Os papeis confidenciais americanos -- e isto é a constatação de quem já pesquisou em arquivos americanos, inclusive em papéis da CIA -- são extremamente objetivos e profissionais: descrevem meticulosamente o que acontece em cada país, desde os mais altos escalões de certos governos (hummm...) até os mais baixos escalões de certos movimentos "sociais" (que também podem ser sindicais, de juízes, professores, etc).
Ou seja, não tenho nenhuma dúvida de que se os historiadores quiserem reconstituir certos episódios de nossa diplomacia dentro de 10, 15 ou 25 anos (dependendo do grau de sigilo dos documentos), melhor fariam, ou farão, se confiarem mais nos documentos americanos -- que serão inevitavelmente liberados, em prazos certos -- do que em eventuais documentos da região.
Pelo que eu conheço da história do Mercosul, por exemplo, afirmo com todas as letras que seria impossível refazer a história dos processos decisórios que levaram a certos atos do bloco -- a Tarifa Externa Comum, entre outras -- com base em papéis argentinos, brasileiros, uruguaios ou paraguaios. E não porque eles estivessem contaminados pelo zelo conspiratório dos amigos do Foro de S.Paulo, pelo secretismo doentio dos stalinistas de Havana, ou por quaisquer outras deformações institucionais que passaram a ocorrer na república do nunca antes, mas pela bagunça mesmo, pela falta de registros, atas, minutas de reuniões, que possam ajudar na reconstituição de certos processos.
Confio mais nos papéis americanos, que cobrem tudo com um zelo missionário, informando tudo o que é relevante para seus patrões de Washington.
Quem quer tenha trabalhado em arquivos americanos, sabe do que estou falando.
Contentes, historiadores?
Paulo Roberto de Almeida
Augusto Nunes, 10/09/2013
No fim da tarde de 22 de junho de 2012, uma sexta-feira, o Senado paraguaio aprovou por 39 votos a 4 o afastamento do presidente Fernando Lugo. Graças a informações repassadas pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), a Casa Branca não se surpreendeu com o desfecho da crise política, escancarada por 23 tentativas de impeachment. Surpresos ficaram os governos do Brasil e da Venezuela, constataram os agentes da NSA incumbidos de vigiar também a movimentação dos vizinhos decididos a mandar às favas a soberania do Paraguai.
Inconformados com o despejo do reprodutor de batina, Dilma Rousseff e Hugo Chávez resolveram por telefone que o companheiro Lugo merecia continuar no emprego, que a ofensiva deveria começar de imediato e que seria conduzida pelos chanceleres dos dois países. Despachados para Assunção no meio da noite, o brasileiro Antonio Patriota apareceu sem aviso prévio no Senado paraguaio e o venezuelano Nicolás Maduro baixou sem ser convidado na sede do Poder Executivo.
O emissário de Dilma tentou anular a decisão quase unânime do Senado e reinstalar Fernando Lugo na presidência da República. O enviado de Chávez fez o que pôde para convencer os chefes das Forças Armadas a desfazer com um golpe de Estado o que fizera o Poder Legislativo. Ambos fracassaram miseravelmente. O vice-presidente Federico Franco assumiu sem sobressaltos o lugar do ex-bispo, que voltou a ter tempo de sobra para cuidar das ovelhas do rebanho.
A vingança dos parceiros trapalhões foi tramada com a ajuda da Argentina e do Uruguai: 150 anos depois da Guerra do Paraguai, a Tríplice Aliança reeditada por Dilma, Cristina Kirchner e Jose Mujica suspendeu do Mercosul o vizinho insubordinado e oficializou o ingresso da Venezuela, obstruído havia anos pelo mesmo Senado que afastara Fernando Lugo. Sorte do Paraguai: alheio ao assédio dos quatro patetas, que hoje imploram pela volta do país ao mais anêmico bloco econômico do planeta, o novo governo de Assunção prefere noivar com a Aliança do Pacífico e costurar acordos bilaterais muito mais vantajosos.
“Um dia, talvez, se conheça o histórico, as reflexões, os motivos e a atuação de cada um dos protagonistas brasileiros nesses episódios”, registrou o jornalista José Casado no artigo publicado pelo
Globo em que divulgou essas informações. “Até lá, continuarão como segredos enterrados nos arquivos de um anexo virtual da Casa Branca: NSA”. O governo lulopetista não costuma deixar provas materiais das safadezas acumuladas pela política externa da cafajestagem (
veja o post na seção Vale Reprise). Mas a documentação produzida pela espionagem ianque deixará de ser sigilosa daqui a alguns anos.
O pouco que vazou sobre o caso é suficiente para atestar que os americanos sabem detalhadamente o que Patriota e Maduro andaram fazendo em Assunção no inverno passado. E sabem muito sobre muitas outras coisas. Ainda bem. Deve-se sempre ressalvar que, em matéria de espionagem, o governo dos EUA tem ultrapassado com frequência os limites do tolerável. Mas certos efeitos colaterais são extraordinariamente positivos. Um deles: os documentos que pioraram o permanente mau humor de Dilma ajudarão a contar a verdadeira história do Brasil.