O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador diplomatas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador diplomatas. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Diplomatas e os desafios do presente: ações e omissões - Paulo Roberto de Almeida

 Diplomatas e os desafios do presente: ações e omissões

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

 

Diplomatas, antes de serem servidores do Estado, ou funcionários de algum governo, são cidadãos de um país, membros de uma nação, indivíduos possuidores de consciência individual, de valores morais, seja adquiridos em família, ou no curso de sua formação e exercidos ao longo de toda uma vida e no âmbito de suas atividades profissionais. Falar dos diplomatas enquanto pessoas significa reconhecer-lhes o caráter de cidadãos que buscaram exercer sua vocação nos assuntos internacionais do seu país. O país, por definição, é sempre maior do que a instituição que os abriga, e obviamente do que o próprio poder institucional, o Executivo, no qual exercem sua atuação.

Diplomatas também possuem certas características individuais que os distinguem dos demais servidores do Estado, ou de profissionais do setor privado. O local de nascimento é, em grande medida, um acidente geográfico; o serviço do Estado pode ser o produto de um determinado contexto social ou o resultado de uma escolha deliberada, mas a consciência está de certa forma vinculada à vocação do diplomata. Alguns podem ter nascido em um país, mas acabaram servindo a outros, como nos casos de Henry Kissinger e Madeleine Albright. 

Diplomatas são potencialmente “internacionais”, ainda que eles possam ser patriotas entranhados, dispostos a dar a vida pelo seu país de origem, ou a serviço do Estado para o qual trabalham. A nação à qual pertence esse Estado é, também por definição, superior ao Estado, embora em alguns casos o Estado precede a nação, e pode até ter participado do seu processo de formação. Nesse tipo de situação, o Estado pode extravasar seus limites naturais e até seu mandato constitucional, que seriam os de servir à nação, para servir-se da nação. Como o Estado é uma entidade impessoal, cabe a um determinado governo a tarefa de submeter servidores do Estado aos seus interesses específicos, ou seja, colocá-los a serviço de políticas definidas pelo grupo político que detém o poder legalmente e temporariamente.  

Diplomatas são pessoas que, em primeiro lugar, precisam exibir um enorme conhecimento sobre o seu país e sobre o mundo. Para chegar a tal nível de saber, muito superior ao das pessoas comuns, talvez equivalente ao de vários especialistas reunidos – em economia, em direito, em história, em política, em línguas, em cultura, de modo geral – os diplomatas se preparam intensamente para o concurso de admissão, e depois continuam estudando seriamente, tanto para o desempenho prático de suas tarefas correntes, quanto para eventualmente ultrapassar novos patamares de qualificação que constituem requisitos para a ascensão funcional. O fato de os diplomatas se submeterem a tantas exigências de estudo, de poder observar outras realidades e de efetuar uma comparação entre essas realidade e a sua própria, os torna naturalmente propensos a manter um espírito crítico sobre todas e cada uma delas, inclusive e principalmente sobre a sua própria. Esse fato os torna naturalmente conscientes e preocupados.

Sobre o quê, exatamente, deveriam eles estar conscientes e preocupados? Obviamente sobre a realidade que os cerca, que condiciona o seu trabalho e que determina suas ações, ou omissões. Trata-se de uma constatação prima facie: existem ações e omissões, do trabalho diplomático, na vida profissional dos diplomatas, na sua percepção do mundo, que devem tocar algumas cordas em sua consciência, e talvez deixá-los preocupados com o sentido de algumas dessas ações ou omissões. 

Não é preciso recorrer à palavra crise – bastante desgastada por usos e abusos recorrentes – para referir-se ao estado atual de preocupações dos diplomatas, com o seu trabalho, com o seu país, com a região. Circunstâncias geográficas, relações de cercania impõem um conhecimento direto do que se passa ao redor, após o que essas realidades vizinhas passam a impactar no trabalho diplomático e também a consciência dos diplomatas. Seriam eles indiferentes ao que se passa no ambiente regional?

Nesses lugares, os valores da liberdade, da democracia, dos direitos humanos estão sendo claramente colocados em perigo. As condições essenciais para uma vida digna e para o exercício das liberdades individuais já desapareceram; ou elas estão sob constante ameaça, a continuarem as políticas atualmente em curso. A situação de indivíduos, ou de grupos inteiros, está sendo minada pelo exercício do poder arbitrário, pelo desrespeito à lei, pelo uso da força ou da violência contra os que não se submetem ao poder arbitrário. Mesmo a mais elementar das liberdades, a de expressão, vem sendo ameaçada pela progressiva extensão de um credo que, mesmo minoritário, utiliza-se do controle do poder para permitir, única e exclusivamente, a expressão de suas próprias crenças e opções políticas. Padrões morais que julgávamos estabelecidos desde o final das tiranias do século XX parecem ceder ao crescente predomínio daqueles que não pretendem se submeter ao império da lei; estes atuam como se as vitórias eleitorais lhes dão automaticamente o direito de impor seus interesses peculiares, geralmente de caráter partidário.

Diplomatas não deveriam ser indiferentes a essas realidades. Presentes em todos os lugares nos quais podem ser diretamente observados fenômenos como esses, ou muito bem informados pelos meios de comunicação disponíveis, eles podem refletir sobre todos eles, e formar suas próprias ideias sobre o sentido de suas ações – ou omissões – em face de realidades que rompem com certos padrões morais, ou com o que está escrito em leis fundamentais, ou até nos discursos oficiais. 

O que os diplomatas observam, o que eles constatam, o que eles informam o que eles fazem, ou de deixam de fazer, as instruções que eles recebem, como tudo isso impacta suas consciências, como tudo isso se reflete em suas preocupações cidadãs, ou como simples seres humanos? Qual o sentido moral de certas ações ou omissões? Qual a coerência intrínseca entre elas e o que figura na lei, nos princípios fundamentais, ou ainda, nos valores que eles acreditam defender, que deram sentido ao seu esforço para ingressar na carreira e que lhe guiou os primeiros passos no itinerário que ele julgam digno de suas aspirações e dos projetos que eles fizeram para suas vidas e para o país?

Quando existe um questionamento sobre tudo isso é porque determinadas realidades estão impactando a consciência dos diplomatas enquanto cidadãos, estão preocupando os diplomatas enquanto representantes de um país, enquanto agentes de um Estado, eventualmente enquanto servidores de um determinado governo. As diferentes realidades recobertas por esses conceitos, os limites que alguns deles podem impor ao exercício de alguns outros não deveriam impedir os diplomatas de pensar sobre o sentido de suas ações – ou omissões – e de expressar seus sentimentos de alguma forma, mesmo que de maneira indireta e não identificada. 

Em alguns momentos da vida de uma nação, a dignidade pessoal e a consciência de continuar aderindo a certas posturas morais, a defesa de valores e princípios que se conformam a certos padrões civilizatórios – os mais altos que a humanidade alcançou ao longo de uma longa e tortuosa caminhada nos séculos precedentes – todas essas expectativas individuais ou coletivas deveriam estar acima das contingências circunstanciais ou dos interesses de grupos que monopolizam, por momentos, o poder político. 

Diplomatas sabem disso. Não deveria ser difícil expressar essas ideias concretamente, e dissentir, quando a dissensão está do lado dos padrões morais, contra interesses partidários que apontam claramente para outra direção. 

 

Paulo Roberto de Almeida

sexta-feira, 16 de junho de 2023

As corporações em seus quadrados respectivos: militares e diplomatas - Paulo Roberto de Almeida

 Nunca concordei inteiramente com essa ideia de que a guerra é muito importante para ser deixada apenas para os militares. Esse tipo de simplismo repetido quinhentas vezes estes muito errado. Os militares profissionais TÊM de estar necessariamente associados ao processo decisório de qualquer questão externa (por vezes até interna) que envolva a segurança nacional, o território da pátria e a soberania. Ponto.

Por outro lado, eu certamente NÃO concordo com uma frase que pretenderia que a diplomacia é muito importante para ser deixada apenas a diplomatas. Pode até ser, mas em circunstâncias muito específicas, naquelas que envolvem aspectos não diretamente diplomáticos de problemas externos.
Mas CERTAMENTE, a diplomacia é uma coisa muito importante para ser deixada a NÃO DIPLOMATAS.
Do contrário, dá nisso que estamos assistindo por aí: o amadorismo rebaixando as melhores tradições da política externa do Brasil, violando princípios e valores de nossa diplomacia, e rebaixando o conceito do Brasil no mundo, inclusive em contradição com a Carta da ONU e os interesses nacionais, que passam a ser guiados pelos instintos dos mandantes da ocasião e os adeptos de determinadas causas políticas, carregadas de simpatias ideológicas ou de antipatias a determinados países.
Não preciso entrar em detalhes sobre o que está ocorrendo com a nossa política externa, já demolida no governo anterior, e bastante arranhada atualmente, assim como as tribulações da diplomacia profissional, que precisa acomodar preferências pessoais do chefe de plantão...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16/06/2023

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A nação que se perdeu a si mesma - Paulo Roberto de Almeida

 A nação que se perdeu a si mesma

Paulo Roberto de Almeida 


Um reconhecimento, e uma frustração, em face dos maiores desafios que se apresentam ao Brasil atual, tanto no plano da política interna, quanto no da política externa


Infelizmente, as elites nacionais, mas sobretudo as duas principais corporações de Estado, os militares e os diplomatas, parecem ter perdido qualquer senso moral e qualquer coragem no desempenho de suas respectivas obrigações.  

Digo isso com tristeza, pois esperava que os diplomatas tivessem mais hombridade ou honestidade intelectual na defesa dos valores e princípios que deveriam ser os nossos, se alguma vez o foram.

O regime republicano já foi várias vezes violado e humilhado, na completa indiferença, quando não com a conivência, dos militares, que outrora o proclamaram.

Os padrões de conduta da diplomacia nacional já foram recorrentemente espezinhados, na aparente indiferença do seu corpo profissional, que demonstra estar alheio à violação dos grandes princípios que já foram os seus no passado.


Estarei exagerando, ou o Brasil, representado por suas supostas elites, já perdeu a sua alma? 

Qual era ela, exatamente?


Paulo Roberto de Almeida

Ribeirão Preto, 22/09/2022

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Senadores embaixadores?!?! INCONSTITUCIONAL Alcolumbre! - Parecer do Escritório Torreão Braz

 Parecer do Escritório Torreão Braz a pedido da ADB sobre o projeto estapafurdio do senadorzinho Alcolumbre, que gostaria de ser embaixadorzinho, sem perder a mamatazinha do cargo e das prebendas parlamentares:


 Brasília, 25 de outubro de 2021. 

PARECER JURÍDICO 

Assunto: Proposta de Emenda à Constituição n. 34/2021. Chefe de missão diplomática permanente. Parlamentar. Investidura. Perda de mandato. 


SINDICATO DOS DIPLOMATAS BRASILEIROS, ADB Sindical, formalizou consulta jurídica acerca da Proposta de Emenda à Constituição Federal – PEC n. 34, apresentada originariamente ao Plenário do Senado Federal em 8 de outubro de 2021, que prevê a possibilidade de investidura de parlamentar no cargo de chefe de missão diplomática de caráter permanente, sem a perda do respectivo mandato, consequência atualmente prevista na Constituição Federal (art. 56, I). 


I – TERMOS DA CONSULTA 

O Consulente, sindicato de âmbito nacional de inequívoca titularidade dos interesses afetados pela PEC n. 34/2021, traz à baila a presente consulta jurídica em razão da Proposta de Emenda à Constituição Federal – PEC n. 34/2021, que estipula a seguinte redação ao art. 56, I, do texto constitucional: 

Art. 56. Não perderá o mandato o Deputado ou Senador: 

I – investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática de caráter permanente ou temporária. [grifo relativo ao excerto alterado contido na PEC] 


A alteração do dispositivo constitucional consiste, pois, na inclusão da investidura de parlamentar no cargo de chefe de missão diplomática de caráter permanente – nomeado pelo Presidente da República com o título de Embaixador (art. 39 da Lei n. 11.440/2006) –, sem a perda do respectivo mandato, ao contrário da previsão atual contida na Constituição Federal (art. 56, I). 


O Consulente questiona a constitucionalidade da Proposta, caso seja promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art. 60, § 3º, da CF), especialmente à luz dos postulados constitucionais intangíveis (art. 60, § 4º), como o princípio da separação de poderes (art. 2º), dentre outros preceitos indisponíveis ao poder constituinte derivado. 


II – FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PARECER 

II.a – Limites à atuação do constituinte derivado 

A atuação do poder constituinte derivado não é imoderada nem ilimitada. O art. 60, § 4º, I a IV, da Constituição Federal estabelece as denominadas cláusulas pétreas explícitas, elencando matérias insuscetíveis de alteração no texto constitucional originariamente promulgado: (i) a forma federativa de Estado; (ii) o voto direto, secreto, universal e periódico; (iii) a separação dos poderes; (iv) os direitos e garantias individuais. 

Ocorre que, a par dos limites explícitos à atuação do poder derivado, a Constituição Federal contém também limites materiais implícitos, assim compreendidos os temas que, apesar de omitidos no art. 60, § 4º, I a IV, da Constituição Federal, não podem ser objeto de emenda constitucional. 

A exemplo de limites materiais implícitos representativos à presente consulta, mencionem-se o princípio republicano e o postulado da soberania nacional, que, na hipótese de aprovação da PEC n. 34/2021, seriam inequivocamente violados, nos termos da fundamentação doravante apresentada. 

Por tudo, fica claro que as inovações promovidas por emendas constitucionais obedecem a limites formais e materiais – tanto explícitos quanto implícitos – inerentes à conservação da identidade original e do “núcleo de decisões políticas e valores fundamentais” que tenham justificado a promulgação da Carta da República, por intermédio das “denominadas cláusulas de intangibilidade ou cláusulas pétreas, nas quais são inscritas as matérias que ficam fora do alcance do constituinte derivado”:1


Nota 1:  

1 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 159. 


 

As cláusulas pétreas ou de intangibilidade são a expressão mais radical de autovinculação ou pré-compromisso, por via do qual a soberania popular limita o seu poder no futuro para proteger a democracia contra o efeito destrutivo das paixões, dos interesses e das tentações. Funcionam, assim, como a reserva moral mínima de um sistema constitucional. 


Nota 2: Ibidem, p. 162. 


O presente parecer jurídico tem o escopo de oferecer um exame técnico inicial acerca da compatibilidade constitucional da proposta de alteração consubstanciada na PEC n. 34/2021, à luz das cláusulas de intangibilidade aplicáveis à espécie, que estabelecem autêntico limite à alteração da Carta da República, franqueando, no caso de violação, as posteriores e oportunas vias de ação para o controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário. 


II.b – Violação ao princípio republicano 

O princípio republicano foi objeto de plebiscito em 21 de abril de 1993 e, após confirmado em deliberação popular (art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT e artigo único da Emenda Constitucional n. 2/1992), estabilizou-se como postulado intangível do regime vigente. Em outras palavras, o poder constituinte originário estabeleceu que apenas a deliberação popular plebiscitária – recordando que “todo o poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único, da CF) – constituiria via idônea à desconstituição da forma de governo republicana. 

Logo, o princípio republicano não está sujeito, direta nem indiretamente, à ingerência reformista por intermédio de emenda constitucional, exceto na hipótese de nova emenda para prever futuro plebiscito, cujo resultado seja positivo à alteração da atual forma de governo. Trata-se de tese ampla e majoritariamente aceita pela doutrina constitucionalista brasileira, que preleciona “a impossibilidade de supressão ou esvaziamento da forma republicana de governo”: 

[...] a tese, amplamente aceita, em favor da impossibilidade de supressão ou esvaziamento da forma republicana e governo e mesmo do sistema presidencialista é de ser levada a sério e merece acolhida, de modo especial no que diz respeito com a República. Nesse sentido, argumenta-se que a partir da consulta popular efetuada em abril de 1993, a República  

e o Presidencialismo (mas especialmentea primeira)passaram a corresponder à vontade expressa e diretamente manifestada do titular do Poder Constituinte, não se encontrando, portanto, à disposição do poder de reformada Constituição. Ressalte-se, neste contexto, que a decisão, tomada pelo Constituinte, no sentido de não enquadrar estas decisões fundamentais no rol das ‘cláusulas pétreas’ (art. 60, §4º),somada à previsão de um plebiscito sobre esta matéria, autoriza a conclusão de que se pretendeu conscientemente deixar para o povo(titular do Poder Constituinte) esta opção.3

Nota 3: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 126.

A PECn. 34/2021, caso aprovada, padece de vícios graves de inconstitucionalidade, dentre eles a violação à cláusula pétrea inerente ao regime republicano.

Como é cediço, um dos aspectos centrais do regime republicano, remontando os próprios ideais ciceronianos,designa a prevalência do interesse comum sobre interesses particulares, designadamente pela soberania de um Estado permanente e pela transitoriedade de governos. Os interesses do Estado sobrepõem-se, pois, a interesses de grupos, de corporações etc., prevalecendo inclusive em relação a pautas reivindicativas de detentores do próprio poder, que é transitório e emana do povo, características essenciais do princípio republicano.

Nota 4: Cf. CÍCERO, MarcoTúlio. Da República. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 2019.

A soberania popular, constituindo o próprio cerne do princípio republicano, é ontologicamente avessa à ideia de que o governo seja estranho ao interesse comum, imbricado à própria“soberania popular”, na qual “todas as coisas residem no povo”; a prevalência de interesses específicos ou particulares em detrimento de interesses comuns viola, portanto, os mais básicos preceitos da república. 

Nota 5. “Assim, não deve o homem atribuir-se, como virtude, sua sociabilidade, que é nele intuitiva. Formadas assim naturalmente, essas associações, como expus, estabeleceram domicílio, antes de mais nada, num lugar determinado; depois, esse domicílio comum, conjunto de templos, praças e vivendas, fortificado, já pela sua situação natural, já pelos homens, tomou o nome de cidade ou fortaleza. Todo povo, isto é, toda sociedade fundada com as condições por mim expostas, toda cidade, ou, o que é o mesmo, toda constituição particular de um povo, toda coisa pública – e por isso entendo toda coisa do povo –necessita, para ser duradoura, ser regida por uma autoridade inteligente que sempre se apoie sobre o princípio que presidiu à formação do Estado. Pois bem: esse governo pode atribuir-se a um só homem ou a alguns cidadãos escolhidos pelo povo inteiro. [...] a soberania popular, conforme a expressão consagrada, é aquela em que todas as coisas residem no povo”–CÍCERO, Marco Túlio.Da República...p. 36(III, XXVI).

Outra decorrência notória do preceito republicano é a descentralização das diversas manifestações de exercício dos poderes do Estado, pressupondo, no caso brasileiro, um equilíbrio institucional imanente entre executivo, legislativo e judiciário. 

A PEC n. 34/2021, caso aprovada, não apenas ofende a cláusula pétrea explícita da denominada “separação de poderes”, o que será objeto do tópico subsequente do presente parecer, quanto também implica um desequilíbrio institucional incompatível com o regime republicano

Nesse contexto, observe-se que “compete privativamente ao Senado Federal [...] aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente”, nos termos do art. 52, IV, da Constituição Federal.


Nota 6:  “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] IV - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente;”. 


7 “Art. 41. Os Chefes de Missão Diplomática Permanente serão escolhidos dentre os Ministros de Primeira Classe ou, nos termos do art. 46 desta Lei, dentre os Ministros de Segunda Classe. Parágrafo único. Excepcionalmente, poderá ser designado para exercer a função de Chefe de Missão Diplomática Permanente brasileiro nato, não pertencente aos quadros do Ministério das Relações Exteriores, maior de 35 (trinta e cinco) anos, de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao País”. 


8 “Art. 40. O Chefe de Missão Diplomática Permanente é a mais alta autoridade brasileira no país em cujo governo está acreditado”. 


9 “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;”. 

Ora, se a nomeação de Embaixador recair sobre pessoa não integrante da carreira diplomática (Ministros de Primeira e subsidiariamente de Segunda Classes: art. 41, caput, parágrafo único, da Lei n. 11.440/2006)7 – lembrando-se que se trata de designação de caráter expecional prevista na lei –, o parlamentar escolhido deverá aprovado pelos próprios pares do Congresso Nacional, inclusive sob uma logicamente inadmissível “autoaprovação”, na hipótese de o nomeado ser senador. 

A perda do mandato do parlamentar nomeado Embaixador, submetido à posterior sabatina no Senado Federal (arguição em sessão secreta), a par de coadunar-se com exigência inerente à harmonia entre os poderes, constitui decorrência inarredável do princípio republicano. Afinal, sendo o chefe de missão diplomática permanente a “mais alta autoridade brasileira no país em cujo governo está acreditado” (art. 40 da Lei n. 11.440/2006)8 representante de Estado e, logo, do poder executivo brasileiro (art. 84, VII, da CF)9 –, a possibilidade de retorno ao cargo do parlamentar investido da função de Embaixador, tal como proposta na PEC n. 34/2021, implicaria um desequilíbrio institucional incompatível com o regime republicano. 


Exatamente pelo fato de constituir a “mais alta autoridade brasileira”, o Embaixador é, em síntese, um representante do Presidente da República (poder executivo) nos Estados estrangeiros, sendo imperioso que, a assunção [excepcional] da função por membro do poder legislativo acompanhe-se da inarredável perda do mandato parlamentar. 

Tais considerações, que apontam a manifesta ofensa ao princípio republicano perpetrada pela PEC n. 34/2021, culminam, assim, na segunda consequência de incompatibilidade material da proposta com o texto constitucional intangível, qual seja, a cláusula explícita da separação (independência e harmonia) dos poderes (arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF). 


II.c – Violação à separação dos poderes 

É tradicional a lição doutrinária que assinala a incompatibilidade da manutenção do mandato de parlamentar designado Embaixador, pois, como decorrência própria do princípio republicano, os impedimentos constitucionais a parlamentares visam a assegurar a independência do poder legislativo e a desestimular ingerências indevidas (rectius, usurpação de atribuições) nas esferas de atuação do poder estatal, proibindo-se “o parlamentar de exercer função noutro poder”, 10 

Nota 10: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 155. 


tal como dispunha v.g. em caráter peremptório, inclusive quanto à incompatibilidade para o cargo de ministro de Estado, a primeira Constituição Federal republicana (art. 50, caput, parágrafo único, da CF/1891).11 


Nota 11:  “Art. 50 - Os Ministros de Estado não poderão acumular o exercício de outro emprego ou função pública, nem ser eleitos Presidente ou Vice-Presidente da União, Deputado ou Senador. Parágrafo único - O Deputado ou Senador que aceitar o cargo de Ministro de Estado perderá o mandato e proceder-se-á imediatamente a nova eleição, na qual não poderá ser votado”. 


Ainda com esteio em abalizada doutrina pátria, vale mencionar que “a independência dos poderes significa que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros [poderes]”: 

A independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros [poderes]”; b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais; [...]12 


Nota 12 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 114. 


No mesmo sentido, observe-se a indispensável independência orgânica de cada um dos poderes em face dos demais, estabelecendo inequivocamente que “uma mesma pessoa não poderá ser membro de mais de um Poder ao mesmo tempo”.13 


Nota 13:  BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo... p. 174. 


Além da vedação de ingerências recíprocas quanto à investidura de cargos e funções de confiança, é evidente também que a confusão de atribuições, estipulando-se “prerrogativa” de retorno ao exercício da função parlamentar, após a assunção de chefia de Estado acreditado pelo Presidente da República para missão diplomática de caráter permanente no exterior, constitui inequívoca desarmonia republicana, violando-se o postulado da separação dos poderes: 

A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. [...] Tudo isso demonstra que os trabalhos do Legislativo e do Executivo, especialmente, mas também os trabalhos do Judiciário, só se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem o domínio de um [poder] pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos. A desarmonia, porém, se dá sempre que se acrescem atribuições, faculdades e prerrogativas de um em detrimento do outro.14 


Nota 14:  SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo... p. 114-5; grifos aditados. 

A proposta consubstanciada na PEC n. 34/2021 ofende, assim, o arcabouço normativo constitucional intangível, à luz da inarredável separação dos poderes (cláusula pétrea), além de promover o “desvirtuamento ao mesmo tempo da representação parlamentar e da diplomática”: 

Ofende portanto o sistema constitucional e ao mesmo tempo não seria desejável politicamente que, aos Embaixadores à frente de missões diplomáticas permanentes, fosse permitido retornar a qualquer momento ao Congresso Nacional. Representante pessoal do Presidente da República, não pode o Chefe de missão diplomática permanente ter compromissos com o Poder Legislativo, sob pena de desvirtuamento ao mesmo tempo da representação parlamentar e da diplomática. Em tese, 


seria inadmissível ao debate parlamentar proposta de emenda à Constituição que permitisse a Deputados e Senadores serem investidos na Chefia e missão diplomática permanente sem a perda do mandato, por ofensa ao princípio da separação dos poderes, também “cláusula pétrea” da Lei Maior (art. 60, § 4º,III, da CF).15

Nota 15: SABOIA, Marcelo R. Representação parlamentar e representação diplomática. In Cadernos ASLEGIS, v. 6, n. 19, p. 125-8. Brasília: Câmara dos Deputados, 2003, p. 127; grifos aditados.

Em outras palavras, a   função de Chefe de missão diplomática de caráter permanente impede peremptoriamente o parlamentar de retornar ao exercício das atribuições no poder legislativo, pois a representação no exterior –“a mais alta autoridade brasileira” acreditada pelo Presidente da República –consiste em tarefa de cunho tipicamente executivo, não sendo despropositado, assim, que a Constituição Federal só autorize a assunção em missão diplomática temporária (art. 56, I).

A sabatina a posteriori pelo Senado Federal (art.52, IV, da CF) representa, aliás, manifestação própria do sistema de freios e contrapesos, que impede Embaixadores, designados [excepcionalmente] pelo Presidente da República dentre pessoas externas à carreira diplomática, de serem concomitantemente membros do poder legislativo, razão por que o parlamentar designado que aceite a nomeação não poderá retornar ao exercício do mandato, ante o impedimento constitucional ínsito à separação dos poderes, além do imperativo republicano que está na base de tal exigência, conforme já exposto.

II.d–Violação à soberania nacional


O representante diplomático não detém mandato eletivo, diferindo-se, pois, da representação popular; os membros da diplomacia integram carreira típica de Estado, exigindo-se inclusive que sejam brasileiros natos (art. 12, § 3º, V, da CF).

É inadmissível que a mais elevada função, de uma carreira típica de Estado no âmbito do poder executivo, possa ser assumida cumulativamente por mandatário do poder legislativo, sem o inarredável impedimento peremptório para o exercício a posteriori do mandato eletivo.

A representação diplomática constitui manifestação da soberania do Estado brasileiro, fazendo-se acreditar no exterior por agentes designados pelo Presidente da República (art. 84, VII, da CF), preferencialmente dentre membros de carreira típica de Estado (art. 41, caput, parágrafo único, da Lei n. 11.440/2006). Logicamente, não se trata de uma “função política”, cujas escolhas preferenciais possam considerar membros das casas parlamentares sem a perda dos respectivos mandatos, sob pena de se comprometerem as próprias relações internacionais do Estado brasileiro. 

A representação no exterior por membros da carreira diplomática, caracterizada, como é notório, por uma formação complexa, extensa e integrada dentre as diversas classes, constitui decorrência e exigência de Estado

Não é despropositado, desse modo, que a Lei de regência estabeleça que a função de Embaixador deva recair apenas excepcionalmente sobre pessoa não integrante da carreira diplomática (art. 41, caput, parágrafo único, da Lei n. 11.440/2006), sob pena de se comprometer a higidez da representação e da proteção dos interesses brasileiros no campo internacional. 

As funções exercidas por Embaixadores, acreditados pelo Presidente da República, integram o núcleo estratégico do Estado brasileiro e a existência de uma carreira própria (de Diplomata) para que esse múnus seja realizado com excelência pressupõe evidentemente os princípios constitucionais regentes da República Federativa do Brasil em suas relações internacionais (art. 4º da CF), sendo, pois, feição inerente à soberania. 


III – SÍNTESE FINAL 

Por todas as considerações trazidas, são evidentes os inúmeros pontos de incompatibilidade da PEC n. 34/2021 com postulados e questões intangíveis da Constituição Federal, reclamando que tanto as Casas Legislativas, por ocasião do controle preventivo de constitucionalidade, quanto o Poder Judiciário, na eventualidade de aprovação que inste o controle a posteriori ou repressivo, zelem pela higidez das cláusulas pétreas, constitutivas de autêntica limitação ao poder de emenda à Carta promulgada na presente era democrática. 


TORREÃO BRAZ ADVOGADOS 

Antônio Torreão Braz Filho 

João Pereira Monteiro Neto 

Vitor Candido Soares 

Ana Torreão Braz Lucas de Morais 

domingo, 13 de março de 2022

A imagem internacional do Brasil e a “inventividade” dos diplomatas - Paulo Roberto de Almeida

A imagem internacional do Brasil e a “inventividade” dos diplomatas 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

A reputação internacional do Brasil do Bozo já estava no chão, com Amazônia, pandemia, ataques a jornalistas e à democracia. Agora se conseguiu cavar um buraco, com a “solidariedade” à Rússia, seguida da “neutralidade”, na invasão, agora “equilíbrio” ou “imparcialidade”, na agressão!

A autoestima dos diplomatas afunda mais um pouco, ao terem de se esconder da vergonha atrás de conceitos como “cessação de hostilidades” (como se elas fossem recíprocas), “legitimas preocupações de segurança das partes” (como se ambas as partes fossem potencialmente ameaçadoras), “sanções não são a solução para levar à paz” (alô Putin, pode agredir à vontade, não vamos retaliar porque não adianta e pode prejudicar a população) ou ainda esta: “fornecimento de armas pode aumentar o sofrimento ao prolongar os combates” (alô Zelensky, alô ucranianos, vocês não têm chance, eles são mais poderosos, rendam-se logo).

Não, não estou condenando ou criticando meus colegas diplomatas, ao terem de esconder a vergonha de defenderem o Brasil com esse jogo sujo de palavras, a que estão sendo obrigados pelo psicopata no poder e por aqueles generalecos imbecis e aspones aloprados que controlam a política externa e a diplomacia. Eles até estão passando a impressão, a jornalistas ingênuos ou desavisados, de que o Brasil está “fazendo a coisa certa”, ao não tomar partido, mas votar aquelas resoluções condenatórias da invasão russa, embora sempre contornando a verdade, de fato prolongando a fraude vocabular, nas declarações de voto, ao jamais usar palavras como agressão unilateral, violação do Direito Internacional, atrocidades contra população civil, mentiras e desfaçatez do invasor e outros expedientes aparentemente “adequados”.

Antes, os diplomatas eram obrigados a esconder, diminuir, minimizar os crimes que são cometidos contra o próprio Brasil — na Amazônia, na pandemia, nos ataques às instituições, nas ameaças à democracia e às minorias, etc. —, agora estão sendo levados a burlar a verdadeira posição de apoio objetivo ao agressor genocida.

Nunca imaginei que a reputação do Brasil e a da diplomacia brasileira no mundo pudessem cair tanto, a ponto de me causar vergonha pessoal, por pertencer a uma corporação que já teve melhores momentos num itinerário bissecular. 

Vai ser duro recuperar a autoestima e, sobretudo, aquele sentimento de hombridade e de altivez que já exibimos no passado. E que não se confunda “altivez” com aquela fraude da “diplomacia ativa e altiva”, que antes defendia ditaduras execráveis apenas porque eram “de esquerda” (fascistas de esquerda), mas que agora estão absolutamente alinhados com a extrema-direita, no apoio a uma ditadura conservadora, claramente de direita, mas que é considerada mais “correta” porque é contra o “imperialismo estadunidense”, tido como o verdadeiro culpado da guerra de agressão. 

Certos momentos da vida nacional são deprimentes, mas isso passará um dia, menos a vergonha, pelo passado sórdido.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4104: 13 março 2022, 2 p.


segunda-feira, 7 de março de 2022

Diplomatas da gestão Bolsonaro celebram “apoio” de chanceler de Lula - Igor Gadelha (Metrópoles)

 Itamaraty abandonou a defesa do Direito Internacional, por pressão do Planalto, e essa postura une a direita bolsonarista e a esquerda petista, numa aliança de conveniência e oportunista que acaba se traduzindo numa postura "tucana", isto é, em cima do muro, indiferente, portanto, à Carta da ONU e às tradições, valores e princípios de nossa política externa. Fica feita minha denúncia.

Paulo Roberto de Almeida

Diplomatas da gestão Bolsonaro celebram “apoio” de chanceler de Lula
Atual gestão do Itamaraty comemora semelhanças entre sua posição sobre a Rússia e a de diplomatas ligados a opositores do governo Bolsonaro
Igor Gadelha
Metrópoles, 07/03/2022
Diplomatas brasileiros do alto escalão do Itamaraty têm celebrado, nos bastidores, as semelhanças entre as posições da atual gestão do Ministério das Relações Exteriores e de diplomatas ligados a partidos de oposição ao governo Jair Bolsonaro em relação à invasão russa na Ucrânia.
Integrantes da gestão Bolsonaro no Itamaraty ressaltam, principalmente, a posição do ex-ministro Celso Amorim, diplomata que foi chanceler brasileiro durante o governo Lula. Em entrevista à colunista Bela Megale, de O Globo, Amorim se colocou contra a adoção de sanções econômicas aos russos.
“Sou contra as sanções. Não vão resolver nada e criarão mais problemas para o mundo. O que tem que haver é a abertura do diálogo. Alguém que o presidente Vladimir Putin ouça precisa entrar nisso, talvez a China. Todos vamos ser afetados com o aumento de preços de fertilizantes, alimentos, entre outros itens”, disse o ex-chanceler.
A declaração de Amorim foi vista por atuais integrantes da cúpula do Itamaraty como um “apoio” à posição adotada pela atual gestão sobre o conflito. Em entrevistas recentes, o chanceler Carlos França defendeu que a posição do Brasil tem sido de “equilíbrio”, e não de “neutralidade”, como disse o próprio Bolsonaro.
Diplomatas que atuam na gestão Carlos França também destacam, nos bastidores, declarações dadas pelo ex-embaixador Rubens Barbosa, que comandou a embaixada do Brasil nos Estados Unidos durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Na semana passada, Barbosa elogiou a atual postura do Itamaraty.
Segundo o ex-embaixador, “o Itamaraty está fazendo prevalecer a linha tradicional da chancelaria” perante o conflito no Leste Europeu. “O Itamaraty está atuando dentro de suas linhas, com uma posição muito clara sobre questões essenciais, como soberania e integridade territorial”, afirmou Barbosa ao jornal O Globo.
“Caminho certo”
Na avaliação da atual cúpula do Itamaraty, diante da “polarização política” existente no Brasil, as semelhanças de posicionamento e os elogios feitos por diplomatas ligados a opositores de Bolsonaro seriam demonstrações de que o Ministério das Relações Exteriores adotou “o caminho certo” perante o conflito na Ucrânia.
Essa comparação, no entanto, não agrada a todo mundo no atual governo. Como mostrou a coluna, auxiliares presidenciais que dão expediente no Palácio do Planalto admitem, nos bastidores, que a possível semelhança de posições apontada por adversários políticos tem repercutido mal na base bolsonarista.
Críticas a Bolsonaro
Tanto Rubens Barbosa quanto Celso Amorin, no entanto, fizeram críticas à postura e às falas de Bolsonaro em relação à Rússia. Logo antes da invasão da Ucrânia, o presidente brasileiro foi a Moscou e declarou, ao lado de Putin, que os brasileiros eram “solidários à Rússia”.
Bolsonaro também tem evitado condenar diretamente a Rússia pela invasão. Até agora, o Brasil condenou a ação russa em território ucraniano apenas por meio de posições no Conselho de Segurança, no Conselho de Direitos Humanos e na Assembleia-Geral da ONU.
Diplomatas da atual gestão do Itamaraty minimizam as críticas. Dizem que o que importa é a posição oficial do Brasil nos organismos internacionais, sobretudo no Conselho de Segurança, instância adequada para se discutir questões de conflitos entre nações. “O resto é procurar pelo em ovo”, diz um diplomata.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Instituto Millenium: dezenas de especialistas, só dois diplomatas

 Diplomatas liberais? Só dois?!?!

Verifiquei a lista de “especialistas” do Instituto Millenium, dentre os quais (são exatamente 148) eu e o meu ex-chefe, embaixador Rubens Barbosa, somos os DOIS ÚNICOS diplomatas!

Não acredito que somos os dois únicos diplomatas liberais entre 1.500 membros do corpo diplomático brasileiro. Não deve ser verdade: o Itamaraty tem de tudo, liberais, esquerdistas, tucanos, malufistas, lulistas, direitistas, reacionários, anarquistas, românticos, surrealistas e talvez até um ou dois bolsonaristas (sempre é possível).

Vou fazer a enquete de sociografia que imaginei fazer assim que ingressei no Itamaraty, mais de 43 anos atrás…

Paulo Roberto de Almeida 

Especialistas