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domingo, 7 de maio de 2023

Integração regional: uma perspectiva histórica e tipológica - Paulo Roberto de Almeida

 Integração regional: uma perspectiva histórica e tipológica 


Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

Abordar o tema da integração regional requer em primeiro lugar definir a perspectiva da qual se pretende falar, tantos são os tipos de abordagens possíveis. Sem adentrar nos fundamentos teóricos ou econômicos desse processo de cooperação econômica entre Estados soberanos, pode-se limitar o estudo a uma visão empírica dos experimentos existentes, que não nascem ou surgem a partir do nada, mas sim costumam resultar de interações pré-existentes entre economias contíguas ou parceiras, as quais encontram um terreno favoráveis aos objetivos reciprocamente consensuados em torno de decisões de abertura econômica e de liberalização comercial bilateral ou plurilateral. Pois bem, de um ponto de vista empíricos, quando se fala em integração regional, quais são os exemplos mais conhecidos, dentre os experimentos sustentados, persistentes e mais ou menos bem-sucedidos?

A União Europeia é, obviamente o exemplo mais reconhecido e admirado, mas também o Mercosul, na perspectiva brasileira, por seus evidentes impactos diretos na atividade econômica dos principais agentes produtivos e comerciais existentes, com reflexos em outras áreas nacionais: na cultura, na educação, nos esportes e nas artes, dentre outras esferas de interesse popular. Poucos se referem à Asean, uma associação que evoluiu da cooperação política para esquemas flexíveis de integração econômica, ademais da SACU, a Southern African Customs Union, possivelmente a mais antiga das estruturas aduaneiras, mas que assumiu diferentes geografias ao longo do último século, e com a qual o Mercosul possui um acordo de liberalização tarifária. Existem outros blocos igualmente, aqui mesmo no continente sul-americano, como o Grupo Andino, anterior ao Mercosul, e rebatizado como Comunidade Andina de Nações um quarto de século atrás. Mais recentemente surgiu a Aliança do Pacífico – México, Colômbia, Peru e Chile –, bem mais voltado para a cooperação na área da Ásia Pacífico do que propriamente para aumentar o livre comércio entre eles, e que já completou 12 anos. E ainda tem mais esquemas de integração, alguns de grande impacto regional e mundial, como o TPP e o RCEP, que são mais recentes, embora poucos saibam o significado dessas siglas. 

Mas todos esses blocos, ou agrupamentos de integração regional – que é o denominador comum a todos eles –, são muito diferentes entre si, não só em suas respectivas composições geográficas, mas sobretudo em sua natureza, estrutura, propósitos e estado evolutivo de acabamento. Assim, para facilitar a compreensão sobre os diversos tipos de integração regional, caberia colocar numa simples tabela linear os exemplos concretos dos blocos mais conhecidos, historicamente e atualmente, segundo o seu grau de aprofundamento respectivo, indo das mais simples formas de associação até os mais completos e profundos experimentos de integração, como pode ser verificado nesta representação visual:

https://www.academia.edu/100701630/Acordos_regionais_e_esquemas_de_integracao_diferentes_tipos_e_medidas_correlatas_2023_

Entretanto, ademais da tipologia dos modos de integração, segundo os instrumentos e os graus de aprofundamento registrados, cabe estabelecer uma importante distinção a ser observada no plano jurídico, ou do Direito da integração. A diferença se conecta diretamente ao modo pelo qual os países membros vão regular as relações recíprocas no processo de integração, seja pelo Direito Internacional, isto é, pela via de uma estrutura intergovernamental, seja pelo Direito Comunitário, que supõe um maior grau de cessão de soberania estatal, ou delegação de poderes a um ente independente. É o que distingue, um processo mais elementar como o Mercosul, ou um outro mais sofisticado, como é o da União Europeia e suas instituições supranacionais. Trata-se, mais especificamente, de uma longa trajetória histórica na evolução europeia das políticas comerciais, que assumiu diferentes formas e geografias ao longo de mais de dois séculos, possuindo correlações com diversos outros experimentos em diferentes continentes, como pode ser resumido a seguir.

A história da integração contemporânea começa no Zollverein prussiano de 1834, unindo dezenas de estados alemães numa união alfandegária comum, passa pela união monetária entre o Luxemburgo e a Bélgica em 1922 – na verdade o pequeno principado decide adotar o franco belga como sua moeda nacional –, base de uma união monetária que chega ao Benelux, entre 1944-1948, depois de uma tentativa de união comercial com os Países Baixos em 1932. Mas, a evolução conceitual mais decisiva se dá quando França e Alemanha encerram séculos de hostilidades e decidem colocar em comum os meios de uma nova guerra, por meio do tratado de Paris, de 1951, colocando sob o domínio de uma Alta Autoridade seus recursos em carvão e aço. A Comunidade do Carvão e do Aço (CECA) é o primeiro exemplo contemporâneo de Direito comunitário: ela começa a funcionar em 1952 e passa a administrar toda a produção e comercialização siderúrgica entre seus cinco membros originais: França, Alemanha, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo e Itália, os mesmos que estarão na origem do Mercado Comum Europeu, pelos tratados de Roma de 1957, estendendo a todos os demais setores econômicos o mesmo sentido de administração desnacionalizada da economia desses países.

No meio do caminho entre o Benelux, a CECA e o MCE ocorre a negociação do Gatt, o primeiro passo, comercial, de um tripé que tinha começado em Bretton Woods, em 1944, pelo lado monetário e financeiro: o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, de 1947, representava uma preparação geral para a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, entre 1947 e 1948, da qual deveria resultar uma Organização Internacional de Comércio, fechando o trio da ordem econômica contemporânea com o FMI e o Banco Mundial. A primeira OIC foi efetivamente aprovada pela Carta de Havana (março de 1948), mas nunca entrou em funcionamento, dada a prolixidade de seu arcabouço jurídico; em seu lugar o Gatt como simples acordo geral, ficou provisoriamente vigente durante meio século. Pelo seu artigo 24, o Gatt abre uma exceção a alguns dos seus princípios fundamentais de não discriminação e de tratamento de nação mais favorecida, para permitir a formação de zonas de livre comércio e de uniões aduaneiras, sob determinadas condicionalidades: substancialmente todo o comércio, implementação em prazo definido, sem aumento dos níveis de proteção anteriormente vigentes. Mas cabe observar que o Benelux, base desse artigo do Gatt, ainda era regido pelo esquema intergovernamental, sem o salto registrado na CECA e no MCE para o Direito comunitário; nenhuma outra iniciativa nessa vertente foi registrada desde então.

Ocorreram muitas inovações estruturais e políticas no processo de integração europeu, nessa etapa, uma das quais foi a decisão de se adotar uma moeda única para os intercâmbios entre os seis países membros originais. Já se estava no regime do padrão ouro definido em Bretton Woods, num sistema de paridades estáveis, mas flexíveis. Em 1970, a então Comunidade Econômica Europeia decide adotar um projeto de moeda única, a ser introduzida em 1975; no intervalo, entre 1971 e 1973, ocorreu a famosa ruptura, determinada pela decisão unilateral dos Estados Unidos, de cessar a garantia de conversão em ouro dos dólares em posse dos demais países, com o que o regime de estabilidade cambial é abandonado em favor da liberdade de cada país determinar o seu alinhamento a qualquer outro padrão, passado a predominar a flutuação cambial, sem jurisdição do FMI nesse particular.

A Europa ocidental, a região mais avançada em experimentos integracionistas, percorreu mais três décadas de construção institucional, até se chegar à finalização do mercado único, entre 1986 e 1992, quando então se assina o famoso Tratado de Maastricht, com o qual a CEE se transforma em União Europeia, já prevendo um novo sistema monetário. Este passou por diversas etapas preliminares e preparatórias, como a independência dos bancos centrais (1995), a criação de um Instituto Monetário Europeu, com sede em Frankfurt, o alinhamento das paridades cambiais, em 1999, a adoção de uma série de critérios orçamentários e fiscais entre os países candidatos ao abandono da soberania em matéria de moeda nacional – as regras de Maastricht, sobre dívida e déficit públicos –, o que foi feito entre 1999 e 2001. Em 2002, o euro começou a circular entre menos de uma dezena de países, sendo inclusive adotado por países ainda candidatos, acolhendo atualmente 20 membros da Euroland. A despeito de representar um bloco econômico e comercial da maior grandeza no mundo, o euro ainda não se disseminou entre todos os membros da UE, e não conseguiu deslocar o dólar de sua posição preeminente nos intercâmbios e reservas internacionais.

Outros experimentos de integração mais avançada caminharam muito lentamente ao redor do mundo, sendo que atualmente, a quase totalidade os acordos de liberalização comercial existentes são, na verdade, de livre comércio, sendo que a OMC registra 355 deles em funcionamento. Nos tipos e modalidades mais avançados figuram iniciativas nos três continentes de países em desenvolvimento, na América Latina – esquemas superficiais do tipo da Aladi, ou mais profundos, como o Grupo Andino-CAN e o próprio Mercosul –, na África – onde existe a mais antiga união aduaneira do mundo, a da África meridional – e na Ásia Pacífico, onde a Asean pontificava sozinha nos últimos 60 anos, para ter a companhia, desde mais de 20 anos da Apec (mais um foro que organização), e recentemente de dois grandes acordos de livre comércio, o TPP (primeiro a 12, agora apenas a 11, com a saída dos EUA) e do RCEP, iniciativa da China e da Asean, que figura em vários outros acordos.

A América do Latina encontra-se hoje mais fragmentada do que em qualquer época anterior, e não se deve confundir simples mecanismos de consulta e coordenação de políticas, como Unasul ou Celac, com experimentos integracionistas, nos quais são negociados firmes compromissos de liberalização comercial, em compatibilidade com o sistema multilateral de comércio regido até 1994 pelo Gatt, atualmente pela OMC (e seus diversos acordos pluri ou multilaterais). Não se pode dizer, por sinal, que a integração sul-americana tenha avançado; ao contrário, ela recuou, na prática, ainda que a retórica da integração tenha se disseminado em todos os países, mas com escassos resultados efetivos. Onde estão, por exemplo, os processos reais de desmantelamento de barreiras alfandegárias e de abertura econômica recíproca? Com exceção da Aliança do Pacífico, que é integrado por um país da América do Norte, o México, e que conformou mecanismos automáticos de abertura recíproca, todos os demais países recuaram nos processos de abertura econômica e de liberalização comercial, inclusive a Argentina e o Brasil, que continuam exibindo sinais preocupantes de que acordos de liberalização comercial só podem ser justificados se eles se conformam ao velho padrão mercantilista. Os dois países, com a ajuda da Venezuela chavista, implodiram o projeto americano de uma Área de Livre Comércio das Américas – assinado em 1994, desmantelado em 2005 –, e não conseguiram viabilizar, depois de mais de 20 anos, um acordo de associação com a União Europeia. 

O Brasil, como maior economia da região, e a mais avançada industrialmente, poderia ser o livre-cambista universal, ou seja, o país que se abre unilateralmente aos demais, sem exigir contrapartida imediata. Com isso, ele estaria conformando um amplo espaço econômico integrado na região, oferecendo seu grande mercado aos vizinhos, e amarrando investimentos estrangeiros, da região e fora dela, à sua própria economia. Por que ele não o faz? Não é por temer a concorrência das indústrias dos países vizinhos, se supõe, todas elas menos avançadas e menos competitivas, por disporem de menores economias de escala, do que as brasileiras. Ou talvez sim, talvez o Brasil tema a competição dos vizinhos por ter se tornado um país caro demais para os seus próprios consumidores. Se esta hipótese for a correta, os problemas estão aqui dentro, e os países vizinhos não podem ser considerados responsáveis por essa situação.

A integração é feita, justamente, para estimular a competição e os ganhos de bem-estar. Se os países decidem retornar ao mercantilismo, se está recuando no caminho da integração. Toda abertura é difícil, por colocar produtos e serviços em competição uns com os outros? É verdade, mas a integração, para responder ao seu verdadeiro nome, é feita desses gestos simples, corajosos, decididos e irrecorríveis. Qualquer ação contrária a isso significa que se está recuando da integração. Se o Brasil desejar ser a base da construção de um espaço econômico integrado na América do Sul, ele deveria começar dando o exemplo, abrindo-se unilateralmente aos demais.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4372: 24 abril 2023, 5 p.