Não há dúvida de que o programa global de combate à fome e à pobreza extrema será aprovado no entusiasmo geral das declarações políticas. O interessante será saber o que acontecerá depois, pois tudo vai depender de novas fontes de financiamento (ainda não determinadas), da disposição geral para contribuir para mais um programa da ONU e como tudo isso vai impactar na realidade dos países mais afetados pela fome, que são também o que geralmente exibem conflitos sociais, guerras civis (como o Sudão, o Haiti, a República Democrática do Congo e outros) e o que vai de fato mudar. Provavelmente se terá uma declaração onusiana a mais e poucas mudanças reais.
Paulo Roberto de Almeida
Por recomendação do presidente Lula, o combate à fome e à pobreza é um dos temas centrais da presidência brasileira no G20.
O governo federal apresentará nesta semana um conjunto de documentos que orientarão a construção da "Aliança Global contra a Fome e a Pobreza". Serão quatro documentos elaborados durante as reuniões técnicas do G20 (grupo das 20 economias mais ricas do mundo), realizadas em diversas cidades brasileiras.
Por recomendação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o combate à fome e à pobreza é um dos temas centrais da presidência brasileira no G20. Outras prioridades incluem a mobilização global contra as mudanças climáticas e a reforma da governança global.
O "pré-lançamento" dessa aliança marca a segunda fase da presidência brasileira no G20. Agora, no nível ministerial, os países devem avançar nas discussões. O Brasil recebe a cúpula do G20, com chefes de estado, no Rio de Janeiro, em novembro.
As reuniões ministeriais do G20 começam na segunda-feira (22), com o "pré-lançamento" previsto para quarta-feira (24), contando com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina. Os ministros Mauro Vieira (Fazenda), Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e Fernando Haddad (Fazenda) também participarão.
Na ocasião, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) apresentará o relatório "O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI)", conhecido como o mapa da fome. Segundo o Itamaraty, é a primeira vez que a FAO divulga esses dados fora de Roma e Nova Iorque.
Na sexta-feira (19), em Brasília, o Embaixador Mauricio Lyrio, Secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty e coordenador da Trilha Sherpas do G20, revelou que pelo menos 150 milhões de crianças de até 5 anos passam fome no mundo. Além disso, cerca de 730 milhões de pessoas estão em situação de fome ou insegurança alimentar.
O embaixador defendeu que o mundo já reconheceu os programas sociais como mecanismos eficientes para reduzir a fome e a desigualdade. Durante a presidência do Brasil no G20, busca-se a "consagração" da necessidade de programas abrangentes, como agricultura familiar, merenda escolar e bancos de leite.
"Após mais de duas décadas de implementação, temos agora um endosso internacional de instituições como a FAO e o Banco Mundial, que dizem: esses são os programas que funcionam. Temos, pela primeira vez, um conhecimento acumulado sobre o que é eficaz para combater a fome no mundo", enfatizou o embaixador.
A partir da próxima semana, os países poderão aderir e fazer propostas para a "Aliança Global contra a Fome e a Pobreza." Até novembro, serão estabelecidas as regras de governança e os tipos de políticas públicas. A reunião ministerial inaugura a "chancela política" do que foi elaborado até agora. A Cúpula com chefes de estado está prevista para os dias 18 e 19 de novembro no Rio de Janeiro.
Entre os dias 22 e 24 de julho, ocorrerão reuniões ministeriais da força-tarefa contra a fome e do grupo de desenvolvimento. Nos dias 25 e 26 de julho, haverá um encontro de ministros de finanças e presidentes de bancos centrais, no Galpão da Cidadania, no Rio de Janeiro. Simultaneamente, em Fortaleza, uma reunião discutirá trabalho e emprego no mundo.
Durante a reunião ministerial do G20, também estão previstas discussões sobre acesso à água e saneamento básico. Os países estão negociando um documento para mobilização de recursos e intercâmbio entre instituições que trabalham com acesso à água.
Ao lado da primeira-ministra de Bangladesh, a primeira-dama, Janja, apresentará um painel sobre a centralidade da mulher em programas sociais. Embora Bangladesh não faça parte do G20, a primeira-ministra foi convidada pelo governo brasileiro devido às experiências positivas de seu país com programas sociais.
"No caso do Brasil, temos o Bolsa Família, pago às mães. É simbólico dizer que esses países reduziram a fome com programas eficazes focados nas mulheres," disse o embaixador.
O financiamento da "Aliança Global contra a Fome e a Pobreza" ainda está em debate. Segundo Lyrio, existem várias opções, incluindo a possibilidade de trocar dívida externa por financiamento de programas sociais, uso de recursos de organismos internacionais como o Banco Mundial e o FMI, e a taxação de "super-ricos" como uma forma de colaborar com o financiamento do combate à pobreza.
"Esses programas de combate à fome e à pobreza exigem capacidade fiscal, e, infelizmente, os países mais afetados pela fome também têm altos índices de endividamento," afirmou Lyrio.
O Embaixador Mauricio Lyrio anunciou que os países aprovaram, por unanimidade, uma reunião sobre a Reforma da Governança Global na sede da ONU em setembro deste ano. Segundo ele, o tema vai além do Conselho de Segurança e envolve desafios contemporâneos como mudanças climáticas, eventos extremos e transição energética.
"Conseguimos a aprovação de todos os países para a reunião na sede da ONU. Estamos em um momento recorde de conflitos, e a ONU, com quase 80 anos, precisa ser reformada para se adequar às realidades contemporâneas. A ONU deve estar no centro da reforma da governança global, e nada mais simbólico do que realizar a reunião na sede da ONU," enfatizou o embaixador.
O Brasil assumiu a presidência do G20 em dezembro do ano passado. O grupo reúne as 19 maiores economias do mundo, além de representantes da União Europeia e da União Africana.
O G20 atua em duas frentes: Sherpas e Finanças. A trilha de Sherpas trata de questões políticas e é gerenciada por enviados dos líderes do G20. A trilha de Finanças aborda assuntos macroeconômicos e é liderada pelos ministros das finanças e presidentes dos bancos centrais. O objetivo é promover um intercâmbio entre as duas frentes, para que os países disponham de recursos financeiros para implementar os acordos firmados.
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