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domingo, 25 de novembro de 2018

Minha critica 'a tese das "assimetrias estruturais" e ao Focem do Mercosul - Paulo Roberto de Almeida

O trabalho abaixo, retirado e revisto por mim a partir de um ensaio bem mais volumoso, de 2013, sobre os processos de integração, constitui uma análise de uma das maiores estupidezes  – foram muitas, entre elas o tal de Sul Global – perpetradas pelos companheiros CONTRA o processo de integração do Mercosul, consistindo na criação de um Fundo (alimentado a 70% pelo Brasil, pelo menos enquanto existiu dinheiro) que visava corrigir supostas "assimetrias estruturais" no bloco do Cone Sul.
Não só não corrigiu essas assimetrias como conseguiu desviar o Mercosul de seus objetivos básicos: o livre comércio e a integração à economia mundial.
Aceito contestações às minhas "teses", embora eu não tenha teses, apenas argumentos racionais. Quem tem "teses absurdas" são os companheiros aloprados, que conseguiram não apenas destruir a economia brasileira, como atrasar o Mercosul. 
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de novembro de 2018

As assimetrias estruturais e seu papel no processo de integração

Paulo Roberto de Almeida

Existe uma crença, não necessariamente destituída de fundamentos materiais – mas que são construídos de forma a parecerem impedimentos graves – e que é partilhada por economistas e decisores políticos, segundo a qual um fenômeno absolutamente corriqueiro na trajetória humana sobre a terra, as assim chamadas “assimetrias”, é apresentado como constituindo um obstáculo absoluto ou relativo à construção de um espaço econômico integrado, com base em acordos formais. Essa crença, que alguns pretendem transformar em tese, afirma que diferenças muito grandes entre os parceiros de um determinado bloco provocariam uma distribuição desigual dos benefícios da integração, necessitando, portanto, assim como outras externalidades negativas ou fatores de desequilíbrio de capacidades, a correção dessas diferenças, ditas assimetrias, por políticas dos governos, de maneira a propiciar um desenvolvimento harmônico e equilibrado entre esses parceiros.
Os fundamentos da “tese” parecem reais: existem diferenças efetivas entre os países, e elas podem ser de enorme monta, como as que separam, por exemplo, o gigante americano do norte, os EUA, dos seus vizinhos do Caribe e da América Central, ou ainda, a Alemanha do pequeno Luxemburgo ou da Dinamarca, tanto em termos de tamanho físico de território e população, como em virtude da magnitude do PIB ou recursos financeiros, tecnológicos e militares. Essas são, por assim dizer, diferenças visíveis, ou dadas por indicadores primários, mas que não levam em conta, por exemplo, o fato de que o PIB per capita do Luxemburgo é, aproximadamente, o dobro do da Alemanha, ou de que outros indicadores de natureza qualitativa possam indicar “assimetrias” ainda maiores em favor do pequeno grão-ducado.
Existem, grosso modo, três tipos de assimetrias que costumam caracterizar os países membros de um mesmo processo de integração: (a) as físicas, ou estruturais, de fato, ou seja, visíveis e expressas em dados objetivos (território, população, recursos, PIB, forças armadas, etc.); (b) as conjunturais, ou seja, derivadas de ritmos e ciclos econômicos ou vinculadas à agenda interna ou externa de atuação dos governos respectivos (crescimento, dívida, déficits, situação cambial e de balanço de pagamentos, desemprego, etc.); (c) as políticas, ou governamentais, quais sejam, as orientações de políticas macroeconômicas, microeconômicas e setoriais, que podem influenciar decisivamente o processo de integração (estruturas fiscais, políticas monetária e cambial, políticas comercial e industrial, mercado de capitais e instituições de financiamento, dinâmica da inovação tecnológica, etc.). Essas assimetrias, que podem afetar negativamente um processo de integração, são, a rigor, características próprias a todos os países, em quaisquer situações possíveis de relacionamento entre eles, sobretudo no plano comercial, o mais visível, corriqueiro e frequente vínculo entre economias e sociedades em todo o globo. 
Para sermos mais claros: o mundo todo é “assimétrico”, uma vez que não existem dois países que tenham as mesmas dotações, capacidades e políticas econômicas, e tanto a história quanto a política sancionaram essa realidade, ao fracionarem a comunidade global em quase 200 Estados soberanos e algumas dezenas de organizações intergovernamentais que tratam, precisamente, das diferenças e dos vínculos entre essas nações independentes. O mundo sempre foi assimétrico, sempre será assimétrico, e é em função dessas assimetrias que existiram e existem guerras – atualmente, felizmente, mais raras – e que se fazem os mais diferentes vínculos entre esses países, a começar pelo mais poderoso dentre eles: o comércio. Para quem acha que as assimetrias podem ser um impedimento à integração – que sempre é integração de mercados – pode-se simplesmente responder que se os países fossem homogêneos, ou similarmente dotados, não haveria comércio entre eles. 
O comércio internacional só existe – e é justamente mais intenso – porque existem assimetrias, porque os países são desigualmente dotados e porque apresentam as mais diferentes assimetrias entre si: estruturais, conjunturais, políticas, sociais, culturais e, sobretudo, em termos de capital humano. São as assimetrias que fundamentam as chamadas vantagens comparativas relativas, que, antes de serem, simplesmente, uma construção teórica de David Ricardo, estão na base do comércio exterior dos países; estes, pelo ato de comerciar, estão confrontando suas vantagens comparativas, ou seja, colocando em relevo suas assimetrias de todos os tipos. Assim, antes de serem vistas pelo seu lado negativo, as assimetrias devem ser consideradas um elemento positivo do relacionamento entre povos, nações, sociedades, economias.
Ocorre, com as assimetrias econômicas, supostas ou reais, existentes entre os países ou entre blocos, o mesmo fenômeno que é registrado a propósito dos mercados: eles seriam perfeitos se não fossem as suas falhas, também supostas ou reais. Dessa constatação decorre a proposta demiúrgica segundo a qual “falhas de mercado”, assim como “assimetrias”, precisam ser corrigidas pela mão visível dos governos, uma vez que a mão invisível dos mercados, ou a ação livre destes últimos não seriam capazes, por si sós, de corrigir essas falhas e desequilíbrios. Nascem assim as propostas de regulação estatal e de convergência de capacidades produtivas, como se elas fossem o remédio indispensável ao que é percebido como distorção do terreno de jogo pelo grande diferencial entre os atores e suas respectivas dotações de fatores. 
O assunto é obviamente bem mais complexo do que o permitido para exposição e debate no quadro de um simples ensaio, mas talvez alguns exemplos práticos possam ajudar. Eles constituem estudos de caso, cujo exame caberia aprofundar num trabalho comparativo entre processos de integração e entre modelos de desenvolvimento. Vejamos os casos da Irlanda, da África e do Mercosul.
No momento de sua incorporação à então Comunidade Econômica Europeia, ao mesmo tempo em que o Reino Unido e a Dinamarca, em 1972, a Irlanda estava, junto com os “periféricos” da Europa meridional e mediterrânea, entre as economias mais atrasadas do continente. Sua renda per capita era inferior à metade da média da comunidade, o que a habilitava a fundos compensatórios comunitários, atribuídos pela Comissão de Bruxelas, o que de fato ocorreu, num primeiro momento. As lideranças irlandesas decidiram que não poderiam reproduzir as mesmas políticas e práticas da maior parte dos países membros, baseadas numa forte tributação individual e corporativa, em ativismo estatal de cunho social-democrático, adotando, então, políticas de redução fiscal, abertura econômica, liberalização comercial, atração de investimentos estrangeiros e forte ênfase na qualificação do capital humano. Em menos de duas décadas de crescimento rápido, a Irlanda alinhou-se entre os países mais ricos da Europa, passando a exportar manufaturas de alto valor agregado, com base em suas políticas liberais e na baixa carga fiscal sobre lucros e salários. Em poucas palavras: a Irlanda reduziu supostas assimetrias em relação às economias mais ricas do continente, numa dinâmica de crescimento essencialmente caracterizada pela atuação livre e desimpedida das forças de mercado; o que houve de regulação estatal, via zonas francas e isenções fiscais, dedicou-se, justamente a explorar a abertura dos mercados europeus mediante vantagens comparativas criadas deliberadamente. 
A África ao sul do Saara, por sua vez, apresenta alguns dos países mais pobres do planeta, todos numa situação que poderia ser chamada de assimetria absoluta com respeito aos demais parceiros mais avançados do próprio continente e os de outras regiões. Durante décadas esses países foram beneficiados por transferências maciças de recursos, em nome da redução da pobreza e das assimetrias estruturais. Qualquer observador isento pode facilmente concluir que a situação socioeconômica da África não melhorou sensivelmente ao longo dessas décadas de “ajuda ao desenvolvimento”. O que os africanos menos tiveram, na verdade, foram políticas de inserção nos mercados mundiais com base em suas vantagens comparativas; eram e são justamente essas “assimetrias”, baseadas numa abundância de recursos naturais e de mão-de-obra tão barata quanto a de outros países em desenvolvimento (mas, possivelmente, não tão bem treinada quanto a chinesa), que poderiam e deverão sustentar a inserção dos países africanos na economia mundial. O comércio livre e desimpedido, o acesso aos mercados desenvolvidos, a atração de investimentos diretos constituem, precisamente, as condições para que as “assimetrias” africanas possam ser corrigidas no futuro.
O Mercosul, finalmente, cujos princípios de funcionamento compreendiam, originalmente, a plena reciprocidade de direitos e obrigações, assistiu, a partir de 2003, a uma mudança significativa nas suas principais orientações, com a diminuição da ênfase na abertura econômica e na liberalização comercial, e um aprofundamento – não explicitamente previsto no tratado constitutivo – do conteúdo político e social do processo de integração. Ademais da criação de um parlamento (sem funções efetivas, já que não dispondo de poderes decisórios) e de um instituto social (uma burocracia que provavelmente será incapaz de criar empregos na economia real), foi iniciado um programa, o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, expressamente dedicado à redução de supostas assimetrias existentes entre os países, tendo o Brasil assumido a responsabilidade pela maior parte dos desembolsos previstos no orçamento do Focem, que na verdade representa algo em torno de 1% do PIB do bloco, tão somente.
Examinando-se os dados estruturais, conjunturais e políticos do Mercosul, é fácil de constatar que o Brasil representa, de fato, o maior parceiro do bloco, com quase 70% do seu território, população, PIB e comércio exterior; mas os indicadores individuais são, por sua vez, bem mais negativos para o Brasil do que para os demais parceiros, com a possível exceção do Paraguai até uma data recente; em todo caso, o sócio de tamanho médio, a Argentina, e o menor deles, o Uruguai, exibem indicadores socioeconômicos mais favoráveis em quase todas as vertentes contempladas nas estatísticas do Mercosul. Mas não são essas diferenças de escala que representam obstáculos absolutos ao avanço da integração. 
Antes que o Mercosul fosse criado, as diferenças já existiam, mas o bloco do Cone Sul não deixava de apresentar a maior densidade de comércio recíproco de todo o continente, com base obviamente nas vantagens comparativas naturais e adquiridas dos países. Independentemente, portanto, do tamanho de cada parceiro, os fluxos de comércio simplesmente denotavam a importância das forças de mercado para a aproximação e a interdependência de suas economias. Quando o Mercosul foi criado, a liberalização ampliada passou a confrontar empresas que antes trabalhavam em mercados reduzidos, e empresas dotadas de economia de escala, dada a magnitude do mercado interno brasileiro; se isso é certo, é também verdade que os outros três parceiros passaram a dispor de um mercado ampliado, o do Brasil, aberto a seus produtores nacionais.
Os outros três sócios do Mercosul consideraram, no entanto, e o governo brasileiro aceitou essa condição, que por ser o país o mais avançado industrialmente, e também o maior em volume absoluto e relativo – maior massa territorial, maiores mercados em vista da população, maior volume de comércio interno e externo ao Mercosul, capacitação tecnológica etc. –, o Brasil deveria conceder maiores vantagens aos demais, sem exigir reciprocidade; tampouco se procedeu a um exame isento sobre a natureza precisa das verdadeiras assimetrias que poderiam dificultar o sucesso do processo de integração. Pode-se até imaginar que o Brasil, em vista de sua boa dotação em fatores primários, possa, efetivamente, fazer o maior esforço para concretizar a integração, mas esta é uma suposição política, não uma conclusão derivada dos dados da realidade. 
De todos os membros, os indicadores sociais do Brasil só conseguem ser melhores mas não em todos – que os do Paraguai, sendo que no plano de suas assimetrias internas – desigualdades sociais e desequilíbrios regionais –, o Brasil é certamente o campeão. Mas o fato é que o Mercosul, sob a liderança de populistas na Argentina e sobretudo no Brasil – governo Lula –, foi levado a mimetizar formas de cooperação baseados em outras experiências integracionistas, no caso a europeia, como se ele devesse, sem dispor dos mesmos instrumentos institucionais de compensação de desequilíbrios, dar início a um programa completo de correção de supostas “assimetrias estruturais”, à custa da transferência de recursos de alguns países (ou de um, no caso o Brasil) aos demais. 
Consultando-se o orçamento do Focem, bem como sua carteira de projetos, pode-se constatar que não existe hipótese de os parcos investimentos e aplicações a fundo perdido do Focem contribuírem para reduzir as supostas assimetrias do bloco, tanto pela sua dimensão modesta, quanto pela deficiente qualidade técnica dos projetos selecionados por burocratas governamentais dos quatro países. Mais importante, porém, do que a magnitude relativa dos aportes financeiros do Focem, é o equívoco fundamental da política adotada de “correção” das supostas assimetrias. 
As chamadas “assimetrias estruturais” decorrem de fatores muito poderosos, que atuam em nível de mercado, não sendo necessariamente corrigidas por iniciativas governamentais que atuam na superfície dos problemas. A experiência histórica indica que problemas econômicos estruturais são mais facilmente corrigidos quando se atua em sentido coincidente com os mercados, do que tentando corrigir supostas “falhas de mercado” que expressam competitividades derivadas de especializações adquiridas ao longo do tempo, muito difíceis de serem alteradas por pequenos programas de financiamentos governamentais. Com efeito, não há muito a fazer com respeito às diferenças estruturais entre os países: nem a enorme dimensão do Brasil, por um lado, ou as modestas configurações do Uruguai, de outro lado, constituem, em si, vantagens absolutas ou desvantagens relativas numa relação de integração que atua com base em seus desempenhos relativos no campo da produtividade e da competividade, sempre proporcionais à dotação de fatores de cada parceiro. 
Bem mais relevantes do que os dados brutos da realidade material de cada parceiro do bloco, são as condições conjunturais de cada um deles, que são, por sua vez, influenciadas fortemente pelas políticas mobilizadas em cada caso para qualificar sua participação correspondente no processo de integração. As assimetrias mais importantes que explicam o relativo fracasso do Mercosul em completar os objetivos estabelecidos no Tratado de Assunção se referem, na verdade, às diferenças entre as políticas econômicas nacionais, em geral contraditórias com os, e contrárias aos requerimentos originais do processo de integração, quando não objetivamente opostas às finalidades pretendidas (supostamente um mercado comum, ou pelo menos uma união aduaneira acabada). Os países incidem em políticas equivocadas se pensam eliminar supostas assimetrias atuando com base no ativismo estatal para contemplar modestos investimentos em infraestrutura material, quando são os efeitos negativos de suas políticas econômicas os mais importantes fatores da baixa performance do bloco no plano de sua integração efetiva. 
Os fatores que, na verdade, dividem os países do Mercosul e que representam obstáculos ou dificuldades à consecução dos objetivos integracionistas desse bloco não são exatamente as “assimetrias estruturais” normalmente apontadas, que são as diferenças absolutas entre os países membros. Elas são constituídas, primordialmente, pelas diferenças entre as políticas econômicas, em diversos setores, como por exemplo: políticas cambiais descoordenadas, com regimes de livre flutuação de um lado, rigidez de outro, ou manipulações governamentais em qualquer sentido; proteção comercial indevida, mecanismos defensivos e salvaguardas arbitrárias, quando não ilegais, no comércio entre os países do bloco; subsídios, isenções de impostos setoriais, financiamentos generosos, compras governamentais discriminatórias e regimes fiscais especiais, em benefício de produtores nacionais; adoção de normas exclusivas, sistemas de proteção ao consumidor divergentes, regras de competição não transparentes ou ausência de legislação apropriada em matéria de concorrência; sistema tributário pouco propenso à harmonização legal e uma infinidade de outras medidas setoriais ou nacionais que não permitem a coordenação com e entre os sócios. Estas são as verdadeiras assimetrias que se interpõem ao bom desempenho e à evolução positiva da integração.
A tentativa de superar supostas assimetrias, derivadas de causas estruturais, com base em políticas que tentam corrigir outras supostas falhas de mercado, está fadada ao fracasso, e não contribuirá, de fato, para o aprofundamento do processo de integração. Este só será estimulado se e quando as assimetrias de políticas econômicas forem superadas, em favor de políticas naturalmente tendentes a perseguir os objetivos originais do esquema constitutivo, quais sejam, as medidas favoráveis à abertura econômica não discriminatória e à liberalização recíproca no plano dos intercâmbios comerciais de bens, serviços e outras facilidades no contexto de um ambiente de negócios saudável e dotado de regras estáveis. Muito frequentemente, a volatilidade das políticas macroeconômicas e setoriais tem sido o principal fator de retraimento do processo de integração; o protecionismo e o nacionalismo exacerbado são dois outros elementos que, para todos os efeitos práticos, também o sabotam.
Não existe, na teoria e na história do comércio internacional, doutrinas que enfatizem a necessidade de eliminação forçada das especializações competitivas baseadas em dotações naturais ou adquiridas; tampouco a prática dos intercâmbios reais entre os países exigem que todos eles se encontrem no mesmo patamar de desenvolvimento para que as trocas se estabeleçam entre eles. Ao contrário, as vantagens ricardianas sempre funcionaram magnificamente bem, em quaisquer latitudes e longitudes, e constituem fonte de ganhos líquidos para todas as partes. 
Verdades simples como esta podem servir para avaliar os programas de “correção” de assimetrias, cujos efeitos podem ser mais danosos do que benéficos. Reconversão produtiva, que vai de par com qualquer processo de integração significa adaptação aos novos requerimentos dos mercados ampliados, não equalização de condições. De resto, todos os fatores produtivos estão, teoricamente, unificados num mesmo mercado, o que deve representar um elemento positivo em termos de economias de escala e ampliação da base competitiva. Em resumo, não são os fatores próprios ao perfil dos países que dificultam a integração, e sim as assimetrias de políticas econômicas.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2013,  revisto em 2018.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Integracao na bacia do Pacifico, comparada com a da América Latina; EUA-UE - Paulo Roberto de Almeida

O mais recente artigo publicado, informação hoje recebida, e mais abaixo o link, que não tinha, para uma colaboração mais antiga, mas que recebi conjuntamente:


Integração econômica na bacia do Pacífico: características e perspectivas, numa visão comparativa com a América Latina
Revista Espaço da Sophia 
Relação de Originais n. 2605; relação de publicados n. 1139.
 
“EUA e UE negociam uma super zona de livre comércio
Revista Espaço da Sophia 
(n. 48, julho-dezembro 2013, ISSN online: 1981-318X; ISSN impresso: 2179-9849; link: http://espacodasophia.com.br/revista-nova/a-super-zona-de-livre-comrcio-norte-atlntica-eua-e-ue/). Relação de Originais n. 2460; relação de publicados n. 1090.
Paulo Roberto de Almeida

terça-feira, 10 de junho de 2014

Contexto Internacional (PUC-Rio): numero especial sobre integracao e soberania

O Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio anuncia que acaba de ser publicado o novo número da revista Contexto Internacional. Elaborado com o apoio financeiro da Fundação Konrad Adenauer, o número 35 (2) traz uma perspectiva comparada sobre os processos de integração e cooperação regional na América do Sul e na Europa.
Conta com a participação de renomados especialistas internacionais e brasileiros sobre o assunto (parece que sou um deles), que analisam diversos aspectos do tema: da relação entre soberania e regionalismo à governança no âmbito nuclear e à a geopolítica crítica.
Abaixo o sumário desse número especial da revista Contexto Internacional, que pode ser descarregado neste link:
http://contextointernacional.iri.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=home
Minha colaboração tem este link direto: http://contextointernacional.iri.puc-rio.br/media/Artigo%206.pdf
Paulo Roberto de Almeida


Contexto Internacional, vol. 35, Nº 2. 2014
Nuclear Governance in Latin AmericaLayla Dawood and Mônica Herz

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Integracao comercial e integracao social: o argumento da autoridade, por escrito

Transcrevo, apenas, sem ter ainda analisado a substância...
Paulo Roberto de Almeida

Apresentação do Ministro Antonio de Aguiar Patriota em Audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal
Brasília, 20 de junho de 2013

Vários analistas apontam para suposta "paralisia" do MERCOSUL. Penso que a realidade não corresponde a essa percepção. Os resultados do MERCOSUL são positivos, concretos e reais. Quanto ao comércio, por exemplo, e apesar dos efeitos negativos globais da grave crise econômica de 2008, o desempenho do intercâmbio intrazona é superior ao do comércio internacional. Enquanto as trocas globais cresceram 13% no período (de 16 para 18 trilhões de dólares), a corrente de comércio entre os membros do MERCOSUL cresceu mais de 20%, passando de 40 para 48 bilhões de dólares. Nos pouco mais de vinte anos de existência desde a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, o valor do comércio intraMERCOSUL cresceu mais de nove vezes, enquanto a corrente comercial do Bloco com o resto do mundo multiplicou-se por oito. Em ambas as dimensões, intrazona e com terceiros, as estatísticas não sustentam as críticas aos positivos resultados comerciais do MERCOSUL.

Para o Brasil, o MERCOSUL constitui importante instrumento para a expansão das exportações, em especial de produtos industrializados. Em 2012, depois de quatro anos de crise internacional, o bloco ocupou a quarta posição como destino de nossas mercadorias, com 9% das exportações – após União Europeia, China e Estados Unidos. Quando se considera a composição da pauta de exportações, destaca-se ainda mais a relevância do MERCOSUL: cerca de 90% das exportações brasileiras para o bloco são de manufaturados. Para a União Europeia, para a China e para os Estados Unidos, os percentuais de manufaturados são de 36%, 5% e 50%, respectivamente. A indústria brasileira, logo, tem no MERCOSUL o seu mais importante mercado externo. A indústria brasileira reconhece isso, como demonstra o recente estudo da FIESP "Agenda de Integração Externa", tornado público nesta semana. Na indústria e nos serviços a ela relacionados encontram-se, em geral, os empregos mais qualificados e bem remunerados. Nesse setor investe-se mais em ciência, tecnologia e inovação. Estimula-se o dinamismo dos centros urbanos, onde vive e trabalha a maioria da população brasileira.

Dado igualmente relevante, mas de pouca difusão, é o de que graças aos acordos de liberalização comercial assinados no âmbito da ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), ao amparo do Tratado de Montevidéu de 1980, pode-se afirmar que já existe livre-comércio entre o Brasil e quase todos os países da América do Sul. A redução das tarifas alfandegárias a zero já se verifica, no caso dos países do MERCOSUL, para praticamente todos os produtos da Argentina, 98% do Uruguai, 93% do Paraguai, e será de 91,9% com a Venezuela em 2019. Também se constata com relação a outros vizinhos: já é de 99% com o Chile e de 91% com a Bolívia. Com esse país, alcançará 100% em 2019; no mesmo ano, chegará a 94% com o Equador, 99,8% com o Peru e 83,6% com a Colômbia. Desse modo, haverá livre-comércio com quase todos os países da América do Sul daqui a 2019, existindo relativo espaço a ser conquistado no comércio com a Colômbia. Assim, no MERCOSUL de hoje, a exemplo do que se verifica em projetos de integração em outras latitudes, as perturbações remanescentes nas condições de acesso a mercados devem-se mais à administração conjuntural do comércio exterior do que das condições estruturais intrínsecas ao espaço econômico-comercial comum já estabelecido com base na primazia do livre-comércio.

O MERCOSUL é também exemplo de sucesso para além do terreno comercial, tanto na área econômica propriamente dita quanto no que diz respeito a iniciativas e interesses das sociedades dos países membros em seu conjunto. Na economia, crescem os investimentos produtivos entre os países membros e com os países associados. A mídia repercute, frequentemente, iniciativas empresariais nos mais variados setores de atividade: produção de insumos industriais; construção civil; manufatura de máquinas e equipamentos; bens intermediários e de consumo; distribuição e logística; comércio atacadista e varejista. A amplitude e a diversificação crescente dessas iniciativas empresariais atestam maior valor que a perspectiva do mercado ampliado do bloco traz para as decisões de expansão, de modernização, inclusive de integração das unidades produtivas nos membros e também nos países vizinhos, a exemplo do Chile e do Peru.

No que se refere à questão essencial da redução e superação de assimetrias entre os países membros, o MERCOSUL dispõe do Fundo para Convergência Estrutural (FOCEM). Trata-se do único mecanismo regional de financiamento da América Latina com recursos transferidos a fundo perdido, sem pagamento de juros ou reembolso do principal. Os projetos a serem aprovados pelo Fundo têm de promover a convergência estrutural, a competitividade, a coesão social, em particular das economias menores e regiões menos desenvolvidas, e apoiar o funcionamento da estrutura institucional e o fortalecimento do processo de integração. A vocação solidária do FOCEM evidencia-se ao serem comparadas as proporções dos aportes previstos e os benefícios recebidos em termos de distribuição de recursos. Dos 100 milhões de dólares que alimentam a cada ano o total do Fundo, 70%cabem ao Brasil; à Argentina, 27%; ao Uruguai, 2%; e ao Paraguai, 1%. A distribuição dos financiamentos, por sua vez, se faz no sentido inverso: o Paraguai recebe 48%; o Uruguai, 32%; a Argentina, 10%; e o Brasil, 10%. Esses percentuais são revistos regularmente e serão revistos com o ingresso da Venezuela no MERCOSUL. Desde que começou a funcionar em 2007, foram aprovados 43 projetos do FOCEM, em um total de 1,38 bilhão de dólares; 17 projetos localizam-se no Paraguai, totalizando 624 milhões de dólares, e compreendem obras para distribuição de energia elétrica, saneamento urbano, rodovias, habitações para famílias de baixa renda, entre outros.

O MERCOSUL destaca-se, ainda, em outra vertente tão ou mais relevante: o da participação da sociedade civil no avanço do processo de integração, em sua dimensão social e cidadã. Desde 2006 ocorrem as Cúpulas Sociais, em paralelo às reuniões de Cúpula Presidenciais, a cada semestre. A 14ª Cúpula Social, realizada em Brasília, em dezembro passado, teve como temas principais a livre circulação de pessoas e o reconhecimento de diplomas escolares (inclusive universitários), objetivos que constam do Plano de Ação do Estatuto da Cidadania do MERCOSUL.

No campo da livre circulação de pessoas, estão vigentes, no MERCOSUL, os Acordos de Residência, o Acordo de Seguridade Social e o Estatuto da Cidadania. Os Acordos sobre Residência se aplicam aos cidadãos dos países membros, mas também a alguns dos países associados, como Chile e Peru. No caso do Equador, falta apenas o final do processo de aprovação legislativa. São acordos que permitem aos nacionais brasileiros, argentinos, paraguaios, uruguaios, chilenos, peruanos, e em breve, equatorianos, estabelecer residência em qualquer dos países signatários e neles gozar de direitos civis, de deveres e responsabilidades trabalhistas e previdenciárias, entre outros.

O Acordo de Seguridade Social, firmado em 2005, permite que os trabalhadores dos países signatários incluam, no cálculo de suas aposentadorias concedidas em um país, o tempo em que trabalham em outro. Ao entrar com pedido de aposentadoria em Montevidéu, por exemplo, um profissional uruguaio que tenha trabalhado também no Brasil pode requerer a contagem do tempo de contribuição que terá feito para o sistema de previdência social brasileiro. O Acordo também permite a concessão de outros auxílios, inclusive aposentadoria por invalidez.

O Plano de Ação do Estatuto da Cidadania prevê a implementação e o aprofundamento, até 2021, de iniciativas de impacto positivo e direto na vida cotidiana das pessoas e das famílias, entre as quais: livre circulação de pessoas dentro do MERCOSUL; igualdade de direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicas para os nacionais dos países membros; e igualdade de condições para o acesso a trabalho, saúde e educação.

Todos esses avanços reais e concretos na construção de um projeto de integração profundo e multifuncional – inspirado, também, em considerações de natureza política, estratégica e de longo prazo, no comércio, na economia, na cidadania, no conjunto dos principais interesses das sociedades – têm não só despertado atração no âmbito dos Estados associados ao MERCOSUL, mas também têm suscitado a aproximação dos demais países da América do Sul, seja pela adesão formal (caso da Venezuela, que aderiu em julho de 2012, e da Bolívia, que assinou Protocolo de Adesão em dezembro de 2012), seja pela manifestação de interesse (o Presidente Rafael Correa, depois de sua reeleição, manifestou que o Equador também tem interesse em participar do MERCOSUL como membro pleno, em um processo que deverá ter início neste ano). Com os demais países da América do Sul participando da rede de acordos de livre-comércio antes mencionada, Guiana e Suriname também formalizaram o interesse em tornarem-se Estados Associados do MERCOSUL.

Com o ingresso da Venezuela, o MERCOSUL passou a integrar área que se estende da Terra do Fogo ao Caribe. Representa mais de 80% do PIB regional a valores de 2012 – 3,3 trilhões de dólares, sobre 4 trilhões de dólares para toda a América do Sul –, 72% do território, 70% da população, 58% dos ingressos de investimento estrangeiro direto e 65% do comércio exterior.

É muito difícil corroborar, portanto, diante dos fatos e dados aqui mencionados, a percepção (que por vezes surge na mídia ou em fontes de pensamento e análise sobre os cenários regional e internacional) de que o MERCOSUL seria projeto de integração "antiquado" ou "desvantajoso" para o desenvolvimento de seus países membros. Nem o argumento da falta de livre-comércio resiste, como atestam os índices aqui mencionados de abertura de mercado intrazona e na América do Sul.

Outro argumento frequentemente apresentado é de que o bloco ainda não conseguiu concluir acordos de livre-comércio com grandes economias industrializadas e que já negocia com a União Européia há quase quinze anos, sem êxito. Em verdade, se o MERCOSUL tivesse concordado com toda a linha de demandas negociadoras da União Européia, já teríamos chegado a um acordo. Da mesma forma, se a União Européia tivesse, em contrapartida, concordado com todas as nossas ambições, também teríamos conseguido chegar a acordo equilibrado, amplo e mutuamente vantajoso. Até agora, não foi possível chegar a tal ponto. Vale lembrar, não obstante, que no contexto da reunião da Parceria Estratégica Brasil – União Européia, realizada em janeiro deste ano, aqui em Brasília, conversou-se sobre a retomada das negociações. Subsequentemente, à margem da Cúpula da Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos, realizada em Santiago, também em janeiro deste ano, ocorreu encontro de negociadores de MERCOSUL e União Européia, que estabeleceram o fim de 2013 como prazo para a circulação de ofertas melhoradas – requisito fundamental para a conclusão do processo negociador. Vejo que o processo está ingressando em fase efetivamente conclusiva, na medida em que também o setor privado brasileiro tem demonstrado grande interesse na sua conclusão, após consulta pública realizada ao final de 2012. Com base nessa manifestação, existe em curso processo de preparação da nossa oferta melhorada, que deverá estar pronta até setembro ou outubro deste ano.

Sem fazer qualquer interpretação ideológica ou de outra natureza e apenas baseando-se em fatos, pode-se afirmar que a conclusão de acordos de livre-comércio não implica necessariamente incremento das exportações dos países signatários. Tal constatação pode ser verificada nas estatísticas fornecidas pela CEPAL. Exemplo interessante é o do acordo de livre-comércio assinado entre Chile e Estados Unidos. Apesar do acordo, as exportações chilenas para o mercado norte-americano, nos últimos cinco anos, cresceram menos do que as vendas do MERCOSUL para os Estados Unidos, com quem o bloco não tem acordo de livre-comércio. O que aconteceu, na verdade, foi significativo aumento das exportações norte-americanas para o Chile. A conclusão a que se chega, então, é que um acordo de livre-comércio pode ser mutuamente benéfico quando equilibrado. Dependendo da circunstância, ele também pode acentuar desequilíbrios, sobretudo no curto prazo. Tais desequilíbrios poderão eventualmente até ser mitigados no mais longo prazo.

É inegável que o MERCOSUL constitui a mais bem sucedida iniciativa de integração profunda e abrangente já empreendida na América do Sul. Nos seus mais de vinte anos de avanços, desde o Tratado de Assunção, conseguiu incorporar à expansão sustentada do comércio intra e extrazona as dimensões econômica, social e cidadã, conformando projeto comum de prosperidade compartilhada na região.

A Aliança do Pacífico, integrada por Chile, Colômbia, México e Peru – e proximamente, de acordo com o anunciado, pela Costa Rica –, foi lançada em abril de 2011. Recordo-me que desde minha primeira visita à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, em 2011, conversei com os Senadores sobre o que na época se chamava "Arco do Pacífico", e do que aquilo representava para os interesses brasileiros. Seus principais compromissos e objetivos estão escritos em Acordo-Quadro assinado em dezembro de 2012, mas ainda não vigente, porque não aprovado por todos os seus países-membros. Não obstante a inexistência prática do Acordo-Quadro, a Aliança já realizou várias reuniões presidenciais. Entre os resultados anunciados na última Cúpula, em Cali, no dia 23 de maio, sob a Presidência pro tempore da Colômbia, foi destacada a decisão de reduzir a zero, quando entrar em vigor o Acordo-Quadro, os direitos de importação de 90% do universo tarifário no comércio entre os países-membros, e os 10% restantes deverão vir a ser desgravados conforme resulte das negociações, em curso, entre os quatro países.

Os compromissos anunciados em Cali no que diz respeito à eliminação de tarifas, em verdade, representam pouco ou nada em relação ao que já fizeram os países da Aliança do Pacífico na qualidade de membros da ALADI. De fato, já existem acordos de livre-comércio entre todos os países da Aliança do Pacífico, ao amparo do Tratado de Montevidéu, de 1980. Conforme os mais recentes estudos sobre comércio preferencial (ou seja, realizado ao amparo de reduções tarifárias) na região, elaborados pela Secretaria-Geral da ALADI e pela CEPAL, o grau de liberalização comercial entre os países da Aliança superava os 90% já no ano de 2010. O anúncio, portanto, de que se vai estabelecer zona de comércio preferencial para 90% do universo tarifário é um anúncio sobre algo que já existe. A única exceção é o comércio Peru-México, cujo índice de liberalização, apesar de inferior, deverá aumentar em função de acordo de livre-comércio assinado entre os dois países em abril de 2011 (antes, portanto, da criação da Aliança).

Quanto ao acesso dos produtos brasileiros aos mercados dos países-membros da Aliança do Pacífico, os cronogramas de desgravação dos acordos de livre-comércio firmados na ALADI pelo MERCOSUL com o Chile, com o Peru e com a Colômbia promoverão, até 2019, como eu comentava, a liberalização abrangente do comércio regional. Vale repetir que, segundo dados da ALADI, o grau de liberalização do comércio bilateral com o Brasil – medido pela proporção de itens com 100% de preferência em benefício das exportações brasileiras – será, no caso do Chile, de 99,9%; com o Peru, de 99,8%; e com a Colômbia, de 83,6%.

Os Presidentes do Chile, da Colômbia, do México e do Peru anunciaram em Cali a desgravação tarifária total no comércio de todos os produtos entre os quatro países. Esse objetivo, na verdade, será alcançado entre os quatro países, consoante os acordos que já haviam sido firmados anteriormente, na sua condição de membros da ALADI, e não da Aliança. Mesmo assim, dependerá da implementação de cronogramas de desgravação para os remanescentes 10% do universo tarifário.

Há marcado contraste, portanto, com a situação já existente de livre-comércio intrazona no MERCOSUL, e de ampla liberalização comercial no intercâmbio dos seus países-membros com os vizinhos na região, como acabo de apontar.

Ainda no campo comercial, em Cali também foi destacada a conclusão das negociações sobre facilitação de comércio e cooperação aduaneira. São assuntos que já ocupam, há muitos anos, os países da própria Aliança e os demais países da ALADI, e que também ocupam os países do MERCOSUL. A decisão de aprofundar ou de intensificar discussões com vistas à harmonização de procedimentos aduaneiros pode ser amplamente vantajosa para o MERCOSUL e para o Brasil. Isso facilitará o desenvolvimento do comércio com os integrantes da Aliança do Pacífico.

O Acordo-Quadro da Aliança tem outros objetivos mais ambiciosos do que a mera liberalização tarifária. Em seu artigo 3º, por exemplo, prevê "avançar progressivamente até a livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas". O mesmo artigo determina que os países integrantes da Aliança deverão, por exemplo: liberalizar o intercâmbio comercial de bens e serviços; avançar rumo à livre circulação de capitais e à promoção de investimentos; desenvolver ações de facilitação de comércio; promover a cooperação entre as autoridades migratórias e consulares; e facilitar o movimento de pessoas e o trânsito migratório nos seus territórios. A homogeneização dos procedimentos comerciais e de investimentos apresenta interesse, em si mesmo, para o MERCOSUL e para o Brasil individualmente.

Na Cúpula de Cali, há passos anunciados, ainda sem resultados conclusivos – como diretrizes para um futuro acordo de cooperação entre autoridades sanitárias; instâncias para facilitar o comercio de cosméticos; consideração dos avanços nas negociações sobre serviços e capitais (serviços profissionais; de telecomunicações; financeiros; marítimos; ou de transporte aéreo), para além dos dispositivos hoje vigentes; início das atividades de projeto para incrementar a competitividade de micro, pequenas e médias empresas –, que aguardam discussões mais aprofundadas antes de se transformarem em resultados concretos.

O tema das interconexões físicas entre os países da Aliança deverá demandar grandes e onerosas estruturas para avançar. Há descontinuidade geográfica entre Peru, Chile e Colômbia e o México, o que faz esse bloco não ter potencial de integração física, como, por exemplo, a América do Sul. Ainda assim, os integrantes da Aliança se comprometem, até o próximo dia 30 de junho, a concluir conjunto de negociações de ambição ampla, não somente sobre a desgravação tarifária total do universo de mercadorias em “prazos razoáveis” (sem ter sido dado prazo específico); mas também sobre regime de origem para as mercadorias comercializadas; medidas sanitárias e fitossanitárias; e alguns dos outros temas que mencionei. Todos os propósitos e tarefas anunciados em Cali têm o potencial de contribuir para o aprofundamento da integração entre esses países. Suas metas, contudo, não se materializam da noite para o dia e, possivelmente, não ocorrerão dentro do escasso tempo previsto até esse prazo de 30 de junho.

É pertinente, também, comparar o que foi anunciado em Cali pela Aliança do Pacífico em termos do estabelecimento de fundo de cooperação entre os países-membros, que alcançaria 1 milhão de dólares, e o FOCEM – que, em cinco anos de operação, já financiou 43 projetos, ao custo de mais de 1 bilhão de dólares.

Passando-se ao tema da anunciada concessão de bolsas de estudo para pós-graduação, cada país da Aliança do Pacífico está oferecendo aos demais 100 bolsas. Vale lembrar que o Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação brasileiro – o PEC-PG, que oferece bolsas para nacionais de países em desenvolvimento com os quais o Brasil possui acordos de cooperação cultural e educacional –, ao longo dos últimos doze anos, selecionou mais de 1.600 estudantes estrangeiros, 75% dos quais das Américas. Entre 2000 e 2012, foram contemplados quase 450 estudantes da Colômbia, um dos países que mais aproveita esse oferecimento de bolsas de estudo no Brasil. Na edição de 2012 do PEC-PG, foram concedidas 226 bolsas, sendo que mais de 100 para estudantes oriundos de países da Aliança do Pacífico.

Esses exemplos, assim como as referências anteriores sobre o MERCOSUL, ajudam a colocar em perspectiva realista e a melhor aquilatar o que representa, na prática, e para além da retórica, a Aliança do Pacífico.

Vale, igualmente, lembrar que três dos quatro membros originais da Aliança do Pacífico são países sul-americanos, membros da UNASUL. O Peru exerce, nesse momento, a Presidência pro tempore desse bloco. O Chile, o Peru e a Colômbia, como se viu, já mantêm acordos comerciais com os restantes membros do MERCOSUL e vizinhos da América do Sul que deverão entrar em vigor plenamente até o fim desta década.

A UNASUL é projeto especialmente abrangente e ambicioso, contemplando objetivos e agendas de trabalho que, em vários sentidos, vão muito além dos que pautam qualquer outro exercício de integração em curso na nossa região. Regida pelo Tratado de Brasília, assinado em 2008 e em pleno vigor desde 2011, a UNASUL conta, hoje, com doze instâncias setoriais, que tratam, dentre outros, de temas como defesa; combate ao problema mundial das drogas e ao crime organizado internacional; cooperação em saúde, educação, ciência e tecnologia; direitos humanos; acompanhamento eleitoral.

Dimensão que se reveste de particular significado na UNASUL é a da integração física. A América do Sul, quando olhamos para o mapa, sobressai-se como um continente em si mesmo. Por motivos históricos, que guardam relação com os modelos de colonização que prevaleceram na região durante os primeiros séculos da nossa história moderna, ainda é baixo o nível de integração entre nós em matéria de transporte e de energia, o que é incompatível com a idéia de um espaço sul-americano de prosperidade compartilhada. A UNASUL tem no tema da integração física uma das suas atividades centrais – daí a importância do Conselho de Integração e Planejamento, o Cosiplan, criado em 2009 no marco da organização.

A agenda de projetos prioritários de integração do Cosiplan, aprovada em 2011, então sob a presidência brasileira do foro, é a primeira compilação de projetos de infraestrutura em que cada projeto implica, necessariamente, a participação de dois ou mais países da América do Sul. A agenda inclui 544 projetos, que, somados, totalizam 130 bilhões de dólares em investimentos na integração da infraestutura regional. A título de exemplo, menciono alguns projetos dos quais o Brasil participa diretamente: o corredor ferroviário bioceânico Paranaguá-Antofagasta, que envolve Brasil, Paraguai, Argentina e Chile; a rodovia Boa Vista-Georgetown, entre Brasil e Guiana; o corredor ferroviário Montevidéu-Cacequi, que envolve o Brasil e o Uruguai. Esses projetos impactam diretamente na geração de comércio e de investimentos, revelando esforço de integração verdadeiramente amplo e profundo.

A Constituição brasileira, em seu artigo 4°, parágrafo único, indica que o Brasil perseguirá a integração latino-americana como um de seus objetivos em matéria de política externa. Temos hoje à nossa disposição, para que todos esses exercícios de integração sub-regional convirjam, a Comunidade de Estados Latino Americanos e do Caribe (CELAC), criada em Caracas, em dezembro de 2011, e que se reuniu, em nível de Chefes de Estado e de Governo, este ano em Santiago no Chile, quando a Presidência pro tempore foi passada do Chile para Cuba.

À guisa de conclusão, pode-se suscitar reflexão mais abrangente sobre qual é o modelo de integração para o qual devemos nos dirigir no futuro, a partir dos êxitos inegáveis já conquistados pelo MERCOSUL e por outros exercícios sub-regionais – que não devem ser vistos como ameaça, mas como oportunidade.

Para o Brasil, uma iniciativa como a Aliança do Pacífico ou qualquer outra que contribua para a prosperidade, para o desenvolvimento em nossa região, representa, antes de qualquer coisa, uma oportunidade que precisa ser devidamente entendida e aproveitada.

Mantemos relações próximas com os países da Aliança do Pacífico, de maneira muito proveitosa em distintos campos, inclusive no comércio e nos investimentos, e continuaremos a trabalhar para aprofundar esses vínculos. À medida que aqueles países tenham êxito em seus objetivos, de crescimento econômico e desenvolvimento social, isso só nos trará vantagens.

No plano político, não há mal entendido, não há dificuldade de comunicação com o grupo ou com os países individualmente. Até mesmo quando o Brasil venceu a campanha para Diretor-Geral da OMC, em que havia um candidato do MERCOSUL, Embaixador Roberto Azevêdo, que concorreu contra um candidato mexicano – que, portanto, poderia ser visto como um candidato da Aliança do Pacífico –, a vitória do candidato brasileiro não causou mal-estar na relação bilateral com o México. O melhor exemplo disso foi o fato de o chanceler José Antonio Meade, do México, ter realizado uma visita oficial ao Brasil menos de duas semanas após a divulgação do resultado dessa concorrência para Diretor-Geral da OMC, em Genebra.

A questão de fundo que se deve suscitar é a seguinte: saber se convém ou não fazer a opção por uma forma de inserção internacional e de estruturação de modelo de desenvolvimento econômico e social que leve à especialização das economias nacionais em torno de alguns poucos produtos, que tenderão a ser primários ou de escasso valor agregado local e de alguns poucos mercados que, em geral, estão concentrados geograficamente, em detrimento de uma estratégia que favoreça diversificação produtiva e os destinos e origens de comércio, a inclusão social mais ampla, com distribuição de renda e em democracia. Essa é uma questão que precisa ser debatida amplamente na sociedade brasileira. A primeira opção, a da especialização das economias de concentração de mercados, parece ter duvidosa sustentabilidade ao longo do tempo.

Relatório recentemente divulgado pela Cepal sobre investimentos estrangeiros diretos na América Latina aponta no sentido de que os investimentos estrangeiros em alguns países da região não estão contribuindo, ao contrário do que se pensava, para fomentar novos setores ou estimular atividades de maior conteúdo tecnológico, nem para gerar empregos de melhor qualidade. De maneira inversa, os investimentos têm reforçado as estruturas produtivas prevalecentes em detrimento da produção e dos empregos mais qualificados da economia, que, em geral, se localizam no setor industrial e nos serviços a ele relacionados.

Esse mesmo tipo de especialização tem sido estimulado pelos acordos de livre-comércio firmados pelos países da região com parceiros do mundo desenvolvido. A edição de dezembro de 2012 da revista CEPAL indica que, em que pese a celebração de vários desses acordos, a composição da pauta das exportações dos seus signatários em nossa região – em geral, com a expressiva participação de produtos básicos – não sofreu mudanças significativas, e tampouco se constatou incremento nas exportações de maior valor agregado. Pareceria, assim, que essa primeira opção da especialização, da concentração em poucos mercados, pode levar ao desmantelamento da indústria na América do Sul. Esse modelo não constituiria uma plataforma para sustentar a integração regional no longo prazo. Seu objetivo estratégico estaria mais voltado para abrir mercados para a região para os excedentes exportáveis, sobretudo de produtos manufaturados provenientes da extrazona e provenientes de economias altamente desenvolvidas, para promover as exportações regionais de bens primários, minerais ou não, para seu consumo em outras partes do mundo, essa seria a contrapartida.

Nesse contexto, cabe atentar para a similaridade dos pesos relativos, por um lado, das atividades manufatureiras e, pelo outro, do setor de bens primários na composição atual do Produto Interno Bruto de alguns países da região. A preferência deveria inclinar-se, então, pela opção que favorece uma inserção internacional e um modelo de desenvolvimento econômico e social que responda a uma estratégia em favor da diversificação produtiva e do comércio com inclusão social mais ampla, redistribuição de renda e democracia.

Isso não significa complacência nem falta de rigor e empenho, inclusive político, no tocante ao andamento, ao ritmo de avanço e à consistência interna dos processos de integração que adotam essa orientação. A análise dos compromissos já assumidos entre os países sul-americanos no campo de liberalização comercial indica que já se está chegando ao esgotamento da dimensão puramente comercial da integração. Não por falta de êxito. Pelo contrário, resta muito pouco espaço para fazer avançar ainda mais a área de livre-comércio regional, em grande medida já estabelecida plenamente entre os maiores mercados da região, com a relevante participação de produtos manufaturados ou semimanufaturados. Em outras palavras, o comércio provavelmente não mais será o vetor de sustentação do avanço da integração sul-americana nos anos futuros.

Manter a integração sul-americana em movimento passará, dessa forma, a exigir, crescentemente – em especial do Brasil, seu principal motor, porque é a maior e a mais diversificada unidade econômica e comercial da região –, ações e decisões para além do comércio. Serão cada vez mais necessárias iniciativas no plano propriamente econômico, dos investimentos de infraestrutura ou produtivos, dos financiamentos de médio e longo prazos, dos sistemas de pagamento em moeda locais, das garantias às exportações, do aumento da produtividade, da inovação científica e tecnológica para implementação de políticas de integrações regionais profundas, que visem ao fortalecimento da dimensão regional das políticas públicas de desenvolvimento econômico e social e que abram caminho para que a iniciativa privada contemple, de maneira efetiva e crescentemente proveitosa e benéfica para o Brasil, a dimensão regional como espaço capaz de agregar valor aos seus investimentos, à sua produção e às suas vendas. O setor empresarial dos quatro países integrantes da Aliança do Pacifico, no âmbito de seu conselho empresarial, tem planejado sua primeira macro-rodada de negócios, anunciada na recente Cúpula presidencial, em Cali. Cumpre lembrar que, por iniciativa do Brasil, o MERCOSUL passou a organizar, igualmente, encontros empresariais à margem das Cúpulas. Essa prática, que foi inaugurada em 2012, deverá continuar em 2013.

Serão e talvez já o sejam também indispensáveis medidas que, nos campos da educação, do trabalho, da previdência social, da saúde, fortaleçam e tornem duradouros os efeitos positivos que os acordos de facilitação de viagens e de residência entre os países da região acarretam para vigência da livre circulação das pessoas, para o benefício e exercício mais amplos das suas cidadanias. Muito já se avançou nesse terreno, em especial para o turismo e os negócios, mas resta muito ainda a fazer na construção de uma autêntica cidadania regional.


Concluindo, vale enfatizar um ponto que parece fundamental nessa discussão: para que a integração da região tenha futuro, é preciso envolver as pessoas diretamente, fazer o mesmo com o conjunto das sociedades, de maneira a torná-las partícipes de um processo de mudança de mentalidade, de transformação profunda que ajude a enxergar o outro lado da fronteira como um espaço de convivência, de oportunidades maiores e melhores para todos. Essa percepção crescente de comunidade, de mais prosperidade compartilhada, de riqueza e vigor na diversidade que caracteriza a região, é que dará legitimidade e sustentação perene em tempo histórico à integração. É a chave para garantir a nossa presença e a nossa contribuição de paz, democracia, justiça e inclusão social e prosperidade no século XXI.

Social integration, as opposed to commercial integration - Brazil newposture

Brasil pede que integração sul-americana seja mais social que comercial

O chanceler brasileiro, Antonio Patriota.
Infolatam/EFE
Brasília, 20 de junho de 2013
Las claves
  • Sobre o Mercosul, bloco do qual também fazem parte Argentina, Uruguai, Venezuela e Paraguai, este último suspenso, afirmou que se trata da "mais bem-sucedida aliança" regional para potencializar o comércio entre os países-membros, que serão beneficiados principalmente se forem confirmadas as entradas de Bolívia e Equador.
O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, declarou nesta quinta-feira que “o comércio provavelmente deixará de ser o vetor do avanço da integração sul-americana”, que deve voltar-se mais para a solução de problemas sociais.
“Já estamos atingindo um esgotamento da relação puramente comercial, na qual resta muito pouco espaço para avançar”, disse o ministro durante um pronunciamento perante a Comissão de Relações Exteriores do Senado.
Em sua opinião, os países sul-americanos podem, por outro lado, promover acordos nas áreas de ciência e tecnologia, saúde, educação e infraestrutura, que possam melhorar a vida de “todas as populações” na região.
Sobre o Mercosul, bloco do qual também fazem parte Argentina, Uruguai, Venezuela e Paraguai, este último suspenso, afirmou que se trata da “mais bem-sucedida aliança” regional para potencializar o comércio entre os países-membros, que serão beneficiados principalmente se forem confirmadas as entradas de Bolívia e Equador.
A Bolívia já iniciou os trâmites para aderir ao bloco como membro pleno, enquanto o Equador se prepara para encaminhar o pedido.
Na América do Sul, coexistem o Mercosul e a União Sul-Americana de Nações (Unasul), bloco que Patriota indicou estar mais orientado para o diálogo político e o desenvolvimento regional do que para o comércio.
O ministro também comentou a recente constituição da Aliança do Pacífico, formada por Chile, Colômbia, México e Peru, sobre a qual reiterou que não representa “nenhuma ameaça nem concorrência” para o Mercosul.
“A Aliança do Pacífico representa uma oportunidade que deve ser compreendida e aproveitada” e tanto o Mercosul como a Unasul mantêm “relações próximas” com esse novo órgão, declarou.