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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 16 de julho de 2024

80 ANOS DO DIA D BRASILEIRO: Entrada da FEB na frente de batalha da Itália, na Segunda Guerra Mundial - Pedro Scuro Neto (filho de um combatente)

80 Anos do Dia D Brasileiro no front da Segunda Guerra


Em 16 de jul. de 2024, à(s) 16:40, Pedro Scuro escreveu:


Precisou o presidente italiano vir e nos dizer que hoje, 16 de julho, se comemora uma das datas mais gloriosas da história do Brasil, o nosso Dia D, do desembarque da Força Expedicionária Brasileira na Itália, de onde partiria cedo demais (e somente porque os comandantes militares estavam “cansados de guerra”, segundo Humberto Castello Branco) vitoriosa, coberta da glória.

Conhecida por sua tenacidade e bravura, a FEB foi respeitada pelos adversários, o exército mais poderoso do mundo. E pelos aliados, que lamentaram profundamente ela ter sido desmobilizada ainda na Itália pelos militares que sempre a odiaram, chamando-a de “exército de Getúlio”.

Já para o General Harold Alexander, comandante supremo das forças aliadas na Itália, “soldados tão bons como os brasileiros deveriam ir para a Áustria e não para casa”. Não estava fugindo da guerra como Castello et caterva e disse o que pensava ao Embaixador Vasco Leitão da Cunha, que, de imediato, telegrafou ao Itamaraty insistindo que a “FEB devia ficar”. Em resposta ouviu que “isso é somente cavação deles [aliados] para ganhar ouro”. Reagiu argumentando que não reconhecíamos a contribuição dos nossos pracinhas e ignorávamos que a razão de ser da FEB era “mais política que militar”.

O que ele queria dizer com “mais política”? De fato, no Brasil já havia outros 25 mil pracinhas ansiosos para render primeira divisão e dar seguimento ao plano combinado: a transferência da Itália para a Áustria tinha objetivos geopolíticos, como a derrubada do fascismo sobressalente em Portugal e na África, além de acarretar também absorver a Guiana francesa, vital para a segurança da Amazônia. Do modo como me contou em 2011 o saudoso Professor Hermínio Martins, da Universidade de Oxford:

“Franklin Delano Roosevelt gostaria de ver os impérios coloniais europeus destruídos, incluindo o império britânico, como o disse várias vezes. Até queria que Hong Kong, depois da expulsão dos japoneses, fosse devolvida à China, no caso a China nacionalista. Os ingleses ficaram preocupados, intervieram na recuperação da cidade e não admitiram dela abrir mão custasse o que custasse (se fosse devolvida à China, seria ocupada pelos comunistas, e a história dos últimos 60 anos teria sido bem diferente). Quanto aos franceses, o mesmo, portanto a questão da Guiana – FDR, aliás, chegou a pensar na divisão da França em vários estados.Quanto ao império português, sem dúvida que os americanos pensaram que não se aguentaria de um modo ou outro. Os relatórios dos cônsules americanos em Angola e Moçambique faziam pensar que eram colônias decadentes, moralmente (o sexo interracial os obcecava), e em todos os demais sentidos, e que o seu fim seria uma questão que o tempo logo iria resolver.

O mundo seria outro, se a FEB tivesse continuado. Nada disso, porém, tirava o sono do alto comando e dos caciques políticos da época, mais preocupados em deixar que “depois da luta e da vitória cada um tomasse o caminho que quisesse”.Confirmou-se, portanto, o que havia previsto, anos antes, o general Góes Monteiro, ao alertar que os oficiais superiores (e seus congregados) acabariam comprometendo o “futuro da nação em proveito de interesses particularistas, regionais e pessoais”.

Interesses do tipo dos vários generais, suas famílias e membros de gabinete que semanas atrás lotaram jatos da FAB com destino à Itália e adjacências, com a desculpa de participar das comemorações do Dia da Vitória. Feito para o qual o Exército pouco ou quase nada contribuiu e até hoje não conhece nem reconhece.

Não apenas os militares, mas praticamente todos que ignoramos que a FEB foi o resultado da luta dos brasileiros por sua liberdade e sua dignidade, luta que principia em Canudos, nas ruas de São Paulo em 1917, no Rio em 1919 e 1922, de novo São Paulo em 1924 e 1932, ainda outra vez com os comunistas em 1935, culminando no desembarque num dia de hoje, depois de quase 1000 brasileiros mortos por submarinos alemães e italianos, dando ensejo a enormes manifestações populares pela entrada do País na guerra ao lado dos aliados.

O povo brasileiro exigiu e o povo brasileiro partiu para a frente de combate. Não admira a Canção do Expedicionário iniciar perguntando“você sabe de onde eu venho?” E respondendo “venho do morro, do engenho, da selva, do cafezal”. Nossos expedicionários vinham precisamente daí, pois a FEB na sua imensa maioria era composta de voluntários, civis e não de militares, que só foram do quartel até a praia (“patos n’água”, como os febianos os chamavam).

Voluntários saídos do nosso povo mais carente, “gente muito humilde, mas muito patriótica”, observava meu pai, que ao lado desses pracinhas lutou e continuou lutando depois da guerra, abandonados que foram por aqueles que sempre os odiaram, mas também pelos que sempre os ignoraram, como nós que alegamos que os pracinhas “se meteram numa guerra que nada tinha a ver conosco”.

Não era o que dizia meu pai, quando contava detalhes do dia que a FEB capturou duas divisões inteiras, uma alemã e outra italiana, quase intactas, frustrando os planos do inimigo de conseguir uma rendição negociada. 

Ele só se aborrecia quando lembrava os “pedidos de baixa” dos militares com medo de ir para a frente de combate, alguns chegando a se mutilar, decepando, por exemplo, dedos dos pés. Pior ainda foi o Exército ter reintegrado boa parte desses desertores, alguns dos quais depois promovidos a postos de comando e que depois participaram em vários golpes de estado.

O velho Tenente Segisfredo Scuro lembrava de tudo, inclusive dos nomes completos de alguns “aleijadinhos”, como ele chamava os desertores. Contei ao Professor Frank McCann, talvez o maior especialista de história do nosso exército, que disse que eu podia acreditar no depoimento de meu pai, até porque os militares brasileiros têm o mau hábito de se auto-anistiarem, algo notório e repetido durante toda a República, período em que o poder armado (polícias e militares) usou e abusou da força contra os cidadãos brasileiros.

Disse mais o professor: não há como demonstrar que meu pai tivesse mentido ou exagerado, pois os relatórios dos anos de participação brasileira na guerra, 1944 e 1945, que deveriam estar nos arquivos do Exército, simplesmente sumiram! O curioso é que desde o século 19 a documentação está intacta; só faltam os tais relatórios, que mesmo remexendo os arquivos reservados do Estado-Maior, um oficial amigo de McCann não pôde encontrar.

Obrigado ao Presidente Sergio Mattarella por ter lembrado de algo que não sabemos e até temos raiva de quem sabe. Fica, à guisa de lembrança, uma foto tirada no USS General Mann, navio norte-americano, dias antes do desembarque, com meu pai no comando de seu pelotão formado pelo que existe de melhor na nossa sociedade, nossa gente que veio do morro, do engenho, da selva e do cafezal.

Canção do Expedicionário: https://www.youtube.com/watch?v=nY2PYIlcclI

Pedro Scuro Neto, 16 de julho de 2024

Pedro Scuro (academia.edu) 

<Imagem do WhatsApp de 2024-07-16 à(s) 16.15.36_208a0cd2.jpg>

(Foto de Pedro Scuro Neto: o segundo, da esquerda para a direita é seu pai, no navio que o levou à Itália com a FEB) 

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Hamas and Netanyahu: two sides of a counterfeit coin - Pedro Scuro Neto

Hamas and Netanyahu: two sides of a counterfeit coin


Pedro Scuro Neto

 “There is no news”, Umberto Eco tells us, “journalists are the ones who create it”. He also comments on “the drastic drop in print media sales, and the saturation of the market in which traditional journalism must compete with less formal or unprofessional modalities”. From which I conclude that since “people don’t need newspapers (because) they can tell lies by themselves” (as a Brazilian song goes), Internet users took on the task and bad journalism became increasingly 'democratic'.

Not surprisingly, very few of us seem to be aware of this transformation. Consequently, Eco points out: we trust the everyman’s electronic media “because we don't know how to differentiate accredited sources from nonsense ones – just think about websites on plots or absurd stories: they have incredible following, from Internet users to influential people who take the web seriously”. [https://www.academia.edu/36573715/Luta_Anticorrup%C3%A7%C3%A3o_Arca_dos_Insensatos]
The Hamas-Israel War is the case in point, since what is portrayed by the corporate and everyman’s electronic media reflects extremely poorly the realities of the region and much less the structural forces that are leading the Middle East to disaster.
In stark contrast to the standard narrative, the war is a contentious ‘manna from heaven’ to Likud, the political party founded in 1973 by Menachem Begin and Ariel Sharon in an alliance with several right-wing organisations. In power since 1996 and after the assassination of Yitzhak Rabin, the party has contributed to the expansion and military training of Hamas, an Arabic acronym for the Islamic Resistance Movement.
Back in the 1960s, the precursor of Hamas, Al Mujamma al Islami (‘The Islamic Center’), has established the presence of the Muslim Brotherhood in the Palestinian territories through a set of charities in the West Bank and Gaza Strip. In 1987, a group of its activists organised Hamas, a formal Palestinian branch of the Brotherhood, that has ever since labelled itself as “one of the wings of the Moslem Brotherhood in Palestine”, but just as Likud, “a universal organisation” structured transnationally.
One of Hamas’ adherents was the wheelchair-bound Sheik Ahmed Yassin, its future leader that has concentrated the Mujamma’s activities on religious and social services. Oddly enough, Israeli authorities actively supported the rise of militarised Hamas, during the time when their main antagonist was Yasser Arafat and his Palestinian Liberation Organization.
Those days, the Islamists affiliated with Egypt’s banned Muslim Brotherhood were allowed to operate almost freely in Gaza, assisting Israel in its repression of PLO operatives in the occupied territory. During that time, Sheik Yassin was jailed on a 12-year sentence, but not surprisingly released only a year later.
Around the same time, Netanyahu made his first mark, representing the new generation of Israeli politicians trained by American PR experts and his former employer, the Boston Consulting Group. Serving as Israeli ambassador to the U.N. he authored a book offering lessons on “how democracies can defeat domestic and international terrorists”.
Right after that, 1988 amid the first intifada/uprising Hamas finally made clear that it refused the existence of the Israeli state and launched a campaign of attacks against civilians. When the peace process began between Yitzhak Rabin and Arafat, Sheik Yassin was again in prison, this time sentenced for life. However, as soon as Netanyahu became prime minister, Yassin was released “on humanitarian grounds”. Even more surprising, after Yassin was expelled to Jordan, Netanyahu allowed him to return to Gaza as a hero in late 1997. Until his killing in 2004, he initiated a wave of suicide attacks against Israelis.
In 2007, after Hamas’ election victory that rankled both the West and Fatah, the group took over and began administering Gaza, leading both Israel and Egypt to impose a strategy of total blockade. But this was not all. In March 2019, following perhaps the lessons exposed in his book, Netanyahu told Likud’s Knesset members that “anyone who wants to thwart the establishment of a Palestinian state has to support bolstering Hamas and transferring money to Hamas. This is part of our strategy – to isolate the Palestinians in Gaza from the Palestinians in the West Bank”.
Nevertheless, before the global pandemic, Gazan Palestinians organised widespread protests demanding Israel to end the blockade and address the Palestinian-Israeli conflict. This made Likud in desperation to revert Netanyahu’s plan in favour of a novel and ‘final solution’. Hence, the preference for the ‘Dahiya Doctrine’, outlined by former IDF Chief Gadi Eizenkot in the 2006 Lebanese War and in the 2008-09 Gaza War. It’s premiss is the destruction of civilian infrastructures of “hostile regimes.”
“What happened in the Dahiya quarter of Beirut in 2006 will happen in every village from which Israel is fired on… We will apply disproportionate force on it and cause great damage and destruction there. From our standpoint, these are not civilian villages, they are military bases… This is not a recommendation. This is a plan. And it has been approved.”
From the perspective of international law, the ‘doctrine’ is nothing but ‘state terrorism’, and in the view of U.N. a “carefully planned” assault “to punish, humiliate and terrorize a civilian population”.
Thus, in July Netanyahu had no alternative but to make unambiguously clear that his government would no longer bolster Hamas, but “crush” any Palestinian statehood ambitions, using the principles drawn by Eizenkot, now a minister without portfolio in war cabinet of the former BCG consultant on defeating terrorism.
In the first six days of the war Israel dropped six thousand bombs on Gaza – almost the number the U.S. used in Afghanistan in one year. To understand the intensity of such bombing, it suffices to know that Afghanistan is almost 1,800 larger than the besieged Palestinian enclave. Israel is going by the book – no longer Netanyahu’s but that of Eizenkot, the new Messiah.
“The two-state solution is no longer possible” (Tzipi Hotovely, Israeli ambassador to the United Kingdom, last week).
Pedro Scuro (academia.edu)