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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quinta-feira, 26 de março de 2015

Mais Medicos, Mais Cubanos, Menos Itamaraty, Menos Transparencia - Veja

Por conhecimento próprio, posso dizer que não foi exatamente o que diz o título. Ou seja, os diálogos são reais, e aconteceram exatamente assim mesmo. A intenção era essa, do princípio ao fim. Apenas que para dar uma aparência de universalidade ao envio de dinheiro para a ditadura cubana, era preciso fazer de conta de que se tratava de um programa aberto.
O Itamaraty foi chamado a colaborar. E colaborou, como bom colaboracionista que é. Integralmente. Sem levar sequer comissão nas transações, como é de seu feitio correto e a favor do bom cumprimento do dever...
Paulo Roberto de Almeida


Mais Médicos: a ordem era ignorar o Itamaraty

Áudio de reunião no Ministério da Saúde revela que a diplomacia oficial era excluída das decisões sobre a contratação de médicos cubanos

Por: Leonardo Coutinho
Veja, 

Marco Aurélio Garcia
Marco Aurélio Garcia, o chanceler de fato da diplomacia no governo petista(Rolando Pujol/EFE/VEJA)


O áudio de uma reunião realizada no dia 13 de julho de 2013 nas dependências do Ministério da Saúde revela os bastidores das negociações entre Brasil e Cuba que deram origem ao programa Mais Médicos. A gravação completa, de 44 minutos e 59 segundos, que foi obtida pelo Jornal da Band, diz muito sobre as práticas do governo da presidente Dilma Rousseff. Além dos trechos já divulgados, como os que mostram os funcionários do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) discutindo como burlar a obrigação de submeter ao Congresso Nacional o acordo bilateral entre Cuba e Brasil, há outros, ainda inéditos, que revelam o desprezo do governo pelos ritos da diplomacia formal e o poder que Marco Aurélio Garcia, assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, angariou nessa área.
Em um trecho da conversa (reproduzido abaixo), a representante da Opas, Maria Alice Barbosa Fortunato - que foi indicada para a função pelo então ministro da Saúde Alexandre Padilha - sugere que o Ministério das Relações Exteriores seja ignorado na discussão do plano para acobertar o verdadeiro objetivo do convênio com a Opas: ocultar o fato de que a contratação de médicos cubanos era um acordo bilateral entre Brasil e Cuba. O então assessor jurídico do Ministério da Saúde, Jean Uema, afirma na gravação que o Itamaraty pode reclamar e pergunta se todos estão dispostos a ignorar a pasta. E, como prova de que o Itamaraty não teria poder para atrapalhar o acordo, Uema afirma que "o programa é da Dilma". O Mais Médicos foi um dos mais importantes elementos da campanha de reeleição da presidente, apesar de seu impacto no atendimento à população ter sido amplamente exagerado.
Os participantes aceitam a sugestão de Uema e tratam com desdém os servidores do Itamaraty. O então chanceler Antonio Patriota é chamado de "Cabelinho" por Kleiman e Maria Alice, que afirma não confiar no ministro para a realização da operação que eles desenhavam clandestinamente. Kleiman revela que Marco Aurélio Garcia tratou dos termos do acordo bilateral diretamente com os cubanos.
Eis os trechos da gravação. As frases precedidas de (?) indicam um participante da reunião cujo nome não foi possível identificar.
Alberto Kleiman - Você manda o texto antes, eles veem (Advocacia Geral da União)...
Maria Alice - Agora, sinceramente, eu não sei se a gente tinha que mandar para o MRE (Ministério das Relações Exteriores), não...
(?) - Manda depois...
Maria Alice - É, depois. Aquela mulher (do MRE) que foi para reunião na AGU, me poupe. Ela não sabia de nada.
(?) - O que vocês está dizendo, Jean, é que a rigor, a rigor, não passaria...
Jean Uema - Gente! Esse programa. O programa é da Dilma.
(?) - Tudo bem . É isso que eu quero entender. Vai passar.
Jean Uema - Vocês topam sem mostrar para eles (MRE)? Depois vai dar uma m... e ai eles vão falar. "Cadê? Porque não passou aqui?"
(?) - A regra é essa. Mas é a mesma coisa que a gente fez com o edital e a portaria...
Jean Uema - Isso...
Alberto Kleiman - Arnaldo Coelho: "A regra é clara".
(Risos)
(?) - Não passaria. Fora este caso.
Alberto Kleiman - Eu passaria por último. Por que ali está vazando mais que o Wikileaks. Eu ia mandar um e-mail. Um emailzinho para nosso amigo Cabelinho (o então ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota)
Maria Alice - Ah! Tu também chama ele de Cabelinho?
(Risos)
Maria Alice - Eu não confio no Cabelinho, não...
Alberto Kleiman - A gente está dialogando com as coisas de Cuba sem ter nenhuma decisão tomada em alto nível. Era coisa de 300 (médicos). Depois 1.000 por mês. Aliás, essa dos 1.000 por mês já mudou para 1.000 e pouco. Estão falando em 4.000 até o final do ano.
Maria Alice - Sempre foi.
Alberto Kleiman - Não. Na semana passada, eu saí aqui da reunião para falar para o Marco Aurélio (Garcia) que eram 300 agora e 1.000 em outubro. Outubro, novembro e dezembro. Era 1.000 cada mês.
(?) - O Marco Aurélio falou com o embaixador?
Alberto Kleiman - Falou hoje. A gente estava lá. Falou com o embaixador de Cuba.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Mai$$$$ Medico$$$$ = Mais $$$$$ para Cuba, para a Opas, para os companheiros - Leonardo Coutinho (Veja)

Uma matéria de quase um ano atrás, de que tomo conhecimento apenas agora. Não que haja algo surpreendente para mim, praticamente nada, pois já sabia desse programa estarrecedor, mas que apenas confirma que os companheiros estão a serviço, e sob as ordens, dos companheiros cubanos, aos quais eles devolvem agora ajudas prestadas no passado.
Uma coisa, porém, me surpreendeu: os valores envolvidos, que são substanciais. Não imaginava que fosse tanto dinheiro assim. Os montantes são, sim, estarrecedores. Não estamos falando apenas de uns poucos milhões de dólares (o que é isso para os companheiros, não é mesmo?; desde 2003 eles nadam em dinheiro, sobretudo dinheiro da Petrobras, e esse dinheiro dos cubanos é como se fosse uma corrida de taxi, digamos assim), mas de dezenas de milhões de dólares.
Só encontro duas explicações para isso: (1) os ditadores cubanos estão realmente precisando de muito dinheiro, agora que os venezuelanos enfrentam sérias dificuldades para manter o nível do mensalão chavista e fizeram um apelo desesperado aos seus companheiros brasileiros, a quem eles ajudaram no passado, inclusive como investimento...; (2) estes últimos estão fazendo uma operação triangular, dessas clássicas, na qual o dinheiro sai para fins aparentemente legais, e termina alimentando dutos menos legais, ou muito mais legais, dependendo do ponto de vista, claro.
Tenho uma dúvida e ele é absolutamente pertinente, para saber se ainda vivemos em uma democracia normal, ou se já estamos numa ditadura companheira: saber se esse acordo foi formalmente aprovado pelo Senado brasileiro, como compete cada vez que existe uma operação financeira externa. Se não houve aprovação congressual, ou se o dinheiro foi remetido antes que houvesse a ratificação formal pelo Senado, as remessas são claramente ilegais e inconstitucionais, e pode haver neste caso crime de responsabilidade política da parte do ministro da Saúde -- o anterior e o atual -- e provavelmente até da presidente da República. Está na constituição: qualquer acordo gravoso para o país tem de ser submetido à aprovação do Congresso brasileiro.
E não me venham dizer que não se trata de um acordo com Cuba, e sim com a OPAS, que isso não cola e não vale igual. Mesmo que o dinheiro fosse para o Espírito Santo, no Vaticano, ele teria antes de ser aprovado pelo Congresso.
Assusta-me viver num país em que os dirigentes se arrogam o direito de afrontar a Constituição, como se vivêssemos em ditadura. Talvez já seja o caso e ainda não percebemos...
Paulo Roberto de Almeida 
5/08/2014


Blog de Ricardo Setti, 18/10/2013
às 15:00 \ Política & Cia

“MAIS MÉDICOS”: Estava tudo combinado — um jeitinho para enviar dinheiro a Cuba

RAPAPÉS -- Carissa Etienne, diretora da Opas, com o ditador Raúl Castro, em Havana, em julho: elogios à obsoleta medicina cubana (Foto: Granma)
RAPAPÉS — Carissa Etienne, diretora da Opas, com o ditador Raúl Castro, em Havana, em julho: elogios à obsoleta medicina cubana (Foto: Granma)
Reportagem de Leonardo Coutinho, publicada em edição impressa de VEJA
ESTAVA TUDO COMBINADO
Documentos oficiais mostram que o Mais Médicos foi concebido para enviar dinheiro à ditadura de Cuba — e que o governo brasileiro escondeu o acordo durante meses
Desde o colapso da União Soviética, no início dos anos 90, Cuba ficou à míngua, sem um padrinho para financiar sua ditadura comunista. Na década passada, esse papel passou a ser desempenhado pela Venezuela de Hugo Chávez e por outros países latino-americanos governados por simpatizantes.
Com o PT no poder, o Brasil tem contribuído sem alarde com empréstimos camaradas do BNDES e, descobre-se agora, com a importação de médicos.
Em maio passado, o então chanceler Antonio Patriota anunciou o plano de trazer 6.000 médicos da ilha para atuar nos rincões do Brasil. O que Patriota não disse é que o “plano” era, na verdade, um fato consumado. O acordo para a importação de médicos cubanos já havia sido assinado no mês anterior, valendo-se de um subterfúgio para não tornar pública a verdadeira natureza do negócio.
O contrato falava, em termos genéricos, de uma “contratação de profissionais temporários” e em nenhum trecho citava Cuba ou médicos cubanos. Isso era possível porque, formalmente, o acordo foi fechado entre o Ministério da Saúde e a Organização Panamericana de Saúde (Opas).
Na prática, a entidade vinculada à ONU era apenas a intermediária da transferência de recursos dos contribuintes brasileiros para a ditadura cubana (o que também não era dito no acordo original).
Tanto esforço para omitir Cuba do acordo intermediado pela Opas se explica pela reação negativa da opinião pública brasileira, especialmente das associações médicas, ao anúncio feito por Patriota. Afinal, a importação de médicos cubanos viola uma série de leis brasileiras, além de pôr em risco a saúde da população por causa da qualificação duvidosa dos profissionais.
Criticado pelo “plano”, o governo federal deu sinais de que recuaria. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, chegou a dizer que a prioridade não era trazer médicos cubanos, mas portugueses e espanhóis. Puro diversionismo, pois nos bastidores os trâmites burocráticos para a contratação dos cubanos seguiam em ritmo acelerado.
Em meio aos protestos de junho, a presidente Dilma Rousseff ressuscitou o tema, prometendo na TV “trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do SUS”. Daí nasceu o programa Mais Médicos, sob medida para esquentar o acordo já firmado para importar profissionais cubanos.
A abertura de inscrições para médicos de outros países e de brasileiros que trabalham no exterior foi só uma maneira de legitimar a vinda dos cubanos, pois já se sabia que estes viriam em maior número. O documento assinado por Padilha em 22 de agosto foi apenas um termo de ajuste do acordo assinado em abril na surdina.
ENTROSADO -- O cubano Joaquín Molina, chefe da Opas no Brasil (Foto: ABr)
ENTROSADO — O cubano Joaquín Molina, chefe da Opas no Brasil (Foto: ABr)

Eis por que três dias depois os primeiros 400 médicos cubanos já desembarcavam no Brasil. Uma semana antes, o governo brasileiro havia pago 11,5 milhões de reais à Opas, valor que coincide com o custo das passagens.
Um dos arquitetos da triangulação Brasil-Opas-Cuba foi o dentista Joaquín Molina, ex-coordenador da Cooperação Técnica Internacional, o departamento do Ministério da Saúde de Cuba responsável pela exportação de mão de obra médica. Em 29 de março de 2012, Molina assumiu o posto de representante da Opas no Brasil – um dia antes de a entidade firmar com Cuba um convênio, que ele ajudou a negociar, para intermediar a venda de serviços de saúde da ilha.
A missão de Molina em Brasília era bem definida e servia com perfeição aos planos de Padilha. Em 17 de dezembro, Molina protocolou no Ministério da Saúde o projeto Fortalecimento da Atenção Básica no Brasil, em que a Opas pedia quase 512 milhões reais para ajudar o país a combater “as iniquidades sociais e limites de acesso aos serviços de saúde”.
Antes do Natal, o documento venceu cinco degraus da burocracia, mais rápido do que qualquer outra proposta feita ao ministério na mesma data. Em fevereiro, a diretora da Opas, a dominiquense Carissa Etienne, veio a Brasília para dar mais um empurrãozinho na “cooperação médica” com Cuba, pela qual a Opas viria a receber 24,3 milhões de reais de comissão.
Em meio às mentiras e dissimulações envolvendo a contratação de médicos cubanos, há um dado intrigante: o valor de mais de 500 milhões de reais (dos quais 100 milhões foram pagos no mês passado e os outros 400 milhões já foram reservados no Orçamento federal) pleiteado pela Opas em dezembro de 2012 é rigorosamente o mesmo do contrato-encenação feito por Padilha oito meses depois para a importação de 4 000 médicos.
Patriota, porém, havia anunciado em abril a vinda de 6.000 cubanos. Ou seja, o Brasil está pagando a mesma quantia por menos profissionais. Considerando a má qualidade do ensino médico em Cuba, talvez seja melhor não reclamar.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Historiadores do futuro: confiem nos arquivos da NSA: sao fiaveis... - Augusto Nunes

Os papeis confidenciais americanos -- e isto é a constatação de quem já pesquisou em arquivos americanos, inclusive em papéis da CIA -- são extremamente objetivos e profissionais: descrevem meticulosamente o que acontece em cada país, desde os mais altos escalões de certos governos (hummm...) até os mais baixos escalões de certos movimentos "sociais" (que também podem ser sindicais, de juízes, professores, etc).
Ou seja, não tenho nenhuma dúvida de que se os historiadores quiserem reconstituir certos episódios de nossa diplomacia dentro de 10, 15 ou 25 anos (dependendo do grau de sigilo dos documentos), melhor fariam, ou farão, se confiarem mais nos documentos americanos -- que serão inevitavelmente liberados, em prazos certos -- do que em eventuais documentos da região.
Pelo que eu conheço da história do Mercosul, por exemplo, afirmo com todas as letras que seria impossível refazer a história dos processos decisórios que levaram a certos atos do bloco -- a Tarifa Externa Comum, entre outras -- com base em papéis argentinos, brasileiros, uruguaios ou paraguaios. E não porque eles estivessem contaminados pelo zelo conspiratório dos amigos do Foro de S.Paulo, pelo secretismo doentio dos stalinistas de Havana, ou por quaisquer outras deformações institucionais que passaram a ocorrer na república do nunca antes, mas pela bagunça mesmo, pela falta de registros, atas, minutas de reuniões, que possam ajudar na reconstituição de certos processos.
Confio mais nos papéis americanos, que cobrem tudo com um zelo missionário, informando tudo o que é relevante para seus patrões de Washington.
Quem quer tenha trabalhado em arquivos americanos, sabe do que estou falando.
Contentes, historiadores?
Paulo Roberto de Almeida

Augusto Nunes, 10/09/2013

No fim da tarde de 22 de junho de 2012, uma sexta-feira, o Senado paraguaio aprovou por 39 votos a 4 o afastamento do presidente Fernando Lugo. Graças a informações repassadas pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), a Casa Branca não se surpreendeu com o desfecho da crise política, escancarada por 23 tentativas de impeachment. Surpresos ficaram os governos do Brasil e da Venezuela, constataram os agentes da NSA incumbidos de vigiar também a movimentação dos vizinhos decididos a mandar às favas a soberania do Paraguai.
Inconformados com o despejo do reprodutor de batina, Dilma Rousseff e Hugo Chávez resolveram por telefone que o companheiro Lugo merecia continuar no emprego, que a ofensiva deveria começar de imediato e que seria conduzida pelos chanceleres dos dois países. Despachados para Assunção no meio da noite, o brasileiro Antonio Patriota apareceu sem aviso prévio no Senado paraguaio e o venezuelano Nicolás Maduro baixou sem ser convidado na sede do Poder Executivo.
O emissário de Dilma tentou anular a decisão quase unânime do Senado e reinstalar Fernando Lugo na presidência da República. O enviado de Chávez fez o que pôde para convencer os chefes das Forças Armadas a desfazer com um golpe de Estado o que fizera o Poder Legislativo. Ambos fracassaram miseravelmente. O vice-presidente Federico Franco assumiu sem sobressaltos o lugar do ex-bispo, que voltou a ter tempo de sobra para cuidar das ovelhas do rebanho.
A vingança dos parceiros trapalhões foi tramada com a ajuda da Argentina e do Uruguai: 150 anos depois da Guerra do Paraguai, a Tríplice Aliança reeditada por Dilma, Cristina Kirchner e Jose Mujica suspendeu do Mercosul o vizinho insubordinado e oficializou o ingresso da Venezuela, obstruído havia anos pelo mesmo Senado que afastara Fernando Lugo. Sorte do Paraguai: alheio ao assédio dos quatro patetas, que hoje imploram pela volta do país ao mais anêmico bloco econômico do planeta, o novo governo de Assunção prefere noivar com a Aliança do Pacífico e costurar acordos bilaterais muito mais vantajosos.
“Um dia, talvez, se conheça o histórico, as reflexões, os motivos e a atuação de cada um dos protagonistas brasileiros nesses episódios”, registrou o jornalista José Casado no artigo publicado pelo Globo em que divulgou essas informações. “Até lá, continuarão como segredos enterrados nos arquivos de um anexo virtual da Casa Branca: NSA”. O governo lulopetista não costuma deixar provas materiais das safadezas acumuladas pela política externa da cafajestagem (veja o post na seção Vale Reprise). Mas a documentação produzida pela espionagem ianque deixará de ser sigilosa daqui a alguns anos.

O pouco que vazou sobre o caso é suficiente para atestar que os americanos sabem detalhadamente o que Patriota e Maduro andaram fazendo em Assunção no inverno passado. E sabem muito sobre muitas outras coisas. Ainda bem. Deve-se sempre ressalvar que, em matéria de espionagem, o governo dos EUA tem ultrapassado com frequência os limites do tolerável. Mas certos efeitos colaterais são extraordinariamente positivos. Um deles: os documentos que pioraram o permanente mau humor de Dilma  ajudarão a contar a verdadeira história do Brasil.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Claudio Humberto: "política externa cabisbaixa e submissa"

PATRIOTA FEZ DO ASILO DE MOLINA UMA PRISÃO POLÍTICA
Coluna de Claudio Humberto, 27/08/2013
 
O ex-chanceler Antonio Patriota interrompeu só uma vez sua atitude omissa e acovardada, durante os 452 dias de asilo do senador Roger Pinto Molina. Ainda assim, para atormentar a vítima, em nome do “bolivarianismo”. Ele foi a La Paz tornar o asilo do perseguido do regime de Evo Morales uma “prisão política”, ordenando restrições a banho de sol, proibindo visitas e segregando-o a cubículo sem janela.

QUE VERGONHA
Segundo diplomatas, a estratégia de Patriota, para bajular o regime de Evo Morales, era vencer Molina pelo cansaço e fazê-lo se entregar.

CRUEL COVARDIA
A ordem cruel do gabinete de Patriota para tomar celular e computador de Molina jamais foi confirmada por escrito, como exigiram diplomatas.

INSISTÊNCIA 
Além das visitas pessoais ao Itamaraty, o diplomata Eduardo Sabóia enviou vários telegramas a Patriota pedindo a solução do caso Molina.

BONS PROFISSIONAIS
Como o pai, embaixador Gilberto Sabóia, o diplomata Eduardo Sabóia deixa admiradores por onde passa. Washington foi seu posto anterior.

COVARDIA E SUBMISSÃO MARCAM POLÍTICA EXTERNA
O ex-chanceler Antonio Patriota não recusava chance de mostrar como sua política externa era feita à sua imagem e semelhança: cabisbaixa e submissa diante da arrogância da Venezuela e das desfeitas da Argentina e do regime de Evo Morales. Em março, por exemplo, Evo criou um pretexto para inviabilizar o salvo-conduto ao senador Roger Molina, vetando na mesa de negociações o embaixador, Marcel Biato. Em vez de prestigiar o colega diplomata, Patriota cedeu ao cocaleiro.

PROCESSO NELE
O presidente da OAB-DF, Ibaneis Rocha, foi direto ao ponto: Patriota deveria ser processado por omissão, no caso do senador asilado.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Antonio, o Breve - Dawisson Lopes

Antonio, o Breve

Se a importância de uma era é medida pela densidade de seus eventos, é assim que historiadores poderão ver o chanceler Patriota, avalia professor

15 de junho de 2013 | 16h 00
Dawisson Belém Lopes
Jovem brilhante, talvez o melhor da sua geração. Oriundo de família de diplomatas, com formação sólida e consistência acadêmica, estava habituado às sutilezas da Casa de Rio Branco. Antonio Patriota trazia a vocação para o ofício no próprio nome. Foi embaixador aos 50. Chefiou a missão do Brasil em Washington e, na sequência, tornou-se secretário-geral do Itamaraty - a mais alta posição da carreira.
Chanceler Antonio Patriota - Hélvio Romero/Estadão
Hélvio Romero/Estadão
Chanceler Antonio Patriota
Bem-visto pela corporação diplomática e por seu antecessor no cargo, Celso Amorim, logo obteve a indicação da mandatária da nação para ser o chanceler. Fazia-se justiça a uma trajetória impecável do ponto de vista do mérito técnico.
Seria o líder de um ministério em ascensão, prestigiado pelo ex-presidente Lula e absolutamente instrumental para a inserção do Brasil no mundo globalizado. Até a sociedade civil, tradicionalmente desatenta aos aspectos internacionais, começava a mobilizar-se e a politizar agendas pertinentes à pasta do exterior.
Parecia o cenário ideal para a consagração de Patriota. Tinha tudo para dar certo. Mas foi aí que os seus problemas começaram...
De saída, o ministro foi anunciado como a boa nova. Movido por um plano de "suave correção de rumos", ele acolhia em parte as reivindicações de determinados segmentos sociais por uma diplomacia mais convencional. Acenou com a reaproximação com os Estados Unidos e condenou as violações de direitos humanos no Irã, relegando para segundo plano as bandeiras da reforma do Conselho de Segurança da ONU e do regionalismo pós-liberal na América do Sul. O elemento de contestação à ordem mundial, presente na gestão "ativa e altiva" de Amorim, diluiu-se.
Pouco a pouco, foi se tornando evidente que Dilma não era Lula. A diplomacia presidencial da nova incumbente, por desinteresse ou inaptidão, recuou. Além disso, o recomendável entrosamento entre chefe de Estado e chanceler nunca houve. Nos temas econômicos da política externa, Guido Mantega e Fernando Pimentel fizeram-se porta-vozes da Presidência; nas questões de cunho político e social, Marco Aurélio Garcia e Gilberto Carvalho foram conselheiros preferenciais.
Vários enroscos diplomáticos do primeiro biênio de governo foram debitados à conta do ministro das Relações Exteriores, com destaque para a derrubada do aliado paraguaio Fernando Lugo. O entusiasmo da militância social e dos meios de imprensa com Patriota rapidamente arrefeceu.
Nos últimos meses, a situação piorou. O chanceler foi posto na alça de mira de diversos grupos de interesse e pressão. Todo mundo tirou uma casquinha: ambientalistas insatisfeitos com a condução da Rio+20, organizações de direitos humanos queixosas da leniência brasileira com ditadores sanguinários, editorialistas de cadernos de política com denúncias de malversação do recurso público. Justas ou não, as reclamações agora beiram o inusitado: até a torcida do Corinthians, depois da tragédia de Oruro e da detenção de alguns de seus membros, passou a apupar a chefia do Itamaraty.
As vitórias, quando aconteceram, foram pírricas. Patriota despendeu energia pelo reconhecimento da Palestina como membro observador na Assembleia-Geral da ONU - no que foi bem-sucedido -, mas não colheu benefícios palpáveis da empreitada. Em outra ocasião, o Brasil tentou fazer avançar, também no púlpito da ONU, o conceito de "responsabilidade ao proteger" para regulamentar as intervenções humanitárias. Inicialmente recepcionada com interesse pela comunidade das nações, a ideia foi desautorizada na prática, e tratada como um sintoma de que nosso país era relutante em assumir o fardo da condição de potência global.
Sintomática mas não surpreendentemente, a expressiva eleição do diplomata brasileiro Roberto Azevêdo à direção da Organização Mundial do Comércio foi tratada, pelo governo, mais como resultado do envolvimento pessoal da presidente da República - e menos como o fruto de uma longa e intrincada articulação diplomática, liderada pelo Ministério das Relações Exteriores.
O eclipse do Itamaraty é a consequência inevitável desse processo. Até o tradicionalíssimo concurso anual para recrutamento de diplomatas foi colocado em suspenso pela administração federal. Também dão conta desse achatamento político o contingenciamento das verbas para o ministério e a baixa frequência com que o ministro do Exterior despacha com a presidente da República.
Há quem diga que diplomata faz política de Estado e, portanto, estaria imune às contingências do governo. Penso que, numa democracia contemporânea, não poderia existir maior equívoco de interpretação - e Antonio Patriota dá vivo testemunho disso. Sua natural aversão aos jogos políticos lhe dá um indefectível ar de chefe interino: sem força, sem perspectiva e, miseravelmente, sem legado.
Se a importância de uma era é medida pela densidade dos seus eventos, a impressão é de que os historiadores poderão tratar o ministro, num futuro não muito distante, pelo epíteto "O Breve" - mesmo que, cronologicamente, sua permanência no cargo ainda se arraste até o fim deste governo.
*DAWISSON BELÉM LOPES É PROFESSOR DE POLÍTICA INTERNACIONAL E COMPARADA DA UFMG E AUTOR DE POLÍTICA EXTERNA E DEMOCRACIA NO BRASIL: ENSAIO DE INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA (UNESP, 2013
)

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Brasil-Bolivia, e suas vitimas - Ricardo Noblat

Artigo estranho, provavelmente mal informado, especulativo, sem fatos, apenas suposições. Mas, à falta de esclarecimentos do poder poderoso (que não virão), navegamos com as garrafas que são jogadas ao mar...
Paulo Roberto de Almeida

COMENTÁRIO Blog Ricardo Noblat, 26/08/2013

Esquisito o episódio da chegada ao Brasil do senador boliviano refugiado há mais de 440 dias em nossa embaixada em La Paz. E agora da demissão do ministro Antônio Patriota, das Relações Exteriores.
A operação de retirada do senador da Bolívia foi arriscada se ela de fato ocorreu à revelia do governo Evo Morales.
Foram 22 horas dentro do carro principal da embaixada até a chegada em Corumbá. Fuzileiros navais garantiram a segurança do senador durante a viagem.
Em Corumbá, a segurança coube à Polícia Federal, subordinada ao ministro da Justiça.
É possível que fuzileiros e agentes da Polícia Federal tenham sido mobilizados à revelia dos seus chefes - os ministros da Defesa e da Justiça?
É possível que a fuga do senador fosse apenas do conhecimento do encarregado de negócios da embaixada do Brasil na Bolívia? O posto de embaixador está vago por lá.
E a pergunta mais importante: que ministro teria coragem de se envolver numa operação diplomaticamente tão delicada sem que a presidente Dilma fosse informada? E desse seu aval?
Dilma nunca gostou de Patriota, nunca se deu bem com ele, sempre o tratou mal, às vezes de forma humilhante.
Era preciso entregar alguma cabeça para acalmar o governo boliviano, aparentemente irritado com o que aconteceu.
Se Evo Morales só ficou sabendo da fuga do senador depois de sua entrada no Brasil, é grave. Deixa-o mal diante dos seus governados.
Se ele sabia da fuga e compactuou com ela, não poderá admitir. Pegaria mal.

A demissão de Patriota desmanchará o mal estar sincero ou simulado que separa a Bolívia do Brasil. Mas não porá um ponto final nessa história.

Brasil-Bolivia: primeira vitima do imbroglio, o chanceler brasileiro - Estadao

Patriota é demitido após fuga de senador boliviano para o Brasil

Luiz Alberto Figueiredo Machado assumirá o Itamaraty

26 de agosto de 2013 | 20h 10
Tânia Monteiro - Agência Estado
BRASÍLIA - Antonio Patriota não é mais o ministro das Relações Exteriores do Brasil. A saída dele do cargo foi confirmada há pouco pelo porta-voz da Presidência da República, Thomas Traumann.
Patriota é demitido após senador Pinto fugir da Bolívia - Dida Sampaio/Estadão
Dida Sampaio/Estadão
Patriota é demitido após senador Pinto fugir da Bolívia
Quem assumirá o comando do Itamaraty será o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, que até agora era o representante permanente do Brasil junto à Organização das Nações Unidas (ONU), informa o Palácio do Planalto. Patriota, por sua vez, irá para a representação junto à ONU. Segundo Traumann, a presidente Dilma Rousseff agradeceu o empenho do ministro Patriota e o indicou para o cargo na ONU.
Patriota deixa o cargo após o episódio envolvendo a chegada ao Brasil do senador boliviano Roger Pinto Molina, que estava na embaixada brasileira em La Paz desde maio de 2012. Pinto chegou ao Brasil no sábado 24, após uma viagem de 22 horas em veículo diplomático brasileiro. O caso gerou impasse entre Brasil e Bolívia. Pinto é opositor do presidente Evo Morales.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

A politica externa brasileira da era Lula-Dilma: comentario de leitor do blog

Permito-me transcrever aqui comentários recebidos de um leitor do blog, João, a propósito da palestra do Min. Patriota na UFABC, realizada recentemente; está no YouTube. Foram 55 minutos falando sobre a "nova" diplomacia brasileira nos últimos 10 anos. (Eu mesmo não tive oportunidade de assistir, o que vou fazer agora.)
Paulo Roberto de Almeida
Em apertada síntese o Ministro divide a atuação da diplomacia brasileira em dois momentos: antes e após o presidente Lula, rotulando esse período, que segundo ele segue firme e forte com a "Presidenta", como Diplomacia Criativa. 
O que mais me impressionou na palestra foi o esforço em colocar a diplomacia do período Lula como algo excepcional, incomparável com qualquer outro momento da longa história do Itamaraty. Tudo isso sem levar em consideração a conjuntura política, a história e, principalmente, a economia do período FHC, por exemplo. Posso estar enganado - ainda estou estudando o tema -, mas não foi no período de FHC que a Inglaterra, os EUA, passaram a perceber a importância, a necessidade de um melhor relacionamento com o Brasil? Salvo engano, lembro-me de uma recepção impar promovida pela rainha do Reino Unido para o pres. FHC. Entre outros encontros que marcaram aquele período e a diplomacia brasileira. Seria exagero afirmar que esse período referido representou um marco para a diplomacia brasileira? Não foi neste período que o Brasil voltou ao cenário mundial? Não estou a desmerecer o período Lula neste ponto, tenho que houve avanço. Questiono as premissas postas pelo Ministro, bem como a indiferença a momentos relevantes, e não menos importantes. 
Peço desculpa pelo longo texto. Mas vou terminando, destacando, ainda sobre a referida palestra, a afirmativa do Ministro de que a Presidente garante a continuidade da política externa do gov. Lula. Pergunto: e a cooperação com os países da África, que segundo consta da imprensa em geral, somente continua se der lucro? A reclamação do excesso de postos no exterior? A centralização do controle da política externa?? Continuidade?!?

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Mercosul: uma "integracao profunda" - Antonio Patriota

Brasil alega que Aliança do Pacífico não é projeto de integração profunda

Infolatam/Efe
São Paulo, 16 julho 2013
Las claves
  • Patriota comentou em um encontro com correspondentes estrangeiros em São Paulo que a Aliança do Pacífico "é um esforço que reúne países com características semelhantes, mas é uma aliança, e não uma zona de livre-comércio, uma união aduaneira e muito menos um projeto de integração profunda como o Mercosul".
O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, descartou nesta terça-feira que a Aliança do Pacífico – acordo de livre-comércio estabelecido por Chile, Colômbia, México e Peru – seja um projeto de “integração profunda” como é a proposta do Mercosul.
Patriota comentou em um encontro com correspondentes estrangeiros em São Paulo que a Aliança do Pacífico “é um esforço que reúne países com características semelhantes, mas é uma aliança, e não uma zona de livre-comércio, uma união aduaneira e muito menos um projeto de integração profunda como oMercosul“.
Segundo Patriota, isso demonstra que o Mercosul “está vivo e dinâmico”, e afirmou que em 2019 “entrará em vigor” uma zona sul-americana de livre-comércio próxima a outros blocos, como a Comunidade do Caribe (Caricom).
“Quando falo que a Aliança do Pacífico é marketing ou que se trata de uma embalagem nova de um produto existente, não quero diminuir nada, pois se trata de países que são importantes para o Brasil, e o Brasil espera que seu esforço contribua para dinamizar essas economias e elevem o nível de vida”, disse Patriota.
O chefe da diplomacia brasileira lembrou também as declarações do presidente eleito do Paraguai, Horacio Cartes, que rejeitou a entrada da Venezuela como membro pleno do Mercosul, bloco integrado, ainda, por Argentina, Brasil e Uruguai.
“São declarações de um presidente eleito, é importante acompanhar o que dirá quando estiver em pleno exercício do poder a partir de 15 de agosto”, afirmou.
Nesse sentido, Patriota destacou a retomada de relações do bloco com o Paraguai, suspenso um ano atrás como punição pelo impeachment em julgamento político do então presidente, Fernando Lugo, por entender que houve uma “ruptura da ordem democrática”.
O chanceler considerou “um gesto importante” o fato de os governos do Mercosul reconhecerem a vitória de Cartes nas urnas e de alguns líderes, como a própria presidente Dilma Rousseff, terem anunciado que comparecerão à sua posse no dia 15 de agosto em Assunção.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Integracao comercial e integracao social: o argumento da autoridade, por escrito

Transcrevo, apenas, sem ter ainda analisado a substância...
Paulo Roberto de Almeida

Apresentação do Ministro Antonio de Aguiar Patriota em Audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal
Brasília, 20 de junho de 2013

Vários analistas apontam para suposta "paralisia" do MERCOSUL. Penso que a realidade não corresponde a essa percepção. Os resultados do MERCOSUL são positivos, concretos e reais. Quanto ao comércio, por exemplo, e apesar dos efeitos negativos globais da grave crise econômica de 2008, o desempenho do intercâmbio intrazona é superior ao do comércio internacional. Enquanto as trocas globais cresceram 13% no período (de 16 para 18 trilhões de dólares), a corrente de comércio entre os membros do MERCOSUL cresceu mais de 20%, passando de 40 para 48 bilhões de dólares. Nos pouco mais de vinte anos de existência desde a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, o valor do comércio intraMERCOSUL cresceu mais de nove vezes, enquanto a corrente comercial do Bloco com o resto do mundo multiplicou-se por oito. Em ambas as dimensões, intrazona e com terceiros, as estatísticas não sustentam as críticas aos positivos resultados comerciais do MERCOSUL.

Para o Brasil, o MERCOSUL constitui importante instrumento para a expansão das exportações, em especial de produtos industrializados. Em 2012, depois de quatro anos de crise internacional, o bloco ocupou a quarta posição como destino de nossas mercadorias, com 9% das exportações – após União Europeia, China e Estados Unidos. Quando se considera a composição da pauta de exportações, destaca-se ainda mais a relevância do MERCOSUL: cerca de 90% das exportações brasileiras para o bloco são de manufaturados. Para a União Europeia, para a China e para os Estados Unidos, os percentuais de manufaturados são de 36%, 5% e 50%, respectivamente. A indústria brasileira, logo, tem no MERCOSUL o seu mais importante mercado externo. A indústria brasileira reconhece isso, como demonstra o recente estudo da FIESP "Agenda de Integração Externa", tornado público nesta semana. Na indústria e nos serviços a ela relacionados encontram-se, em geral, os empregos mais qualificados e bem remunerados. Nesse setor investe-se mais em ciência, tecnologia e inovação. Estimula-se o dinamismo dos centros urbanos, onde vive e trabalha a maioria da população brasileira.

Dado igualmente relevante, mas de pouca difusão, é o de que graças aos acordos de liberalização comercial assinados no âmbito da ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), ao amparo do Tratado de Montevidéu de 1980, pode-se afirmar que já existe livre-comércio entre o Brasil e quase todos os países da América do Sul. A redução das tarifas alfandegárias a zero já se verifica, no caso dos países do MERCOSUL, para praticamente todos os produtos da Argentina, 98% do Uruguai, 93% do Paraguai, e será de 91,9% com a Venezuela em 2019. Também se constata com relação a outros vizinhos: já é de 99% com o Chile e de 91% com a Bolívia. Com esse país, alcançará 100% em 2019; no mesmo ano, chegará a 94% com o Equador, 99,8% com o Peru e 83,6% com a Colômbia. Desse modo, haverá livre-comércio com quase todos os países da América do Sul daqui a 2019, existindo relativo espaço a ser conquistado no comércio com a Colômbia. Assim, no MERCOSUL de hoje, a exemplo do que se verifica em projetos de integração em outras latitudes, as perturbações remanescentes nas condições de acesso a mercados devem-se mais à administração conjuntural do comércio exterior do que das condições estruturais intrínsecas ao espaço econômico-comercial comum já estabelecido com base na primazia do livre-comércio.

O MERCOSUL é também exemplo de sucesso para além do terreno comercial, tanto na área econômica propriamente dita quanto no que diz respeito a iniciativas e interesses das sociedades dos países membros em seu conjunto. Na economia, crescem os investimentos produtivos entre os países membros e com os países associados. A mídia repercute, frequentemente, iniciativas empresariais nos mais variados setores de atividade: produção de insumos industriais; construção civil; manufatura de máquinas e equipamentos; bens intermediários e de consumo; distribuição e logística; comércio atacadista e varejista. A amplitude e a diversificação crescente dessas iniciativas empresariais atestam maior valor que a perspectiva do mercado ampliado do bloco traz para as decisões de expansão, de modernização, inclusive de integração das unidades produtivas nos membros e também nos países vizinhos, a exemplo do Chile e do Peru.

No que se refere à questão essencial da redução e superação de assimetrias entre os países membros, o MERCOSUL dispõe do Fundo para Convergência Estrutural (FOCEM). Trata-se do único mecanismo regional de financiamento da América Latina com recursos transferidos a fundo perdido, sem pagamento de juros ou reembolso do principal. Os projetos a serem aprovados pelo Fundo têm de promover a convergência estrutural, a competitividade, a coesão social, em particular das economias menores e regiões menos desenvolvidas, e apoiar o funcionamento da estrutura institucional e o fortalecimento do processo de integração. A vocação solidária do FOCEM evidencia-se ao serem comparadas as proporções dos aportes previstos e os benefícios recebidos em termos de distribuição de recursos. Dos 100 milhões de dólares que alimentam a cada ano o total do Fundo, 70%cabem ao Brasil; à Argentina, 27%; ao Uruguai, 2%; e ao Paraguai, 1%. A distribuição dos financiamentos, por sua vez, se faz no sentido inverso: o Paraguai recebe 48%; o Uruguai, 32%; a Argentina, 10%; e o Brasil, 10%. Esses percentuais são revistos regularmente e serão revistos com o ingresso da Venezuela no MERCOSUL. Desde que começou a funcionar em 2007, foram aprovados 43 projetos do FOCEM, em um total de 1,38 bilhão de dólares; 17 projetos localizam-se no Paraguai, totalizando 624 milhões de dólares, e compreendem obras para distribuição de energia elétrica, saneamento urbano, rodovias, habitações para famílias de baixa renda, entre outros.

O MERCOSUL destaca-se, ainda, em outra vertente tão ou mais relevante: o da participação da sociedade civil no avanço do processo de integração, em sua dimensão social e cidadã. Desde 2006 ocorrem as Cúpulas Sociais, em paralelo às reuniões de Cúpula Presidenciais, a cada semestre. A 14ª Cúpula Social, realizada em Brasília, em dezembro passado, teve como temas principais a livre circulação de pessoas e o reconhecimento de diplomas escolares (inclusive universitários), objetivos que constam do Plano de Ação do Estatuto da Cidadania do MERCOSUL.

No campo da livre circulação de pessoas, estão vigentes, no MERCOSUL, os Acordos de Residência, o Acordo de Seguridade Social e o Estatuto da Cidadania. Os Acordos sobre Residência se aplicam aos cidadãos dos países membros, mas também a alguns dos países associados, como Chile e Peru. No caso do Equador, falta apenas o final do processo de aprovação legislativa. São acordos que permitem aos nacionais brasileiros, argentinos, paraguaios, uruguaios, chilenos, peruanos, e em breve, equatorianos, estabelecer residência em qualquer dos países signatários e neles gozar de direitos civis, de deveres e responsabilidades trabalhistas e previdenciárias, entre outros.

O Acordo de Seguridade Social, firmado em 2005, permite que os trabalhadores dos países signatários incluam, no cálculo de suas aposentadorias concedidas em um país, o tempo em que trabalham em outro. Ao entrar com pedido de aposentadoria em Montevidéu, por exemplo, um profissional uruguaio que tenha trabalhado também no Brasil pode requerer a contagem do tempo de contribuição que terá feito para o sistema de previdência social brasileiro. O Acordo também permite a concessão de outros auxílios, inclusive aposentadoria por invalidez.

O Plano de Ação do Estatuto da Cidadania prevê a implementação e o aprofundamento, até 2021, de iniciativas de impacto positivo e direto na vida cotidiana das pessoas e das famílias, entre as quais: livre circulação de pessoas dentro do MERCOSUL; igualdade de direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicas para os nacionais dos países membros; e igualdade de condições para o acesso a trabalho, saúde e educação.

Todos esses avanços reais e concretos na construção de um projeto de integração profundo e multifuncional – inspirado, também, em considerações de natureza política, estratégica e de longo prazo, no comércio, na economia, na cidadania, no conjunto dos principais interesses das sociedades – têm não só despertado atração no âmbito dos Estados associados ao MERCOSUL, mas também têm suscitado a aproximação dos demais países da América do Sul, seja pela adesão formal (caso da Venezuela, que aderiu em julho de 2012, e da Bolívia, que assinou Protocolo de Adesão em dezembro de 2012), seja pela manifestação de interesse (o Presidente Rafael Correa, depois de sua reeleição, manifestou que o Equador também tem interesse em participar do MERCOSUL como membro pleno, em um processo que deverá ter início neste ano). Com os demais países da América do Sul participando da rede de acordos de livre-comércio antes mencionada, Guiana e Suriname também formalizaram o interesse em tornarem-se Estados Associados do MERCOSUL.

Com o ingresso da Venezuela, o MERCOSUL passou a integrar área que se estende da Terra do Fogo ao Caribe. Representa mais de 80% do PIB regional a valores de 2012 – 3,3 trilhões de dólares, sobre 4 trilhões de dólares para toda a América do Sul –, 72% do território, 70% da população, 58% dos ingressos de investimento estrangeiro direto e 65% do comércio exterior.

É muito difícil corroborar, portanto, diante dos fatos e dados aqui mencionados, a percepção (que por vezes surge na mídia ou em fontes de pensamento e análise sobre os cenários regional e internacional) de que o MERCOSUL seria projeto de integração "antiquado" ou "desvantajoso" para o desenvolvimento de seus países membros. Nem o argumento da falta de livre-comércio resiste, como atestam os índices aqui mencionados de abertura de mercado intrazona e na América do Sul.

Outro argumento frequentemente apresentado é de que o bloco ainda não conseguiu concluir acordos de livre-comércio com grandes economias industrializadas e que já negocia com a União Européia há quase quinze anos, sem êxito. Em verdade, se o MERCOSUL tivesse concordado com toda a linha de demandas negociadoras da União Européia, já teríamos chegado a um acordo. Da mesma forma, se a União Européia tivesse, em contrapartida, concordado com todas as nossas ambições, também teríamos conseguido chegar a acordo equilibrado, amplo e mutuamente vantajoso. Até agora, não foi possível chegar a tal ponto. Vale lembrar, não obstante, que no contexto da reunião da Parceria Estratégica Brasil – União Européia, realizada em janeiro deste ano, aqui em Brasília, conversou-se sobre a retomada das negociações. Subsequentemente, à margem da Cúpula da Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos, realizada em Santiago, também em janeiro deste ano, ocorreu encontro de negociadores de MERCOSUL e União Européia, que estabeleceram o fim de 2013 como prazo para a circulação de ofertas melhoradas – requisito fundamental para a conclusão do processo negociador. Vejo que o processo está ingressando em fase efetivamente conclusiva, na medida em que também o setor privado brasileiro tem demonstrado grande interesse na sua conclusão, após consulta pública realizada ao final de 2012. Com base nessa manifestação, existe em curso processo de preparação da nossa oferta melhorada, que deverá estar pronta até setembro ou outubro deste ano.

Sem fazer qualquer interpretação ideológica ou de outra natureza e apenas baseando-se em fatos, pode-se afirmar que a conclusão de acordos de livre-comércio não implica necessariamente incremento das exportações dos países signatários. Tal constatação pode ser verificada nas estatísticas fornecidas pela CEPAL. Exemplo interessante é o do acordo de livre-comércio assinado entre Chile e Estados Unidos. Apesar do acordo, as exportações chilenas para o mercado norte-americano, nos últimos cinco anos, cresceram menos do que as vendas do MERCOSUL para os Estados Unidos, com quem o bloco não tem acordo de livre-comércio. O que aconteceu, na verdade, foi significativo aumento das exportações norte-americanas para o Chile. A conclusão a que se chega, então, é que um acordo de livre-comércio pode ser mutuamente benéfico quando equilibrado. Dependendo da circunstância, ele também pode acentuar desequilíbrios, sobretudo no curto prazo. Tais desequilíbrios poderão eventualmente até ser mitigados no mais longo prazo.

É inegável que o MERCOSUL constitui a mais bem sucedida iniciativa de integração profunda e abrangente já empreendida na América do Sul. Nos seus mais de vinte anos de avanços, desde o Tratado de Assunção, conseguiu incorporar à expansão sustentada do comércio intra e extrazona as dimensões econômica, social e cidadã, conformando projeto comum de prosperidade compartilhada na região.

A Aliança do Pacífico, integrada por Chile, Colômbia, México e Peru – e proximamente, de acordo com o anunciado, pela Costa Rica –, foi lançada em abril de 2011. Recordo-me que desde minha primeira visita à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, em 2011, conversei com os Senadores sobre o que na época se chamava "Arco do Pacífico", e do que aquilo representava para os interesses brasileiros. Seus principais compromissos e objetivos estão escritos em Acordo-Quadro assinado em dezembro de 2012, mas ainda não vigente, porque não aprovado por todos os seus países-membros. Não obstante a inexistência prática do Acordo-Quadro, a Aliança já realizou várias reuniões presidenciais. Entre os resultados anunciados na última Cúpula, em Cali, no dia 23 de maio, sob a Presidência pro tempore da Colômbia, foi destacada a decisão de reduzir a zero, quando entrar em vigor o Acordo-Quadro, os direitos de importação de 90% do universo tarifário no comércio entre os países-membros, e os 10% restantes deverão vir a ser desgravados conforme resulte das negociações, em curso, entre os quatro países.

Os compromissos anunciados em Cali no que diz respeito à eliminação de tarifas, em verdade, representam pouco ou nada em relação ao que já fizeram os países da Aliança do Pacífico na qualidade de membros da ALADI. De fato, já existem acordos de livre-comércio entre todos os países da Aliança do Pacífico, ao amparo do Tratado de Montevidéu, de 1980. Conforme os mais recentes estudos sobre comércio preferencial (ou seja, realizado ao amparo de reduções tarifárias) na região, elaborados pela Secretaria-Geral da ALADI e pela CEPAL, o grau de liberalização comercial entre os países da Aliança superava os 90% já no ano de 2010. O anúncio, portanto, de que se vai estabelecer zona de comércio preferencial para 90% do universo tarifário é um anúncio sobre algo que já existe. A única exceção é o comércio Peru-México, cujo índice de liberalização, apesar de inferior, deverá aumentar em função de acordo de livre-comércio assinado entre os dois países em abril de 2011 (antes, portanto, da criação da Aliança).

Quanto ao acesso dos produtos brasileiros aos mercados dos países-membros da Aliança do Pacífico, os cronogramas de desgravação dos acordos de livre-comércio firmados na ALADI pelo MERCOSUL com o Chile, com o Peru e com a Colômbia promoverão, até 2019, como eu comentava, a liberalização abrangente do comércio regional. Vale repetir que, segundo dados da ALADI, o grau de liberalização do comércio bilateral com o Brasil – medido pela proporção de itens com 100% de preferência em benefício das exportações brasileiras – será, no caso do Chile, de 99,9%; com o Peru, de 99,8%; e com a Colômbia, de 83,6%.

Os Presidentes do Chile, da Colômbia, do México e do Peru anunciaram em Cali a desgravação tarifária total no comércio de todos os produtos entre os quatro países. Esse objetivo, na verdade, será alcançado entre os quatro países, consoante os acordos que já haviam sido firmados anteriormente, na sua condição de membros da ALADI, e não da Aliança. Mesmo assim, dependerá da implementação de cronogramas de desgravação para os remanescentes 10% do universo tarifário.

Há marcado contraste, portanto, com a situação já existente de livre-comércio intrazona no MERCOSUL, e de ampla liberalização comercial no intercâmbio dos seus países-membros com os vizinhos na região, como acabo de apontar.

Ainda no campo comercial, em Cali também foi destacada a conclusão das negociações sobre facilitação de comércio e cooperação aduaneira. São assuntos que já ocupam, há muitos anos, os países da própria Aliança e os demais países da ALADI, e que também ocupam os países do MERCOSUL. A decisão de aprofundar ou de intensificar discussões com vistas à harmonização de procedimentos aduaneiros pode ser amplamente vantajosa para o MERCOSUL e para o Brasil. Isso facilitará o desenvolvimento do comércio com os integrantes da Aliança do Pacífico.

O Acordo-Quadro da Aliança tem outros objetivos mais ambiciosos do que a mera liberalização tarifária. Em seu artigo 3º, por exemplo, prevê "avançar progressivamente até a livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas". O mesmo artigo determina que os países integrantes da Aliança deverão, por exemplo: liberalizar o intercâmbio comercial de bens e serviços; avançar rumo à livre circulação de capitais e à promoção de investimentos; desenvolver ações de facilitação de comércio; promover a cooperação entre as autoridades migratórias e consulares; e facilitar o movimento de pessoas e o trânsito migratório nos seus territórios. A homogeneização dos procedimentos comerciais e de investimentos apresenta interesse, em si mesmo, para o MERCOSUL e para o Brasil individualmente.

Na Cúpula de Cali, há passos anunciados, ainda sem resultados conclusivos – como diretrizes para um futuro acordo de cooperação entre autoridades sanitárias; instâncias para facilitar o comercio de cosméticos; consideração dos avanços nas negociações sobre serviços e capitais (serviços profissionais; de telecomunicações; financeiros; marítimos; ou de transporte aéreo), para além dos dispositivos hoje vigentes; início das atividades de projeto para incrementar a competitividade de micro, pequenas e médias empresas –, que aguardam discussões mais aprofundadas antes de se transformarem em resultados concretos.

O tema das interconexões físicas entre os países da Aliança deverá demandar grandes e onerosas estruturas para avançar. Há descontinuidade geográfica entre Peru, Chile e Colômbia e o México, o que faz esse bloco não ter potencial de integração física, como, por exemplo, a América do Sul. Ainda assim, os integrantes da Aliança se comprometem, até o próximo dia 30 de junho, a concluir conjunto de negociações de ambição ampla, não somente sobre a desgravação tarifária total do universo de mercadorias em “prazos razoáveis” (sem ter sido dado prazo específico); mas também sobre regime de origem para as mercadorias comercializadas; medidas sanitárias e fitossanitárias; e alguns dos outros temas que mencionei. Todos os propósitos e tarefas anunciados em Cali têm o potencial de contribuir para o aprofundamento da integração entre esses países. Suas metas, contudo, não se materializam da noite para o dia e, possivelmente, não ocorrerão dentro do escasso tempo previsto até esse prazo de 30 de junho.

É pertinente, também, comparar o que foi anunciado em Cali pela Aliança do Pacífico em termos do estabelecimento de fundo de cooperação entre os países-membros, que alcançaria 1 milhão de dólares, e o FOCEM – que, em cinco anos de operação, já financiou 43 projetos, ao custo de mais de 1 bilhão de dólares.

Passando-se ao tema da anunciada concessão de bolsas de estudo para pós-graduação, cada país da Aliança do Pacífico está oferecendo aos demais 100 bolsas. Vale lembrar que o Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação brasileiro – o PEC-PG, que oferece bolsas para nacionais de países em desenvolvimento com os quais o Brasil possui acordos de cooperação cultural e educacional –, ao longo dos últimos doze anos, selecionou mais de 1.600 estudantes estrangeiros, 75% dos quais das Américas. Entre 2000 e 2012, foram contemplados quase 450 estudantes da Colômbia, um dos países que mais aproveita esse oferecimento de bolsas de estudo no Brasil. Na edição de 2012 do PEC-PG, foram concedidas 226 bolsas, sendo que mais de 100 para estudantes oriundos de países da Aliança do Pacífico.

Esses exemplos, assim como as referências anteriores sobre o MERCOSUL, ajudam a colocar em perspectiva realista e a melhor aquilatar o que representa, na prática, e para além da retórica, a Aliança do Pacífico.

Vale, igualmente, lembrar que três dos quatro membros originais da Aliança do Pacífico são países sul-americanos, membros da UNASUL. O Peru exerce, nesse momento, a Presidência pro tempore desse bloco. O Chile, o Peru e a Colômbia, como se viu, já mantêm acordos comerciais com os restantes membros do MERCOSUL e vizinhos da América do Sul que deverão entrar em vigor plenamente até o fim desta década.

A UNASUL é projeto especialmente abrangente e ambicioso, contemplando objetivos e agendas de trabalho que, em vários sentidos, vão muito além dos que pautam qualquer outro exercício de integração em curso na nossa região. Regida pelo Tratado de Brasília, assinado em 2008 e em pleno vigor desde 2011, a UNASUL conta, hoje, com doze instâncias setoriais, que tratam, dentre outros, de temas como defesa; combate ao problema mundial das drogas e ao crime organizado internacional; cooperação em saúde, educação, ciência e tecnologia; direitos humanos; acompanhamento eleitoral.

Dimensão que se reveste de particular significado na UNASUL é a da integração física. A América do Sul, quando olhamos para o mapa, sobressai-se como um continente em si mesmo. Por motivos históricos, que guardam relação com os modelos de colonização que prevaleceram na região durante os primeiros séculos da nossa história moderna, ainda é baixo o nível de integração entre nós em matéria de transporte e de energia, o que é incompatível com a idéia de um espaço sul-americano de prosperidade compartilhada. A UNASUL tem no tema da integração física uma das suas atividades centrais – daí a importância do Conselho de Integração e Planejamento, o Cosiplan, criado em 2009 no marco da organização.

A agenda de projetos prioritários de integração do Cosiplan, aprovada em 2011, então sob a presidência brasileira do foro, é a primeira compilação de projetos de infraestrutura em que cada projeto implica, necessariamente, a participação de dois ou mais países da América do Sul. A agenda inclui 544 projetos, que, somados, totalizam 130 bilhões de dólares em investimentos na integração da infraestutura regional. A título de exemplo, menciono alguns projetos dos quais o Brasil participa diretamente: o corredor ferroviário bioceânico Paranaguá-Antofagasta, que envolve Brasil, Paraguai, Argentina e Chile; a rodovia Boa Vista-Georgetown, entre Brasil e Guiana; o corredor ferroviário Montevidéu-Cacequi, que envolve o Brasil e o Uruguai. Esses projetos impactam diretamente na geração de comércio e de investimentos, revelando esforço de integração verdadeiramente amplo e profundo.

A Constituição brasileira, em seu artigo 4°, parágrafo único, indica que o Brasil perseguirá a integração latino-americana como um de seus objetivos em matéria de política externa. Temos hoje à nossa disposição, para que todos esses exercícios de integração sub-regional convirjam, a Comunidade de Estados Latino Americanos e do Caribe (CELAC), criada em Caracas, em dezembro de 2011, e que se reuniu, em nível de Chefes de Estado e de Governo, este ano em Santiago no Chile, quando a Presidência pro tempore foi passada do Chile para Cuba.

À guisa de conclusão, pode-se suscitar reflexão mais abrangente sobre qual é o modelo de integração para o qual devemos nos dirigir no futuro, a partir dos êxitos inegáveis já conquistados pelo MERCOSUL e por outros exercícios sub-regionais – que não devem ser vistos como ameaça, mas como oportunidade.

Para o Brasil, uma iniciativa como a Aliança do Pacífico ou qualquer outra que contribua para a prosperidade, para o desenvolvimento em nossa região, representa, antes de qualquer coisa, uma oportunidade que precisa ser devidamente entendida e aproveitada.

Mantemos relações próximas com os países da Aliança do Pacífico, de maneira muito proveitosa em distintos campos, inclusive no comércio e nos investimentos, e continuaremos a trabalhar para aprofundar esses vínculos. À medida que aqueles países tenham êxito em seus objetivos, de crescimento econômico e desenvolvimento social, isso só nos trará vantagens.

No plano político, não há mal entendido, não há dificuldade de comunicação com o grupo ou com os países individualmente. Até mesmo quando o Brasil venceu a campanha para Diretor-Geral da OMC, em que havia um candidato do MERCOSUL, Embaixador Roberto Azevêdo, que concorreu contra um candidato mexicano – que, portanto, poderia ser visto como um candidato da Aliança do Pacífico –, a vitória do candidato brasileiro não causou mal-estar na relação bilateral com o México. O melhor exemplo disso foi o fato de o chanceler José Antonio Meade, do México, ter realizado uma visita oficial ao Brasil menos de duas semanas após a divulgação do resultado dessa concorrência para Diretor-Geral da OMC, em Genebra.

A questão de fundo que se deve suscitar é a seguinte: saber se convém ou não fazer a opção por uma forma de inserção internacional e de estruturação de modelo de desenvolvimento econômico e social que leve à especialização das economias nacionais em torno de alguns poucos produtos, que tenderão a ser primários ou de escasso valor agregado local e de alguns poucos mercados que, em geral, estão concentrados geograficamente, em detrimento de uma estratégia que favoreça diversificação produtiva e os destinos e origens de comércio, a inclusão social mais ampla, com distribuição de renda e em democracia. Essa é uma questão que precisa ser debatida amplamente na sociedade brasileira. A primeira opção, a da especialização das economias de concentração de mercados, parece ter duvidosa sustentabilidade ao longo do tempo.

Relatório recentemente divulgado pela Cepal sobre investimentos estrangeiros diretos na América Latina aponta no sentido de que os investimentos estrangeiros em alguns países da região não estão contribuindo, ao contrário do que se pensava, para fomentar novos setores ou estimular atividades de maior conteúdo tecnológico, nem para gerar empregos de melhor qualidade. De maneira inversa, os investimentos têm reforçado as estruturas produtivas prevalecentes em detrimento da produção e dos empregos mais qualificados da economia, que, em geral, se localizam no setor industrial e nos serviços a ele relacionados.

Esse mesmo tipo de especialização tem sido estimulado pelos acordos de livre-comércio firmados pelos países da região com parceiros do mundo desenvolvido. A edição de dezembro de 2012 da revista CEPAL indica que, em que pese a celebração de vários desses acordos, a composição da pauta das exportações dos seus signatários em nossa região – em geral, com a expressiva participação de produtos básicos – não sofreu mudanças significativas, e tampouco se constatou incremento nas exportações de maior valor agregado. Pareceria, assim, que essa primeira opção da especialização, da concentração em poucos mercados, pode levar ao desmantelamento da indústria na América do Sul. Esse modelo não constituiria uma plataforma para sustentar a integração regional no longo prazo. Seu objetivo estratégico estaria mais voltado para abrir mercados para a região para os excedentes exportáveis, sobretudo de produtos manufaturados provenientes da extrazona e provenientes de economias altamente desenvolvidas, para promover as exportações regionais de bens primários, minerais ou não, para seu consumo em outras partes do mundo, essa seria a contrapartida.

Nesse contexto, cabe atentar para a similaridade dos pesos relativos, por um lado, das atividades manufatureiras e, pelo outro, do setor de bens primários na composição atual do Produto Interno Bruto de alguns países da região. A preferência deveria inclinar-se, então, pela opção que favorece uma inserção internacional e um modelo de desenvolvimento econômico e social que responda a uma estratégia em favor da diversificação produtiva e do comércio com inclusão social mais ampla, redistribuição de renda e democracia.

Isso não significa complacência nem falta de rigor e empenho, inclusive político, no tocante ao andamento, ao ritmo de avanço e à consistência interna dos processos de integração que adotam essa orientação. A análise dos compromissos já assumidos entre os países sul-americanos no campo de liberalização comercial indica que já se está chegando ao esgotamento da dimensão puramente comercial da integração. Não por falta de êxito. Pelo contrário, resta muito pouco espaço para fazer avançar ainda mais a área de livre-comércio regional, em grande medida já estabelecida plenamente entre os maiores mercados da região, com a relevante participação de produtos manufaturados ou semimanufaturados. Em outras palavras, o comércio provavelmente não mais será o vetor de sustentação do avanço da integração sul-americana nos anos futuros.

Manter a integração sul-americana em movimento passará, dessa forma, a exigir, crescentemente – em especial do Brasil, seu principal motor, porque é a maior e a mais diversificada unidade econômica e comercial da região –, ações e decisões para além do comércio. Serão cada vez mais necessárias iniciativas no plano propriamente econômico, dos investimentos de infraestrutura ou produtivos, dos financiamentos de médio e longo prazos, dos sistemas de pagamento em moeda locais, das garantias às exportações, do aumento da produtividade, da inovação científica e tecnológica para implementação de políticas de integrações regionais profundas, que visem ao fortalecimento da dimensão regional das políticas públicas de desenvolvimento econômico e social e que abram caminho para que a iniciativa privada contemple, de maneira efetiva e crescentemente proveitosa e benéfica para o Brasil, a dimensão regional como espaço capaz de agregar valor aos seus investimentos, à sua produção e às suas vendas. O setor empresarial dos quatro países integrantes da Aliança do Pacifico, no âmbito de seu conselho empresarial, tem planejado sua primeira macro-rodada de negócios, anunciada na recente Cúpula presidencial, em Cali. Cumpre lembrar que, por iniciativa do Brasil, o MERCOSUL passou a organizar, igualmente, encontros empresariais à margem das Cúpulas. Essa prática, que foi inaugurada em 2012, deverá continuar em 2013.

Serão e talvez já o sejam também indispensáveis medidas que, nos campos da educação, do trabalho, da previdência social, da saúde, fortaleçam e tornem duradouros os efeitos positivos que os acordos de facilitação de viagens e de residência entre os países da região acarretam para vigência da livre circulação das pessoas, para o benefício e exercício mais amplos das suas cidadanias. Muito já se avançou nesse terreno, em especial para o turismo e os negócios, mas resta muito ainda a fazer na construção de uma autêntica cidadania regional.


Concluindo, vale enfatizar um ponto que parece fundamental nessa discussão: para que a integração da região tenha futuro, é preciso envolver as pessoas diretamente, fazer o mesmo com o conjunto das sociedades, de maneira a torná-las partícipes de um processo de mudança de mentalidade, de transformação profunda que ajude a enxergar o outro lado da fronteira como um espaço de convivência, de oportunidades maiores e melhores para todos. Essa percepção crescente de comunidade, de mais prosperidade compartilhada, de riqueza e vigor na diversidade que caracteriza a região, é que dará legitimidade e sustentação perene em tempo histórico à integração. É a chave para garantir a nossa presença e a nossa contribuição de paz, democracia, justiça e inclusão social e prosperidade no século XXI.

Social integration, as opposed to commercial integration - Brazil newposture

Brasil pede que integração sul-americana seja mais social que comercial

O chanceler brasileiro, Antonio Patriota.
Infolatam/EFE
Brasília, 20 de junho de 2013
Las claves
  • Sobre o Mercosul, bloco do qual também fazem parte Argentina, Uruguai, Venezuela e Paraguai, este último suspenso, afirmou que se trata da "mais bem-sucedida aliança" regional para potencializar o comércio entre os países-membros, que serão beneficiados principalmente se forem confirmadas as entradas de Bolívia e Equador.
O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, declarou nesta quinta-feira que “o comércio provavelmente deixará de ser o vetor do avanço da integração sul-americana”, que deve voltar-se mais para a solução de problemas sociais.
“Já estamos atingindo um esgotamento da relação puramente comercial, na qual resta muito pouco espaço para avançar”, disse o ministro durante um pronunciamento perante a Comissão de Relações Exteriores do Senado.
Em sua opinião, os países sul-americanos podem, por outro lado, promover acordos nas áreas de ciência e tecnologia, saúde, educação e infraestrutura, que possam melhorar a vida de “todas as populações” na região.
Sobre o Mercosul, bloco do qual também fazem parte Argentina, Uruguai, Venezuela e Paraguai, este último suspenso, afirmou que se trata da “mais bem-sucedida aliança” regional para potencializar o comércio entre os países-membros, que serão beneficiados principalmente se forem confirmadas as entradas de Bolívia e Equador.
A Bolívia já iniciou os trâmites para aderir ao bloco como membro pleno, enquanto o Equador se prepara para encaminhar o pedido.
Na América do Sul, coexistem o Mercosul e a União Sul-Americana de Nações (Unasul), bloco que Patriota indicou estar mais orientado para o diálogo político e o desenvolvimento regional do que para o comércio.
O ministro também comentou a recente constituição da Aliança do Pacífico, formada por Chile, Colômbia, México e Peru, sobre a qual reiterou que não representa “nenhuma ameaça nem concorrência” para o Mercosul.
“A Aliança do Pacífico representa uma oportunidade que deve ser compreendida e aproveitada” e tanto o Mercosul como a Unasul mantêm “relações próximas” com esse novo órgão, declarou.