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sábado, 30 de março de 2024

Posição do Brasil na Conferência de San Francisco sobre o direito de veto garantido às grandes potências - Eugenio Vargas Garcia

Trecho do livro de Eugênio Vargas Garcia – O Sexto Membro Permanente. O Brasil e a Criação da ONU. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012 –, sobre a discussão da composição do Conselho de Segurança e das prerrogativas de seus membros: 

"Se fosse realmente aplicada a fórmula de Yalta para o sistema de votação no Conselho de Segurança, o governo brasileiro considerava injusto o veto em causa própria e a imunidade que isso implicava em benefício dos membros permanentes:

            Se ocorre, por exemplo, a hipótese de que um dos Estados membros permanentes é o próprio violador das obrigações contidas no estatuto básico da organização, como seria possível admitir-se que esse mesmo Estado tenha o direito de veto, quando o assunto referente a tal violação tiver que ser resolvido? Como se poderá aprovar que tal Estado, com o seu veto, possa impedir a ação do Conselho?


Novamente se recorre à interpretação do governo holandês sobre a matéria. Se cada grande potência tivesse o direito de veto nos litígios em que fosse parte, o plano da organização só serviria para dirimir conflitos internacionais entre pequenos Estados. No caso de controvérsias entre grandes potências ou entre uma delas e um país menor, a organização não forneceria proteção alguma a este último (a rigor a nenhum dos pequenos Estados) nem à causa da paz." (p. 127)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Posição do Brasil em Haia fica no meio do caminho entre direito e diplomacia - Lucas Carlos Lima (FSP)

Posição do Brasil em Haia fica no meio do caminho entre direito e diplomacia

Ausência de referências a eventos posteriores ao ataque do Hamas pode ser sinal de moderação à luz da tensão diplomática

Lucas Carlos Lima

Professor de direito internacional (UFMG), atuou perante

 a Corte Internacional de Justiça; organizador do livro

“A Jurisprudência da Corte Internacional de Justiça” (ed. Del Rey)


Folha de S. Paulo, 20/02/2024

Opiniões consultivas emitidas pela Corte Internacional de Justiça, o principal órgão judicial da Organização das Nações Unidas, são receptáculos do estado do direito internacional num determinado momento histórico. Apesar de não serem vinculantes como decisões em casos contenciosos iniciados por um Estado contra outro, elas possuem grande autoridade pois anunciam o conteúdo e alcance das normas jurídicas aplicáveis ao caso e servem como fonte para auxiliar a resolução de controvérsias futuras.

Essa é a razão pela qual nesta semana mais uma vez os olhos do mundo se voltam a Haia diante do pedido de opinião consultiva formulado pela Assembleia-Geral da ONU em janeiro de 2023 –ou seja, muito antes dos ataques perpetrados pelo Hamas contra Israel no 7 de Outubro– sobre consequências das ações de Israel nos territórios palestinos.

Juízes da Corte Internacional de Justiça (CIJ) durante audiência sobre a ocupação de Israel de territórios palestinos - Piroschka van de Wouw - 19.fev.2023/Reuters

As perguntas colocadas à Corte pela Assembleia foram duas. Em primeiro lugar, esclarecer quais são as consequências jurídicas decorrentes da "violação contínua por Israel do direito do povo palestino à autodeterminação, da sua prolongada ocupação, colonização e anexação do território palestino ocupado desde 1967", bem como da "adoção de legislação e medidas discriminatórias relacionadas".

Em um segundo momento, compreender como as referidas políticas "afetam o estatuto jurídico da ocupação e quais são as consequências jurídicas que decorrem desse estatuto para todos os Estados e para as Nações Unidas", visando também entender quais são as obrigações de todos os membros da comunidade internacional diante da situação.

É interessante notar que a linguagem empregada pela Assembleia-Geral faz referência às resoluções e normas internacionais anteriores (bem como a própria decisão de 2004 da Corte Internacional sobre a "Legalidade da Construção do Muro em Territórios Palestinos Ocupados" por Israel), que já estabeleceram a violação, por parte de Israel, de normas e obrigações de direito internacional.

A Assembleia busca, portanto, compreender quais são os efeitos e linhas de ação a serem tomadas diante da situação de violação de territórios ocupados por Israel em contrariedade ao direito internacional. Esse ponto foi alvo de crítica na manifestação de Israel, para quem as perguntas "representam uma clara distorção da história e da realidade atual do conflito israelo-palestino".

Muitos Estados e organizações internacionais resolveram participar do procedimento, apresentando sua posição sobre as perguntas colocadas pela Assembleia. Tal participação revela que os Estados são conscientes de que as suas posições são levadas em alta consideração pela Corte.

O Brasil não é exceção e apresentou suas considerações escritas e oralmente sobre o tema. É possível notar, nos últimos tempos e independente do governo, uma maior preocupação do Brasil em participar de procedimentos consultivos perante tribunais internacionais. Parece se difundir nos corredores de Brasília uma consciência da oportunidade que esses procedimentos representam de influenciar a ordem jurídica internacional.

Em suas observações escritas bem como em sua sustentação pública no Palácio da Paz, a posição brasileira pode ser sintetizada nos seguintes pontos: (1) a Corte Internacional possui jurisdição e deve exercê-la para emitir uma opinião sobre as questões solevadas; (2) a ocupação israelense dos territórios palestinos viola o direito do povo palestino à autodeterminação, e o Brasil defende o caráter peremptório dessa norma; (3) Israel deve pôr fim à ocupação de territórios palestinos; (4) um Estado que viola o direito internacional deve oferecer a devida reparação, e tal princípio se aplica a Israel; (5) todos os Estados, e não apenas os envolvidos no conflito, devem se abster não apenas do reconhecimento dessa situação, mas também de atos que possam implicar tal reconhecimento; (6) nenhum Estado deve colaborar com as ações ou iniciativas israelenses relacionadas à ocupação ilegal dos territórios palestinos; (7) os Estados devem cooperar para pôr fim à ocupação, por meios legais, o mais rápido possível.

A posição brasileira parece alinhada com seus princípios constitucionais e internacionais de política externa jurídica e está em consonância com diversas outras manifestações de Estados em relação ao estado do direito internacional. Em algumas passagens os argumentos jurídicos poderiam ser melhor detalhados ou elaborados, oferecendo uma visão mais precisa e contundente da posição brasileira.

Embora os argumentos brasileiros se encontrem ancorados no direito internacional, em muitas passagens a posição brasileira parece mais um discurso diplomático que uma argumentação jurídica. A ausência de referências aos eventos posteriores ao ataque do Hamas parece também um sinal de moderação à luz da tensão diplomática que tomou o noticiário nesta semana.

Em alguns meses a Corte Internacional emitirá seu parecer sobre a questão. Se a decisão da Corte irá efetivamente influenciar o futuro da situação na Palestina é um questionamento bem mais complexo.



domingo, 30 de outubro de 2022

Como o Brasil se posicionaria caso ocorresse um ataque com armas nucleares por parte da Rússia? - André Amaral (A Referência)

Como o Brasil se posicionaria caso ocorresse um ataque com armas nucleares por parte da Rússia?

Com histórico de respeito à segurança dos povos e busca pela solução pacífica de conflitos, país até agora se mantém neutro quanto ao conflito entre Moscou e Kiev, que pode evoluir para uma detonação nuclear 


André Amaral

A Referência, 30/10/2022


Não há espaço para blefes. A possibilidade de a Rússia lançar um ataque nuclear contra a Ucrânia, levantada pelo presidente Vladimir Putin e seus aliados nas últimas semanas, é real e tem deixado Kiev e o Ocidente apreensivos. Enquanto isso, a diplomacia age para tentar proteger a humanidade do maior perigo em 60 anos, quando o mundo ficou a um passo de uma guerra avassaladora durante a Crise dos Mísseis de Cuba, sob o contexto da Guerra Fria.

Em solo ucraniano, as tensões são superlativas. Em entrevista à rede ABC News nesta semana, Oleksandr Syrskiy, comandante-chefe do exército do país invadido, foi questionado sobre seu grau de preocupação e se ele acha que o mundo deveria compartilhar seus temores quanto ao uso iminente de armas nucleares pelas forças inimigas.

“Estamos e devemos estar preocupados”, disse Syrskiy em resposta. “E eu acredito que essa ameaça realmente existe e temos que levar isso em consideração”.

Uma imagem contendo grupo, em pé, homem, praia

Descrição gerada automaticamenteEncontro entre líderes: Bolsonaro durante visita a Moscou em fevereiro (Foto: Kremli.ru/Divulgação)

Diante da ameaça, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) arregaçou as mangas e iniciou uma rodada de exercícios nucleares simulando o lançamento de bombas “táticas” B61 sobre a Europa. 

Já nos EUA, o presidente Joe Biden ligou o sinal vermelho e deixou um recado que ninguém queria ouvir: o de que o mundo pode se preparar para o Armageddon no caso de seu homólogo russo colocar uma arma nuclear tática no front para tentar vencer o conflito iniciado em fevereiro.

Com exceção de países como BelarusIrã Coreia do Norte, a comunidade internacional repudia a guerra. Mas nem todo o mundo isolou a Rússia. Quando se viu pressionado por sanções ocidentais de todos os lados, à medida que sua economia se deteriorava, Vladimir Putin foi buscar um braço amigo em “parceiros internacionais confiáveis”. Em particular, o Brics, agrupamento de países de mercado emergente do qual faz parte ao lado de Brasil, Índia, China e África do Sul. 

Nesse cenário, China – aliada de primeira ordem, apesar de alegar neutralidade – e Índia surgiram como principais financiadores do Kremlin durante a guerra. Parece haver alguma sinergia entre a autocracia do regime russo, a vigilância estatal de Xi Jinping e o ultranacionalismo de Narendra Modi. 

Mas, e no caso de uma ofensiva nuclear, qual poderia ser a postura do Brics? E principalmente: qual seria o posicionamento da maior economia da América do Sul, velha parceira comercial russa, especialmente no agronegócio

E se… ?

Para Pedro Brites, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o velho “bom mocismo” do Brasil seria colocado à prova caso uma situação que não é vista há quase 80 anos – a última foi em Hiroshima, em 1945 – venha a ocorrer. Mas a atitude não deve causar surpresa.

“É difícil ter uma perspectiva precisa, porque um ataque nuclear seria um fato inédito desde a Segunda Guerra Mundial. Mas acredito que a veia pacifista do Brasil, no sentido de estabelecer relações cordiais e em defesa do direito internacional, que prevalece na política externa brasileira historicamente, impulsionaria o Brasil a condenar a utilização desse tipo de artefato”, supõe Brites. 

Sendo assim, o professor aposta que o país se colocaria numa posição “mais de mediador”, chamando os Estados à razão. 

“Vejo o Brasil com um discurso de que ‘o uso daquele tipo de armamento fere o direito internacional, que prejudica os povos e que pode trazer uma série de consequências para a ordem internacional’. E não acredito numa condenação que vá além disso. Porque essa é a posição que diplomática e historicamente o país atribui a si próprio. O Brasil é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TPN) e tem um discurso muito vinculado do uso da energia nuclear para fins pacíficos. Então, acho que tudo isso pesaria numa eventual situação do tipo”, disse.

Caminhão de bombeiros

Descrição gerada automaticamente com confiança médiaMíssil russo com capacidade nuclear (Foto: reprodução/Facebook)

No caso de um posicionamento do Brasil que desagrade, além da Rússia, também China e Índia, causando desconforto no Brics, Brites observa como algo improvável. Isso porque, segundo ele, o bloco “já teve dias melhores” e hoje há um certo afastamento. 

“Não vejo que isso possa gerar uma grande divergência a um nível máximo que cause danos no Brics mais do que esse afastamento dos últimos anos já tenha gerado”. 

Para o professor, é muito provável que Beijing não faria qualquer discurso condenatório ao Brasil e igualmente lançaria mão de uma narrativa “clamando à razão e ao distensionamento”. E Nova Délhi faria igual.

“Uma eventual utilização de armas nucleares deixaria cautelosas tanto a China quanto a Índia, porque são países que não querem ver uma escalada muito crítica nas questões de competição entre as grandes potências. Principalmente Beijing, e isso ficou claro no último Congresso do Partido Comunista Chinês“, avalia Brites. 

Já da parte da Rússia, a recepção à decisão brasileira pode ser outra. Uma incógnita. “Por ser efetivamente o ator responsável por esse eventual ataque, aí o contexto é um pouco diferente”, acrescentou.

Inclinado à paz

Em 2017, o Brasil, presidido então por Michel Temer, confirmou sua vocação pacífica ao ser o primeiro a assinar na sede da ONU (Organização das Nações Unidas) em Nova York o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPAN). Mais de dois terços dos 86 Estados-membros fizeram o mesmo.

Segundo nota do Itamaraty à época, o país estava engajado com os esforços em prol do desarmamento nuclear e assumiu “compromisso constitucional com o uso pacífico da atividade nuclear e com a prevalência dos direitos humanos e do direito internacional humanitário nas relações internacionais”.

Brasil perde espaço nas discussões

Cristian Wittmann, membro do comitê gestor da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (Ican) e professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), no Rio Grande do Sul, é um personagem atuante da luta antinuclear no mundo, inclusive tendo acompanhado in loco a assinatura de Temer em setembro de 2017. Como integrante da entidade ganhadora do Nobel da Paz de 2017, ele falou para A Referência sobre a forma como Brasília participa da discussão global pela eliminação completa de armas de destruição em massa e das tratativas diplomáticas para que elas nunca mais sejam usadas.

Segundo ele, embora o Brasil tenha sido o primeiro país a assinar o TPAN, em vigor desde 22 de janeiro de 2021, há uma morosidade para sua ratificação, que ainda tramita na Câmara dos Deputados.

“O Brasil hoje vive num cenário muito curioso, para não dizer espantoso, que é o fato de um procedimento rápido que poderia já ter sido ratificado, em perfeita sintonia com as aspirações históricas do país e com nossa constituição federal, permanece inerte junto à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Obviamente, isso traz uma consequência negativa”, disse Wittmann. 

Teste nuclear no Atol Enewetak, nas ilhas Marshall, Estados Unidos, em 1 de novembro de 1952Teste nuclear no Atol Enewetak, nas ilhas Marshall, Estados Unidos, em 1º de novembro de 1952 (Foto: Governo dos EUA/Divulgação)

Ele relata que o país esteve presente na primeira reunião das partes contratantes do TPAN, realizada em junho em Viena, na Áustria. Uma participação um tanto quanto discreta.

“É uma vergonha e tanto o Brasil, que era parte do chamado ‘núcleo duro’ do Core Group [Grupo Central de Negociadores do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares], que negociou o tratado e estabeleceu em sintonia com outros seis países suas cláusulas, impulsionando reuniões em um trabalho árduo da diplomacia brasileira nas últimas décadas, chegar na primeira reunião com os Estados-parte do TPAN, um encontro tido como fundamental para estabelecer uma série de segmentos para a implementação do tratado, e participar como observador”, lamentou.

Para Wittmann, este foi um mau indício. “É um sinal muito ruim, simbolicamente, mas também é ruim pragmaticamente porque, enquanto observador, o Brasil não teve capacidade de voto, ou seja, não teve a mesma capacidade de contribuir de forma ativa como outras democracias presentes. E isso nos coloca numa posição muito negativa”. 

Além de aspectos relacionados a armas nucleares, Wittmann trabalha com desarmamento humanitário, com foco em sistemas letais autônomos, tecnologia de inteligência artificial, robótica, minas terrestres antipessoal, bombas de fragmentação (cluster bombs) e comércio de armas. Com vasta trajetória, ele já levou esses temas a inúmeras audiências públicas e reuniões bilaterais no Brasil e fora. Em Brasília, o assunto tem sido difícil de levar adiante, segundo ele. 

“Nos colocamos à disposição para uma audiência pública, solicitada pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional e, infelizmente, ela não aconteceu. Para nossa preocupação, o relator, o deputado Orleans Bragança (PSL-SP), quando se manifesta sobre o TPAN, costuma ser crítico. Não sei se por uma má compreensão do instrumento ou por um anseio pessoal de que talvez armas nucleares possam ter algum benefício, do que discordamos completamente”, disse. 

O Ministério das Relações Exteriores, segundo Wittmann, também não tem levado esse tema como um assunto principal da sua agenda, diferentemente do que ocorria no passado, quando o Brasil estava mais atuante na Coalizão da Nova Agenda (NAC, da sigla em inglês), iniciativa que reúne em alto nível representantes de ministérios e secretarias gerais no âmbito de levar a pauta do desarmamento nuclear. 

“Hoje, dentro desse cenário político conturbado, o Brasil não avança nessa temática”, acrescentou.

Nem sempre foi assim. O membro da Ican ressaltou o exemplo de país pacifista dado pelo Brasil, que deu grande contribuição para a solução de diferentes dilemas do mundo. 

“A questão do desarmamento nuclear sempre foi uma prioridade dentro da nossa política externa, inclusive no âmbito regional, como ocorre entre Brasil e Argentina pela Abacc (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares), que é um exemplo para o mundo de como duas nações conseguem estabelecer um mecanismo conjunto de verificações e acompanhamento desses materiais”, disse Wittmann. 

Também por isso, não à toa, o país é reconhecido como um dos líderes da NAC (composta também por África do Sul, Egito, Irlanda, México e Nova Zelândia), através da qual vários avanços nas tratativas sobre o desarmamento nuclear foram alcançados com a participação brasileira, relata Wittmann. 

Para ele, “a vocação pacífica brasileira não é só uma vocação”: ela serviu de instrumento para implementar no mundo o respeito à segurança dos povos e a solução pacífica dos conflitos. E poderia fazer a diferença na atual guerra em andamento no leste europeu.

“O Brasil teria, em situações normais, muito a contribuir para o encontro de uma solução pacífica no conflito da Ucrânia, sendo uma voz muito enérgica quanto à impossibilidade, à ilegalidade do eventual uso ou até mesmo do que estamos vendo hoje da ameaça de uso de armas nucleares”, observou. 

Segundo Wittmann, é um contexto em que o Brasil, também pelo comportamento prostrado de outras nações, deixa de advogar em prol da segurança global, como agiu tantas vezes.

“Deveria haver um compromisso sério de ambos os grupos, seja dos que defendem Moscou, seja dos que defendem Kiev, como é o caso da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que todos esses envolvidos não só fizessem declarações, mas principalmente adotassem um compromisso de não usar armas nucleares em qualquer hipótese. Então, sem dúvida, o Brasil em situações normais, seria um dos principais advogados, tratando do bem comum e ajudando a evitar uma eventual detonação nuclear”.

A reportagem tentou contato com o deputado federal Pedro Vilela (PSDB-AL), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, além de outros integrantes, mas não obteve resposta para tratar sobre a ratificação do TPAN.

Por que isso importa?

Calcula-se que a Rússia tenha à disposição de suas forças armadas cerca de 1,9 mil ogivas nucleares táticas, o maior arsenal do tipo no mundo. E a facilidade de dispará-las cria um problema, vez que podem partir da maioria dos jatos das forças armadas russas, bem como de lançadores de foguetes e mísseis convencionais.

“Quase todas as armas dos russos têm capacidade nuclear. Se for um sistema de artilharia, se for um sistema de defesa aérea, se for um torpedo, se for um míssil de cruzeiro, pode ter uma arma nuclear”, disse ao site Politico um ex-funcionário sênior do Conselho de Segurança Nacional que ainda assessora o Comando Estratégico dos EUA e não quis se identificar.

Dessa forma, é praticamente impossível saber quando a Rússia substituiu munição convencional por nuclear em seus jatos ou lança-foguetes. “Para essas armas nucleares menores, provavelmente não saberemos”, disse outra autoridade norte-americana com acesso às informações de inteligência sobre a Rússia e que igualmente falou sob condição de anonimato.

O eventual ataque poderia, inclusive, sequer partir do território russo. No final de agosto, o presidente de Belarus Alexander Lukashenko direcionou uma ameaça clara ao Ocidente ao anunciar que as forças armadas do país modificaram seus aviões militares para que sejam capazes de carregar ogivas nucleares.

 

segunda-feira, 14 de março de 2022

O Brasil continua a poupar a Rússia, em nome de um legalismo imoral - status da Rússia na OMC (G1, TV Globo)

 O chanceler Carlos França quer uma coisa impossível: consenso na OMC, isto é, incluindo a Rússia, sobre a retirada do status de economia de mercado para o país, de forma a habilitar uma solução legal. Ele sabe que isso não vai acontecer. Em determinadas ocasiões, países soberanos fazem aquilo que é digno, que é moralmente justificável, não o que está na letra dos tratados (que aliás podem ser modificados).

Por outro lado, foi o próprio G7 que colocou a Rússia como economia de mercado, no summit de Kananakis, no Canadá, em 2001, MUITOS ANOS antes que ela estivesse habilitada a ingressar no Gatt-OMC. Nesse mesmo ano, depois de 14 anos de negociações, a China era admitida no Gatt-OMC, mas nunca obteve o status de economia de mercado, o que ela é, muito mais até do que outros membros da OMC.
Paulo Roberto de Almeida

Ministro critica países que rebaixaram status comercial da Rússia de forma unilateral e cobra decisão coletiva
Carlos França (Relações Exteriores) disse que sanções deveriam ser tomadas após discussões na Organização Mundial do Comércio. Medida unilateral enfraquece interesse do Brasil, afirmou.

Por Luiz Felipe Barbiéri e Kellen Barreto, G1 e TV Globo — Brasília
14/03/2022 12h58

O ministro das Relações Exteriores, Carlos França, criticou nesta segunda-feira (14) a decisão de países que integram a Organização Mundial do Comércio (OMC) de rebaixar o status comercial da Rússia de forma unilateral, sem discussão no âmbito da entidade.

O Canadá foi o primeiro país a revogar o status comercial de "nação mais favorecida" da Rússia. Na última sexta-feira (11), O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou que seguirá o mesmo caminho junto com o G7 – grupo das nações mais industrializadas do mundo.

A decisão abre caminho para aumentar as tarifas sobre produtos russos, que estarão sujeitos a uma taxa de 35% ao chegar nesses países.

O ministro deu uma aula magna nesta manhã para os estudantes do curso de relações internacionais do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) em Brasília.

França disse que a decisão unilateral dos países de embargar produtos russos o preocupa e cobrou discussões no âmbito da entidade antes da formalização das medidas.

“O Canadá fez isso [rebaixou o status comercial], outros seguiram, não tenho a lista extensiva. Mas isso me preocupa, porque essa era uma decisão que, penso eu, ficava melhor tomada se fosse dentro do sistema multilateral de comércio”, afirmou.

O chanceler declarou ainda que essas sanções deveriam ser adotadas após uma deliberação coletiva do organismo internacional.

“Isso [uma decisão multilateral] não ocorre, e eu não acho que isso faça bem pro sistema multilateral de comércio nem para os interesses de um país como Brasil, que tem justamente no multilateralismo a sua força”, destacou França.

https://g1.globo.com/mundo/ucrania-russia/noticia/2022/03/14/ministro-critica-paises-que-rebaixaram-status-comercial-da-russia-de-forma-unilateral-e-cobra-decisao-coletiva.ghtml

Brasil condena invasão russa, mas teme guerra econômica: ex-chanceleres e embaixadores opinam sobre a posição do Itamaraty - Janaína Figueiredo (O Globo)

 Brasil condena invasão russa, mas teme guerra econômica: ex-chanceleres e embaixadores opinam sobre a posição do Itamaraty


BUENOS AIRES Depois de ter acompanhado o voto de condenação da Rússia pela invasão da Ucrânia na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em sintonia com a posição dos Estados Unidos e dos países da União Europeia (UE), entre muitos outros, o Brasil . Gera tensão, também, afirmaram fontes diplomáticas, o que alguns têm chamado de politização pelos principais adversários do governo de Vladimir Putin de organismos multilaterais, para acuar ainda mais a Rússia.

Na semana passada, depois de ter proibido a importação de vodca, caviar e diamantes russos e solicitado ao Congresso americano que interrompa o livre comércio com a Rússia, o governo de Joe Biden e seus aliados europeus começaram a articular uma jogada que visa suspender os direitos de voto de Moscou no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Bando Mundial (Bird).



A outra guerra:

O objetivo dos EUA e da União Europeia é cortar todo o acesso da Rússia a fontes de financiamento externo. Em palavras da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, vamos nos assegurar de que a Rússia não possa obter créditos ou qualquer outro tipo de benefícios nestas instituições. O objetivo final, caso um acordo que permita alcançar um cessar fogo seja alcançado nas próximas semanas, seria expulsar a Rússia da ordem econômica internacional. Nas sanções mais duras já aplicadas contra uma potência, o país que é a 11ª economia do mundo já teve muitos de seus bancos suspensos do sistema de transações internacionais Swift e as reservas de seu Banco Central depositadas nos EUA, na Europa e no Japão foram congeladas.

Limitações:

A ofensiva anti-Rússia em organismos internacionais deve avançar em âmbitos como a Organização Mundial de Comércio (OMC), onde os países do G-7 Alemanha, França, Reino Unido, Canadá, Japão e EUA pedirão que seja revogado seu status de nação mais favorecida (MFN, na sigla em inglês). Este estatuto é concedido aos 164 integrantes da OMC, para garantir a igualdade de condições a todos os países-membros cujos governos se comprometem a tratar uns aos outros em pé de igualdade e sem qualquer tipo de discriminação. Dessa forma, eles têm acesso a tarifas mais baixas, menos barreiras comerciais e cotas de importação mais elevadas.



Os EUA, a UE e outros aliados da Ucrânia no conflito estão, com essa atitude, afirmou uma fonte do Itamaraty, minando o funcionamento de organismos essenciais na governança econômica global e o avanço de processos considerados importantes para o Brasil em âmbitos como a OMC, FMI, Bird e G-20, entre outros. Essa ofensiva, ressaltou a fonte, vai trazer graves consequências não somente para Putin, mas para muitos outros países.

Por enquanto, o Brasil não expressou publicamente seus temores pela politização de organismos internacionais. Até agora, a delegação brasileira na ONU expressou questionamentos à dimensão das sanções econômicas anunciadas e, também, ao envio de armas à Ucrânia. Ou seja, houve aval à condenação, mas, também, críticas à frente contra Moscou liderada por EUA e UE.

Ciberguerra:

Ouvidos pelo GLOBO, os ex-chanceleres Celso Amorim e Celso Lafer e os embaixadores Rubens Ricupero e Marcos Azambuja avaliaram as posições adotadas até agora pelo Brasil e pelas partes envolvidas no conflito.

Na visão de Amorim, o ataque da Rússia à Ucrânia é uma ação condenável, além de um erro político. No entanto, se o Brasil quisesse ter alguma participação em esforços pela paz, seria melhor se abster nas votações, como fizeram os demais países do Brics, incluindo a Índia, que é parte do Quarteto, fórum asiático liderado pelos EUA. O ex-chanceler e Azambuja destacaram a necessidade de levar em consideração as preocupações da Rússia por sua segurança.



Já Lafer defendeu uma posição mais incisiva do Brasil, sem abrir espaço para a neutralidade abdicante que ele identifica nas declarações do presidente Jair Bolsonaro. Já Ricupero foi o mais crítico em relação à atuação da missão brasileira na ONU: Em termos concretos, ela equivale a condenar a vítima a ser massacrada.

Conheça as opiniões de Amorim, Lafer, Ricupero e AzambujaCelso Amorim: Invasão é condenável, mas em outro momento Brasil teria condições de mediação

"É uma situação muito complexa. A Rússia sempre se preocupou com a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que também foi criticada, mesmo condenada, por pensadores americanos. A Ucrânia não era apenas um país da Europa Oriental, era parte da antiga União Soviética e do Império Czarista. Diferentemente de outros países e regiões, tem um componente emocional muito forte para os russos.Mas isso não justifica a guerra, sou contra a ação militar unilateral. Fui embaixador na ONU e prezo especialmente por suas normas. A Carta da ONU foi construída em torno do não recurso à guerra para resolver problemas. Só admite o uso da força quando autorizada pelo Conselho de Segurança ou em legítima defesa. Diferentemente do que pregavam os EUA antes da Guerra do Iraque, não existe legítima defesa preventiva. Não tenho dúvida de que a ação é condenável, além de um erro político.

Como deveria ser a ação do Brasil? Não tenho certeza. Havia duas posições possíveis. A que foi adotada, votar a favor da condenação, mas dando uma explicação de que se é contra as sanções, defender uma solução pacífica, o que, devo admitir, é razoável. Mas, numa outra situação, em que o Brasil estivesse mais ativo internacionalmente, com a mesma justificação você poderia conceber um voto de abstenção. Continuaria condenando, mas considerando que há preocupações de segurança que são legítimas. Se o Brasil, de alguma maneira, quiser participar de algum esforço em favor da paz, é melhor se abster. Se fosse um governo que conversasse com todos, talvez tivesse sugerido uma abstenção. Na situação atual, não poderíamos esperar isso, até porque uma abstenção de Bolsonaro ficaria sob suspeita."



Marcelo Ninio:

Celso Lafer: Posição deve ser mais incisiva ao condenar guerra de conquista

"A Rússia faz uso da força contra a integridade territorial e a independência da Ucrânia. Desrespeita o Artigo 2, parágrafo 4 da Carta da ONU e põe em questão um dos princípios básicos do direito internacional: o do respeito à soberania territorial dos Estados. A guerra resultou de uma decisão militar para alcançar fins políticos unilateralmente definidos por Putin: pôr termo à Ucrânia como país independente para alcançar a sua incorporação a uma expressão eslava da Rússia e atender preocupações de segurança. Ela denega aspirações majoritárias da população ucraniana a uma identidade nacional própria. A Assembleia Geral da ONU expressou em resolução a condenação da comunidade internacional à agressão da Rússia.

Brasil votou a favor da resolução. Seguiu a tradição diplomática brasileira em consonância com os princípios constitucionais que regem as relações internacionais do país. O Brasil é um país de escala continental que, em contraste com outros, definiu todas as suas fronteiras por arbitragem e negociações. É o que faz da defesa da integridade territorial e da condenação da guerra de conquista parte integrante do capital diplomático do Brasil. Rui Barbosa realçou que entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. (...) Não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. Na sua lição, quando existem normas internacionais, como as da Carta da ONU, pugnar pela observância das normas não é quebrar a neutralidade: é praticá-la. Por isso, creio que a posição brasileira deve ser mais incisiva. Não cabe abrir espaço para a impassibilidade de uma neutralidade abdicante que identifico nas manifestações do presidente da República."



Memórias de 1941: 

Rubens Ricupero: Criticar entrega de armas é deixar Ucrânia à mercê da Rússia

"Primeiro é preciso saber qual é a posição brasileira, se é a do Bolsonar ou se é a da missão do Brasil na ONU. A segunda questão é, se chegarmos à conclusão de que quem representa o Brasil é a missão, temos de analisar o conteúdo dessa posição. A posição que o governo tem expressado na ONU é oposta à de Bolsonaro. A posição do Brasil é de concordar e aprovar as duas resoluções que condenaram a invasão russa em todos os sentidos. O que se pode dizer dessa posição é que ela rigorosamente é correta. Mas, a partir daí, é preciso indagar sobre as consequências dessa posição. A delegação brasileira concordou em que a Rússia agrediu a Ucrânia sem provocação, atuando contra os princípios da Carta da ONU, ou seja, uma agressão indiscutível. Ao se declarar contrária ao fornecimento de armas, ela mostra uma incoerência. Se não se quiser o envolvimento direto, só há uma maneira, que é fornecer à vítima meios para se defender.

Por isso, eu chamaria a posição brasileira de ineficaz: ela equivale, no fundo, a deixar a Ucrânia à mercê da Rússia. Num caso como este, no qual mais de 140 países reconhecem que há uma agressão injusta, e, por outro lado, não se pode obter uma resolução do Conselho de Segurança porque a Rússia vai vetar, creio que a posição lógica e consequente seria aprovar as sanções e o fornecimento de armas. É a única maneira, embora insatisfatória, para ajudar o país agredido a se defender. Do ponto de vista legalista ao extremo, a posição brasileira é correta, mas é ineficaz. Em termos concretos, ela equivale a condenar a vítima a ser massacrada. No fundo, significa que perante a História estamos lavando as mãos."



Entrevista: 

Marcos Azambuja: O país tem que se equilibrar entre seus princípios e interesses

"O Brasil tem de ter em vista que essa guerra terá uma duração longa na vida internacional. O país deve fazer, e fez, a reafirmação dos seus princípios de convivência pacífica, de respeito à Carta das Nações Unidas, aos seus compromissos com a própria Constituição brasileira. O Brasil precisa dizer, e disse, que nos princípios e nos valores ele é fiel a sua tradição e a sua história. Mas ele também tem de cuidar dos seus interesses, que estão em jogo. Dos cinco países do Brics, China, Índia e África do Sul se abstiveram de votar na Assembleia Geral pela condenação da Rússia. Só o Brasil votou a favor. Minha preocupação é que o Brasil se reserve para ser valioso mais tarde, na procura de soluções.

Brasil deve manter suas posições de princípio e entender as razões que levaram a Rússia a fazer o que fez. A Guerra Fria terminou com uma derrota tão absoluta dos países do então socialismo real que os derrotados não tinham o que negociar. Agora, a Rússia voltou a ser uma grande potência que tem interesses estratégicos, políticos e econômicos. O Brasil é movido por duas forças que, de certa maneira, são contraditórias. Ao se separar dos Brics, mostrou que continua fiel a seus valores. Mas deve se reservar para um processo negociador que virá. Quem vai conduzir isso? Não podemos fazer nada que agrave mais ainda a situação. A Rússia tem de se dar conta que não pode pretender a recriação de um império. E a Ucrânia tem de se dar conta de que a Crimeia não voltará e a região de Donbass vai se separar. Diplomacia é negociação. O que vejo são gestos truculentos. A solução é que haja algum tipo de interlocução. A negociação, essência da diplomacia, é a procura por meios imperfeitos de soluções imperfeitas."


https://oglobo.globo.com/mundo/brasil-condena-invasao-russa-mas-teme-guerra-economica-ex-chanceleres-embaixadores-opinam-sobre-posicao-do-itamaraty-25430976

sexta-feira, 19 de abril de 2019

O recuo do Brasil na economia mundial - FMI, FSP, Ricardo Bergamini

Ricardo Bergamini, sempre atento à atualidade econômica, sintetiza as más (inevitáveis) notícias sobre a perda de peso do Brasil na economia mundial, não exatamente porque os outros foram mais rápidos e dinâmicos – o que também aconteceu –, mas porque nós recuamos, e não deixamos de estagnar. Ao final, matéria da FSP sobre o mesmo assunto.
Paulo Roberto de Almeida


Brasil perde importância econômica no contexto mundial

Em 2018, o PIB CORRENTE (US$ 1.860,4 bilhões) e PIB PER CAPITA (US$ 8.923,00) do Brasil, retornaram aos patamares próximos ao ano de 2008 com PIB CORRENTE (US$ 1.693,0 bilhões) e PIB PER CAPITA (US$ 8.839,00), cabendo alertar que uma tragédia dessa magnitude levará, no mínimo, dez anos de austeridade fiscal para colocar o Brasil nos patamares do ano de 2011, com PIB CORRENTE (US$ 2.614,5 bilhões) e PIB PER CAPITA (US$ 13.237,00).

Participação do Brasil na economia global atinge o pior nível em 38 anos
Fatia do país em bens e serviços é de 2,5%
Já foi de 4,4% em 1980 e 3,1% em 2011
Neste século, o pico da participação brasileira na economia global foi em 2011, quando o Brasil representava 3,1% do total

PODER360 , 19.abr.2019 (sexta-feira) 

Levantamento do FMI (Fundo Monetário Internacional) mostra que a participação do Brasil na economia global atingiu o pior nível em 38 anos. Em 2018, a fatia do país na produção de bens e serviços globais foi de 2,5% – a 7ª queda anual seguida.

A informação foi publicada nesta 6ª (19.abr.2019) pelo jornal Folha de S.Paulo. 

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A maior marca deste século foi atingida em 2011, quando o Brasil representava 3,1% do total. De lá para cá, no entanto, não parou de cair. O pico da participação brasileira nos setores foi em 1980, quando detinha 4,4%.

O resultado fez com que país perdesse o posto de 7ª maior economia global – mantido desde 2005 – para a Indonésia.

De acordo com as projeções do Fundo, o Brasil deve perder espaço nesse quesito pelo menos até 2024, quando a parcela do país na economia mundial recuará para 2,3%.

Ricardo Bergamini


Participação do Brasil na economia global cai ao menor nível em 38 anos

Fatia do país na produção de bens e serviços no mundo foi de 2,5% no ano passado, segundo o FMI

Dados recém-divulgados pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) mostram que o Brasil completou, em 2018, o sétimo ano consecutivo de perda de participação na economia global.
A fatia do país na produção de bens e serviços do mundo, que era de 4,4% em 1980, chegou, entre altos e baixos, a 3,1% em 2011 e, desde então, caiu sem parar, atingindo 2,5% no ano passado, o nível mais baixo ao longo das quase quatro décadas na série histórica que mostra as trocas realizadas entre Brasil e o resto do mundo.
Os dados se referem à participação no PIB (Produto Interno Bruto) global em dólares ajustados pela paridade do poder de compra (PPC), que reflete as diferenças de custo de vida entre os países.
Por essa medida, que é mais estável, o Brasil perdeu, no ano passado, o posto de sétima maior economia do mundo, que detinha desde 2005, para a Indonésia, caindo para o oitavo lugar.
No ranking feito a partir da conversão simples do PIB em dólares, que é mais volátil, a posição brasileira sempre variou bastante e, em 2018, o país voltou a recuar também da sétima para a oitava posição, ultrapassado pela Itália.
Segundo as projeções do Fundo, a tendência de perda de espaço do Brasil se manterá pelo menos até 2024, quando a parcela do país na economia global, pelas projeções realizadas na instituição, recuará para 2,3% (em PPC).
Esse padrão histórico de encolhimento não é uma exclusividade brasileira.
Desde 1980, quase todos os gigantes econômicos cederam espaço para a China passar, movida por suas taxas de crescimento que chegavam a dois dígitos. A exceção foi a Índia, que também se expandiu a um ritmo acelerado em todo o período.
Mas outras comparações —como a análise da trajetória de países emergentes na década atual— evidenciam que a deterioração brasileira no contexto global tem características peculiares e bem particulares.
Desde 2010, a perda de 0,64 ponto percentual de participação do país no PIB mundial só foi inferior aos recuos registrados por Estados Unidos e Japão, que, na esteira da crise financeira de 2008, cresceram, em média, muito abaixo da taxa global.
Os dois são, porém, economias avançadas, com patamar já elevado de renda per capita, em que a estabilidade do progresso em indicadores sociais, como o nível de pobreza, é menos sujeita às oscilações de diferentes ciclo econômico.
Muitas das nações em desenvolvimento, que dependem de taxas razoáveis de crescimento para melhorar o padrão de vida de suas populações, têm apresentado desempenho superior ao brasileiro.
Nos últimos oito anos, vizinhos latino-americanos como Colômbia, Peru, Chile, Uruguai e Paraguai conseguiram, pelo menos, manter suas fatias do PIB mundial (em PPC). Outros emergentes como Indonésia, Turquia, Filipinas, Vietnã e Malásia aumentaram suas participações no período.
“Eu não me preocuparia com a perda de participação do Brasil na economia global se estivéssemos crescendo”, diz o economista Alexandre Cunha, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
“O problema é que não estamos crescendo, e esse recuo relativo a outros países também se manifesta em outros indicadores”, diz o pesquisador.
Ele ressalta que a renda per capita brasileira como percentual da norte-americana —medida muito usada para analisar se um país está se desenvolvendo— nunca retornou ao nível de quatro décadas atrás.
Em 1980, o rendimento médio do brasileiro (em PPC) equivalia a 39% do americano. Em 2018, esse percentual era 25,8%.
Nações como Chile, Taiwan e Coreia seguiram a trajetória inversa no período —os dois últimos, aliás, passaram a ser considerados países desenvolvidos.
Segundo Cunha, embora nenhum economista detenha uma receita mágica para o crescimento econômico sustentado no longo prazo, há grande convergência entre acadêmicos das principais universidades do mundo sobre a importância da estabilidade fiscal nesse processo.
“Não existe na história registro de algum país que tenha conseguido crescer por 20, 30 anos estando quebrado”, diz o pesquisador.
Por isso, para ele, é crucial aprovar a reforma da Previdência e avançar em medidas para reequilibrar as contas públicas deficitárias do Brasil.
Outros passos, diz Cunha, são a estabilidade democrática e das leis.
“Acho que houve um retrocesso nesses aspectos no Brasil. Nosso Congresso, por exemplo, não tem iniciativa de apresentar propostas relevantes para o país nem fiscaliza o Executivo como deveria”, afirma o professor.
O economista Jorge Arbache, vice-presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina, diz que a região se tornou mais dependente da exportação de commodities nos últimos anos e que isso freia seu desenvolvimento em relação a outras partes do mundo, como a Ásia.
“Não é que as commodities não sejam importantes. Elas são muito. Mas estamos vivendo a era da economia do intangível, em que os serviços sofisticados ganham espaço até na produção de manufaturas como automóveis”, diz.
Segundo Arbache, há avanços tecnológicos recentes na economia digital que ainda nem são mensurados nas contas nacionais e, se fossem, revelariam, provavelmente, um retrocesso ainda maior do Brasil no contexto global.
“Precisamos avançar na economia digital para voltar a crescer e ganhar espaço”, diz o economista.
Para isso, ressalta Arbache, além do foco em agendas como a estabilidade fiscal e a de melhoria do ambiente de negócios para as empresas, é necessário avançar em inovação e aumentar a participação do Brasil nas cadeias globais de comércio.