Sinais contraditórios do Brasil sobre a guerra na Ucrânia preocupam diplomatas
Camila Turtelli e Matheus Lara
O Estado de S. Paulo, 03 de março de 2022 | 05h00
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ORIGENS. O diplomata Paulo Roberto de Almeida colocou a política externa bolsonarista como o final trágico de uma trajetória iniciada por um “aparelhamento lulopetista” no Itamaraty: “Com o PT, a ‘pizza diplomática’ até que resistiu bem: só tinha umas fatias de cubanices e bolivarianices”.
ORIGENS 2. “Desde 2019, a ‘pizza’ foi contaminada por um molho bolsonarista inaceitáveis para os princípios de nossa tradição”, escreveu Almeida, no Facebook.
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A matéria no clipping-resumo desta quinta-feira, 3/03/2022:
Sinais contraditórios do Brasil - Após o Brasil dizer “sim”, ontem, junto a outros 140 países, à resolução da ONU condenando os ataques russos à Ucrânia, sinais contraditórios da política externa do País sobre o conflito mais uma vez foram tema de discussões acaloradas em grupos de diplomatas. Da “neutralidade” citada por Bolsonaro ao “equilíbrio” expresso por Carlos França e as críticas contundentes de Hamilton Mourão, a leitura é de que a falta de rumo pode isolar ainda mais o Brasil. Diplomatas têm demonstrado preocupação sobre como a falta de clareza do Estado brasileiro sobre os ataques têm repercutido internacionalmente e contribuindo para piorar a imagem já desgastada da política externa do País. O diplomata Paulo Roberto de Almeida colocou a política externa bolsonarista como o final trágico de uma trajetória iniciada por um “aparelhamento lulopetista” no Itamaraty: “Com o PT, a ‘pizza diplomática’ até que resistiu bem: só tinha umas fatias de cubanices e bolivarianices”. “Desde 2019, a ‘pizza’ foi contaminada por um molho bolsonarista inaceitável para os princípios de nossa tradição”, escreveu Almeida, no Facebook. Ganharam destaque entre membros do corpo diplomático brasileiro printscreens de jornais internacionais que, apesar do voto contra a Rússia na ONU, ainda veem o Brasil como simpático à causa russa. O britânico Daily Mail, por exemplo, destacou ontem as contradições do Brasil e visão “favorável” de Jair Bolsonaro sobre Vladimir Putin.
Minha recollection de quase duas décadas de demolição diplomática
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)
Um texto que vai causar pruridos nos petistas e trazer desconforto a certas “almas cândidas”, como diria Raymond Aron, inclusive vários colegas diplomatas.
O Itamaraty começou a ser destruído, como instituição, na era Lula, a despeito da excelente projeção externa do Brasil e do crescimento extraordinário de nosso prestígio internacional.
Alguns “servos” da ditadura cubana controlavam a diplomacia, como certo apparatchik do PT e alguns colaboradores voluntários (sobre cujo caráter não preciso me expressar). Mas a “pizza diplomática” do Itamaraty até que resistiu bem: só tinha uma ou duas fatias de cubanices e de bolivarianices, mas era o Itamaraty “normal”: multilateralismo, regionalismo, desenvolvimentismo, unctadianismo, terceiro-mundismo, anti-imperialismo e antiamericanismo moderado, ou seja, tudo igual ao que sempre fomos, desde o final dos anos 1950, quando começa a famosa PEI, ainda antes do Afonso Arinos e do San Tiago Dantas, e outros ideólogos do período, como Araújo Castro.
Mas, a diplomacia partidária e paralela do PT introduziu elementos clandestinos e deformadores do processo decisório, que foi totalmente invertido: a base tinha de atender aos objetivos da cúpula, como no “centralismo democrático” dos neobolcheviques.
Por isso escrevi, em 2014, o livro “Nunca Antes na diplomacia…”, que tinha justamente um capítulo sobre o processo decisório, um outro sobre a miopia do “Sul Global” e mais um contendo meu minority report, como um contrarianista, o que sempre fui.
Mas, quando a editora quis fazer uma 2a edição, em 2019, eu me opus, pois disse que o “nunca antes” era exatamente o desgoverno horroroso e a diplomacia aloprado do Bozo e do patético ex-chanceler acidental. Preferi escrever toda uma série de quatro obras digitais sobre o alucinante “bolsolavismo diplomático”, começando pelo “Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty” (2019), chegando até “O Itamaraty Sequestrado, 2018-2021”, que resume a destruição demencial do ex-chanceler acidental e desequilibrado.
A essa altura, a “pizza diplomática” já tinha sido, toda ela, contaminada por um horroroso “molho bolsolavista”, intragável e inaceitável para os padrões usuais e os valores e princípios de nossa política externa tradicional. Não preciso dizer que os “pizzaiolos” eram os delirantes fanáticos daquela franja lunática submissa à extrema-direita americana, “dirigidos” por um inepto e ignorante chefe de desgoverno.
Acabei escrevendo e publicando, em 2021, Apogeu e demolição da política externa; mas nem preciso dizer que o lulopetismo diplomático acabou entrando no apogeu, e que a demolição é inteiramente obra do Bozo e dos integrantes da franja lunática.
Agora, só me falta escrever uma espécie de “história sincera” do Itamaraty, relatando minha visão de quatro décadas de política externa e de diplomacia brasileira. Comecei em 1978, sendo fichado pelo SNI como “diplomata subversivo”, por me opor à ditadura militar, e terminei, no final de 2021, como “diplomata dissidente”, ou uma espécie de refuznik da atual demência bozófila na política externa, a despeito das tentativas de meus colegas diplomatas de preservar um mínimo de dignidade para o Itamaraty.
Se o tirano Putin pode ser condenado, pelo menos moralmente, por “crimes de guerra” e “contra a humanidade”, Bozo, seus generais amestrados e os aspones lunáticos devem ser processados e condenados, pelo menos moralmente, por crimes contra a diplomacia e contra a política externa do Brasil.
A história não os absolverá, e eu não os deixarei impunes no “meu” tribunal pessoal da dignidade moral.
Continuarei expressando meu pensamento e minhas opiniões e argumentos no meu quilombo de resistência intelectual, mesmo sozinho.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4092: 2 março 2022, 2 p.
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