Temas relevantes da política externa brasileira e de sua diplomacia
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota sobre o aperfeiçoamento de algumas áreas da diplomacia brasileira.
A diplomacia brasileira adquiriu credibilidade, ao longo de décadas, graças à concepção, formulação e implementação de uma política externa equilibrada, judiciosa, baseada no Direito Internacional e nos grandes princípios estabelecidos na Carta da ONU, inclusive em certas contribuições oferecidas pelos próprios representantes diplomáticos do Brasil à frente do Itamaraty – como o Barão do Rio Branco – ou por ocasião de encontros e conferências internacionais, como Rui Barbosa, San Tiago Dantas e outros. Na terceira década do século XXI, ela tem diante de si algumas questões relevantes para a afirmação da presença do Brasil nos foros e na agenda multilateral, além das questões ambientais e de desenvolvimento dos países mais pobres, mas que tocam, agora de forma crucial, em temas de paz e de segurança internacionais.
Vou relacionar e comentar, sinteticamente, nos itens a seguir, algumas dessas questões, apenas com o objetivo de chamar a atenção para escolhas e decisões que precisam ser feitas pelos estadistas nacionais na tarefa de orientar, conduzir e tornar efetivas algumas das escolhas e iniciativas diplomáticas que podem ou devem ser feitas pela política externa na atualidade e nos próximos anos.
Integração regional
Talvez a questão mais importante da política externa e da diplomacia brasileiras, dada a condição essencial da circunstância incontornável do Brasil como país sul-americano, região na qual o país se apresenta como o economicamente mais relevante e aquele que deveria possuir alavancas diplomáticas com o objetivo de realizar um objetivo que se aparece como natural e quase obrigatório, que seria o da integração econômica e o da abertura econômica recíproca. Desde o primeiro tratado de Montevidéu de 1960, prometendo a criação de uma área latino-americana de livre comércio – o que obviamente não se realizou –, e do segundo tratado, de 1980, da Aladi – flexibilizando a obrigação anterior, no sentido de meros acordos de preferências tarifárias parciais –, o Brasil participou e até estimulou diversos projetos de integração, sendo o que mais bem-sucedido, provisoriamente, foi o esquema mais limitado ao Cone Sul, da integração bilateral Brasil-Argentina (1986-88) e do sistema quadrilateral do Mercosul (1991) e seus desdobramentos ulteriores, infelizmente marcados por crises e estagnação do processo. Essa temática deveria receber a devida atenção da parte da diplomacia brasileira e estar inscrita entre as suas primeiras prioridades na política externa e nas relações regionais. O foco principal das dificuldades nessa área não se situa propriamente nas instituições integracionistas e sim nas políticas econômicas nacionais dos principais membros do esquema regional do Mercosul. Em outros termos, o Mercosul e o processo de integração mais ampla na América do Sul não conseguirão sair do atual estado de paralisia parcial antes que os dois principais países, Brasil e Argentina, possam se coordenar nos planos político, diplomático e econômico para definir e retomar as respectivas reformas internas e as institucionais que são necessárias para superar os impasses existentes.
Inserção na economia mundial
A economia brasileira é uma das menos integradas nos circuitos mundiais das cadeias de valor, junto com os sócios do Mercosul, o que é um resultado de décadas de mercantilismo renitente e de protecionismo deliberado. Praticamente não existem marcas brasileiras – com poucas exceções, com os aviões da Embraer e as sandálias Havaianas – presentes no contexto da competição manufatureira global, e as políticas setoriais desenhadas no país, para o setor industrial, contemplam geralmente a preservação do mercado interno estritamente protegido da concorrência estrangeira. Não se poderá ter uma economia de escala no setor industrial se este permanecer protegido da competição global.
Trata-se de um problema mais caracteristicamente econômico do que propriamente diplomático, mas havendo negociações comerciais e de investimentos em foros multilaterais cabe ao Itamaraty defender claramente uma política de inserção deliberada do país na economia global, em lugar da postura de avestruz que soe caracterizar as associações industriais nacionais e regionais (CNI, FIESP, etc.). Não se pode conceber o processo de desenvolvimento futuro do Brasil com a preservação da visão introvertida que prevalece hoje nas políticas setoriais produtivas. Pertencer às cadeias globais de valor é um requerimento incontornável de qualquer processo de crescimento econômico voltado para a modernização e de competitividade comercial no setor manufatureiro.
Padrões de educação equiparados à excelência mundial
A política setorial em matéria de educação tampouco é um tema diplomático por excelência, mas ela é absolutamente essencial quando se pensa em ganhos de produtividade, que devem sobretudo estar voltadas para a produtividade em capital humano, até mais do que em ganhos na produtividade total ou no fator de produção do capital (equipamentos, etc.). Os padrões educacionais debatidos no âmbito da OCDE – e objeto de avaliação nos famosos exames regulares do PISA (programme for international student assessment) – fornecem amplo material de referência e critérios de avaliação através dos quais podem ser avaliados e desenhados programas de melhoria dos padrões nacionais de educação nos primeiros dois ciclos de ensino (que são os que mais sofrem estrangulamento e deficiências próprias). A educação nacional precisa ser objeto de um trabalho específico no âmbito diplomático.
Justiça expedita e confiável, como existente em outros países
Da mesma forma como as deficiências existentes no setor educacional prejudicam o Brasil em sua inserção econômica global, a área do Judiciário é a que mais apresenta dados extremamente negativos do ponto de vista dos custos de transação para o funcionamento adequado dos circuitos econômicos nacionais, em toda a sua extensão. Conflitos entre os agentes, sobretudo no domínio trabalhista, são responsáveis por uma perda direta ou indireta na economia, como por exemplo a lentidão ou a simples burocracia envolvida nos conflitos que emergem em diversos momentos das atividades de produção, distribuição e consumo, com perdas estimadas em vários pontos percentuais do PIB. Estudos existentes no plano nacional dos países mais produtivos e em organismos internacionais – Banco Mundial, BID e outras entidades de pesquisa de políticas públicas – poderiam sustentar programas de reforma do Judiciário brasileiro em seus diversos níveis, e nisso também caberia uma cooperação da diplomacia brasileira na transmissão interna da experiência conhecida no exterior.
Alinhamento com a cooperação internacional de boa qualidade
O Brasil foi, até os anos 1970, beneficiário da assistência internacional em seu processo de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, adquirindo, a partir daí, boa capacitação interna, com base na “substituição de importações” em pesquisa e desenvolvimento e na qualificação do capital humanos em diversas áreas produtivas, com destaque em agricultura e saúde. Em síntese, passou de recipiendário a prestador de cooperação em assistência ao desenvolvimento de países mais pobres, não apenas pelo oferecimento de bolsas de estudo em suas universidades públicas, como também pelo fortalecimento direto de programas de cooperação em diversos países, na própria América Latina e na África (em especial nos países de língua portuguesa). Uma integração de seus programas com aqueles que são objeto de coordenação e consulta no âmbito do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE seria bem vinda nessa área, com possível aproveitamento da interação da ABC, dirigida pelo Itamaraty, com os países membros do CAD, para fins de financiamento trilateral e troca de experiências úteis nessas áreas.
Estas são algumas possíveis áreas nas quais uma maior interação do Brasil, e de sua diplomacia, com experiências já existentes no terreno da cooperação internacional poderia representar um grande estímulo ao seu próprio processo de desenvolvimento econômico e social, em padrões alinhados com o que há de mais avançado nos terrenos definidos como prioritários para nossa maior inserção econômica global. A diplomacia profissional, pela alta qualidade do seu capital humano, está perfeitamente habilitada para contribuir nos esforços nacionais de convergência do Brasil com as melhores práticas existentes em matéria de políticas macroeconômicas e setoriais, superando certos constrangimentos do velho nacionalismo introvertido.
Algumas leituras úteis:
DASQUE, Isabelle. “Diplomats and Diplomacy: Between Heritage and the Modernity of European Elites”. Digital Encyclopedia Of European History, 22 jun. 2020. Disponível em: https://ehne.fr/en/node/12257.
FRÉCHETTE, Louise. “Diplomacy: Old Trade, New Challenges”. In: COOPER, Andrew F.; HEINE, Jorge; THAKUR, Ramesh. The Oxford Handbook of Modern Diplomacy. 1st ed. Oxford: Oxford University Press, 2013, p. 30-34. Disponível em: https://academic.oup.com/edited-volume/34361/chapter/291461478.
SHARP, Paul. “Diplomacy and diplomats in the realist tradition”. In: ______. Diplomatic Theory of International Relations. 1st ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 53-72. Disponível em: https://doi.org/10.1017/CBO9780511805196.005.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4685, 15 junho 2024, 4 p.