Parecer do Escritório Torreão Braz a pedido da ADB sobre o projeto estapafurdio do senadorzinho Alcolumbre, que gostaria de ser embaixadorzinho, sem perder a mamatazinha do cargo e das prebendas parlamentares:
Brasília, 25 de outubro de 2021.
PARECER JURÍDICO
Assunto: Proposta de Emenda à Constituição n. 34/2021. Chefe de missão diplomática permanente. Parlamentar. Investidura. Perda de mandato.
SINDICATO DOS DIPLOMATAS BRASILEIROS, ADB Sindical, formalizou consulta jurídica acerca da Proposta de Emenda à Constituição Federal – PEC n. 34, apresentada originariamente ao Plenário do Senado Federal em 8 de outubro de 2021, que prevê a possibilidade de investidura de parlamentar no cargo de chefe de missão diplomática de caráter permanente, sem a perda do respectivo mandato, consequência atualmente prevista na Constituição Federal (art. 56, I).
I – TERMOS DA CONSULTA
O Consulente, sindicato de âmbito nacional de inequívoca titularidade dos interesses afetados pela PEC n. 34/2021, traz à baila a presente consulta jurídica em razão da Proposta de Emenda à Constituição Federal – PEC n. 34/2021, que estipula a seguinte redação ao art. 56, I, do texto constitucional:
Art. 56. Não perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I – investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática de caráter permanente ou temporária. [grifo relativo ao excerto alterado contido na PEC]
A alteração do dispositivo constitucional consiste, pois, na inclusão da investidura de parlamentar no cargo de chefe de missão diplomática de caráter permanente – nomeado pelo Presidente da República com o título de Embaixador (art. 39 da Lei n. 11.440/2006) –, sem a perda do respectivo mandato, ao contrário da previsão atual contida na Constituição Federal (art. 56, I).
O Consulente questiona a constitucionalidade da Proposta, caso seja promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art. 60, § 3º, da CF), especialmente à luz dos postulados constitucionais intangíveis (art. 60, § 4º), como o princípio da separação de poderes (art. 2º), dentre outros preceitos indisponíveis ao poder constituinte derivado.
II – FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PARECER
II.a – Limites à atuação do constituinte derivado
A atuação do poder constituinte derivado não é imoderada nem ilimitada. O art. 60, § 4º, I a IV, da Constituição Federal estabelece as denominadas cláusulas pétreas explícitas, elencando matérias insuscetíveis de alteração no texto constitucional originariamente promulgado: (i) a forma federativa de Estado; (ii) o voto direto, secreto, universal e periódico; (iii) a separação dos poderes; (iv) os direitos e garantias individuais.
Ocorre que, a par dos limites explícitos à atuação do poder derivado, a Constituição Federal contém também limites materiais implícitos, assim compreendidos os temas que, apesar de omitidos no art. 60, § 4º, I a IV, da Constituição Federal, não podem ser objeto de emenda constitucional.
A exemplo de limites materiais implícitos representativos à presente consulta, mencionem-se o princípio republicano e o postulado da soberania nacional, que, na hipótese de aprovação da PEC n. 34/2021, seriam inequivocamente violados, nos termos da fundamentação doravante apresentada.
Por tudo, fica claro que as inovações promovidas por emendas constitucionais obedecem a limites formais e materiais – tanto explícitos quanto implícitos – inerentes à conservação da identidade original e do “núcleo de decisões políticas e valores fundamentais” que tenham justificado a promulgação da Carta da República, por intermédio das “denominadas cláusulas de intangibilidade ou cláusulas pétreas, nas quais são inscritas as matérias que ficam fora do alcance do constituinte derivado”:1
Nota 1:
1 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 159.
As cláusulas pétreas ou de intangibilidade são a expressão mais radical de autovinculação ou pré-compromisso, por via do qual a soberania popular limita o seu poder no futuro para proteger a democracia contra o efeito destrutivo das paixões, dos interesses e das tentações. Funcionam, assim, como a reserva moral mínima de um sistema constitucional. 2
Nota 2: Ibidem, p. 162.
O presente parecer jurídico tem o escopo de oferecer um exame técnico inicial acerca da compatibilidade constitucional da proposta de alteração consubstanciada na PEC n. 34/2021, à luz das cláusulas de intangibilidade aplicáveis à espécie, que estabelecem autêntico limite à alteração da Carta da República, franqueando, no caso de violação, as posteriores e oportunas vias de ação para o controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário.
II.b – Violação ao princípio republicano
O princípio republicano foi objeto de plebiscito em 21 de abril de 1993 e, após confirmado em deliberação popular (art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT e artigo único da Emenda Constitucional n. 2/1992), estabilizou-se como postulado intangível do regime vigente. Em outras palavras, o poder constituinte originário estabeleceu que apenas a deliberação popular plebiscitária – recordando que “todo o poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único, da CF) – constituiria via idônea à desconstituição da forma de governo republicana.
Logo, o princípio republicano não está sujeito, direta nem indiretamente, à ingerência reformista por intermédio de emenda constitucional, exceto na hipótese de nova emenda para prever futuro plebiscito, cujo resultado seja positivo à alteração da atual forma de governo. Trata-se de tese ampla e majoritariamente aceita pela doutrina constitucionalista brasileira, que preleciona “a impossibilidade de supressão ou esvaziamento da forma republicana de governo”:
[...] a tese, amplamente aceita, em favor da impossibilidade de supressão ou esvaziamento da forma republicana e governo e mesmo do sistema presidencialista é de ser levada a sério e merece acolhida, de modo especial no que diz respeito com a República. Nesse sentido, argumenta-se que a partir da consulta popular efetuada em abril de 1993, a República
e o Presidencialismo (mas especialmentea primeira)passaram a corresponder à vontade expressa e diretamente manifestada do titular do Poder Constituinte, não se encontrando, portanto, à disposição do poder de reformada Constituição. Ressalte-se, neste contexto, que a decisão, tomada pelo Constituinte, no sentido de não enquadrar estas decisões fundamentais no rol das ‘cláusulas pétreas’ (art. 60, §4º),somada à previsão de um plebiscito sobre esta matéria, autoriza a conclusão de que se pretendeu conscientemente deixar para o povo(titular do Poder Constituinte) esta opção.3
Nota 3: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 126.
A PECn. 34/2021, caso aprovada, padece de vícios graves de inconstitucionalidade, dentre eles a violação à cláusula pétrea inerente ao regime republicano.
Como é cediço, um dos aspectos centrais do regime republicano, remontando os próprios ideais ciceronianos,4 designa a prevalência do interesse comum sobre interesses particulares, designadamente pela soberania de um Estado permanente e pela transitoriedade de governos. Os interesses do Estado sobrepõem-se, pois, a interesses de grupos, de corporações etc., prevalecendo inclusive em relação a pautas reivindicativas de detentores do próprio poder, que é transitório e emana do povo, características essenciais do princípio republicano.
Nota 4: Cf. CÍCERO, MarcoTúlio. Da República. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 2019.
A soberania popular, constituindo o próprio cerne do princípio republicano, é ontologicamente avessa à ideia de que o governo seja estranho ao interesse comum, imbricado à própria“soberania popular”, na qual “todas as coisas residem no povo”; a prevalência de interesses específicos ou particulares em detrimento de interesses comuns viola, portanto, os mais básicos preceitos da república.
Nota 5. “Assim, não deve o homem atribuir-se, como virtude, sua sociabilidade, que é nele intuitiva. Formadas assim naturalmente, essas associações, como expus, estabeleceram domicílio, antes de mais nada, num lugar determinado; depois, esse domicílio comum, conjunto de templos, praças e vivendas, fortificado, já pela sua situação natural, já pelos homens, tomou o nome de cidade ou fortaleza. Todo povo, isto é, toda sociedade fundada com as condições por mim expostas, toda cidade, ou, o que é o mesmo, toda constituição particular de um povo, toda coisa pública – e por isso entendo toda coisa do povo –necessita, para ser duradoura, ser regida por uma autoridade inteligente que sempre se apoie sobre o princípio que presidiu à formação do Estado. Pois bem: esse governo pode atribuir-se a um só homem ou a alguns cidadãos escolhidos pelo povo inteiro. [...] a soberania popular, conforme a expressão consagrada, é aquela em que todas as coisas residem no povo”–CÍCERO, Marco Túlio.Da República...p. 36(III, XXVI).
Outra decorrência notória do preceito republicano é a descentralização das diversas manifestações de exercício dos poderes do Estado, pressupondo, no caso brasileiro, um equilíbrio institucional imanente entre executivo, legislativo e judiciário.
A PEC n. 34/2021, caso aprovada, não apenas ofende a cláusula pétrea explícita da denominada “separação de poderes”, o que será objeto do tópico subsequente do presente parecer, quanto também implica um desequilíbrio institucional incompatível com o regime republicano.
Nesse contexto, observe-se que “compete privativamente ao Senado Federal [...] aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente”, nos termos do art. 52, IV, da Constituição Federal.6
Nota 6: “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] IV - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente;”.
7 “Art. 41. Os Chefes de Missão Diplomática Permanente serão escolhidos dentre os Ministros de Primeira Classe ou, nos termos do art. 46 desta Lei, dentre os Ministros de Segunda Classe. Parágrafo único. Excepcionalmente, poderá ser designado para exercer a função de Chefe de Missão Diplomática Permanente brasileiro nato, não pertencente aos quadros do Ministério das Relações Exteriores, maior de 35 (trinta e cinco) anos, de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao País”.
8 “Art. 40. O Chefe de Missão Diplomática Permanente é a mais alta autoridade brasileira no país em cujo governo está acreditado”.
9 “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;”.
Ora, se a nomeação de Embaixador recair sobre pessoa não integrante da carreira diplomática (Ministros de Primeira e subsidiariamente de Segunda Classes: art. 41, caput, parágrafo único, da Lei n. 11.440/2006)7 – lembrando-se que se trata de designação de caráter expecional prevista na lei –, o parlamentar escolhido deverá aprovado pelos próprios pares do Congresso Nacional, inclusive sob uma logicamente inadmissível “autoaprovação”, na hipótese de o nomeado ser senador.
A perda do mandato do parlamentar nomeado Embaixador, submetido à posterior sabatina no Senado Federal (arguição em sessão secreta), a par de coadunar-se com exigência inerente à harmonia entre os poderes, constitui decorrência inarredável do princípio republicano. Afinal, sendo o chefe de missão diplomática permanente a “mais alta autoridade brasileira no país em cujo governo está acreditado” (art. 40 da Lei n. 11.440/2006)8 – representante de Estado e, logo, do poder executivo brasileiro (art. 84, VII, da CF)9 –, a possibilidade de retorno ao cargo do parlamentar investido da função de Embaixador, tal como proposta na PEC n. 34/2021, implicaria um desequilíbrio institucional incompatível com o regime republicano.
Exatamente pelo fato de constituir a “mais alta autoridade brasileira”, o Embaixador é, em síntese, um representante do Presidente da República (poder executivo) nos Estados estrangeiros, sendo imperioso que, a assunção [excepcional] da função por membro do poder legislativo acompanhe-se da inarredável perda do mandato parlamentar.
Tais considerações, que apontam a manifesta ofensa ao princípio republicano perpetrada pela PEC n. 34/2021, culminam, assim, na segunda consequência de incompatibilidade material da proposta com o texto constitucional intangível, qual seja, a cláusula explícita da separação (independência e harmonia) dos poderes (arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF).
II.c – Violação à separação dos poderes
É tradicional a lição doutrinária que assinala a incompatibilidade da manutenção do mandato de parlamentar designado Embaixador, pois, como decorrência própria do princípio republicano, os impedimentos constitucionais a parlamentares visam a assegurar a independência do poder legislativo e a desestimular ingerências indevidas (rectius, usurpação de atribuições) nas esferas de atuação do poder estatal, proibindo-se “o parlamentar de exercer função noutro poder”, 10
Nota 10: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 155.
tal como dispunha v.g. em caráter peremptório, inclusive quanto à incompatibilidade para o cargo de ministro de Estado, a primeira Constituição Federal republicana (art. 50, caput, parágrafo único, da CF/1891).11
Nota 11: “Art. 50 - Os Ministros de Estado não poderão acumular o exercício de outro emprego ou função pública, nem ser eleitos Presidente ou Vice-Presidente da União, Deputado ou Senador. Parágrafo único - O Deputado ou Senador que aceitar o cargo de Ministro de Estado perderá o mandato e proceder-se-á imediatamente a nova eleição, na qual não poderá ser votado”.
Ainda com esteio em abalizada doutrina pátria, vale mencionar que “a independência dos poderes significa que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros [poderes]”:
A independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros [poderes]”; b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais; [...]12
Nota 12 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 114.
No mesmo sentido, observe-se a indispensável independência orgânica de cada um dos poderes em face dos demais, estabelecendo inequivocamente que “uma mesma pessoa não poderá ser membro de mais de um Poder ao mesmo tempo”.13
Nota 13: BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo... p. 174.
Além da vedação de ingerências recíprocas quanto à investidura de cargos e funções de confiança, é evidente também que a confusão de atribuições, estipulando-se “prerrogativa” de retorno ao exercício da função parlamentar, após a assunção de chefia de Estado acreditado pelo Presidente da República para missão diplomática de caráter permanente no exterior, constitui inequívoca desarmonia republicana, violando-se o postulado da separação dos poderes:
A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. [...] Tudo isso demonstra que os trabalhos do Legislativo e do Executivo, especialmente, mas também os trabalhos do Judiciário, só se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem o domínio de um [poder] pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos. A desarmonia, porém, se dá sempre que se acrescem atribuições, faculdades e prerrogativas de um em detrimento do outro.14
Nota 14: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo... p. 114-5; grifos aditados.
A proposta consubstanciada na PEC n. 34/2021 ofende, assim, o arcabouço normativo constitucional intangível, à luz da inarredável separação dos poderes (cláusula pétrea), além de promover o “desvirtuamento ao mesmo tempo da representação parlamentar e da diplomática”:
Ofende portanto o sistema constitucional e ao mesmo tempo não seria desejável politicamente que, aos Embaixadores à frente de missões diplomáticas permanentes, fosse permitido retornar a qualquer momento ao Congresso Nacional. Representante pessoal do Presidente da República, não pode o Chefe de missão diplomática permanente ter compromissos com o Poder Legislativo, sob pena de desvirtuamento ao mesmo tempo da representação parlamentar e da diplomática. Em tese,
seria inadmissível ao debate parlamentar proposta de emenda à Constituição que permitisse a Deputados e Senadores serem investidos na Chefia e missão diplomática permanente sem a perda do mandato, por ofensa ao princípio da separação dos poderes, também “cláusula pétrea” da Lei Maior (art. 60, § 4º,III, da CF).15
Nota 15: SABOIA, Marcelo R. Representação parlamentar e representação diplomática. In Cadernos ASLEGIS, v. 6, n. 19, p. 125-8. Brasília: Câmara dos Deputados, 2003, p. 127; grifos aditados.
Em outras palavras, a função de Chefe de missão diplomática de caráter permanente impede peremptoriamente o parlamentar de retornar ao exercício das atribuições no poder legislativo, pois a representação no exterior –“a mais alta autoridade brasileira” acreditada pelo Presidente da República –consiste em tarefa de cunho tipicamente executivo, não sendo despropositado, assim, que a Constituição Federal só autorize a assunção em missão diplomática temporária (art. 56, I).
A sabatina a posteriori pelo Senado Federal (art.52, IV, da CF) representa, aliás, manifestação própria do sistema de freios e contrapesos, que impede Embaixadores, designados [excepcionalmente] pelo Presidente da República dentre pessoas externas à carreira diplomática, de serem concomitantemente membros do poder legislativo, razão por que o parlamentar designado que aceite a nomeação não poderá retornar ao exercício do mandato, ante o impedimento constitucional ínsito à separação dos poderes, além do imperativo republicano que está na base de tal exigência, conforme já exposto.
II.d–Violação à soberania nacional
O representante diplomático não detém mandato eletivo, diferindo-se, pois, da representação popular; os membros da diplomacia integram carreira típica de Estado, exigindo-se inclusive que sejam brasileiros natos (art. 12, § 3º, V, da CF).
É inadmissível que a mais elevada função, de uma carreira típica de Estado no âmbito do poder executivo, possa ser assumida cumulativamente por mandatário do poder legislativo, sem o inarredável impedimento peremptório para o exercício a posteriori do mandato eletivo.
A representação diplomática constitui manifestação da soberania do Estado brasileiro, fazendo-se acreditar no exterior por agentes designados pelo Presidente da República (art. 84, VII, da CF), preferencialmente dentre membros de carreira típica de Estado (art. 41, caput, parágrafo único, da Lei n. 11.440/2006). Logicamente, não se trata de uma “função política”, cujas escolhas preferenciais possam considerar membros das casas parlamentares sem a perda dos respectivos mandatos, sob pena de se comprometerem as próprias relações internacionais do Estado brasileiro.
A representação no exterior por membros da carreira diplomática, caracterizada, como é notório, por uma formação complexa, extensa e integrada dentre as diversas classes, constitui decorrência e exigência de Estado.
Não é despropositado, desse modo, que a Lei de regência estabeleça que a função de Embaixador deva recair apenas excepcionalmente sobre pessoa não integrante da carreira diplomática (art. 41, caput, parágrafo único, da Lei n. 11.440/2006), sob pena de se comprometer a higidez da representação e da proteção dos interesses brasileiros no campo internacional.
As funções exercidas por Embaixadores, acreditados pelo Presidente da República, integram o núcleo estratégico do Estado brasileiro e a existência de uma carreira própria (de Diplomata) para que esse múnus seja realizado com excelência pressupõe evidentemente os princípios constitucionais regentes da República Federativa do Brasil em suas relações internacionais (art. 4º da CF), sendo, pois, feição inerente à soberania.
III – SÍNTESE FINAL
Por todas as considerações trazidas, são evidentes os inúmeros pontos de incompatibilidade da PEC n. 34/2021 com postulados e questões intangíveis da Constituição Federal, reclamando que tanto as Casas Legislativas, por ocasião do controle preventivo de constitucionalidade, quanto o Poder Judiciário, na eventualidade de aprovação que inste o controle a posteriori ou repressivo, zelem pela higidez das cláusulas pétreas, constitutivas de autêntica limitação ao poder de emenda à Carta promulgada na presente era democrática.
TORREÃO BRAZ ADVOGADOS
Antônio Torreão Braz Filho
João Pereira Monteiro Neto
Vitor Candido Soares
Ana Torreão Braz Lucas de Morais
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