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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Governança global, comércio internacional e integração regional - Paulo Roberto de Almeida

Governança global, comércio internacional e integração regional

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Notas para subsidiar palestra a alunos do pós-graduação em Direito, 14/10/2024

Fui convidado, como diplomata e professor, para falar para estudantes de graduação, especificamente sobre três temas: governança global, comércio internacional e integração regional. O primeiro, praticamente não existe, embora tenham havido tentativas ao longo dos séculos; o segundo, existe, e é praticado desde a mais remota antiguidade, sempre com mais intensidade, até chegar a esta terceira onda da globalização, embora tenha se retraído em algumas épocas, inclusive agora, numa fase de globalização fragmentada e de perspectivas sombrias na atualidade e nas próximas décadas; o último, finalmente, pelo menos o que se refere à integração regional latino-americana, também atravessa momentos de fragmentação e de recuo, não por culpa dos mecanismos próprios de abertura econômica e de liberalização comercial, mas por deficiências das políticas nacionais dos países da região.

Não pretende oferecer uma conferência ex-cathedra sobre cada um desses três temas, embora eu possa ter alguma capacidade acadêmica para fazê-lo com alguma suficiência intelectual. Prefiro traçar simplesmente algumas observações pessoais sobre cada um deles, com base em minha acumulação de conhecimento, adquirida ao longo de longuíssimos anos passados em bibliotecas públicas e universitárias e ao abrigo de minha própria biblioteca, e principalmente com base em minha própria experiência de vida, profissional como diplomata e turística como cidadão viajante, sempre que pude percorrer as estradas do mundo, em quase todos os continentes, desde muito jovem e ainda recentemente, como aposentado estudioso.

Vejamos o que eu poderia comentar sobre os três temas, reunindo um pouco do que aprendi e que venho transmitindo em meus trabalhos, artigos e livros, simples notas, muitas disponíveis em meus canais de comunicação, começando pelo blog Diplomatizzando. Também faço algumas recomendações de leituras.

(...)

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4743, 26 outubro 2024, 15 p.

Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/124291515/Governanca_global_comercio_internacional_e_integracao_regional_2024_Paulo_Roberto_de_Almeida);


 

sábado, 15 de junho de 2024

Temas relevantes da política externa brasileira e de sua diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

 Temas relevantes da política externa brasileira e de sua diplomacia 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre o aperfeiçoamento de algumas áreas da diplomacia brasileira.

 

A diplomacia brasileira adquiriu credibilidade, ao longo de décadas, graças à concepção, formulação e implementação de uma política externa equilibrada, judiciosa, baseada no Direito Internacional e nos grandes princípios estabelecidos na Carta da ONU, inclusive em certas contribuições oferecidas pelos próprios representantes diplomáticos do Brasil à frente do Itamaraty – como o Barão do Rio Branco – ou por ocasião de encontros e conferências internacionais, como Rui Barbosa, San Tiago Dantas e outros. Na terceira década do século XXI, ela tem diante de si algumas questões relevantes para a afirmação da presença do Brasil nos foros e na agenda multilateral, além das questões ambientais e de desenvolvimento dos países mais pobres, mas que tocam, agora de forma crucial, em temas de paz e de segurança internacionais. 

Vou relacionar e comentar, sinteticamente, nos itens a seguir, algumas dessas questões, apenas com o objetivo de chamar a atenção para escolhas e decisões que precisam ser feitas pelos estadistas nacionais na tarefa de orientar, conduzir e tornar efetivas algumas das escolhas e iniciativas diplomáticas que podem ou devem ser feitas pela política externa na atualidade e nos próximos anos.

 

Integração regional

Talvez a questão mais importante da política externa e da diplomacia brasileiras, dada a condição essencial da circunstância incontornável do Brasil como país sul-americano, região na qual o país se apresenta como o economicamente mais relevante e aquele que deveria possuir alavancas diplomáticas com o objetivo de realizar um objetivo que se aparece como natural e quase obrigatório, que seria o da integração econômica e o da abertura econômica recíproca. Desde o primeiro tratado de Montevidéu de 1960, prometendo a criação de uma área latino-americana de livre comércio – o que obviamente não se realizou –, e do segundo tratado, de 1980, da Aladi – flexibilizando a obrigação anterior, no sentido de meros acordos de preferências tarifárias parciais –, o Brasil participou e até estimulou diversos projetos de integração, sendo o que mais bem-sucedido, provisoriamente, foi o esquema mais limitado ao Cone Sul, da integração bilateral Brasil-Argentina (1986-88) e do sistema quadrilateral do Mercosul (1991) e seus desdobramentos ulteriores, infelizmente marcados por crises e estagnação do processo. Essa temática deveria receber a devida atenção da parte da diplomacia brasileira e estar inscrita entre as suas primeiras prioridades na política externa e nas relações regionais. O foco principal das dificuldades nessa área não se situa propriamente nas instituições integracionistas e sim nas políticas econômicas nacionais dos principais membros do esquema regional do Mercosul. Em outros termos, o Mercosul e o processo de integração mais ampla na América do Sul não conseguirão sair do atual estado de paralisia parcial antes que os dois principais países, Brasil e Argentina, possam se coordenar nos planos político, diplomático e econômico para definir e retomar as respectivas reformas internas e as institucionais que são necessárias para superar os impasses existentes.

 

Inserção na economia mundial

A economia brasileira é uma das menos integradas nos circuitos mundiais das cadeias de valor, junto com os sócios do Mercosul, o que é um resultado de décadas de mercantilismo renitente e de protecionismo deliberado. Praticamente não existem marcas brasileiras – com poucas exceções, com os aviões da Embraer e as sandálias Havaianas – presentes no contexto da competição manufatureira global, e as políticas setoriais desenhadas no país, para o setor industrial, contemplam geralmente a preservação do mercado interno estritamente protegido da concorrência estrangeira. Não se poderá ter uma economia de escala no setor industrial se este permanecer protegido da competição global.

Trata-se de um problema mais caracteristicamente econômico do que propriamente diplomático, mas havendo negociações comerciais e de investimentos em foros multilaterais cabe ao Itamaraty defender claramente uma política de inserção deliberada do país na economia global, em lugar da postura de avestruz que soe caracterizar as associações industriais nacionais e regionais (CNI, FIESP, etc.). Não se pode conceber o processo de desenvolvimento futuro do Brasil com a preservação da visão introvertida que prevalece hoje nas políticas setoriais produtivas. Pertencer às cadeias globais de valor é um requerimento incontornável de qualquer processo de crescimento econômico voltado para a modernização e de competitividade comercial no setor manufatureiro.

 

Padrões de educação equiparados à excelência mundial

A política setorial em matéria de educação tampouco é um tema diplomático por excelência, mas ela é absolutamente essencial quando se pensa em ganhos de produtividade, que devem sobretudo estar voltadas para a produtividade em capital humano, até mais do que em ganhos na produtividade total ou no fator de produção do capital (equipamentos, etc.). Os padrões educacionais debatidos no âmbito da OCDE – e objeto de avaliação nos famosos exames regulares do PISA (programme for international student assessment) – fornecem amplo material de referência e critérios de avaliação através dos quais podem ser avaliados e desenhados programas de melhoria dos padrões nacionais de educação nos primeiros dois ciclos de ensino (que são os que mais sofrem estrangulamento e deficiências próprias). A educação nacional precisa ser objeto de um trabalho específico no âmbito diplomático.

 

Justiça expedita e confiável, como existente em outros países

Da mesma forma como as deficiências existentes no setor educacional prejudicam o Brasil em sua inserção econômica global, a área do Judiciário é a que mais apresenta dados extremamente negativos do ponto de vista dos custos de transação para o funcionamento adequado dos circuitos econômicos nacionais, em toda a sua extensão. Conflitos entre os agentes, sobretudo no domínio trabalhista, são responsáveis por uma perda direta ou indireta na economia, como por exemplo a lentidão ou a simples burocracia envolvida nos conflitos que emergem em diversos momentos das atividades de produção, distribuição e consumo, com perdas estimadas em vários pontos percentuais do PIB. Estudos existentes no plano nacional dos países mais produtivos e em organismos internacionais – Banco Mundial, BID e outras entidades de pesquisa de políticas públicas – poderiam sustentar programas de reforma do Judiciário brasileiro em seus diversos níveis, e nisso também caberia uma cooperação da diplomacia brasileira na transmissão interna da experiência conhecida no exterior.

 

Alinhamento com a cooperação internacional de boa qualidade

O Brasil foi, até os anos 1970, beneficiário da assistência internacional em seu processo de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, adquirindo, a partir daí, boa capacitação interna, com base na “substituição de importações” em pesquisa e desenvolvimento e na qualificação do capital humanos em diversas áreas produtivas, com destaque em agricultura e saúde. Em síntese, passou de recipiendário a prestador de cooperação em assistência ao desenvolvimento de países mais pobres, não apenas pelo oferecimento de bolsas de estudo em suas universidades públicas, como também pelo fortalecimento direto de programas de cooperação em diversos países, na própria América Latina e na África (em especial nos países de língua portuguesa). Uma integração de seus programas com aqueles que são objeto de coordenação e consulta no âmbito do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE seria bem vinda nessa área, com possível aproveitamento da interação da ABC, dirigida pelo Itamaraty, com os países membros do CAD, para fins de financiamento trilateral e troca de experiências úteis nessas áreas. 

 

Estas são algumas possíveis áreas nas quais uma maior interação do Brasil, e de sua diplomacia, com experiências já existentes no terreno da cooperação internacional poderia representar um grande estímulo ao seu próprio processo de desenvolvimento econômico e social, em padrões alinhados com o que há de mais avançado nos terrenos definidos como prioritários para nossa maior inserção econômica global. A diplomacia profissional, pela alta qualidade do seu capital humano, está perfeitamente habilitada para contribuir nos esforços nacionais de convergência do Brasil com as melhores práticas existentes em matéria de políticas macroeconômicas e setoriais, superando certos constrangimentos do velho nacionalismo introvertido. 

 

Algumas leituras úteis: 

DASQUE, Isabelle. “Diplomats and Diplomacy: Between Heritage and the Modernity of European Elites”. Digital Encyclopedia Of European History, 22 jun. 2020. Disponível em: https://ehne.fr/en/node/12257.

FRÉCHETTE, Louise. “Diplomacy: Old Trade, New Challenges”. In: COOPER, Andrew F.; HEINE, Jorge; THAKUR, Ramesh. The Oxford Handbook of Modern Diplomacy. 1st ed. Oxford: Oxford University Press, 2013, p. 30-34. Disponível em: https://academic.oup.com/edited-volume/34361/chapter/291461478.

SHARP, Paul. “Diplomacy and diplomats in the realist tradition”. In: ______. Diplomatic Theory of International Relations. 1st ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 53-72. Disponível em: https://doi.org/10.1017/CBO9780511805196.005.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4685, 15 junho 2024, 4 p.


segunda-feira, 27 de maio de 2024

Livro Integração Regional: uma introdução - Paulo Roberto de Almeida


Recebo um comunicado da Editora Saraiva Educação – com a qual tenho um livro sobre a Integração Regional: uma introdução (2013), editado alguns anos atrás, e que parece ter apresentado uma demanda constante – sobre sua união com o Grupo GEN, com o qual tenho um outro livro: Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização (Rio de Janeiro: Editora LTC, 2012, xx+307 p.).

Eis o comunicado, em função do qual recebi direitos autorais antecipados, para os livros vendidos até abril de 2024: 

"Conforme comunicado anteriormente, a Saraiva Educação, com seus selos Érica, Benvirá, Mundo Benvirá, SaraivaUni e SaraivaJur, uniu forças com o GEN | Grupo Editorial Nacional, o maior grupo editorial do país no segmento de publicações CTP."  (não tenho a menor ideia do que seja essa sigla, mas que deve referir-se a um tipo ou gênero de livros).

O demonstrativo enviado é bastante preciso quanto aos livros vendidos entre janeiro de 2023 e abril de 2024, no total de 57, sendo 32 impressos e 25 digitais.

Aproveito a oportunidade para postar abaixo o índice desse livro sobre a integração regional, assim como uma resenha feita na época por um estudante de relações internacionais da UnB, a quem tenho de agradecer o cuidado e a honestidade intelectual nessa apresentação feita de um livro feito por encomenda do responsável pela coleção, o professor Antonio Carlos Lessa, do IRel-UnB (do qual sou pesquisador sênior associado).

Paulo Roberto De Almeida

Integração Regional: uma introdução

São Paulo: Saraiva, 2013, 192 p.;

ISBN: 978-85-02-19963-7

Índice  

Prefácio                      xi

Sumário                      xv

 

Capítulo 1. Introdução: Regionalismo,

um fenômeno complexo da economia mundial    1

     1.1 O regionalismo e a economia mundial           3

     1.2 Acordos regionais preferenciais         6

     1.3 Como surgiram, como funcionam e quais são os tipos?        10

            Questões para discussão        10

            Para saber mais          11

 

Capítulo 2. O conceito de regionalismo e os processos de integração   13

     2.1 Parceiros voluntários   15

     2.2 O novo regionalismo   16

     2.3 O papel dos mercados nos processos de integração   18

            Questões para discussão        21

            Para saber mais          22

 

Capítulo 3. Por que acordos regionais? Para quê integração econômica?       23

     3.1 Os motivos da integração econômica 25

     3.2 Os efeitos negativos da adesão a um bloco comercial           26

     3.3 Benefícios da integração         27

     3.4 A globalização            31

     3.5 A “imitação” dos modelos bem sucedidos     35

     3.6 Esquemas de integração, um processo dinâmico       37

            Questões para discussão        38

            Para saber mais          39

 

Capítulo 4. Como são os acordos regionais? 

Que tipos de integração econômica existem?       41

     4.1 Os processos de integração econômica          42

     4.2 Cooperação intergovernamental e cooperação supranacional – 

           exemplos históricos     43

     4.3 Tipos de integração econômica          45

         4.3.1 Acordos de integração superficial          46

                  4.3.1.1 Área de preferencia tarifária (APT)       46

                  4.3.1.2 Zona de Livre Comércio (ZLC) 46

         4.3.2 Acordos de integração profunda 47

                  4.3.2.1 União Aduaneira (UA)   47

                  4.3.2.2 Mercado Comum (MC)  48

                  4.3.2.3 União Econômica e Monetária (UEM)  49

     4.4 Perspectivas da regionalização e da globalização      50

            Questões para discussão        52

            Para saber mais          52

 

Capítulo 5. Por que não integrar: razões antigas e modernas, boas e más      53

     5.1 Examinando os efeitos adversos dos esquemas de integração          55

     5.2 A influência das teorias econômicas nas políticas de comércio internacional 57

     5.3 O pensamento latino-americano         60

     5.4 A integração na América Latina         61

     5.5 Uma avaliação complexa        63

            Questões para discussão        64

            Para saber mais          65

 

Capítulo 6. Como se processa a integração no plano internacional?    67

     6.1 O itinerário contemporâneo dos blocos econômicos 69

     6.2 O mercado comum      72

     6.3 Globalização com regionalização      74

            Questões para discussão        82

            Para saber mais          83

 

Capítulo 7. O futuro do regionalismo comercial: mais do mesmo?       85

     7.1 Diferentes visões do livre comércio   87

     7.2 As alternativas parciais de liberalização        88

     7.3 Os infratores do sistema         90

     7.4 O protecionismo, fator prejudicial à saúde do sistema          91

     7.5 Os pontos positivos das tendências atuais      92

     7.6  A marcha da insensatez         94

            Questões para discussão        96

            Para saber mais          96

 

Conclusão Do Zero ao Infinito?     97

     As bondades do livre comércio, em perspectiva teórica e prática           99

     As maldades da discriminação contra terceiros: uma ameaça sempre presente 101

     O grande salto para a frente do regionalismo comercial 103

 

Cronologia da integração no contexto internacional      107

     Experimentos de integração no sentido lato anteriores ao GATT           108

     O sistema multilateral de comércio: integração em marcha lenta           111

     A integração na América Latina: muitas declarações, pouca integração 118

     Fim do socialismo, impulsos na globalização e na regionalização         123

     Desenvolvimentos da integração nas Américas   127

     Multiplicação, expansão e dispersão dos experimentos integracionistas            130

 

Glossário                   143

Bibliografia comentada       169



quinta-feira, 20 de junho de 2013

Resenha de "Integracao Regional", Paulo Roberto de Almeida (eu mesmo) - Cairo Junqueira

Resenha do livro: “Integração Regional: uma introdução.”, de Paulo Roberto de Almeida, por Cairo Junqueira

 
 
 
 
 
 
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ALMEIDA, Paulo Roberto de (2013). Integração Regional: uma introdução. São Paulo: Saraiva, 192 p. (Coleção Temas Essenciais em R.I.). ISBN 978-85-02-19963-7

Um dos temas mais amplos e, talvez, mais recentes na área de Relações Internacionais seja a integração regional. Os processos de criação de instituições e a formação de blocos regionais, embora datados de longa data, podem ser considerados como traços característicos da Política Internacional Contemporânea. Do mesmo modo, tal atualidade torna-se visível no ambiente acadêmico, haja vista que a integração regional é base disciplinar de diversos cursos, abrangendo até mesmo a Economia, o Direito, a Ciência Política e a Sociologia.
Como maneira de consolidar e resumir a importância desses estudos, a recente lançada “Coleção Temas Essenciais em Relações Internacionais”, organizada pelos professores doutores Antônio Carlos Lessa e Henrique Altemani de Oliveira, além de tratar de questões envolvendo estudos introdutórios e teóricos das Relações Internacionais, dedica o terceiro volume em sua totalidade à integração regional. O desafio, bem como a responsabilidade, de escrever essa obra ficou a cargo de Paulo Roberto de Almeida, diplomata de carreira, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas, professor de Economia Política do Centro Universitário de Brasília (Uniceub) e exímio pesquisador sobre relações econômicas internacionais e política externa brasileira.
Em “Integração Regional: uma introdução”, Almeida sintetiza um extenso rol de estudos teóricos, sobretudo a respeito do Mercado Comum do Sul (Mercosul), da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e das negociações multilaterais presentes no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), com sua vivência prática de negociações internacionais e do funcionamento interno dos processos de integração regional.
Ao todo, a obra é dividida em sete capítulos, além do prefácio, da conclusão e de dois complementos, sejam eles uma breve cronologia da integração no contexto internacional e um glossário com os principais termos utilizados ao longo do livro com o intuito de dirimir possíveis dúvidas do leitor. Vale ressaltar que, ao final de cada seção e do livro, Almeida disponibiliza uma série de “questões para discussão” e algumas indicações bibliográficas, respectivamente, para facilitar o aprendizado em sala de aula. Afinal, conforme apontado pelo próprio autor, trata-se da sistematização introdutória sobre termos, conceitos e blocos regionais.
No primeiro capítulo intitulado “Introdução: Regionalismo, um fenômeno complexo da Economia Mundial”, o autor dá início à temática predominante no livro: muito mais do que dissertar sobre integração regional, Almeida foca-se nos processos de integração econômica regional e, porque não dizer, internacional. Aqui, além de enumerar e apresentar os acordos regionais de integração (regionalismo) tendo como base dados do Banco Mundial, o autor abre caminho para expor seu objetivo principal, ou seja, “[...] explicar como surgiram, como funcionam e quais são os tipos atuais de acordos regionais, qual seu papel no quadro do sistema multilateral de comércio e quais seus impactos, atuais e futuros, na economia mundial” (p. 10).
De tal sorte, em “O conceito de regionalismo e os processos de integração” discorre-se a respeito do histórico de integração regional exemplificados pela Liga Hanseática (séculos XIII ao XVIII) e pelo Zollverein (1834). Posteriormente, fala-se sobre o novo regionalismo e o papel apresentado pelo mercado nesse processo marcado pelo acordo geral de comércio do GATT/OMC desde 1947, em Genebra, até os dias atuais com o impasse da Rodada Doha, acompanhada por 155 países na cidade supracitada.
Continuando com o raciocínio, Almeida nomeia o capítulo três com duas perguntas: “Por que acordos regionais? Para que integração econômica?”. Aqui são conceitualizados termos como integração e integração econômica. Além disso, apresentam-se os efeitos negativos e os benefícios de tais processos, com destaque para eficiência na produção, aumento de barganha no plano internacional, coordenação de políticas fiscais e monetárias e pleno emprego. Por fim, aglutina-se um fenômeno mais amplo e mundial, a globalização, a qual é caracterizada pela intensificação de vínculos comerciais e pelos níveis crescentes de fluxos de capitais entre empresas, como fator de propulsão ao dinamismo integracionista.
Na quarta seção, “Como são os acordos regionais? Que tipos de integração econômica existem?”, são apresentadas breves distinções entre os tipos de cooperação intergovernamental e supranacional, sendo a primeira caracterizada pela ausência de renúncia das soberanias estatais em prol do avanço integracionista, a qual é bastante característica do Mercosul. Logo após, Almeida cita, distingue e caracteriza os principais tipos de integração econômica, sejam eles: Área de Preferência Tarifária (APT), Zona de Livre-Comércio (ZLC), União Aduaneira (UA), Mercado Comum (MC) e União Econômica e Monetária (UEM). Ressalta-se, ainda, o apontamento do autor sobre a UEM, dizendo que não existe nenhum exemplo histórico para tal tipologia, até porque a União Europeia (UE) não tem total adesão ao Euro por parte dos Estados-membros.
Em “Por que não integrar: razões antigas e modernas, boas e más”, Almeida discorre sobre dois temas principais: os efeitos adversos da integração aliados às explicações das teorias econômicas nas políticas de comércio internacional e a integração regional na América Latina. Passando por Alexander Hamilton até Raul Prebisch, Bertil Ohlin e Paul Krugman, o autor evidencia seu conhecimento e preocupação com a Economia Internacional. Acerca da América Latina, traça o histórico de integração desde a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) até os desdobramentos do Mercosul, afirmando que neste último bloco ainda há “[...] aplicação de salvaguardas de maneira arbitrária ou mesmo ilegal” (p. 63), fato que fomenta as dificuldades intrínsecas ao seu esquema de integração.
Ademais, no sexto capítulo nomeado “Como se processa a integração no plano internacional?”, colocam-se em contraponto os acordos regionais com a teoria do comércio internacional. Indaga-se até que ponto a formação de blocos econômicos regionais vai ao encontro da tão evidenciada liberalização econômica mundial. Além de fazer um breve apanhado histórico da integração europeia desde os tempos da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), Almeida pontua sobre o “regionalismo aberto” caracterizado por compreender inúmeros países, abranger porção significativa dos trâmites de capitais internacionais e estar sob o guarda-chuva das regras da OMC. Vale destacar, finalmente, o apontamento do autor sobre os novos rumos da integração regional: antes dita como essencialmente comercial, vem adquirindo uma nuance cada vez mais política.
No sétimo capítulo, “O futuro do regionalismo comercial: mais do mesmo?”, reflete-se sobre o que se deve esperar dessas novas configurações regionais nos próximos anos. Novamente, Almeida mostra sua preocupação com o multilateralismo econômico vigente e construído nas últimas décadas, enfatizando, com conhecimento de causa, que há uma crise no sistema de comércio internacional. Atores importantes, dentre eles os Estados Unidos, e grande parcela dos países não respeitam as regras por eles mesmos criadas no âmbito da OMC. E complementa afirmando: “É certamente um paradoxo, e provavelmente uma ironia da história, que o país que mais lutou por uma ordem econômica multilateral, os Estados Unidos, esteja, hoje, na origem dos mais sérios ataque a essa ordem [...]” (p. 90).
Mesmo assim, Almeida passa uma visão otimista ao final da obra. Além da inovação institucional e da possibilidade de avançar no diálogo para solucionar barganhas econômicas, a integração regional e sua liberalização interna mobilizam fatores de produção e diminuem custos entre as partes envolvidas. Todavia, ao mesmo tempo em que o processo de formação de blocos regionais é benéfico para a consolidação de acordos preferenciais, ele freia as forças da globalização com um modus operandi particularista e protecionista.
Na “Conclusão: do zero ao infinito?”, o autor trata da atualidade da possível assinatura de um acordo de livre-comércio entre dois gigantes, a UE e os Estados Unidos. Mas, por que, afinal, tomar esse exemplo para concluir e resumir o livro? Porque ele retoma os ensinamentos passados ao longo da obra e ainda serve como guia para estudos futuros. De mais importante, cita-se o fato dessa possível aliança, se concretizada, ser a maior zona de livre-comércio recíproca do mundo, trazendo uma possível solução para os impasses da Rodada Doha em aberto desde 2001. Protecionismo comercial, desvalorização de capitais, controles econômicos, aumento do desemprego, dentre outros, continuarão a ser temas centrais da integração regional e do bem-estar de milhões de pessoas.
Como apontado pelo próprio autor, “Integração Regional: uma introdução”, é uma tentativa de refletir sobre méritos econômicos e virtudes políticas sob o manto em que se organizam as sociedades contemporâneas. É uma obra imprescindível para graduandos que querem compreender um pouco do debate desde integração econômica até integração regional, protecionismo até liberalização comercial, regionalismo mercosulino até integração europeia. Por trazer questões ao debate, indicar e comentar bibliografias, além de esboçar um glossário, o livro pode servir como manual para disciplinas e estudantes de Relações Internacionais e, principalmente, Economia Política Internacional. Mesclando conhecimento empírico e teórico, o diplomata e professor Almeida soube colocar em poucas páginas um vasto histórico da integração regional tanto como processo de formação de blocos por parte de Estados quanto como tema acadêmico a ser abordado nas salas de aula. Em comunhão com os outros dois volumes da “Coleção Temas Essenciais em Relações Internacionais”, cumpre dizer que são de extrema importância para a construção das Relações Internacionais aqui no Brasil.
Referência
ALMEIDA, Paulo Roberto de (2013). Integração Regional: uma introdução. São Paulo: Saraiva, 192 p. (Coleção Temas Essenciais em R.I.). ISBN 978-85-02-19963-7
Cairo Gabriel Borges Junqueira é Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB e Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.

 

domingo, 7 de maio de 2023

Integração regional: uma perspectiva histórica e tipológica - Paulo Roberto de Almeida

 Integração regional: uma perspectiva histórica e tipológica 


Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

Abordar o tema da integração regional requer em primeiro lugar definir a perspectiva da qual se pretende falar, tantos são os tipos de abordagens possíveis. Sem adentrar nos fundamentos teóricos ou econômicos desse processo de cooperação econômica entre Estados soberanos, pode-se limitar o estudo a uma visão empírica dos experimentos existentes, que não nascem ou surgem a partir do nada, mas sim costumam resultar de interações pré-existentes entre economias contíguas ou parceiras, as quais encontram um terreno favoráveis aos objetivos reciprocamente consensuados em torno de decisões de abertura econômica e de liberalização comercial bilateral ou plurilateral. Pois bem, de um ponto de vista empíricos, quando se fala em integração regional, quais são os exemplos mais conhecidos, dentre os experimentos sustentados, persistentes e mais ou menos bem-sucedidos?

A União Europeia é, obviamente o exemplo mais reconhecido e admirado, mas também o Mercosul, na perspectiva brasileira, por seus evidentes impactos diretos na atividade econômica dos principais agentes produtivos e comerciais existentes, com reflexos em outras áreas nacionais: na cultura, na educação, nos esportes e nas artes, dentre outras esferas de interesse popular. Poucos se referem à Asean, uma associação que evoluiu da cooperação política para esquemas flexíveis de integração econômica, ademais da SACU, a Southern African Customs Union, possivelmente a mais antiga das estruturas aduaneiras, mas que assumiu diferentes geografias ao longo do último século, e com a qual o Mercosul possui um acordo de liberalização tarifária. Existem outros blocos igualmente, aqui mesmo no continente sul-americano, como o Grupo Andino, anterior ao Mercosul, e rebatizado como Comunidade Andina de Nações um quarto de século atrás. Mais recentemente surgiu a Aliança do Pacífico – México, Colômbia, Peru e Chile –, bem mais voltado para a cooperação na área da Ásia Pacífico do que propriamente para aumentar o livre comércio entre eles, e que já completou 12 anos. E ainda tem mais esquemas de integração, alguns de grande impacto regional e mundial, como o TPP e o RCEP, que são mais recentes, embora poucos saibam o significado dessas siglas. 

Mas todos esses blocos, ou agrupamentos de integração regional – que é o denominador comum a todos eles –, são muito diferentes entre si, não só em suas respectivas composições geográficas, mas sobretudo em sua natureza, estrutura, propósitos e estado evolutivo de acabamento. Assim, para facilitar a compreensão sobre os diversos tipos de integração regional, caberia colocar numa simples tabela linear os exemplos concretos dos blocos mais conhecidos, historicamente e atualmente, segundo o seu grau de aprofundamento respectivo, indo das mais simples formas de associação até os mais completos e profundos experimentos de integração, como pode ser verificado nesta representação visual:

https://www.academia.edu/100701630/Acordos_regionais_e_esquemas_de_integracao_diferentes_tipos_e_medidas_correlatas_2023_

Entretanto, ademais da tipologia dos modos de integração, segundo os instrumentos e os graus de aprofundamento registrados, cabe estabelecer uma importante distinção a ser observada no plano jurídico, ou do Direito da integração. A diferença se conecta diretamente ao modo pelo qual os países membros vão regular as relações recíprocas no processo de integração, seja pelo Direito Internacional, isto é, pela via de uma estrutura intergovernamental, seja pelo Direito Comunitário, que supõe um maior grau de cessão de soberania estatal, ou delegação de poderes a um ente independente. É o que distingue, um processo mais elementar como o Mercosul, ou um outro mais sofisticado, como é o da União Europeia e suas instituições supranacionais. Trata-se, mais especificamente, de uma longa trajetória histórica na evolução europeia das políticas comerciais, que assumiu diferentes formas e geografias ao longo de mais de dois séculos, possuindo correlações com diversos outros experimentos em diferentes continentes, como pode ser resumido a seguir.

A história da integração contemporânea começa no Zollverein prussiano de 1834, unindo dezenas de estados alemães numa união alfandegária comum, passa pela união monetária entre o Luxemburgo e a Bélgica em 1922 – na verdade o pequeno principado decide adotar o franco belga como sua moeda nacional –, base de uma união monetária que chega ao Benelux, entre 1944-1948, depois de uma tentativa de união comercial com os Países Baixos em 1932. Mas, a evolução conceitual mais decisiva se dá quando França e Alemanha encerram séculos de hostilidades e decidem colocar em comum os meios de uma nova guerra, por meio do tratado de Paris, de 1951, colocando sob o domínio de uma Alta Autoridade seus recursos em carvão e aço. A Comunidade do Carvão e do Aço (CECA) é o primeiro exemplo contemporâneo de Direito comunitário: ela começa a funcionar em 1952 e passa a administrar toda a produção e comercialização siderúrgica entre seus cinco membros originais: França, Alemanha, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo e Itália, os mesmos que estarão na origem do Mercado Comum Europeu, pelos tratados de Roma de 1957, estendendo a todos os demais setores econômicos o mesmo sentido de administração desnacionalizada da economia desses países.

No meio do caminho entre o Benelux, a CECA e o MCE ocorre a negociação do Gatt, o primeiro passo, comercial, de um tripé que tinha começado em Bretton Woods, em 1944, pelo lado monetário e financeiro: o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, de 1947, representava uma preparação geral para a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, entre 1947 e 1948, da qual deveria resultar uma Organização Internacional de Comércio, fechando o trio da ordem econômica contemporânea com o FMI e o Banco Mundial. A primeira OIC foi efetivamente aprovada pela Carta de Havana (março de 1948), mas nunca entrou em funcionamento, dada a prolixidade de seu arcabouço jurídico; em seu lugar o Gatt como simples acordo geral, ficou provisoriamente vigente durante meio século. Pelo seu artigo 24, o Gatt abre uma exceção a alguns dos seus princípios fundamentais de não discriminação e de tratamento de nação mais favorecida, para permitir a formação de zonas de livre comércio e de uniões aduaneiras, sob determinadas condicionalidades: substancialmente todo o comércio, implementação em prazo definido, sem aumento dos níveis de proteção anteriormente vigentes. Mas cabe observar que o Benelux, base desse artigo do Gatt, ainda era regido pelo esquema intergovernamental, sem o salto registrado na CECA e no MCE para o Direito comunitário; nenhuma outra iniciativa nessa vertente foi registrada desde então.

Ocorreram muitas inovações estruturais e políticas no processo de integração europeu, nessa etapa, uma das quais foi a decisão de se adotar uma moeda única para os intercâmbios entre os seis países membros originais. Já se estava no regime do padrão ouro definido em Bretton Woods, num sistema de paridades estáveis, mas flexíveis. Em 1970, a então Comunidade Econômica Europeia decide adotar um projeto de moeda única, a ser introduzida em 1975; no intervalo, entre 1971 e 1973, ocorreu a famosa ruptura, determinada pela decisão unilateral dos Estados Unidos, de cessar a garantia de conversão em ouro dos dólares em posse dos demais países, com o que o regime de estabilidade cambial é abandonado em favor da liberdade de cada país determinar o seu alinhamento a qualquer outro padrão, passado a predominar a flutuação cambial, sem jurisdição do FMI nesse particular.

A Europa ocidental, a região mais avançada em experimentos integracionistas, percorreu mais três décadas de construção institucional, até se chegar à finalização do mercado único, entre 1986 e 1992, quando então se assina o famoso Tratado de Maastricht, com o qual a CEE se transforma em União Europeia, já prevendo um novo sistema monetário. Este passou por diversas etapas preliminares e preparatórias, como a independência dos bancos centrais (1995), a criação de um Instituto Monetário Europeu, com sede em Frankfurt, o alinhamento das paridades cambiais, em 1999, a adoção de uma série de critérios orçamentários e fiscais entre os países candidatos ao abandono da soberania em matéria de moeda nacional – as regras de Maastricht, sobre dívida e déficit públicos –, o que foi feito entre 1999 e 2001. Em 2002, o euro começou a circular entre menos de uma dezena de países, sendo inclusive adotado por países ainda candidatos, acolhendo atualmente 20 membros da Euroland. A despeito de representar um bloco econômico e comercial da maior grandeza no mundo, o euro ainda não se disseminou entre todos os membros da UE, e não conseguiu deslocar o dólar de sua posição preeminente nos intercâmbios e reservas internacionais.

Outros experimentos de integração mais avançada caminharam muito lentamente ao redor do mundo, sendo que atualmente, a quase totalidade os acordos de liberalização comercial existentes são, na verdade, de livre comércio, sendo que a OMC registra 355 deles em funcionamento. Nos tipos e modalidades mais avançados figuram iniciativas nos três continentes de países em desenvolvimento, na América Latina – esquemas superficiais do tipo da Aladi, ou mais profundos, como o Grupo Andino-CAN e o próprio Mercosul –, na África – onde existe a mais antiga união aduaneira do mundo, a da África meridional – e na Ásia Pacífico, onde a Asean pontificava sozinha nos últimos 60 anos, para ter a companhia, desde mais de 20 anos da Apec (mais um foro que organização), e recentemente de dois grandes acordos de livre comércio, o TPP (primeiro a 12, agora apenas a 11, com a saída dos EUA) e do RCEP, iniciativa da China e da Asean, que figura em vários outros acordos.

A América do Latina encontra-se hoje mais fragmentada do que em qualquer época anterior, e não se deve confundir simples mecanismos de consulta e coordenação de políticas, como Unasul ou Celac, com experimentos integracionistas, nos quais são negociados firmes compromissos de liberalização comercial, em compatibilidade com o sistema multilateral de comércio regido até 1994 pelo Gatt, atualmente pela OMC (e seus diversos acordos pluri ou multilaterais). Não se pode dizer, por sinal, que a integração sul-americana tenha avançado; ao contrário, ela recuou, na prática, ainda que a retórica da integração tenha se disseminado em todos os países, mas com escassos resultados efetivos. Onde estão, por exemplo, os processos reais de desmantelamento de barreiras alfandegárias e de abertura econômica recíproca? Com exceção da Aliança do Pacífico, que é integrado por um país da América do Norte, o México, e que conformou mecanismos automáticos de abertura recíproca, todos os demais países recuaram nos processos de abertura econômica e de liberalização comercial, inclusive a Argentina e o Brasil, que continuam exibindo sinais preocupantes de que acordos de liberalização comercial só podem ser justificados se eles se conformam ao velho padrão mercantilista. Os dois países, com a ajuda da Venezuela chavista, implodiram o projeto americano de uma Área de Livre Comércio das Américas – assinado em 1994, desmantelado em 2005 –, e não conseguiram viabilizar, depois de mais de 20 anos, um acordo de associação com a União Europeia. 

O Brasil, como maior economia da região, e a mais avançada industrialmente, poderia ser o livre-cambista universal, ou seja, o país que se abre unilateralmente aos demais, sem exigir contrapartida imediata. Com isso, ele estaria conformando um amplo espaço econômico integrado na região, oferecendo seu grande mercado aos vizinhos, e amarrando investimentos estrangeiros, da região e fora dela, à sua própria economia. Por que ele não o faz? Não é por temer a concorrência das indústrias dos países vizinhos, se supõe, todas elas menos avançadas e menos competitivas, por disporem de menores economias de escala, do que as brasileiras. Ou talvez sim, talvez o Brasil tema a competição dos vizinhos por ter se tornado um país caro demais para os seus próprios consumidores. Se esta hipótese for a correta, os problemas estão aqui dentro, e os países vizinhos não podem ser considerados responsáveis por essa situação.

A integração é feita, justamente, para estimular a competição e os ganhos de bem-estar. Se os países decidem retornar ao mercantilismo, se está recuando no caminho da integração. Toda abertura é difícil, por colocar produtos e serviços em competição uns com os outros? É verdade, mas a integração, para responder ao seu verdadeiro nome, é feita desses gestos simples, corajosos, decididos e irrecorríveis. Qualquer ação contrária a isso significa que se está recuando da integração. Se o Brasil desejar ser a base da construção de um espaço econômico integrado na América do Sul, ele deveria começar dando o exemplo, abrindo-se unilateralmente aos demais.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4372: 24 abril 2023, 5 p.

 

sexta-feira, 28 de abril de 2023

O Brasil e a integração regional, da Alalc à Unasul: algum progresso? (2014) - Paulo Roberto de Almeida

 O Brasil e a integração regional, da Alalc à Unasul: algum progresso? (2014)

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata; professor no Centro Universitário de Brasília (Uniceub)

Respostas a questões sobre o Mercosul e a integração regional: Revista Sapientia (São Paulo: ano 3, vol. 18, junho-julho 2014, p. 31-36). Publicado em Mundorama (ISSN: 2175-2052, 11/06/2014).

 

 

Sistema multilateral de comércio e esquemas de integração: quão compatíveis?

O sistema multilateral de comércio contemporâneo, teoricamente administrado pela Organização Mundial de Comércio (OMC), convive, na prática, com dezenas, mais exatamente centenas de acordos bilaterais ou plurilaterais de comércio preferencial (estes bem mais numerosos), de zonas de livre comércio (relativamente comuns, atualmente), de uniões aduaneiras (poucas) ou de mercado comum (de fato apenas um, a União Europeia, embora vários outros pretendam sê-lo, sem de verdade conseguir). O Brasil participa, cronologicamente, de uma área de comércio preferencial – a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), criada em 1980 para substituir uma anterior tentativa frustrada de livre comércio, a Alalc, fundada em 1960 – e de uma “união aduaneira em implementação”, o Mercosul, criado em 1991 para tornar-se um mercado comum em quatro anos, mas que não conseguiu completar sua zona de livre comércio e que sequer conseguiu fazer funcionar de modo adequado os requerimentos básicos de sua união aduaneira, que seria a efetiva aplicação da Tarifa Externa Comum e uma atuação conjunta dos membros com sentido convergente em torno de uma política comercial uniforme. O Mercosul integra, teoricamente, a Aladi.

Muitos outros esquemas regionais ou sub-regionais de integração surgiram, sobreviveram ou estagnaram no curso do último meio século, entre os quais o Grupo Andino (1969), oportunamente convertido na Comunidade Andina de Nações (CAN). Ela pode ser, também teoricamente, considerada uma experiência de união aduaneira – na verdade, tentativamente de mercado comum – que tampouco realizou seus objetivos. Existem diversos acordos preferenciais ou de associação que vinculam o Brasil e o Mercosul a países da CAN, a começar por diferentes acordos de alcance parcial (AAPs), ou de complementação econômica (ACEs) contraídos no âmbito da Aladi, embora todos eles tenham um escopo menos ambicioso – pela cobertura aduaneira e pelo grau de liberalização tarifária – do que seria no caso da existência de um único acordo de livre comércio, plenamente operacional, entre os dois blocos de integração. 

Em todo caso, a intensidade de comércio entre o Brasil e o Mercosul e os demais países da CAN, enquanto grupo (menos efetivo) ou individualmente, é bem maior, devido a fatores de proximidade geográfica e de laços historicamente consolidados, do que os tênues laços existentes entre o Brasil, de um lado, e países da Comunidade dos Estados do Caribe (Caricom) ou do Sistema de Integração Centro-Americano (Sica), de outro. O Brasil não está presente nesses dois blocos, tanto por razões de distanciamento físico, da penúria de vínculos diretos de transporte, quanto da falta de tradição no estabelecimento de acordos comerciais, inclusive porque o funcionamento do Mercosul demandaria negociações conjuntas entre os dois blocos (e não é seguro de que se poderia contar com perfeita unanimidade de visões e intenções em cada um deles). 

A existência desses blocos, ou mesmo de acordos não perfeitamente funcionais, poderia, sempre teoricamente, ser positiva para o Brasil, para o Mercosul, e para o próprio sistema multilateral de comércio regido da OMC, desde que todos eles fossem guiados pelo espírito do chamado “regionalismo aberto”, ou seja, de acordos de tipo preferencial mas que ainda assim preservem os princípios básicos dos entendimentos relativos às zonas de livre comércio ou união aduaneiras consagrados nos textos fundacionais (Artigo 24 do Gatt-1947), nos entendimentos posteriores (Parte IV do Gatt, de 1964, cláusula de habilitação da Rodada Tóquio, de 1979) e no memorando de entendimento sobre o Artigo 24 resultante da Rodada Uruguai (de 1993). Cabe, de fato, a expressão teoricamente, uma vez que muitos desses acordos, mesmo os simples esquemas de comércio preferencial podem ser discriminatórios em relação a terceiras partes, ou seja, países e territórios aduaneiros não membros. 

A tensão inerente aos princípios potencialmente liberais do sistema multilateral de comércio e a seus próprios dispositivos de exceção (artigo 24 e subsequentes), que permitem fazer discriminação contra os não membros de acordos preferenciais, está presente desde o início do Gatt, e de fato, historicamente, desde os primeiros acordos consagrando versões limitadas da velha cláusula de nação mais favorecida. Com o surgimento do Gatt, e a versão ilimitada e incondicional de nação mais favorecida, diminuíram as chances de tratamentos especialmente discriminatórios, mas não resta dúvida de que a possibilidade permanece, senão sobre a base de princípios e regras consolidados nos instrumentos existentes, pelo menos na prática, dada a existência de dispositivos especiais que abrem espaço algum tipo de discriminação comercial. 

 

Em que medida os esquemas sub-regionais de integração afetam o Brasil?

O Brasil, ou o Mercosul, não é tão afetado pela existência de acordos como os do Caricom, do Sica ou da CAN, quanto pela existência em paralelo de acordos bilaterais ou plurilaterais que estes blocos, ou seus países individualmente, possam ter contraído ou manter com parceiros mais poderosos, como os Estados Unidos e a União Europeia. O comércio interno aos blocos regionais pode ser, ou não, importante em termos de volume, o que depende mais do grau de complementaridade entre as economias nacionais do que propriamente dos acordos formais existentes: esquemas de livre comércio bilaterais (mantidos com aqueles dois grandes parceiros) ou plurilaterais (como o Nafta, por exemplo) conseguem ser mais abrangentes do que os esquemas puramente intrarregionais. 

Com efeito, o comércio recíproco entre os países membros desses blocos não é provavelmente tão importante – com algumas exceções – quanto os intercâmbios, regulados ou não por algum acordo comercial, mantidos com parceiros mais poderosos. Todos esses países, ou quase todos – no caso do Caricom, todos eles; nos casos do Sica e da CAN, existem exclusões – mantém acordos preferenciais, de associação ou de livre comércio com os Estados Unidos e com a União Europeia, com dispositivos especiais e profundidades diversas em cada um deles. Existe, assim, um mosaico de situações que pode tanto facilitar quanto dificultar o acesso de terceiras partes a seus mercados respectivos, tanto quanto os fluxos de comércio mantidos ao exterior desses acordos podem ser afetados por algumas das preferências trocadas entre os primeiros. 

Tanto é assim que empresas brasileiras procuraram contornar a não existência de acordos diretos com esses grandes mercados – o que foi provocado, por exemplo, pela implosão deliberada das negociações do projeto da Alca, proposto pelos Estados Unidos, pela ação conjunta dos governos Lula, Kirchner e Chávez – mediante sua implantação física no território de alguns desses países, no Caribe ou na América Central, para a partir daí poder vender ao mercado dos Estados Unidos produtos já beneficiados com acesso preferencial. As políticas comerciais protecionistas ou defensivas adotadas por Brasil e Argentina (e por extensão pelo Mercosul) fazem mais mal ao comércio exterior brasileiro do que a existência desses blocos preferenciais.

Criação e desvio de comércio são dois velhos fenômenos vinculados aos esquemas regionais de integração, plenamente identificados desde antes da existência do Gatt por estudiosos como Jacob Viner, que estudou o potencial discriminatório suscetível de ser produzido pelos blocos comerciais com base nos acordos pioneiros efetuados na Europa ou pela Comunidade Britânica de nações (por meio da Imperial Preference adotada na conferência de Ottawa de 1932, por exemplo). O Mercosul já foi acusado de provocar mais desvio do que criação de comércio, mas atualmente parece ser bem mais afetado pelo segundo processo, uma vez que não conseguiu efetivar praticamente nenhum acordo comercial significativo com outros blocos ou países desde que foi teoricamente consolidado como união aduaneira. A relutância da Argentina, e do próprio Brasil, em abrir-se em esquemas mais profundos de liberalização comercial explica essa frustração, o que tem preocupado a comunidade empresarial brasileira, ciente das perdas implícitas a qualquer isolamento das grandes correntes de comércio.

 

Existe superposição de funções entre os diversos esquemas de integração?

Dos três esquemas aos quais o Brasil está associado atualmente, a Aladi, o Mercosul e a Unasul, é praticamente inevitável alguma superposição de funções, entre eles. Mas os três órgãos não podem ser colocados no mesmo plano institucional e, sobretudo, não possuem os mesmos papeis, sequer funções similares, no quadro dos órgãos de integração regional da América Latina. O fato de haver temas comuns não significa que eles tenham surgido com os mesmos objetivos ou se destinam a preencher funções similares, ou semelhantes, a não ser pela designação genérica, em alguns casos equivocada, de “integração”. Essa aparente unidade conceitual em torno do objetivo da integração regional – no caso do Mercosul sub-regional – não pode descurar a realidade de que eles são muito diferentes, e possivelmente vão continuar existindo em paralelo, com alguma superposição de funções, mas não vão se fundir, não vão desaparecer, e tampouco coordenar-se para uma cooperação ideal visando alcançar objetivos semelhantes. Vejamos por que é assim.

A Aladi é o mais antigo de todos: ela tem origem na frustrada Alalc (1960), que procurou criar uma zona de livre comércio na América Latina sem que os países estivessem de verdade preparados para atender todos os compromissos do mandato original e sem, provavelmente, possuir a intenção real de cumprir as etapas e condições requeridas para o atingimento do objetivo final. Ela foi, assim, substituída, pela Aladi que, a despeito do nome mais ambicioso, representou de fato um recuo em relação ao livre comércio, para aspirar tão somente a acordos preferenciais de comércio de alcance parcial e limitado (em consonância com as novas disposições da chamada “cláusula de habilitação”, pela qual partes contratantes ao Gatt menos desenvolvidas estavam autorizadas a contrair entre si acordos preferenciais sem infringir disposições do Artigo 24 do Gatt original). Em outros termos, a Aladi possui objetivos bem delimitados que, mesmo considerando as metas de longo prazo de um espaço ampliado de liberalização comercial, dificilmente transformará a região numa área de livre comércio efetiva. Os países a utilizam – talvez fosse o caso de dizer as empresas, em especial as multinacionais – para objetivos delimitados de acessos recíprocos em setores definidos, de acordo com estratégias de alocação ótima de investimentos e de divisão de mercados, de acordo com um planejamento de tipo microeconômico. 

O Mercosul, por sua vez, nasceu de uma percepção de que os dois grandes parceiros do Cone Sul não poderiam ficar indiferentes à onda de acordos minilaterais que estavam sendo negociados a partir dos anos 1980, quando o sistema multilateral de comércio perdeu o grande impulso liberalizador do imediato pós-Segunda Guerra. Naquela época, a então Comunidade Econômica Europeia estava concretizando seu projeto de mercado unificado, com a ameaça de converter-se em uma fortaleza comerciais, ao passo que os Estados Unidos e o Canadá negociavam uma extensão geral do seu acordo de livre comércio automotivo dos anos 1960, no sentido de estabelecer uma zona de livre comércio, abrangendo temas e objetivos não cobertos, então, pelos dispositivos relativamente limitados do Gatt-1947 e alguns dos protocolos setoriais. 

O Mercosul avançou relativamente bem nos primeiros anos, mas logo deparou-se com tarefas mais exigentes em liberalização e, sobretudo, em coordenação das políticas econômicas e setoriais dos países membros, com o que diminuiu o ímpeto original de caminhar rapidamente para um mercado comum. A bem da verdade, nem o livre comércio tornou-se efetivamente universal, nem a Tarifa Externa Comum foi implementada de maneira uniforme e abrangente para cobrir toda a pauta aduaneira comum dos países membros. Exceções nacionais persistiram nos dois âmbitos, e dinâmicas diferenciadas de estabilização econômica nos dois grandes países fizeram com a coordenação de políticas macroeconômicas – em especial a cambial, mas também a fiscal e a monetária – fosse impossível de ser realizada na prática, a despeito de solenes proclamações em contrário. No meio do caminho, o Mercosul enfrentou alguns percalços, mas poderia ter continuado a avançar, se não fossem orientações totalmente contrárias ao espírito original do Tratado de Assunção, que passaram a guiar as ações desses dois países, a partir das administrações de Lula no Brasil e de Kirchner na Argentina, ambas inauguradas em 2003. Desde então, o Mercosul só fez recuar no plano do comércio e da abertura econômica, ainda que criando novos dispositivos de caráter político e social, que não estavam contemplados no tratado original, a não ser de modo muito vago e indireto. 

A Unasul, finalmente, a despeito de uma retórica ainda mais ambiciosa quanto aos objetivos da integração na América do Sul, não pretende (de fato não poderá) realizar esse objetivo, a não ser de forma totalmente vaga e sem dispor de qualquer meta precisa quanto aos meios e instrumentos pelos quais esse objetivo poderia ser alcançado. A Unasul deriva de uma iniciativa do governo Lula no sentido de criar uma espécie de “linha auxiliar” para o Mercosul, no terreno político e da coordenação dos países sul-americanos, podendo também servir de cobertura para projetos de integração física na região, sem precisar retomar a Iniciativa de Integração Sul-Americana que tinha sido iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso, e sem precisar abrigar os objetivos mais comercialmente abrangentes com os quais o México já estava comprometido no âmbito dos seus outros compromissos de livre comércio na América do Norte e alhures. A estratégia brasileira não resultou totalmente satisfatória, uma vez que o projeto original – a Comunidade Sul-Americana de Nações – foi, ainda na fase constitutiva, parcialmente sabotado por outros países sul-americanos e, pouco depois, deliberadamente desviado de seu curso inicial pelo caudilho venezuelano Hugo Chávez, que fez aprovar o tratado da Unasul na Isla Margarita, em 2008, e colocou o seu secretariado na capital de um aliado, o Equador de Rafael Correa. 

Do ponto de vista prático, não há nenhuma possibilidade de que a Unasul realize a integração econômica sul-americana, inclusive porque ela serve apenas de tribuna retórica para os presidentes da região, e vem sendo utilizada, e abusada, de forma totalmente enviesada pelos chamados países bolivarianos, que se servem de uma suspeita legitimidade para justamente legitimar uma erosão sensível dos princípios democráticos em seus próprios países. Suas reuniões têm sido consistentemente políticas, e apenas políticas, sem qualquer conteúdo visível de liberalização comercial, e muito menos de abertura econômica, inclusive porque os ditos bolivarianos operam um retrocesso notável para fases ultrapassadas da história econômica latino-americana, ao promoverem exercícios controversos de nacionalismo econômico, de intervencionismo estatal, de dirigismo comercial introvertido e defensivo, ademais de todas as demais ofensas contra direitos proprietários e o desrespeito a normas contratuais, inclusive no que respeita a proteção do investimentos estrangeiros (ações de que o próprio Brasil foi vítima, na Bolívia, por exemplo). 

Em resumo, a Aladi vai permanecer como um cartório de registro de acordos parciais e limitados de abertura mercantilista na área comercial, o Mercosul continuará como uma tribuna mais política do que efetivamente econômica pelos tempos que correm, e a Unasul seguirá sendo utilizada para outros objetivos políticos, e manipulada por países que pouco compromisso mantêm com um projeto realista e ordenado de integração econômica ou comercial. Não estranha que a região esteja sendo fragmentada em blocos diversos, e que a Aliança do Pacífico tenha sido criada por quatro países – Chile, Peru, Colômbia e México – bem mais voltados para objetivos pragmáticos de natureza econômica do que para a retórica gasta de uma integração ilusória. 

 

O Mercosul está condenado ao desaparecimento ou poderá sobreviver?

Nunca ocorreu, a propriamente dizer, a realização dos objetivos estatutários do Mercosul, a despeito de alguns visualizarem uma “época áurea” nos primeiros nove anos de existência do bloco. Antes de 2003, ou mais exatamente antes de 1999, os países membros pareciam sinceramente comprometidos em alcançar os objetivos originais, procurando resolver as diferenças quanto aos ritmos da integração por meio de projetos concretos para superar as dificuldades, envidando esforços reais para continuar a liberalização do comércio recíproco e realizar a coordenação tentativa de suas políticas econômicas nacionais. 

A partir da crise cambial de 1999 no Brasil, e do aprofundamento da crise do regime de conversibilidade na Argentina, na mesma época, as divergências quanto às medidas a serem adotadas, nacionalmente ou de modo coordenado no bloco, foram aprofundadas. As administrações seguintes, de Lula no Brasil, e de Nestor Kirchner na Argentina, se desvincularam de modo claro dos objetivos originais do Mercosul, para impulsionar em seu lugar agendas políticas de reduzido, ou praticamente nenhum, conteúdo econômico ou comercial. Não cabe, no entanto, nenhuma culpa ao Mercosul, enquanto bloco, nem pelo lado institucional, nem pelo seu funcionamento, uma vez que a responsabilidade pelos fracassos e retrocessos continuados incumbe inteiramente aos países membros, em especial aos dois maiores. 

Da mesma forma, não se pode atribuir à diplomacia profissional brasileira qualquer responsabilidade pelas turbulências surgidas nos últimos dez anos, uma vez que as principais decisões quanto ao curso adotado pelo Mercosul foram todas tomadas no âmbito do poder executivo, ou seja, em nível presidencial. A orientação seguida pela diplomacia presidencial foi a de tentar fazer do Mercosul um instrumento a serviço de uma pretensa vontade de liderança brasileira na região, que jamais foi impulsionada pela diplomacia profissional, pelo fato desta conhecer exatamente os limites desse tipo de exercício numa região fragmentada por visões divergentes sobre sua união política. 

O Mercosul sempre foi, desde a origem, um projeto prioritário da diplomacia profissional e das políticas presidenciais no âmbito externo, mas essas percepções podem ter variado tanto em função da dinâmica econômica em curso no Brasil e nos demais países, quanto em função de objetivos políticos dos diversos presidentes ao longo do tempo. Pode-se dizer que José Sarney e Fernando Henrique Cardoso tinham uma noção pragmática da integração sub-regional, de seus limites e possibilidades, ao passo que Lula esteve animado por objetivos que poucas relações mantinham com os objetivos originais do bloco, em especial sem conexões mais afirmadas com a abertura econômica e a liberalização comercial. 

O objetivo de um espaço econômico integrado no Cone Sul, e progressivamente na América do Sul, é de fato prioritário, não apenas para a diplomacia brasileira, mas sobretudo para o Brasil, enquanto economia e na condição de um ator regional de certa importância geopolítica. Os governos Sarney e FHC procuraram, de modo bastante engajado, impulsionar o bloco pela vertente de seus objetivos originais, mas a partir do governo Lula pode-se dizer que o Mercosul passou a ser utilizado para cumprir finalidades que tinham poucas relações com suas metas econômicas e comerciais. Mas, mesmo esses objetivos não foram satisfatoriamente cumpridos, uma vez que a Argentina, a partir do governo Kirchner, desvinculou-se completamente do espírito do bloco para impulsionar seus próprios projetos de “reindustrialização” do país.

Desde 2003, de modo sistemático, a Argentina adotou uma postura abertamente protecionista, inclusive e principalmente contra os demais membros do Mercosul, o Brasil em especial, cujo governo tolerou, e de certa forma foi conivente, com as medidas ilegais, arbitrárias e totalmente contrárias ao espírito e à letra do tratado de Assunção, e até contra normas do sistema multilateral de comércio. Em consequência, o comércio intra-Mercosul recuou, tanto para dentro, quanto no que se refere a processos de negociações comerciais com terceiras partes, no âmbito multilateral e na interface inter-regional (com a UE, entre outros). 

Mais uma vez, não existe nada de errado com o Mercosul em si, mas ele não conseguirá recuperar seu perfil e objetivos originais a menos de uma mudança radical na postura dos seus membros principais. A mudança, na verdade, teria de ser um retorno ao mandato comercial e econômico inscrito no tratado de Assunção, sem mais desvios indevidos pelas áreas política ou pretensamente social. A diplomacia brasileira, pelo seu staff profissional, tem plena consciência de que o bloco foi desviado de suas metas originais, mas a responsabilidade por essa situação incumbe inteiramente às lideranças presidenciais. 

 

O Mercosul pode servir para a integração do Brasil a cadeias produtivas globais?

Teoricamente sim, mas qualquer esquema de integração tem de guardar estreita correspondência com as demais políticas setoriais dos países membros, no sentido de fazê-los aproveitar as economias de escala e as possibilidades de modernização tecnológica e produtiva que normalmente estão associadas às ações em favor da integração, com vistas a realizar o objetivo econômico maior da inserção global. A orientação em favor da integração regional, estrito senso, pode ajudar na coordenação de políticas comuns nas organizações multilaterais, tanto quanto na atração conjunta de investimentos externos, passos essenciais para a inserção produtiva de amplo escopo. 

No caso do Mercosul, a articulação de votos nos organismos internacionais só tem valido, no que tange a integração, em relação a temas comerciais e econômicos estritamente vinculados aos objetivos listados no tratado de Assunção, e não para outros objetivos políticos que não respondem ao mandato original. Na prática, o desvio dos objetivos originais do Mercosul afastou o Brasil, e o resto da região, do atingimento dessas finalidades vinculadas a cadeias produtivas e inserção nas cadeias globais da economia mundial. Em outros termos, o Mercosul deixou de ser visto, pelos grandes investidores globais, como uma entidade homogênea, dotada de políticas comuns.

Nos últimos dez anos, a integração na América Latina de fato recuou, o que explica que alguns países decidiram optar por outros esquemas, mais flexíveis, de integração, e avançar no terreno da liberalização comercial, inclusive com objetivos globalizantes. Este é o caso, justamente, da Aliança do Pacífico, menos voltada para o comércio recíproco do que para sua inserção nos grandes arranjos que estão ocorrendo no âmbito da bacia do Pacífico. No caso do Mercosul, ocorreu certa desvinculação da concepção original, o que explica manifestações do empresariado brasileiro em favor de uma caminhada novamente solitária na região e fora dela. 

Assim, a despeito dos erros de políticas econômicas, da introversão econômica e do protecionismo comercial, cometidos pelos dois grandes países do bloco, as empresas brasileiras continuaram seu movimento de expansão na região, pois tais movimentos correspondem a necessidades objetivas de sua capacidade de projeção competitiva, podendo contar inclusive com o apoio de alguns órgãos governamentais – como o BNDES – para financiar iniciativas mais ambiciosas. Mas, essas iniciativas podem ser erráticas e descontinuadas, o que explica algum recuo na penetração comercial dos vizinhos pelas empresas nacionais. Na prática, são os Estados Unidos e a China que estão ganhando novos espaços na região – em função de acordos comerciais, ou de ganhos significativos com a exportação de produtos primários para o gigante asiático – em detrimento do Brasil e do Mercosul. 

Se o Mercosul estivesse de verdade unido em torno de objetivos comuns as posições dos países estariam alinhadas nas negociações multilaterais da Rodada Doha ou no longuíssimo processo negociador com a União Europeia, o que não ocorre de fato. Para que os objetivos teóricos de um processo de integração sejam plenamente realizados, seria preciso que as políticas econômicas dos membros, em especial as políticas comerciais e industriais, ademais da coordenação macroeconômica entre eles, correspondam aos ideais da abertura econômica e da liberalização comercial. Não parecer ser o caso atualmente, o que não quer dizer que tal situação não possa mudar. Para isso, seria provavelmente necessária a assunção de lideranças políticas com perfil de estadistas nos principais países membros. Não precisaria ser uma condição sine qua, se o processo de construção do Mercosul fosse mais institucionalizado e conduzido de maneira burocrática pelas diplomacias nacionais, mas o fato é que o curso do bloco tem sido mais determinado pelo que decidem politicamente seus presidentes do que comanda a agenda econômica dos tratados firmados pelos Estados membros.

O Mercosul não vai deixar de existir, mas sua relevância política e sua importância econômica para os países membros, para o Brasil em particular, tem diminuído, de maneira provavelmente proporcional, no sentido inverso, à expansão do protecionismo comercial e do intervencionismo econômico nos grandes sócios do bloco. Não é seguro que ele volte a se recuperar plenamente de seu atual estado letárgico, mas a superação da situação atual vai exigir algo mais do que discursos vazios em favor da integração, e ações concretas para se retomar o curso original do processo. 

 

Paulo Roberto de Almeida [Hartford, 18/05/2014]