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terça-feira, 8 de agosto de 2023

A Invasão da Ucrânia - Livres, Setorial Internacional

A Invasão da Ucrânia

August 8, 2023


“Ouçam-nos. O povo ucraniano quer a paz, assim como seu governo. Eles não apenas querem, mas demonstram esse desejo de paz. Eles fazem tudo o que podem. Não estamos sozinhos: é verdade que a Ucrânia é apoiada por muitas nações. Por que? Não se trata de paz a qualquer custo. Trata-se de paz e princípios, de justiça, de direito internacional. Trata-se do direito à autodeterminação, para que cada pessoa possa determinar seu próprio futuro. É direito de toda sociedade e de toda pessoa à segurança, a uma vida sem ameaças. Tenho certeza de que esses direitos também são importantes para você.

A verdade é que isso precisa acabar antes que seja tarde demais. Se a liderança da Rússia não quiser nos encontrar do outro lado da mesa pelo bem da paz, talvez ela se sente à mesa com você. Vocês russos querem uma guerra? Eu gostaria muito de saber a resposta, mas essa resposta depende apenas de você, dos cidadãos da Federação Russa. Obrigado pela sua atenção.”

No dia 23 de fevereiro de 2022, às vésperas da invasão do seu país, o presidente Volodymyr Zelensky transmitiu um pronunciamento dramático na televisão, direcionado não para o seu povo, mas para o povo russo. Ele o fez no idioma russo, por coincidência seu idioma nativo, e com o propósito de sensibilizar os cidadãos do país vizinho sobre os perigos de uma guerra, que poderia ter consequências imprevisíveis. Desde então, o que vemos é uma tragédia humanitária de proporções globais, na qual a Ucrânia tenta defender sua própria existência como país soberano e independente, enquanto a Rússia empreende uma guerra de agressão, confrontando a letra e o espírito da Carta das Nações Unidas, assim como as normas mais elementares do Direito Internacional e de todos os protocolos humanitários multilaterais.

O fato é que, desde que os primeiros soldados russos cruzaram as fronteiras da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, o mundo tornou-se um lugar muito mais inseguro. O temor de um confronto nuclear entre as grandes potências nos traz à lembrança os piores momentos da Guerra Fria; e hoje, a possibilidade de uma catástrofe na qual uma boa parte da humanidade pereceria não está mais fora de questão.

Os antecedentes desse conflito, que já pode ser considerado como um dos mais mortíferos das últimas décadas, são produto de um complicado contexto de relações bilaterais e regionais. Rússia e Ucrânia possuem, como seu ancestral comum, a “Rússia de Kiev”, uma confederação de tribos eslavas do Leste Europeu que existiu entre os séculos IX ao XIII. Durante o terrível século XX, a incorporação violenta da chamada “pequena Rússia” à recém criada União Soviética, quando da consolidação do poder bolchevique, assistiu à redução da Ucrânia à condição de estado-vassalo do novo império, sucessor da Rússia czarista. O povo ucraniano não só foi abusado e vilipendiado, como também dizimado pela fome, nos anos 1930, num evento histórico conhecido como Holodomor, “morte pela fome”, no qual a administração central soviética confiscava a produção de alimentos por parte dos camponeses ucranianos, causando a morte de mais de 4 milhões de pessoas. O ocorrido na década de trinta foi, de certa forma, uma terrível vingança de Stalin contra o povo ucraniano, que tinha tentando manter sua independência, durante dois anos, quando da criação do novo Estado soviético em 1918, e deixou cicatrizes profundas na sociedade ucraniana.

A União Soviética teve seu fim em 1991, mas as fronteiras da Ucrânia só foram formalmente asseguradas em 1994, através do Memorando de Budapeste, documento no qual a Rússia se comprometeu a respeitar as fronteiras da Ucrânia, em troca do seu armamento nuclear. Contudo, a fronteira geográfica ali delimitada não foi suficiente para romper laços culturais de parte da população ucraniana no leste do país, o Donbas, habitado em grande medida por russos étnicos, que continuou mais próximo de Moscou, o que abriria margem para a interferência russa e sua manipulação por Putin nos anos seguintes.

Mais recentemente, em 2012, o então presidente ucraniano Viktor Yanukovych,  mesmo tendo posições pró-Rússia, foi pressionado por setores da sociedade ucraniana (sobretudo na parte ocidental do país) a iniciar negociações com a União Europeia (UE) para um Acordo de Associação abrangente nas disciplinas de comércio exterior e de cooperação, o que aproximaria a Ucrânia do bloco europeu, de modo análogo ao que já havia acontecido nas duas décadas antesriores com os países bálticos, e outros da Europa central e oriental. O acordo com a UE tinha a simpatia de grande parte da população, que o via como um primeiro passo da integração do país ao sistema ocidental, e pelos bons prospectos de investimentos e de facilidade no trânsito de pessoas, em prol do desenvolvimento econômico e político ao país. 

Entretanto, em meados de agosto de 2013, a Rússia – tradicionalmente o principal parceiro comercial da Ucrânia – sinalizou que mudaria seus regulamentos alfandegários de importações vindas Ucrânia, de modo a pressionar o governo ucraniano a desistir desse acordo com a UE. Em 14 de agosto de 2013, o Serviço de Alfândega da Rússia passou a bloquear todos os produtos vindos da Ucrânia, o que causou grande prejuízo econômico e comoção política. O acordo tinha assinatura prevista para 28 de novembro de 2013, em Vilna (Lituânia), mas em 21 de novembro de 2013, o governo de Yanukovych suspendeu a conclusão do acordo com a UE. Em vez disso, Yanukovych reuniu-se em 17 de dezembro com o presidente Putin em Moscou para anunciar a emissão de 15 bilhões de dólares em títulos de empréstimos para o país, bem como um desconto para a aquisição de gás. Entendia-se ali que a iniciativa de aproximação com o bloco europeu estava sepultada.

No entanto, a população ucraniana não entendeu dessa forma. Durante os meses de janeiro e fevereiro de 2014, protestos começaram a ganhar corpo, e as violentas tentativas de supressão por parte do governo apenas alimentaram o fervor dos manifestantes, que se reuniram na Praça (‘maidan’, em ucraniano) da Independência, no que ficou conhecido como “Euromaidan”. O episódio culminou na “Revolução da Dignidade” que resultou no afastamento de Yanukovych, que se refugiou em Moscou. A Rússia, por sua parte, aproveita-se da situação para anexar a Crimeia, região da Ucrânia cuja população é composta majoritariamente de falantes do idioma russo, e na qual o país tem importantes bases navais, como a de Sebastopol. 

A anexação ilegal da península da Crimeia foi legitimada por um referendo imediatamente contestado na esfera diplomática internacional, no qual 95,5% dos residentes supostamente manifestaram-se a favor de integrar a Federação Russa. A Ucrânia, fragilizada, não teve condições de reagir, e acabou violentada em sua soberania por essa primeira agressão russa. Ainda que um conflito entre os dois países não tenha se desencadeado ali – e sim na parte oriental da Ucrânia – o recado de Vladimir Putin havia sido dado para todos os países da região: o expansionismo da Rússia estava definitivamente de volta, e não tardaria muito para que uma nova crise fosse instaurada.

Da mesma forma, militantes separatistas, com claro apoio do governo russo, depuseram os governos de duas províncias, Donetsk e Luhansk, o que deu início à “Guerra do Donbas”, conflito que vitimou mais de 15 mil pessoas de 2014 a 2022, e que esteve na origem da derrubada, por um foguete russo, de um avião civil da Malásia sobre aquele território, com a perda de 289 vidas. A narrativa desses separatistas, e do governo de Putin, era de que a Ucrânia estaria cometendo constantes violações aos direitos dos russos étnicos. Durante todo esse período, no entanto, o governo ucraniano reiterou o caráter territorialista do conflito, e que o verdadeiro responsável por ele era o insaciável assédio imperialista da Rússia. Já em 2022, a justificativa foi a eventualidade do ingresso da Ucrânia na aliança militar ocidental, a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN. 

Mais do que meramente um conflito entre nações, a invasão e a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia traz consequências globais, nos campos humanitário, político, econômico e geopolítico. Até o momento (meados de 2023), estima-se que cerca de 150 mil pessoas perderam suas vidas em ambos os lados, número que supera os 20 anos de guerra no Afeganistão, e se compara aos 10 anos da guerra civil na Síria. A guerra de agressão criou uma crise sem precedentes na diplomacia internacional, uma vez que um país dotado de armas nucleares, membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, está atuando em flagrante e frontal violação a vários de seus princípios basilares – notadamente, a soberania territorial e a não-intervenção nos assuntos internos dos Estados.

A Carta da ONU (1945) traz em seu artigo 2(4) que “todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas“. O artigo seguinte, 2(5), chega a estabelecer uma espécie de dever moral a todos eles: “Todos os Membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo”. A memória da Segunda Guerra Mundial forçou uma mudança de postura dos países: manter a paz tornou-se um compromisso geral. No entanto, nos dias atuais, o ato russo de agressão não provocada – insuscetível, portanto, de ser justificado como sendo uma “defesa preventiva”, como previsto em outro artigo da Carta – alterou toda a dinâmica moderna de manutenção da paz, e fugiu dos argumentos considerados plausíveis para uma guerra justa, o chamado jus ad bellum.

A Rússia é o maior país em extensão territorial do planeta, possui um sistema de espionagem avançado, tecnologia, armamento e um regime político autoritário, que ampara constantes violações de direitos humanos. A desproporção de forças para com a Ucrânia, o total descaso com as consequências da guerra de agressão e o aberto desprezo em relação às retaliações internacionais tornam ainda mais dramático o cenário corrente.

Desde fevereiro de 2022, cerca de um terço da população ucraniana buscou refúgio em outros países, notadamente na Europa Ocidental, na tentativa de proteger suas vidas. Segundo a ONU, o êxodo ucraniano compreende mais de 18 milhões de pessoas, entre os 44 milhões da população pré-guerra. Mas, a maior catástrofe humanitária desta guerra de agressão é, sem dúvida, a não-distinção entre alvos civis e militares pelas forças russas, que deliberadamente atingem áreas povoadas e suas estruturas de sobrevivência, como energia e alimentação, em total desrespeito aos protocolos existentes nessa esfera. De forma geral, todas as convenções atinentes às situações de guerra foram completamente ignoradas pela invasão de Putin, assim como foi destruído todo o arcabouço internacional para a promoção da paz e da segurança, advindo das duas guerras mundiais do século XX.

Por tais motivos, defender a neutralidade, no contexto desta guerra, é ignorar o Direito Internacional, especialmente o humanitário, e escolher apoiar o lado agressor. Para além de objetivos econômicos, é dever comum dos estados nacionais zelar pela vida de seus habitantes, lutar para a manutenção da dignidade humana. O valor da vida humana como superior aos conflitos vem sendo debatido por filósofos há séculos, como na obra clássica do jurista Hugo Grócio, “De Jure Belli ac Pacis”, na qual o autor defende um direito das gentes que serviria em períodos de paz e de guerra. Esse direito das gentes foi sedimentado com diversos instrumentos internacionais, para além da Carta das Nações Unidas, a exemplo das duas conferências da Paz da Haia (1899 e 1907), no tratado da Liga das Nações de 1919, no Pacto Kellogg-Briand (1928) e nas diversas convenções e protocolos de Genebra. Indiretamente, a cada vez que são ignoradas zonas de conflito, que civis são propositalmente atingidos e que direitos básicos são negados à população ucraniana, todos os países que se comprometeram com a paz são atingidos. Se a Rússia de Putin não pode ser contida, e corretamente sancionada, qual a esperança para seus vizinhos?

Diferentemente da Rússia, o direito de defesa da Ucrânia é inquestionável. Ao defender suas fronteiras e soberania, os ucranianos entram nos limites admitidos para a guerra, e utilizam a ação defensiva como condição para a defesa da sua integridade nacional e a dignidade do seu povo. Pela enorme diferença entre os países, e por todas as demais características dessa guerra de agressão não provocada, sugerir a neutralidade para terceiros países significa, na prática, deliberadamente ou não, apoiar o lado agressor, desrespeitar a dor de milhões de inocentes, uma postura covarde e contrária aos princípios básicos da liberdade.

A lógica do rationae personae demonstra que os não-combatentes devem ser salvaguardados das ações militares, mas o número crescente de crimes de guerra (estupros e assassinatos a frio), praticados por soldados e mercenários russos, os sequestros de pessoas e a retirada de crianças de seus pais, assim como ataques em zonas urbanas contra alvos civis provam o descontrole geral da guerra. A implosão deliberada da barragem de Kakhovka acrescentou um peso ainda mais dramático no contexto da guerra, pela extensão da tragédia humanitária e pela catástrofe ecológica que ela provocou, com efeitos econômicos e naturais de longa duração.

Para além da situação presente, os impactos futuros da guerra ainda estão longe de serem passíveis de estimativa. Só no tange aos dados sobre a infância, a UNICEF estima que mais de 7,8 milhões de crianças e adolescentes sofreram diretamente com a guerra de agressão, perdendo desde acesso à educação, saúde e alimentação, até suas famílias e vidas.

Mas, mais do que trazer números, falar sobre guerra é falar sobre pessoas e seu sofrimento diário. Não são Estados que passam noites em claro, não são governos que perdem entes queridos, não são presidentes que lotam as trincheiras de mortos. A postura adotada pelo Brasil, tanto pelo atual governo como pelo anterior, de apenas condenar a guerra de forma retórica e genérica, sem defender o Direito Internacional de forma enfática e inambígua, não pode ser entendida como democrática – ou sequer como postura política válida no contexto global, em face da clareza de princípios prescritos na Carta das Nações Unidas, ou nas próprias cláusulas de relações internacionais inscritas no artigo 4º da Constituição Federal de 1988.

Essa guerra de agressão não atinge diretamente o território brasileiro, mas a desestruturação econômica que a segue é partilhada por todos os países, sendo entre nós sentida principalmente no setor do agronegócio e no provimento energético. A relutância do governo brasileiro, pretensamente embasada em preocupações econômicas, nos traz à reflexão quanto aos limites da economia na equação da vida. Nem tudo no mundo é relativizável em prol de interesses materiais.

Já passou da hora de o governo brasileiro ter uma postura mais coerente com os valores e princípios históricos de sua diplomacia – sobretudo quanto aos compromissos assumidos no plano da defesa da paz e da segurança internacionais, como estabelecido na Carta da ONU. O atual “silêncio seletivo” do Brasil poderá se voltar contra o país no futuro; afinal de contas, quem se comprometeria a defender um país cujos únicos pronunciamentos recentes de seu governo foram em prol de ditaduras, como a Venezuela? Que confiabilidade tem um país que põe interesses pequenos à frente de seus princípios?


quarta-feira, 20 de abril de 2022

A guerra da Ucrânia e as sanções econômicas multilaterais - Paulo Roberto de Almeida

 Um paper para subsidiar uma palestra-debate, no dia 21/04/2022, 16hs

 
“A guerra da Ucrânia e as sanções econômicas multilaterais”, com sumário, anexo e bibliografia. Divulgado preliminarmente na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/77013457/A_guerra_da_Ucrânia_e_as_sanções_econômicas_multilaterais_2022_).

Palestra no Instagram: Transmissão via Instagram (21/04/2022; 16:00-17:06; link:

A guerra da Ucrânia e as sanções econômicas multilaterais 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Notas para palestra-debate, em 21/04/2022, com membros do Instituto Direito e Inovação, dirigido pelo Prof. Vladimir Aras (www.idinstituto.com.br), via Instagram.  

 

Sumário: 

1. Introdução: dos motivos das guerras e suas consequências

2. O custo econômico das guerras e as sanções materiais que delas decorrem

3. A agressão da Rússia contra a Ucrânia e a postura do Brasil a esse respeito

4. O paradoxo das sanções econômicas contra a Rússia

Anexo: Tabela cronológica das sanções econômicas multilaterais: Liga das Nações e Conselho de Segurança das Nações Unidas

Bibliografia de referência 

 

1. Introdução: dos motivos das guerras e suas consequências

Como diria um filósofo brasileiro, mais para a via do humorismo sarcástico, o Barão de Itararé, “as consequências sempre vêm depois”. No caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, elas vieram quase simultaneamente, e praticamente no mesmo ritmo da invasão das tropas agressoras, ordenadas pelo déspota neoczarista Vladimir Putin. Não foi por falta de aviso: tanto o presidente Joe Biden, dos EUA, quanto diferentes líderes da União Europeia haviam alertado, por diferentes meios, diversas vezes e de maneira insistente, que se Putin concretizasse aquilo que ela anunciava que NÃO iria fazer, mas que já estava transparente em seu planejamento pré-invasão, os países ocidentais responderiam com fortes sanções ao agressor. Putin preferiu apostar na relativa inação das sanções anunciadas, ou viu nesses anúncios uma repetição das reações moderadas adotadas quando da invasão-surpresa da península da Crimeia, em 2014, e insistiu nessa postura mesmo quando o presidente americano praticamente anunciou a invasão algumas semanas antes que ela efetivamente ocorresse. Pois então, as consequências chegaram, e elas são relevantes.

Sanções econômicas e, de forma geral, os custos econômicos das guerras, em suas diversas formas, são especialmente significativos, para quaisquer economias envolvidas, pequenas, médias ou grandes. Tais questões devem, ou deveriam, fazer parte do cálculo econômico – em homens, em materiais, em recursos financeiros – dos dirigentes de um país, ao decidir empreender uma aventura militar, não importando muito o cálculo econômico para a parte agressora, uma vez que a intenção é a de, em primeiro lugar, vencer a capacidade de resistência do alvo visado, destruir sua vontade de se defender, em segundo lugar, e lograr, em terceiro lugar, os objetivos estabelecidos no planejamento iniciais. Independentemente, porém, de tais cálculos, o fato é que o custo econômico de qualquer guerra dever ser sempre confrontado à obtenção dos mesmos objetivos estratégicos por outras vias, se disponíveis. É por isso que os mais importantes estrategistas e teóricos da Arte da Guerra – de Sun Tzu a Clausewitz, sempre consideraram a guerra a continuidade da política por outros meios. 

As guerras são travadas por diferentes motivos, inclusive econômicos, visando conquista e dominação de novos territórios e seus recursos econômicos, vingança por algum diferendo político do passado, por motivos defensivos ou preventivos, ou por mais prosaicos motivos pessoais, de interesse restrito às lideranças, ou ao líder exclusivo, da potência agressora. Talvez se possa enquadrar neste último caso a famosa guerra de Troia, embora não seja nada provável que os gregos tenham cercado a fortaleza de seus vizinhos gregos, na Ásia Menor, durante dez anos contínuos, apenas devido ao rapto de Helena, a mulher do rei Menelau, da Lacedemônia (Esparta), por Paris. O mais provável é que a Helena não tenha tido nada a ver com o longo conflito, e que motivos mais propriamente econômicos tenham impulsionado Menelau e seus compatriotas gregos a se vingar de um antigo entreposto grego, fruto da expansão colonial dos desbravadores marítimos da península que projetou bases bem além do Helesponto e na direção das colunas de Hércules, criando com isso novos competidores no dinâmico comércio mediterrâneo, já explorado por fenícios e outros povos. O fato é que os gregos cercaram a cidade-fortaleza de Troia durante dez anos, sem sucesso, até que a astúcia de Ulisses permitiu romper as portas da cidade-murada, que foi então totalmente saqueada pelos ardilosos combatentes. 

Um dos primeiros exemplos históricos de sanções econômicas está relatado na história da guerra do Peloponeso, por Tucídides: ele se refere ao banimento de mercadores da cidade-porto de Megara de comerciar com Atenas, em 432 AC, o que foi um dos vários exemplos de iniciativas infelizes da grande cidade-Estado democrática que lhe acarretaram reveses diplomáticos que contribuíram para a vitória final de Esparta naquela longa guerra. Aliás, independentemente da especulação despropositada que fazem, atualmente, alguns acadêmicos americanos afetados pela paranoia dos generais do Pentágono, como Graham Allison, proclamando uma nova guerra do Peloponeso, desta vez entre a Esparta-China e a Atenas-EUA, o fato é que erros diplomáticos e sanções econômicas podem, realmente, produzir resultados catastróficos para partes em conflito. Em qualquer hipótese, considero esse livro, Destined for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap? (2015), um dos maiores desserviços à causa da globalização contemporânea (ver a versão brasileira: Allison, 2020). Pretendo dedicar uma resenha-artigo para discutir o tremendo equívoco conceitual e histórico desse acadêmico – mais conhecido pela sua análise da crise dos mísseis soviéticos em Cuba em 1962, The Essence of Decision(1971) – na avaliação das relações atuais entre os dois gigantes econômicos da contemporaneidade, que ele imagina que pode levar a uma nova guerra entre impérios.

 

2. O custo econômico das guerras e as sanções materiais que delas decorrem

Todas as guerras possuem, acarretam, exigem custos econômicos, para todas as partes em conflito, as agressoras e as agredidas. Esses custos podem ser identificados em três conjuntos de encargos ou perdas: pela mobilização inicial em função da estratégia militar, ou seja, o desvio de recursos orçamentários e outros para fins unicamente destrutivos, o que implica a retirada de capital humano das tarefas produtivas para as finalidades destrutivas; o “consumo” de meios militares para o ataque ou a defesa de bens, equipamentos, população e patrimônio social ou natural, ou seja, no curso das atividades militares; o “resultado” final ou intermediário dessas operações, em termos de destruição, eliminação ou impedimento parcial ou temporário dos recursos materiais e humanos, bens materiais destruídos, vidas perdidas ou levadas a tratamento hospitalar e possível incapacitação temporária ou permanente. 

(...)


Ler a íntegra neste link: 

https://www.academia.edu/77013457/A_guerra_da_Ucrânia_e_as_sanções_econômicas_multilaterais_2022_


quinta-feira, 17 de março de 2022

Os artigos da Carta das Nações Unidas que autorizam sanções e até bloqueios contra agressores

Os interessados podem consultar a Carta das Nações para ler o inteiro teor deste documento fundamental das relações internacionais contemporâneas, neste link: https://brasil.un.org/sites/default/files/2021-08/A-Carta-das-Nacoes-Unidas.pdf

Agora imaginem que não fosse nenhum dos membros permanentes do CSNU, ou seja, que possuem poder de veto, o que poderia ser feito contra o país agressor: 

Paulo Roberto de Almeida

Artigo 41 

O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas

Artigo 42 

No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações Unidas. 


Ou seja, se o direito de veto fosse suspenso para a Rússia, ela poderia ser estrangulada economicamente. Isso não vai ocorrer, mas deveria.

Paulo Roberto de Almeida 


quinta-feira, 10 de março de 2022

O fim do Estado-nação como o conhecemos atualmente? - Paulo Roberto de Almeida

 O fim do Estado-nação como o conhecemos atualmente?

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Ao observar o comportamento, as falas, as posturas de dois personagens de nossa época, fui transportado para outras eras da história, outras histórias. Lembrei-me do livro Vidas Paralelas, de Plutarco, mas isso a propósito de Putin-Bozo, dois insanos, mas um muito perigoso, o outro apenas ridículo.

Não, não vou fazer como Plutarco, que traçou paralelos entre grandes figuras da história grega e seus possíveis equivalentes na história romana. Tampouco vou fazer como Suetônio, ao cantar as loas de doze césares. Meu propósito é mais simples: mostrar como determinados insanos, que capturam o poder numa determinada nação e partir daí causam desastres para seus próprios povos e, no caso dos muitos poderosos, para outros povos também.

Desse ponto de vista, Putin e Bozo são confrades, irmãos gêmeos na capacidade de arruinar seus países, e no caso de Putin de provocar danos a outros países.

No caso do Bozo, a profilaxia é simples: vote out nas próximas eleições, a despeito de minha opinião de que ele deveria ter sido defenestrado muito antes, quando começou a provocar danos ao país, e isto começou em 1/01/2019 e continuou até hoje.

No caso de Putin é mais difícil, mas a razão é a mesma: existem pessoas e grupos que tiram vantagens do arbítrio do dirigente, e querem que ele continue no poder, justamente por isso. 

Quem são os culpados? Os que se beneficiam disso, parlamentares de forma geral, e cortesãos próximos de maneira particular.

Tanto para Putin, quanto para o Bozo, temos generais castrados próximos do poder, aqueles capazes de comandar a guerra contra vizinhos, estes apenas interessados em defender seus contracheques.

O que acontece na Rússia e no Brasil é uma tragédia, primeiro para os seus próprios povos, mas no caso da Rússia com efeitos regionais e potencialmente mundiais.

Ambos são insanos, megalomaníacos, despreparados para entender o mundo, mas a capacidade de destruição do Bozo está limitada ao próprio Brasil, e também à diplomacia brasileira.

Putin tem um poder muito maior e, portanto, o esforço para constrangê-lo terá de ser muito maior, com efeitos sobre seus vizinhos, sobre as potências ocidentais, para o mundo.

Este será o preço a pagar.

Lamento, sinceramente, pelo povo chinês, que tem um novo imperador absoluto no seu comando, e que assumiu uma postura EQUIVOCADA na presente confrontação. A China teria interesse numa ordem mundial estável, pois foi ela que permitiu a ascensão do seu país e a prosperidade do povo chinês. Ele pode estar comprometendo possibilidades na globalização ao apoiar um tirano insano. Xi Jinping também é um tirano, mas não insano, mas está reagindo à interferência dos ocidentais na vida dos seus súditos, que sejam os do Tibet, do Xinjiang, de Hong Kong e de Taiwan. Tiranos podem se tornar perigosos.

Por isso está na hora de acabar com a soberania absoluta das nações e a Igualdade Soberana dos Estados, um princípio útil, mas como tudo na vida da civilização, com espaços abertos à insanidade dos dirigentes.

Vou terminar com a "história antiga": a única diferença entre Homero e Plutarco é que não mais acreditamos na interferência dos deuses nas ações dos homens. Os tiranos atuais agem por suas próprias obsessões e loucuras, sem qualquer interferência do Olimpo. Mas nem Freud serve para explicar a situação, apenas em parte. Falarei sobre a próxima evolução civilizatória mais adiante. 

Seria mais interessante tratar dos efeitos econômicos e políticos da guerra, um tema que me foi solicitado debater com meus ex-alunos de doutorado, que possuem um grupo de discussões sobre questões da atualidade. O custo econômico do conflito será alto, mas não catastrófico, pelo menos para os países avançados; os pobres, como sempre, sentirão os efeitos mais graves, em termos de alimentos, mais do que energia.

Mas, o problema não é tanto o custo econômico e sim o custo político e talvez civilizatório da ação de um psicopata não contido pelos seus generais e outros homens do Estado russo. Muitos preveem um mundo de retorno aos grandes impérios econômicos do passado, o que em parte pode ser verdade, mas o mundo não é feito apenas de incontroláveis e incontornáveis forças econômicas: a insensatez de dirigentes poderosos pode criar turbulências que abalam temporariamente essas forças econômicas impessoais e imperturbáveis até certo ponto.

Não estamos tão longe assim da guerra de Troia, mas a Helena não tem nada a ver com uma desgraça mútua que durou dez anos. Putin talvez seja um novo Menelau, com a diferença de que ele foi movido unicamente por suas próprias obsessões, não por um cerco econômico de potências “ocidentais”. O Menelau da era contemporânea ameaça arrastar o mundo para uma destruição bem pior do que a de Troia (e também para os gregos).

O mundo pagará um preço, temporário, e bem mais doloroso para a Ucrânia, que tenta sobreviver. A próxima Carta da ONU, ou uma nova, terá de ter um capítulo sobre a prevenção da marcha da insensatez da parte dos tiranos, mas para isso terá de haver um arranjo multilateral sobre o fim da soberania absoluta dos Estados, o que se pensava ser um legado positivo de Vestfália. Terá de ser o fim dos Estados nacionais, mas não poderá ser a volta dos impérios autocentrados.

A próxima Carta da ONU, ou sua substituta, terá de ter um capítulo para tratar dos insanos poderosos, provavelmente limitando a soberania absoluta dos Estados, o primeiro e mais importante legado de Vestfália. Mas, não pode ser uma volta a impérios autocentrado, e sim impérios abertos à interdependência.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4101: 10 março 2022, 3 p.


 

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Drogas: ONU quer transferir mais lucros do comércio ilegal para paises produtores

Opa!: vai ter dinheiro para nós também. Atenção Afeganistão, alerta Birmânia (ou Mianmar, como quiserem), preparem-se Colômbia, Bolívia e outros produtores de drogas, opiáceos e outros alucinógenos:
a ONU quer vir em ajuda de vocês, e garantir que uma parte maior dos enormes lucros obtidos com o comércio ilegal de drogas possam vir em ajuda dos seus projetos de desenvolvimento.
Desculpem se estou fazendo uma intepretação capciosa, mas é isso que eu entendo desta matéria: a ONU não quer que todo o lucro fique apenas com os países consumidores (ricos, obviamente), e pretende que uma parte disso seja repartida com os produtores (todos pobres, mas apenas por enquanto, pois quando os planos da ONU derem certo, eles vão ficar um pouco mais ricos).
Já estou imaginando os protestos dos países intermediários, como Venezuela, Brasil, México e outros: "Nós também queremos nossa parte desse bolo. Não é justo que só os produtores ganhem um pouco mais. Nós que também participamos desse lucrativo negócio, que corrompemos nossos soldados e policiais, que compramos políticos e mantemos redes sofisticadas de embarque disfarçado, queremos pelo menos 15 ou 20% do que a ONU for distribuir."
Voilà, com os conselheiros econômicos da ONU, tudo fica melhor no mundo das drogas.
Nova ordem econômica internacional das drogas, agora. Uma questão de justiça...
Paulo Roberto de Almeida

Países ricos retienen las mayores ganancias del narcotráfico: ONU
Notimex, 17/06/2010

Los países que cultivan la mayor parte de las drogas ilícitas reciben mayores críticasm pero los mayores ingresos se quedan en los países de destino, afirma.

Nueva York - En Estados Unidos, Canadá y Europa se queda la mayor parte de las ganancias de la venta de droga en el mundo, que en el caso de la cocaína representa un 70 por ciento de los 72 mil millones de dólares traficados al año, informó hoy la ONU.
“Los países que cultivan la mayor parte de las drogas ilícitas en el mundo, como Afganistán en el caso del opio y Colombia en el caso de la coca, son los que reciben mayor atención y críticas”, indicó la Organización de Naciones Unidas (ONU) en un estudio.
“Sin embargo, la mayor parte de las ganancias se quedan en los países ricos de destino”, afirmó el organismo en su análisis titulado “La globalización del delito: evaluación de la amenaza del crimen organizado trasnacional”.
El reporte, elaborado por la Oficina de la ONU contra las drogas y el delito, señaló que en el caso de la cocaína, las ganancias se quedan en su mayoría en manos de los proveedores de enervantes de los países consumidores.
Indicó que el mercado de la cocaína está en declive, debido a una menor demanda y a un incremento en el cumplimiento de la ley, lo que “ha generado una guerra por territorios y nuevas rutas entre bandas de traficantes, particularmente en México”.
Mientras, sólo 5.0 por ciento de los 55 mil millones de dólares de las ganancias del tráfico de heroína en el mundo se queda en manos de los traficantes, insurgentes y agricultores afganos.
El informe, presentado en el Consejo de Relaciones Exteriores de Nueva York, incluye análisis sobre tráfico de cocaína y heroína, armas de fuego, productos falsificados, recursos naturales robados, personas vendidas por sexo o para ser forzadas a trabajar, piratería y delitos informáticos.
“El crimen organizado se ha globalizado y se ha convertido en uno de los mayores poderes en el mundo, tanto en términos económicos como de armamento”, dijo el director ejecutivo de la Oficina de la ONU contra las drogas y el delito, Antonio María Costa.
El estudio también concluyó que entre 2.5 y tres millones de inmigrantes son introducidos de manera ilegal de América Latina a Estados Unidos, lo que genera ingresos de seis mil 600 millones de dólares para los traficantes.
Estimó que existen 140 mil víctimas de tráfico humano con el propósito explotarlos sexualmente tan sólo en Europa, lo que genera un ingreso anual de tres mil millones de dólares para los traficantes.
Calculó que el mercado ilícito de armas de fuego es de entre 170 millones y 320 millones de dólares por año, lo que representa entre 20 y 30 por ciento del mercado legal.
Además estimó que el número de ataques de piratas en el llamado Cuerno de África se duplicó en 2009, para alcanzar los 217 incidentes, de los 111 registrados en 2008.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A representacao dos Estados Membros na ONU - um trabalho publicado (PRA)

Tenho o prazer de divulgar aqui, um capítulo de um livro, em que tratei da questão da representação política dos Estados membros da ONU, e seus problemas associados, tal como referido aqui:

A questão da representação política dos Estados Membros na ONU
Paulo Roberto de Almeida

Publicado como “Artigos 18 e 19” In:
Leonardo Nemer Caldeira Brant (org.):
Comentário à Carta das Nações Unidas
(Belo Horizonte: Cedin, 2008, 1340 p.; ISBN: 978-85-99499-02-3; p. 323-346).
Relação de Trabalhos n. 1904. Relação de Publicados n. 882.

Sumário do trabalho:
1. Enunciado
2. Descrição formal
3. Histórico e precedentes
4. Contexto histórico-político
5. Interpretação diplomático-sociológica
6. A questão da “democratização” do poder mundial

Disponível em meu site pessoal, neste link:
www.pralmeida.org/05DocsPRA/1904RepresentPolCartaONU.pdf