorismo, não-proliferação de armas de destruição em massa, prevenção do
genocídio e proteção de grupos vulneráveis (mulheres, crianças e minorias
étnicas). A presença do Brasil no Conselho de Segurança, em caráter permanente,
representará a melhor garantia de que a voz dos países do Sul será ouvida nas
grandes decisões internacionais.
REFORMA DAS NAÇÕES
UNIDAS
No contexto da crise suscitada pela invasão norte-americana do
Iraque, o Secretário-Geral Kofi Annan propôs – e o Brasil apoiou firmemente –
aprofundar a discussão sobre a reforma das Nações Unidas mediante a constituição
de um Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança, o qual contou com
um integrante brasileiro, o Embaixador João Clemente Baena Soares. Sem prejuízo
do fortalecimento dos demais órgãos do sistema das Nações Unidas, o Brasil tem
apoiado a ênfase na reforma do Conselho de Segurança, sem a qual, na expressão
de Kofi Annan, nenhuma reforma das Nações Unidas poderá ser considerada
completa. A admissão do Brasil e de outros países em desenvolvimento como
membros permanentes contribuirá para conferir maior representatividade,
legitimidade e eficácia àquela crucial instância decisória.
A formação, em setembro
de 2004, do G-4 (Alemanha, Brasil, Índia e Japão), integrado por países cujas
candidaturas a um assento permanente no Conselho de Segurança já estão
consolidadas, representou um importante avanço. A constituição do grupo e o
expressivo número de apoios públicos ao ingresso do Brasil como membro
permanente demostram que já foram superadas fórmulas que excluíam o ingresso de países em desenvolvimento como
membros permanentes do Conselho.
O Relatório do Painel de
Alto Nível, divulgado em 02/12/04, apresentou dois modelos para a reforma do
Conselho de Segurança: o modelo “A”, que prevê expansão nas duas categorias de
membros, com a criação de seis novos assentos permanentes e três novos assentos
eletivos; o modelo “B”, que não contempla aumento do número de membros
permanentes, mas apenas novos assentos não-permanentes, com mandato de mais
longa duração (4 anos) e possibilidade de reeleição, e um novo assento com
mandato de dois anos, sem direito à reeleição. Em ambos os casos, haveria uma
ampliação do CSNU dos atuais 15 para 24 membros. A atuação do Brasil tem-se
concentrado na promoção da reforma na linha proposta no modelo “A”.
Após a divulgação do Relatório do
Painel, o debate sobre a reforma das Nações Unidas passou a atrair mais
atenção. No decorrer de 2005, espera-se que as consultas entrem em fase
decisiva, sobretudo nos meses que antecedem o evento de alto nível da
Assembléia Geral, em setembro, que fará a primeira revisão qüinqüenal da
implementação da Declaração do Milênio e das Metas de Desenvolvimento do
Milênio.
Final de transcrição.
2) O senhor em alguns textos afirma que o Brasil tenta
essa cadeira há décadas, mas quando menciona a experiência da Minustah (Haití)
parece que o senhor tenta dizer, indiretamente, ou tácitamente, que o Brasil
ainda não está pronto. O senhor acha que não é cedo para o Brasil ocupar esse
assento?
PRA: Existem dois problemas aqui: nossa
preparação em geral, e a experiência da Minustah. A elite diplomática e militar
do Brasil, ou seja, o establishment
que comanda a política externa e de defesa do Brasil, considera, há décadas,
desde a Liga das Nações, que o Brasil não apenas está preparado como já poderia
estar ocupando um lugar de relevo no sistema internacional. Minha opinião é a
de que o Brasil está apenas parcialmente preparado, tendo em vista suas
notórias deficiências internas em termos de organização do Estado e mesmo as
limitações orçamentárias que constrangem as Forças Armadas. Não temos, por
outro lado, disponibilidade de recursos em volume suficiente para fazer
cooperação técnica e assistência ao desenvolvimento de países mais pobres, na
dimensão necessária para aparecer como um país “provedor” de cooperação em
bases regulares e normais. Nossa cooperação externa é limitada, parcial e
extremamente limitada. Por outro lado, não tenho certeza de que as FFAA estejam
preparadas para todo e qualquer tipo de operação em situações emergenciais.
Atualmente, existe um grau de preparação maior, inclusive pensando nas
operações de peace keeping das NU,
mas não creio que o Brasil possa assumir toda e qualquer operação da ONU,
sobretudo alguma de peace making.
No
caso, do Haiti, tratou-se de uma decisão eminentemente político-propagandistica,
no sentido de fazer parte da nossa campanha pelo CSNU, sem considerar a
situação no terreno e nossas limitadas capacidades para participar do que é,
basicamente, um problema de Nation
Building. Acho que não estamos preparados para isso, e no máximo estamos
fazendo operações de segurança, de natureza praticamente policial, sem contar
com extensos recursos para fazer tudo o que seria necessário.
3) Brasil já deixou de ser cauteloso na campanha pela
vaga permanente?
PRA: O Brasil foi muito cauteloso na
gestão anterior, e o presidente FHC evitou confrontar a Argentina nesse
particular. O governo atual tem sido muito mais afirmativo, colocando
claramente a pretensão do país, solicitando apoios de todo e qualquer dirigente
político, em visitas e em encontros bilaterais, o que pode provocar problemas
nas relações bilaterais com a Argentina e em menor escala com o México.
4) O Brasil tem dividas das dotações obrigatórias do
2004 ou mais antigas?
PRA: Não tenho presente os dados
específicos, mas sei que o Brasil, que era um grande devedor de todo o sistema
da ONU (e de outros organismos internacionais também), fez um enorme esforço,
no ano passado, para liquidar quase todas as pendências, pagando de uma vez só
algumas centenas de milhares de dólares (se não milhões, mesmo). Mas não tenho
os números, que precisariam ser buscados com a Divisão das Nações Unidas do
Itamaraty.
Consulta original:
Prezado Professor Almeida:
Depois de ler seus interesantes textos
tenho já algumas respostas às perguntas feitas à noite. Só gostaria de pedir
esclarecimentos:
1) China, Corea do Sul e Russia
manifestaram também simpatía 'a candidatura do Brasil?
2) O senhor em alguns textos afirma que o
Brasil tenta esa cadeira há décadas, mas quando menciona a experiencia da
Minustah (Haití) parece que o senhor tenta dizer, indiretamente, ou
tácitamente, que o Brasil ainda nao está pronto. O senhor acha que não é cedo
para o Brasil ocupar esse assento?
3) Brasil já deixou de ser cauteloso na
campanha pela vaga permanente?
4) O Brasil tem dividas das dotações
obrigatorias do 2004 ou mais antigas?