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segunda-feira, 22 de julho de 2024

Brasil apresentará nesta semana ao G20 diretrizes de aliança global contra a fome (G1 - Globo)

Não há dúvida de que o programa global de combate à fome e à pobreza extrema será aprovado no entusiasmo geral das declarações políticas. O interessante será saber o que acontecerá depois, pois tudo vai depender de novas fontes de financiamento (ainda não determinadas), da disposição geral para contribuir para mais um programa da ONU e como tudo isso vai impactar na realidade dos países mais afetados pela fome, que são também o que geralmente exibem conflitos sociais, guerras civis (como o Sudão, o Haiti, a República Democrática do Congo e outros) e o que vai de fato mudar. Provavelmente se terá uma declaração onusiana a mais e poucas mudanças reais.

Paulo Roberto de Almeida

Brasil apresentará nesta semana ao G20 diretrizes de aliança global contra a fome
G1 - Globo | Política, 22/07/2024

Por recomendação do presidente Lula, o combate à fome e à pobreza é um dos temas centrais da presidência brasileira no G20.

O governo federal apresentará nesta semana um conjunto de documentos que orientarão a construção da "Aliança Global contra a Fome e a Pobreza". Serão quatro documentos elaborados durante as reuniões técnicas do G20 (grupo das 20 economias mais ricas do mundo), realizadas em diversas cidades brasileiras.

Por recomendação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o combate à fome e à pobreza é um dos temas centrais da presidência brasileira no G20. Outras prioridades incluem a mobilização global contra as mudanças climáticas e a reforma da governança global.

O "pré-lançamento" dessa aliança marca a segunda fase da presidência brasileira no G20. Agora, no nível ministerial, os países devem avançar nas discussões. O Brasil recebe a cúpula do G20, com chefes de estado, no Rio de Janeiro, em novembro.

As reuniões ministeriais do G20 começam na segunda-feira (22), com o "pré-lançamento" previsto para quarta-feira (24), contando com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina. Os ministros Mauro Vieira (Fazenda), Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e Fernando Haddad (Fazenda) também participarão.

Na ocasião, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) apresentará o relatório "O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI)", conhecido como o mapa da fome. Segundo o Itamaraty, é a primeira vez que a FAO divulga esses dados fora de Roma e Nova Iorque.

Na sexta-feira (19), em Brasília, o Embaixador Mauricio Lyrio, Secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty e coordenador da Trilha Sherpas do G20, revelou que pelo menos 150 milhões de crianças de até 5 anos passam fome no mundo. Além disso, cerca de 730 milhões de pessoas estão em situação de fome ou insegurança alimentar.

O embaixador defendeu que o mundo já reconheceu os programas sociais como mecanismos eficientes para reduzir a fome e a desigualdade. Durante a presidência do Brasil no G20, busca-se a "consagração" da necessidade de programas abrangentes, como agricultura familiar, merenda escolar e bancos de leite.

"Após mais de duas décadas de implementação, temos agora um endosso internacional de instituições como a FAO e o Banco Mundial, que dizem: esses são os programas que funcionam. Temos, pela primeira vez, um conhecimento acumulado sobre o que é eficaz para combater a fome no mundo", enfatizou o embaixador.

A partir da próxima semana, os países poderão aderir e fazer propostas para a "Aliança Global contra a Fome e a Pobreza." Até novembro, serão estabelecidas as regras de governança e os tipos de políticas públicas. A reunião ministerial inaugura a "chancela política" do que foi elaborado até agora. A Cúpula com chefes de estado está prevista para os dias 18 e 19 de novembro no Rio de Janeiro.

Entre os dias 22 e 24 de julho, ocorrerão reuniões ministeriais da força-tarefa contra a fome e do grupo de desenvolvimento. Nos dias 25 e 26 de julho, haverá um encontro de ministros de finanças e presidentes de bancos centrais, no Galpão da Cidadania, no Rio de Janeiro. Simultaneamente, em Fortaleza, uma reunião discutirá trabalho e emprego no mundo.

Durante a reunião ministerial do G20, também estão previstas discussões sobre acesso à água e saneamento básico. Os países estão negociando um documento para mobilização de recursos e intercâmbio entre instituições que trabalham com acesso à água.

Ao lado da primeira-ministra de Bangladesh, a primeira-dama, Janja, apresentará um painel sobre a centralidade da mulher em programas sociais. Embora Bangladesh não faça parte do G20, a primeira-ministra foi convidada pelo governo brasileiro devido às experiências positivas de seu país com programas sociais.

"No caso do Brasil, temos o Bolsa Família, pago às mães. É simbólico dizer que esses países reduziram a fome com programas eficazes focados nas mulheres," disse o embaixador.

O financiamento da "Aliança Global contra a Fome e a Pobreza" ainda está em debate. Segundo Lyrio, existem várias opções, incluindo a possibilidade de trocar dívida externa por financiamento de programas sociais, uso de recursos de organismos internacionais como o Banco Mundial e o FMI, e a taxação de "super-ricos" como uma forma de colaborar com o financiamento do combate à pobreza.

"Esses programas de combate à fome e à pobreza exigem capacidade fiscal, e, infelizmente, os países mais afetados pela fome também têm altos índices de endividamento," afirmou Lyrio.

O Embaixador Mauricio Lyrio anunciou que os países aprovaram, por unanimidade, uma reunião sobre a Reforma da Governança Global na sede da ONU em setembro deste ano. Segundo ele, o tema vai além do Conselho de Segurança e envolve desafios contemporâneos como mudanças climáticas, eventos extremos e transição energética.

"Conseguimos a aprovação de todos os países para a reunião na sede da ONU. Estamos em um momento recorde de conflitos, e a ONU, com quase 80 anos, precisa ser reformada para se adequar às realidades contemporâneas. A ONU deve estar no centro da reforma da governança global, e nada mais simbólico do que realizar a reunião na sede da ONU," enfatizou o embaixador.

O Brasil assumiu a presidência do G20 em dezembro do ano passado. O grupo reúne as 19 maiores economias do mundo, além de representantes da União Europeia e da União Africana.

O G20 atua em duas frentes: Sherpas e Finanças. A trilha de Sherpas trata de questões políticas e é gerenciada por enviados dos líderes do G20. A trilha de Finanças aborda assuntos macroeconômicos e é liderada pelos ministros das finanças e presidentes dos bancos centrais. O objetivo é promover um intercâmbio entre as duas frentes, para que os países disponham de recursos financeiros para implementar os acordos firmados.


quinta-feira, 21 de março de 2024

O Brasil tem parceiros estrangeiros; o PT tem aliados preferenciais: Putin, por exemplo (G1)

Há uma certa confusão, no governo atual, entre aliados políticos e parceiros comerciais. Creio que não se faz muita diferença entre as duas categorias. PRA

PT parabeniza Putin pela eleição na Rússia e chama vitória de 'feito histórico'

Organismos internacionais criticam eleição na Rússia pela falta de transparência e de real competitividade. Para secretário do PT, vitória de Putin 'ressalta a importância do voto voluntário na Rússia'.

G1, 21/03/2024

Em uma carta pública, o secretário de Relações Internacionais do PT, Romênio Pereira, parabenizou o presidente russo Vladimir Putin pela vitória na eleição no último fim de semana. Pereira chamou a vitória de Putin de "feito histórico" e disse que a conquista do novo mandato "ressalta a importância do voto voluntário na Rússia".

A eleição russa é criticada por organismos internacionais pela falta de transparência e pela ausência de real competitividade. 

Putin, que está no poder há 24 anos, não tinha outros concorrentes com real chance de vitória. Os outros três candidatos, todos deputados, eram considerados fantoches do governo — eles votaram a favor da guerra na Ucrânia no Parlamento (sinal de alinhamento a Putin) e já fizeram declarações públicas de apoio ao presidente. 

O país vive uma repressão implacável que sufocou os meios de comunicação independentes e grupos de direitos humanos proeminentes. O mais destacado adversário de Putin, Alexei Navalny, líder da oposição, morreu em uma prisão no Ártico em fevereiro. Outros críticos estão na prisão ou no exílio. 

Putin está no poder há 24 anos e é o presidente mais longevo da Rússia desde Josef Stalin, da época da União Soviética. 

"Acompanhamos com grande interesse o desenrolar do recente processo eleitoral presidencial na Rússia, que resultou na reeleição do presidente Vladimir Putin. Com uma participação impressionante de mais de 87 milhões de eleitores, representando 77% do eleitorado do país, esse feito histórico ressalta a importância do voto voluntário na Rússia". escreveu o secretário de Relações Internacionais do PT.

A carta, apesar de pública e aberta, é endereçada a Dmitry Medvedev, aliado de Putin e presidente do partido Rússia Unida, pelo qual o presidente se elegeu. 

"Renovamos nosso compromisso em fortalecer nossos laços de parceria e amizade, trabalhando juntos rumo a um mundo mais justo, multilateral e plural. Enviamos nossas calorosas saudações à Rússia e seu povo neste momento importante e especial para o país", continua Pereira. 


Silêncio no governo 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também é do PT, ainda não se pronunciou publicamente sobre a vitória de Putin. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil também não. 

Interlocutores de Lula no Palácio do Planalto afirmam que o presidente mandou cumprimentos privados a Putin pela vitória eleitoral. 

No início do mandato, Lula foi criticado por declarações que conferiam à Ucrânia parte da responsabilidade pela guerra. A Ucrânia foi invadida pela Rússia em fevereiro de 2022, e a guerra dura até hoje. A decisão de invadir foi unilateral da Rússia. 

Depois da má repercussão, Lula moderou o discurso e não mais disse que a Ucrânia é culpada pela guerra. Ele também tenta criar um grupo de países neutros para intermediar negociações de paz.


domingo, 18 de fevereiro de 2024

Ignorância e demagogia: as afirmações de Lula sobre Holocausto e Faixa de Gaza: Netanyahu diz que Lula 'cruzou linha vermelha' (G1)

As afirmações do presidente Lula sobre a tragédia atual envolvendo Hamas e Israel, com alusões ao Holocausto hitlerista absolutamente equivocadas, são inaceitáveis do ponto de vista histórico e diplomático, e apenas diminuem sua credibilidade como interlocutor responsável em face dessa tragédia. Elas apenas revelam seu despreparo para tratar desse assunto. (PRA)


Israel convoca o embaixador do Brasil após Lula comparar guerra em Gaza com Holocausto

Netanyahu diz que Lula 'cruzou linha vermelha'. A Confederação Israelita do Brasil (Conib) também reagiu e chamou as declarações do presidente brasileiro de infundadas: 'distorção perversa da realidade'.

Por g1, 18/02/2024 12h55  

 

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou que vai convocar o embaixador brasileiro para "uma dura conversa de repreensão", após a fala do presidente Lula que comparou a guerra em Gaza com o Holocausto nazista e ações de Hitler.

"As palavras do presidente do Brasil são vergonhosas e graves. Trata-se de banalizar o Holocausto e de tentar prejudicar o povo judeu e o direito de Israel se defender", disse Netanyahu, em uma publicação neste domingo (18) no X (antigo Twitter).

"Comparar Israel ao Holocausto nazista e a Hitler é cruzar uma linha vermelha"

O ministro das Relações Exteriores do país, Israel Katz, disse que ninguém irá comprometer o direito que Israel tem de se defender.

Lula deu as declarações durante entrevista em Adis Abeba, na Etiópia, onde participou nos últimos dias da 37ª Cúpula da União Africana e de reuniões bilaterais com chefes de Estado do continente.

"O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus", disse Lula.

A fala de Lula também gerou reação da Confederação Israelita do Brasil (Conib). Para a entidade, o discurso do petista é uma "distorção perversa da realidade".

"Os nazistas exterminaram 6 milhões de judeus indefesos na Europa somente por serem judeus. Já Israel está se defendendo de um grupo terrorista que invadiu o país, matou mais de mil pessoas, promoveu estupros em massa, queimou pessoas vivas e defende em sua Carta de fundação a eliminação do Estado judeu", diz nota da Conib.

O presidente Lula fez a afirmação após ser questionado sobre a decisão de alguns países de suspender repasses financeiros à agência da Organização das Nações Unidas (ONU) que dá assistência a refugiados palestinos, a UNRWA.

No fim de janeiro, Israel acusou funcionários da UNRWA de envolvimento com ações terroristas do Hamas, o que motivou a suspensão de auxílio por parte de governos ocidentais, como os do Estados Unidos, Canadá, Austrália e Reino Unido. Não se sabe quantos funcionários estariam envolvidos.

Lula disse que, se houve um "erro" na UNRWA, que os responsáveis sejam investigados, mas afirmou que a ajuda humanitária não pode ser suspensa. Recentemente, o governo brasileiro anunciou que vai prestar auxílio à agência.






Publicação de Netanyahu sobre fala do presidente Lula sobre Gaza — Foto: Reprodução/X


Leia a nota da Conib na íntegra

"A Conib repudia as declarações infundadas do presidente Lula comparando o Holocausto à ação de defesa do Estado de Israel contra o grupo terrorista Hamas. Os nazistas exterminaram 6 milhões de judeus indefesos na Europa somente por serem judeus. Já Israel está se defendendo de um grupo terrorista que invadiu o país, matou mais de mil pessoas, promoveu estupros em massa, queimou pessoas vivas e defende em sua Carta de fundação a eliminação do Estado judeu. Essa distorção perversa da realidade ofende a memória das vítimas do Holocausto e de seus descendentes.

O governo brasileiro vem adotando uma postura extrema e desequilibrada em relação ao trágico conflito no Oriente Médio, abandonando a tradição de equilíbrio e busca de diálogo da política externa brasileira. A Conib pede mais uma vez moderação aos nossos dirigentes, para que a trágica violência naquela região.não seja importada ao nosso país."

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

"Henry Kissinger ignorou violações de direitos humanos, se aproximou de ditadura e colocou Brasil na posição de aliado principal dos EUA" - Entrevista Matias Spektor (G1)

"Henry Kissinger ignorou violações de direitos humanos, se aproximou de ditadura e colocou Brasil na posição de aliado principal dos EUA"

Matias Spektor, entrevista

Mundo | G1, 1/12/2023

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/11/30/henry-kissinger-ignorou-violacoes-de-direitos-humanos-se-aproximou-de-ditadura-e-colocou-brasil-na-posicao-de-aliado-principal-dos-eua.ghtml


Para Henry Kissinger, um dos mais influentes diplomatas da história dos Estados Unidosmorto aos 100 anos nesta quarta-feira (29), o Brasil ditatorial era um país a ser apoiado e fortalecido.

“Deveríamos ser capazes de trabalhar com mais frequência com eles [brasileiros] para avançar nossos interesses mútuos no hemisfério”, afirmou o então Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos em 1970, quando o Brasil enfrentava alguns dos anos mais duros do regime militar (1964-1985).

A frase está no livro “Kissinger e o Brasil”, de Matias Spektor, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador visitante na Universidade de Princeton, nos EUA.

Naquele momento, os interesses em comum consistiam, principalmente, em evitar a manutenção e a proliferação de governos de esquerda na América do Sul.

“Quando Kissinger chega ao poder, em 1969 [como conselheiro do então presidente Richard Nixon], ele enxerga que o Brasil pode ser uma âncora de estabilidade para a América do Sul. Era o auge da guerra fria, vários países do continente pareciam estar indo para esquerda, mais especificamente ArgentinaUruguai e Chile. O Brasil era, então, a única ditadura de direita. Já havia denúncias de pau de arara, mas ele faz vista grossa”, diz Spektor, em entrevista ao g1.\

O diplomata americano não só ignorou as denúncias de violações de direitos humanos. Ele foi muito além: desenvolveu uma ótima relação pessoal com o presidente general Emílio Médici, apoiando o governo dele, assim como o programa nuclear brasileiro.

Também atuou para que fosse instituído um canal de comunicação secreto entre o governo americano e o brasileiro (que possibilitava a troca de informações sobre iniciativas dos dois países na América do Sul) e para que os Estados Unidos reconhecessem o Brasil como principal aliado no continente.

“Eles [os dois governos] fazem uma reunião secreta em 1971, na qual combinam que vão trabalhar juntos para impedir que governos de esquerda cheguem ao poder pela via eleitoral na América do Sul. Também combinam que, juntos, vão tentar desestabilizar o governo de Salvador Allende no Chile, que era um socialista”, conta Spektor.

Os esforços de Kissinger na relação com o aliado sul-americano podem ser resumidos na frase com que o então presidente Richard Nixon recebeu Médici em 1971: “Para onde o Brasil for, irá o resto da América Latina”. Era a expressão do desejo do governo americano de que o restante dos países do continente caminhassem para regimes autoritários e anticomunistas.

“E veja que foi o que aconteceu: em 1964, quando tem o golpe no Brasil, a única ditadura na América do Sul era o Paraguai. Em 1974, dez anos depois, os únicos dois países que não são ditaduras são a Colômbia e a Venezuela. O período Kissinger coincide com a transformação de uma América do Sul democrática para um América do Sul ditatorial”, explica Spektor.

Vista grossa e anuência tácita

Em 1974, o então diretor da CIA, a agência de inteligência do governo americano, enviou um telegrama a Kissinger, então secretario de Estado (posição equivalente a de ministro das Relações Exteriores), com o seguinte assunto: “Decisão do presidente brasileiro, Ernesto Geisel, de continuar com as execuções sumárias de subversivos perigosos, sob certas condições”.

O documento, descoberto por Spektor durante pesquisas em 2018, demonstra não apenas o envolvimento direto da cúpula do governo militar no assassinato de opositores, mas também o fato de que Kissinger, então uma das principais autoridades do governo americano, tinha pleno conhecimento das brutais ações repressivas cometidas pelo governo aliado.

“Ele era informado, sabia do que estava acontecendo e não deixava isso atrapalhar a relação. Estamos falando de uma região do mundo na qual os EUA tem mais autoridade. Se o governo americano tivesse dito: ‘parem de torturar’, isso teria tido um efeito”, diz Spektor.

“Se o chefe da diplomacia dá uma anuência tácita à tortura, isso faz toda diferença”.

A mudança de postura do governo americano só aconteceu após a vitória eleitoral, em 1976, de Jimmy Carter que, durante a campanha, afirma que a relação desenvolvida por Kissinger com o Brasil era um “tapa na cara dos americanos” -- àquela altura, o Congresso americano já havia começado uma investigação para apurar o papel dos EUA nas torturas na América Latina, o que, segundo Spektor, diminuiu o espaço político para que Kissinger continuasse apoiando os regimes autoritários.

Mesmo assim, a “anuência tácita” de Kissinger continuou tendo graves consequências. Um exemplo se deu durante a Operação Condor, atividades coordenadas das ditaduras sul-americanas, lideradas pelo Chile e pela Argentina, para perseguir e eliminar opositores a partir de meados da década de 1970.

Em setembro de 1976, descobrem que a Operação Condor pretendia assassinar opositores no exterior e preparam um documento aos líderes sul-americanos dizendo que os Estados Unidos não tolerariam algo assim. Kissinger não aprovou a mensagem e instruiu que mais nada fosse feito.

Cinco dias depois, um atentado matou, em Washington, o ex-ministro de Relações Exteriores do Chile, Orlando Letelier, durante o governo Allende, e uma colega americana.

“A partir daí o movimento de solidariedade ao Chile nos Estados Unidos torna impossível que Kissinger continue apoiando Pinochet [ditador no país sul-americano], diz Spektor.

O envolvimento do americano em ações violentas em outros países não acaba aí. Ele também autorizou bombardeios no Camboja, durante a Guerra do Vietnã, que deixaram centenas de milhares de mortos, e apoiou um massacre cometido pela Índia em Bangladesh.

Plano para o Brasil frustrado

A ideia de Kissinger de que os Estados Unidos pudessem, eventualmente, delegar funções para o Brasil na América do Sul e a visão dele de que o país pudesse assumir uma posição de liderança no continente foi frustrada ao longo dos anos.

Durante o governo de Ernesto Geisel (1974-1979), discordâncias em outras áreas começam a afetar a relação entre os dois países, especialmente na área comercial. Diferentemente do esperado pelos americanos, o Brasil não se alinhou automaticamente aos Estados Unidos em votações em fóruns multilaterais e na negociações de tratados internacionais.

“É uma relação que fica progressivamente tensa. O projeto que o Kissinger tinha em 1969 de fazer uma grande aproximação geopolítica com o Brasil afunda ao longo dos anos e termina fracassando”, explica Spektor.

Segundo o professor, o americano também começa a se frustrar ao perceber que o Brasil não queria assumir a função de intervir mais diretamente nos processos políticos e eleitorais dos outros países sul-americanos.

“Não pelo Brasil ser bonzinho, mas por achar que não tinha força pra desempenhar essa função em todo o continente”, diz. “O Brasil cumpre essa função no Uruguai, apoia o golpe de Pinochet, mas não foi a causa. Kissinger esperava mais”.

Depois de deixar o governo americano, em 1977, Kissinger manteve relações com o Brasil, mas como consultor de empresas americanas que faziam negócios em terras brasileiras e de firmas brasileiras que atuavam nos Estados Unidos.

Em 1981, ele esteve no Brasil e foi convidado para dar uma palestra na Universidade de Brasília. Foi recebido por estudantes com uma chuva de ovos e tomates e saiu escoltado.

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