80 Anos do Dia D Brasileiro no front da Segunda Guerra
Em 16 de jul. de 2024, à(s) 16:40, Pedro Scuro escreveu:
Precisou o presidente italiano vir e nos dizer que hoje, 16 de julho, se comemora uma das datas mais gloriosas da história do Brasil, o nosso Dia D, do desembarque da Força Expedicionária Brasileira na Itália, de onde partiria cedo demais (e somente porque os comandantes militares estavam “cansados de guerra”, segundo Humberto Castello Branco) vitoriosa, coberta da glória.
Conhecida por sua tenacidade e bravura, a FEB foi respeitada pelos adversários, o exército mais poderoso do mundo. E pelos aliados, que lamentaram profundamente ela ter sido desmobilizada ainda na Itália pelos militares que sempre a odiaram, chamando-a de “exército de Getúlio”.
Já para o General Harold Alexander, comandante supremo das forças aliadas na Itália, “soldados tão bons como os brasileiros deveriam ir para a Áustria e não para casa”. Não estava fugindo da guerra como Castello et caterva e disse o que pensava ao Embaixador Vasco Leitão da Cunha, que, de imediato, telegrafou ao Itamaraty insistindo que a “FEB devia ficar”. Em resposta ouviu que “isso é somente cavação deles [aliados] para ganhar ouro”. Reagiu argumentando que não reconhecíamos a contribuição dos nossos pracinhas e ignorávamos que a razão de ser da FEB era “mais política que militar”.
O que ele queria dizer com “mais política”? De fato, no Brasil já havia outros 25 mil pracinhas ansiosos para render a primeira divisão e dar seguimento ao plano combinado: a transferência da Itália para a Áustria tinha objetivos geopolíticos, como a derrubada do fascismo sobressalente em Portugal e na África, além de acarretar também absorver a Guiana francesa, vital para a segurança da Amazônia. Do modo como me contou em 2011 o saudoso Professor Hermínio Martins, da Universidade de Oxford:
“Franklin Delano Roosevelt gostaria de ver os impérios coloniais europeus destruídos, incluindo o império britânico, como o disse várias vezes. Até queria que Hong Kong, depois da expulsão dos japoneses, fosse devolvida à China, no caso a China nacionalista. Os ingleses ficaram preocupados, intervieram na recuperação da cidade e não admitiram dela abrir mão custasse o que custasse (se fosse devolvida à China, seria ocupada pelos comunistas, e a história dos últimos 60 anos teria sido bem diferente). Quanto aos franceses, o mesmo, portanto a questão da Guiana – FDR, aliás, chegou a pensar na divisão da França em vários estados.Quanto ao império português, sem dúvida que os americanos pensaram que não se aguentaria de um modo ou outro. Os relatórios dos cônsules americanos em Angola e Moçambique faziam pensar que eram colônias decadentes, moralmente (o sexo interracial os obcecava), e em todos os demais sentidos, e que o seu fim seria uma questão que o tempo logo iria resolver.”
O mundo seria outro, se a FEB tivesse continuado. Nada disso, porém, tirava o sono do alto comando e dos caciques políticos da época, mais preocupados em deixar que “depois da luta e da vitória cada um tomasse o caminho que quisesse”.Confirmou-se, portanto, o que havia previsto, anos antes, o general Góes Monteiro, ao alertar que os oficiais superiores (e seus congregados) acabariam comprometendo o “futuro da nação em proveito de interesses particularistas, regionais e pessoais”.
Interesses do tipo dos vários generais, suas famílias e membros de gabinete que semanas atrás lotaram jatos da FAB com destino à Itália e adjacências, com a desculpa de participar das comemorações do Dia da Vitória. Feito para o qual o Exército pouco ou quase nada contribuiu e até hoje não conhece nem reconhece.
Não apenas os militares, mas praticamente todos que ignoramos que a FEB foi o resultado da luta dos brasileiros por sua liberdade e sua dignidade, luta que principia em Canudos, nas ruas de São Paulo em 1917, no Rio em 1919 e 1922, de novo São Paulo em 1924 e 1932, ainda outra vez com os comunistas em 1935, culminando no desembarque num dia de hoje, depois de quase 1000 brasileiros mortos por submarinos alemães e italianos, dando ensejo a enormes manifestações populares pela entrada do País na guerra ao lado dos aliados.
O povo brasileiro exigiu e o povo brasileiro partiu para a frente de combate. Não admira a Canção do Expedicionário iniciar perguntando: “você sabe de onde eu venho?” E respondendo “venho do morro, do engenho, da selva, do cafezal”. Nossos expedicionários vinham precisamente daí, pois a FEB na sua imensa maioria era composta de voluntários, civis e não de militares, que só foram do quartel até a praia (“patos n’água”, como os febianos os chamavam).
Voluntários saídos do nosso povo mais carente, “gente muito humilde, mas muito patriótica”, observava meu pai, que ao lado desses pracinhas lutou e continuou lutando depois da guerra, abandonados que foram por aqueles que sempre os odiaram, mas também pelos que sempre os ignoraram, como nós que alegamos que os pracinhas “se meteram numa guerra que nada tinha a ver conosco”.
Não era o que dizia meu pai, quando contava detalhes do dia que a FEB capturou duas divisões inteiras, uma alemã e outra italiana, quase intactas, frustrando os planos do inimigo de conseguir uma rendição negociada.
Ele só se aborrecia quando lembrava os “pedidos de baixa” dos militares com medo de ir para a frente de combate, alguns chegando a se mutilar, decepando, por exemplo, dedos dos pés. Pior ainda foi o Exército ter reintegrado boa parte desses desertores, alguns dos quais depois promovidos a postos de comando e que depois participaram em vários golpes de estado.
O velho Tenente Segisfredo Scuro lembrava de tudo, inclusive dos nomes completos de alguns “aleijadinhos”, como ele chamava os desertores. Contei ao Professor Frank McCann, talvez o maior especialista de história do nosso exército, que disse que eu podia acreditar no depoimento de meu pai, até porque os militares brasileiros têm o mau hábito de se auto-anistiarem, algo notório e repetido durante toda a República, período em que o poder armado (polícias e militares) usou e abusou da força contra os cidadãos brasileiros.
Disse mais o professor: não há como demonstrar que meu pai tivesse mentido ou exagerado, pois os relatórios dos anos de participação brasileira na guerra, 1944 e 1945, que deveriam estar nos arquivos do Exército, simplesmente sumiram! O curioso é que desde o século 19 a documentação está intacta; só faltam os tais relatórios, que mesmo remexendo os arquivos reservados do Estado-Maior, um oficial amigo de McCann não pôde encontrar.
Obrigado ao Presidente Sergio Mattarella por ter lembrado de algo que não sabemos e até temos raiva de quem sabe. Fica, à guisa de lembrança, uma foto tirada no USS General Mann, navio norte-americano, dias antes do desembarque, com meu pai no comando de seu pelotão formado pelo que existe de melhor na nossa sociedade, a nossa gente que veio do morro, do engenho, da selva e do cafezal.
Canção do Expedicionário: https://www.youtube.com/watch?v=nY2PYIlcclI
Pedro Scuro Neto, 16 de julho de 2024
<Imagem do WhatsApp de 2024-07-16 à(s) 16.15.36_208a0cd2.jpg>
(Foto de Pedro Scuro Neto: o segundo, da esquerda para a direita é seu pai, no navio que o levou à Itália com a FEB)
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