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quinta-feira, 10 de março de 2022

O fim do Estado-nação como o conhecemos atualmente? - Paulo Roberto de Almeida

 O fim do Estado-nação como o conhecemos atualmente?

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Ao observar o comportamento, as falas, as posturas de dois personagens de nossa época, fui transportado para outras eras da história, outras histórias. Lembrei-me do livro Vidas Paralelas, de Plutarco, mas isso a propósito de Putin-Bozo, dois insanos, mas um muito perigoso, o outro apenas ridículo.

Não, não vou fazer como Plutarco, que traçou paralelos entre grandes figuras da história grega e seus possíveis equivalentes na história romana. Tampouco vou fazer como Suetônio, ao cantar as loas de doze césares. Meu propósito é mais simples: mostrar como determinados insanos, que capturam o poder numa determinada nação e partir daí causam desastres para seus próprios povos e, no caso dos muitos poderosos, para outros povos também.

Desse ponto de vista, Putin e Bozo são confrades, irmãos gêmeos na capacidade de arruinar seus países, e no caso de Putin de provocar danos a outros países.

No caso do Bozo, a profilaxia é simples: vote out nas próximas eleições, a despeito de minha opinião de que ele deveria ter sido defenestrado muito antes, quando começou a provocar danos ao país, e isto começou em 1/01/2019 e continuou até hoje.

No caso de Putin é mais difícil, mas a razão é a mesma: existem pessoas e grupos que tiram vantagens do arbítrio do dirigente, e querem que ele continue no poder, justamente por isso. 

Quem são os culpados? Os que se beneficiam disso, parlamentares de forma geral, e cortesãos próximos de maneira particular.

Tanto para Putin, quanto para o Bozo, temos generais castrados próximos do poder, aqueles capazes de comandar a guerra contra vizinhos, estes apenas interessados em defender seus contracheques.

O que acontece na Rússia e no Brasil é uma tragédia, primeiro para os seus próprios povos, mas no caso da Rússia com efeitos regionais e potencialmente mundiais.

Ambos são insanos, megalomaníacos, despreparados para entender o mundo, mas a capacidade de destruição do Bozo está limitada ao próprio Brasil, e também à diplomacia brasileira.

Putin tem um poder muito maior e, portanto, o esforço para constrangê-lo terá de ser muito maior, com efeitos sobre seus vizinhos, sobre as potências ocidentais, para o mundo.

Este será o preço a pagar.

Lamento, sinceramente, pelo povo chinês, que tem um novo imperador absoluto no seu comando, e que assumiu uma postura EQUIVOCADA na presente confrontação. A China teria interesse numa ordem mundial estável, pois foi ela que permitiu a ascensão do seu país e a prosperidade do povo chinês. Ele pode estar comprometendo possibilidades na globalização ao apoiar um tirano insano. Xi Jinping também é um tirano, mas não insano, mas está reagindo à interferência dos ocidentais na vida dos seus súditos, que sejam os do Tibet, do Xinjiang, de Hong Kong e de Taiwan. Tiranos podem se tornar perigosos.

Por isso está na hora de acabar com a soberania absoluta das nações e a Igualdade Soberana dos Estados, um princípio útil, mas como tudo na vida da civilização, com espaços abertos à insanidade dos dirigentes.

Vou terminar com a "história antiga": a única diferença entre Homero e Plutarco é que não mais acreditamos na interferência dos deuses nas ações dos homens. Os tiranos atuais agem por suas próprias obsessões e loucuras, sem qualquer interferência do Olimpo. Mas nem Freud serve para explicar a situação, apenas em parte. Falarei sobre a próxima evolução civilizatória mais adiante. 

Seria mais interessante tratar dos efeitos econômicos e políticos da guerra, um tema que me foi solicitado debater com meus ex-alunos de doutorado, que possuem um grupo de discussões sobre questões da atualidade. O custo econômico do conflito será alto, mas não catastrófico, pelo menos para os países avançados; os pobres, como sempre, sentirão os efeitos mais graves, em termos de alimentos, mais do que energia.

Mas, o problema não é tanto o custo econômico e sim o custo político e talvez civilizatório da ação de um psicopata não contido pelos seus generais e outros homens do Estado russo. Muitos preveem um mundo de retorno aos grandes impérios econômicos do passado, o que em parte pode ser verdade, mas o mundo não é feito apenas de incontroláveis e incontornáveis forças econômicas: a insensatez de dirigentes poderosos pode criar turbulências que abalam temporariamente essas forças econômicas impessoais e imperturbáveis até certo ponto.

Não estamos tão longe assim da guerra de Troia, mas a Helena não tem nada a ver com uma desgraça mútua que durou dez anos. Putin talvez seja um novo Menelau, com a diferença de que ele foi movido unicamente por suas próprias obsessões, não por um cerco econômico de potências “ocidentais”. O Menelau da era contemporânea ameaça arrastar o mundo para uma destruição bem pior do que a de Troia (e também para os gregos).

O mundo pagará um preço, temporário, e bem mais doloroso para a Ucrânia, que tenta sobreviver. A próxima Carta da ONU, ou uma nova, terá de ter um capítulo sobre a prevenção da marcha da insensatez da parte dos tiranos, mas para isso terá de haver um arranjo multilateral sobre o fim da soberania absoluta dos Estados, o que se pensava ser um legado positivo de Vestfália. Terá de ser o fim dos Estados nacionais, mas não poderá ser a volta dos impérios autocentrados.

A próxima Carta da ONU, ou sua substituta, terá de ter um capítulo para tratar dos insanos poderosos, provavelmente limitando a soberania absoluta dos Estados, o primeiro e mais importante legado de Vestfália. Mas, não pode ser uma volta a impérios autocentrado, e sim impérios abertos à interdependência.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4101: 10 março 2022, 3 p.


 

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