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segunda-feira, 6 de junho de 2022

Senadores embaixadores?!?! INCONSTITUCIONAL Alcolumbre! - Parecer do Escritório Torreão Braz

 Parecer do Escritório Torreão Braz a pedido da ADB sobre o projeto estapafurdio do senadorzinho Alcolumbre, que gostaria de ser embaixadorzinho, sem perder a mamatazinha do cargo e das prebendas parlamentares:


 Brasília, 25 de outubro de 2021. 

PARECER JURÍDICO 

Assunto: Proposta de Emenda à Constituição n. 34/2021. Chefe de missão diplomática permanente. Parlamentar. Investidura. Perda de mandato. 


SINDICATO DOS DIPLOMATAS BRASILEIROS, ADB Sindical, formalizou consulta jurídica acerca da Proposta de Emenda à Constituição Federal – PEC n. 34, apresentada originariamente ao Plenário do Senado Federal em 8 de outubro de 2021, que prevê a possibilidade de investidura de parlamentar no cargo de chefe de missão diplomática de caráter permanente, sem a perda do respectivo mandato, consequência atualmente prevista na Constituição Federal (art. 56, I). 


I – TERMOS DA CONSULTA 

O Consulente, sindicato de âmbito nacional de inequívoca titularidade dos interesses afetados pela PEC n. 34/2021, traz à baila a presente consulta jurídica em razão da Proposta de Emenda à Constituição Federal – PEC n. 34/2021, que estipula a seguinte redação ao art. 56, I, do texto constitucional: 

Art. 56. Não perderá o mandato o Deputado ou Senador: 

I – investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática de caráter permanente ou temporária. [grifo relativo ao excerto alterado contido na PEC] 


A alteração do dispositivo constitucional consiste, pois, na inclusão da investidura de parlamentar no cargo de chefe de missão diplomática de caráter permanente – nomeado pelo Presidente da República com o título de Embaixador (art. 39 da Lei n. 11.440/2006) –, sem a perda do respectivo mandato, ao contrário da previsão atual contida na Constituição Federal (art. 56, I). 


O Consulente questiona a constitucionalidade da Proposta, caso seja promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art. 60, § 3º, da CF), especialmente à luz dos postulados constitucionais intangíveis (art. 60, § 4º), como o princípio da separação de poderes (art. 2º), dentre outros preceitos indisponíveis ao poder constituinte derivado. 


II – FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PARECER 

II.a – Limites à atuação do constituinte derivado 

A atuação do poder constituinte derivado não é imoderada nem ilimitada. O art. 60, § 4º, I a IV, da Constituição Federal estabelece as denominadas cláusulas pétreas explícitas, elencando matérias insuscetíveis de alteração no texto constitucional originariamente promulgado: (i) a forma federativa de Estado; (ii) o voto direto, secreto, universal e periódico; (iii) a separação dos poderes; (iv) os direitos e garantias individuais. 

Ocorre que, a par dos limites explícitos à atuação do poder derivado, a Constituição Federal contém também limites materiais implícitos, assim compreendidos os temas que, apesar de omitidos no art. 60, § 4º, I a IV, da Constituição Federal, não podem ser objeto de emenda constitucional. 

A exemplo de limites materiais implícitos representativos à presente consulta, mencionem-se o princípio republicano e o postulado da soberania nacional, que, na hipótese de aprovação da PEC n. 34/2021, seriam inequivocamente violados, nos termos da fundamentação doravante apresentada. 

Por tudo, fica claro que as inovações promovidas por emendas constitucionais obedecem a limites formais e materiais – tanto explícitos quanto implícitos – inerentes à conservação da identidade original e do “núcleo de decisões políticas e valores fundamentais” que tenham justificado a promulgação da Carta da República, por intermédio das “denominadas cláusulas de intangibilidade ou cláusulas pétreas, nas quais são inscritas as matérias que ficam fora do alcance do constituinte derivado”:1


Nota 1:  

1 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 159. 


 

As cláusulas pétreas ou de intangibilidade são a expressão mais radical de autovinculação ou pré-compromisso, por via do qual a soberania popular limita o seu poder no futuro para proteger a democracia contra o efeito destrutivo das paixões, dos interesses e das tentações. Funcionam, assim, como a reserva moral mínima de um sistema constitucional. 


Nota 2: Ibidem, p. 162. 


O presente parecer jurídico tem o escopo de oferecer um exame técnico inicial acerca da compatibilidade constitucional da proposta de alteração consubstanciada na PEC n. 34/2021, à luz das cláusulas de intangibilidade aplicáveis à espécie, que estabelecem autêntico limite à alteração da Carta da República, franqueando, no caso de violação, as posteriores e oportunas vias de ação para o controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário. 


II.b – Violação ao princípio republicano 

O princípio republicano foi objeto de plebiscito em 21 de abril de 1993 e, após confirmado em deliberação popular (art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT e artigo único da Emenda Constitucional n. 2/1992), estabilizou-se como postulado intangível do regime vigente. Em outras palavras, o poder constituinte originário estabeleceu que apenas a deliberação popular plebiscitária – recordando que “todo o poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único, da CF) – constituiria via idônea à desconstituição da forma de governo republicana. 

Logo, o princípio republicano não está sujeito, direta nem indiretamente, à ingerência reformista por intermédio de emenda constitucional, exceto na hipótese de nova emenda para prever futuro plebiscito, cujo resultado seja positivo à alteração da atual forma de governo. Trata-se de tese ampla e majoritariamente aceita pela doutrina constitucionalista brasileira, que preleciona “a impossibilidade de supressão ou esvaziamento da forma republicana de governo”: 

[...] a tese, amplamente aceita, em favor da impossibilidade de supressão ou esvaziamento da forma republicana e governo e mesmo do sistema presidencialista é de ser levada a sério e merece acolhida, de modo especial no que diz respeito com a República. Nesse sentido, argumenta-se que a partir da consulta popular efetuada em abril de 1993, a República  

e o Presidencialismo (mas especialmentea primeira)passaram a corresponder à vontade expressa e diretamente manifestada do titular do Poder Constituinte, não se encontrando, portanto, à disposição do poder de reformada Constituição. Ressalte-se, neste contexto, que a decisão, tomada pelo Constituinte, no sentido de não enquadrar estas decisões fundamentais no rol das ‘cláusulas pétreas’ (art. 60, §4º),somada à previsão de um plebiscito sobre esta matéria, autoriza a conclusão de que se pretendeu conscientemente deixar para o povo(titular do Poder Constituinte) esta opção.3

Nota 3: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 126.

A PECn. 34/2021, caso aprovada, padece de vícios graves de inconstitucionalidade, dentre eles a violação à cláusula pétrea inerente ao regime republicano.

Como é cediço, um dos aspectos centrais do regime republicano, remontando os próprios ideais ciceronianos,designa a prevalência do interesse comum sobre interesses particulares, designadamente pela soberania de um Estado permanente e pela transitoriedade de governos. Os interesses do Estado sobrepõem-se, pois, a interesses de grupos, de corporações etc., prevalecendo inclusive em relação a pautas reivindicativas de detentores do próprio poder, que é transitório e emana do povo, características essenciais do princípio republicano.

Nota 4: Cf. CÍCERO, MarcoTúlio. Da República. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 2019.

A soberania popular, constituindo o próprio cerne do princípio republicano, é ontologicamente avessa à ideia de que o governo seja estranho ao interesse comum, imbricado à própria“soberania popular”, na qual “todas as coisas residem no povo”; a prevalência de interesses específicos ou particulares em detrimento de interesses comuns viola, portanto, os mais básicos preceitos da república. 

Nota 5. “Assim, não deve o homem atribuir-se, como virtude, sua sociabilidade, que é nele intuitiva. Formadas assim naturalmente, essas associações, como expus, estabeleceram domicílio, antes de mais nada, num lugar determinado; depois, esse domicílio comum, conjunto de templos, praças e vivendas, fortificado, já pela sua situação natural, já pelos homens, tomou o nome de cidade ou fortaleza. Todo povo, isto é, toda sociedade fundada com as condições por mim expostas, toda cidade, ou, o que é o mesmo, toda constituição particular de um povo, toda coisa pública – e por isso entendo toda coisa do povo –necessita, para ser duradoura, ser regida por uma autoridade inteligente que sempre se apoie sobre o princípio que presidiu à formação do Estado. Pois bem: esse governo pode atribuir-se a um só homem ou a alguns cidadãos escolhidos pelo povo inteiro. [...] a soberania popular, conforme a expressão consagrada, é aquela em que todas as coisas residem no povo”–CÍCERO, Marco Túlio.Da República...p. 36(III, XXVI).

Outra decorrência notória do preceito republicano é a descentralização das diversas manifestações de exercício dos poderes do Estado, pressupondo, no caso brasileiro, um equilíbrio institucional imanente entre executivo, legislativo e judiciário. 

A PEC n. 34/2021, caso aprovada, não apenas ofende a cláusula pétrea explícita da denominada “separação de poderes”, o que será objeto do tópico subsequente do presente parecer, quanto também implica um desequilíbrio institucional incompatível com o regime republicano

Nesse contexto, observe-se que “compete privativamente ao Senado Federal [...] aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente”, nos termos do art. 52, IV, da Constituição Federal.


Nota 6:  “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] IV - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente;”. 


7 “Art. 41. Os Chefes de Missão Diplomática Permanente serão escolhidos dentre os Ministros de Primeira Classe ou, nos termos do art. 46 desta Lei, dentre os Ministros de Segunda Classe. Parágrafo único. Excepcionalmente, poderá ser designado para exercer a função de Chefe de Missão Diplomática Permanente brasileiro nato, não pertencente aos quadros do Ministério das Relações Exteriores, maior de 35 (trinta e cinco) anos, de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao País”. 


8 “Art. 40. O Chefe de Missão Diplomática Permanente é a mais alta autoridade brasileira no país em cujo governo está acreditado”. 


9 “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;”. 

Ora, se a nomeação de Embaixador recair sobre pessoa não integrante da carreira diplomática (Ministros de Primeira e subsidiariamente de Segunda Classes: art. 41, caput, parágrafo único, da Lei n. 11.440/2006)7 – lembrando-se que se trata de designação de caráter expecional prevista na lei –, o parlamentar escolhido deverá aprovado pelos próprios pares do Congresso Nacional, inclusive sob uma logicamente inadmissível “autoaprovação”, na hipótese de o nomeado ser senador. 

A perda do mandato do parlamentar nomeado Embaixador, submetido à posterior sabatina no Senado Federal (arguição em sessão secreta), a par de coadunar-se com exigência inerente à harmonia entre os poderes, constitui decorrência inarredável do princípio republicano. Afinal, sendo o chefe de missão diplomática permanente a “mais alta autoridade brasileira no país em cujo governo está acreditado” (art. 40 da Lei n. 11.440/2006)8 representante de Estado e, logo, do poder executivo brasileiro (art. 84, VII, da CF)9 –, a possibilidade de retorno ao cargo do parlamentar investido da função de Embaixador, tal como proposta na PEC n. 34/2021, implicaria um desequilíbrio institucional incompatível com o regime republicano. 


Exatamente pelo fato de constituir a “mais alta autoridade brasileira”, o Embaixador é, em síntese, um representante do Presidente da República (poder executivo) nos Estados estrangeiros, sendo imperioso que, a assunção [excepcional] da função por membro do poder legislativo acompanhe-se da inarredável perda do mandato parlamentar. 

Tais considerações, que apontam a manifesta ofensa ao princípio republicano perpetrada pela PEC n. 34/2021, culminam, assim, na segunda consequência de incompatibilidade material da proposta com o texto constitucional intangível, qual seja, a cláusula explícita da separação (independência e harmonia) dos poderes (arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF). 


II.c – Violação à separação dos poderes 

É tradicional a lição doutrinária que assinala a incompatibilidade da manutenção do mandato de parlamentar designado Embaixador, pois, como decorrência própria do princípio republicano, os impedimentos constitucionais a parlamentares visam a assegurar a independência do poder legislativo e a desestimular ingerências indevidas (rectius, usurpação de atribuições) nas esferas de atuação do poder estatal, proibindo-se “o parlamentar de exercer função noutro poder”, 10 

Nota 10: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 155. 


tal como dispunha v.g. em caráter peremptório, inclusive quanto à incompatibilidade para o cargo de ministro de Estado, a primeira Constituição Federal republicana (art. 50, caput, parágrafo único, da CF/1891).11 


Nota 11:  “Art. 50 - Os Ministros de Estado não poderão acumular o exercício de outro emprego ou função pública, nem ser eleitos Presidente ou Vice-Presidente da União, Deputado ou Senador. Parágrafo único - O Deputado ou Senador que aceitar o cargo de Ministro de Estado perderá o mandato e proceder-se-á imediatamente a nova eleição, na qual não poderá ser votado”. 


Ainda com esteio em abalizada doutrina pátria, vale mencionar que “a independência dos poderes significa que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros [poderes]”: 

A independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros [poderes]”; b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais; [...]12 


Nota 12 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 114. 


No mesmo sentido, observe-se a indispensável independência orgânica de cada um dos poderes em face dos demais, estabelecendo inequivocamente que “uma mesma pessoa não poderá ser membro de mais de um Poder ao mesmo tempo”.13 


Nota 13:  BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo... p. 174. 


Além da vedação de ingerências recíprocas quanto à investidura de cargos e funções de confiança, é evidente também que a confusão de atribuições, estipulando-se “prerrogativa” de retorno ao exercício da função parlamentar, após a assunção de chefia de Estado acreditado pelo Presidente da República para missão diplomática de caráter permanente no exterior, constitui inequívoca desarmonia republicana, violando-se o postulado da separação dos poderes: 

A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. [...] Tudo isso demonstra que os trabalhos do Legislativo e do Executivo, especialmente, mas também os trabalhos do Judiciário, só se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem o domínio de um [poder] pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos. A desarmonia, porém, se dá sempre que se acrescem atribuições, faculdades e prerrogativas de um em detrimento do outro.14 


Nota 14:  SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo... p. 114-5; grifos aditados. 

A proposta consubstanciada na PEC n. 34/2021 ofende, assim, o arcabouço normativo constitucional intangível, à luz da inarredável separação dos poderes (cláusula pétrea), além de promover o “desvirtuamento ao mesmo tempo da representação parlamentar e da diplomática”: 

Ofende portanto o sistema constitucional e ao mesmo tempo não seria desejável politicamente que, aos Embaixadores à frente de missões diplomáticas permanentes, fosse permitido retornar a qualquer momento ao Congresso Nacional. Representante pessoal do Presidente da República, não pode o Chefe de missão diplomática permanente ter compromissos com o Poder Legislativo, sob pena de desvirtuamento ao mesmo tempo da representação parlamentar e da diplomática. Em tese, 


seria inadmissível ao debate parlamentar proposta de emenda à Constituição que permitisse a Deputados e Senadores serem investidos na Chefia e missão diplomática permanente sem a perda do mandato, por ofensa ao princípio da separação dos poderes, também “cláusula pétrea” da Lei Maior (art. 60, § 4º,III, da CF).15

Nota 15: SABOIA, Marcelo R. Representação parlamentar e representação diplomática. In Cadernos ASLEGIS, v. 6, n. 19, p. 125-8. Brasília: Câmara dos Deputados, 2003, p. 127; grifos aditados.

Em outras palavras, a   função de Chefe de missão diplomática de caráter permanente impede peremptoriamente o parlamentar de retornar ao exercício das atribuições no poder legislativo, pois a representação no exterior –“a mais alta autoridade brasileira” acreditada pelo Presidente da República –consiste em tarefa de cunho tipicamente executivo, não sendo despropositado, assim, que a Constituição Federal só autorize a assunção em missão diplomática temporária (art. 56, I).

A sabatina a posteriori pelo Senado Federal (art.52, IV, da CF) representa, aliás, manifestação própria do sistema de freios e contrapesos, que impede Embaixadores, designados [excepcionalmente] pelo Presidente da República dentre pessoas externas à carreira diplomática, de serem concomitantemente membros do poder legislativo, razão por que o parlamentar designado que aceite a nomeação não poderá retornar ao exercício do mandato, ante o impedimento constitucional ínsito à separação dos poderes, além do imperativo republicano que está na base de tal exigência, conforme já exposto.

II.d–Violação à soberania nacional


O representante diplomático não detém mandato eletivo, diferindo-se, pois, da representação popular; os membros da diplomacia integram carreira típica de Estado, exigindo-se inclusive que sejam brasileiros natos (art. 12, § 3º, V, da CF).

É inadmissível que a mais elevada função, de uma carreira típica de Estado no âmbito do poder executivo, possa ser assumida cumulativamente por mandatário do poder legislativo, sem o inarredável impedimento peremptório para o exercício a posteriori do mandato eletivo.

A representação diplomática constitui manifestação da soberania do Estado brasileiro, fazendo-se acreditar no exterior por agentes designados pelo Presidente da República (art. 84, VII, da CF), preferencialmente dentre membros de carreira típica de Estado (art. 41, caput, parágrafo único, da Lei n. 11.440/2006). Logicamente, não se trata de uma “função política”, cujas escolhas preferenciais possam considerar membros das casas parlamentares sem a perda dos respectivos mandatos, sob pena de se comprometerem as próprias relações internacionais do Estado brasileiro. 

A representação no exterior por membros da carreira diplomática, caracterizada, como é notório, por uma formação complexa, extensa e integrada dentre as diversas classes, constitui decorrência e exigência de Estado

Não é despropositado, desse modo, que a Lei de regência estabeleça que a função de Embaixador deva recair apenas excepcionalmente sobre pessoa não integrante da carreira diplomática (art. 41, caput, parágrafo único, da Lei n. 11.440/2006), sob pena de se comprometer a higidez da representação e da proteção dos interesses brasileiros no campo internacional. 

As funções exercidas por Embaixadores, acreditados pelo Presidente da República, integram o núcleo estratégico do Estado brasileiro e a existência de uma carreira própria (de Diplomata) para que esse múnus seja realizado com excelência pressupõe evidentemente os princípios constitucionais regentes da República Federativa do Brasil em suas relações internacionais (art. 4º da CF), sendo, pois, feição inerente à soberania. 


III – SÍNTESE FINAL 

Por todas as considerações trazidas, são evidentes os inúmeros pontos de incompatibilidade da PEC n. 34/2021 com postulados e questões intangíveis da Constituição Federal, reclamando que tanto as Casas Legislativas, por ocasião do controle preventivo de constitucionalidade, quanto o Poder Judiciário, na eventualidade de aprovação que inste o controle a posteriori ou repressivo, zelem pela higidez das cláusulas pétreas, constitutivas de autêntica limitação ao poder de emenda à Carta promulgada na presente era democrática. 


TORREÃO BRAZ ADVOGADOS 

Antônio Torreão Braz Filho 

João Pereira Monteiro Neto 

Vitor Candido Soares 

Ana Torreão Braz Lucas de Morais 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Senado rejeita embaixador: chanceler acidental reprovado - Felipe Frazão (OESP)

Foi o repórter do Estadão quem me informou que o Senado havia rejeitado o excelente diplomata Fabio Marzano, ao que perguntei se era na Comissão ou no plenário. Minha expressão “Então está enterrado” se refere ao fato de que, sendo no plenário, não haveria mais volta atrás no assunto, não ao próprio diplomata, a quem reconheço como um dos melhores quadros do Itamaraty.

Lamento muito pelo meu amigo Fabio Marzano, a quem faltou tato em face da insistência da Senadora Katia Abreu, ao recusar-se a comentar um assunto que não era da sua competência, quando na verdade a senadora estava veiculando a insatisfação do agronegócio com as posições inaceitáveis dos ministros Araujo e Salles com respeito ao meio ambiente— na verdade submissos à postura DESTRUTIVA do presidente —, sendo que a senadora queria de fato extrair uma confissão indireta de que aquelas posições punham em risco o acordo Mercosul-UE (já é um fato). 

O embaixador Marzano quis proteger o seu chefe e pagou um alto preço por isso. Lamento por ele. Mas com esse gesto, o Senado demonstra que o agronegócio e os senadores em geral já rifaram o chanceler acidental.

Paulo Roberto de Almeida

politica.estadao.com.br

Ernesto Araújo experimenta 'inferno' no Senado

Política - Estadão

Felipe Frazão, 16/12/2020

BRASÍLIA - A derrubada do embaixador Fabio Mendes Marzano, indicado ao cargo de delegado permanente do Brasil nas Nações Unidas em Genebra, na Suíça, chega em má hora para o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O revés joga ainda mais pressão sobre a permanência de Araújo no cargo. Ex-aliado do presidente Jair Bolsonaro, o líder do PSL, Major Olímpio (SP), conclamou os senadores a mandarem o chanceler "para o inferno". E foi atendido.

De 47 senadores na sessão desta terça-feira, 37 aderiram ao chamado contra o indicado do chanceler, vocalizado da tribuna, ao estilo estridente de Olímpio. Somente 9 votaram a favor de Marzano, homem de confiança de Araújo. Um se absteve. A votação é secreta, o que impede saber quem foi favorável ou contrário.

"Peço aos senadores, em nome da altivez do Senado, que não votem nessa indicação. Se o Senado votar com esse cara - é cara -, estamos negando nossa própria existência, o respeito a cada um de nós. Vamos votar contra, o Senado todo. Que se faça outra indicação no começo do ano. 'Ah, mas eu sou do time do chanceler'. Para o inferno o chanceler!" , bradou Olímpio.

Na véspera, Marzano se indispôs com a senadora Kátia Abreu (PP-TO). Ele se recusou a respondê-la, durante sabatina na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, passo prévio à votação no plenário. Kátia queria ouvir as impressões do embaixador sobre a tese corrente entre diplomatas e ruralistas brasileiros: a de que o desmatamento na Amazônia é usado como pretexto pelo agro estrangeiro para barrar o Acordo Mercosul-União Europeia.

Marzano alegou que o tema não era de sua alçada. Kátia protestou. Ela é ex-ministra da Agricultura e ex-presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a quem o tema preocupa. A senadora disse que o Itamaraty virou uma "casa de terrores" e que os diplomatas não podem mais opinar. Os demais senadores tomaram a negativa como sinal de desprezo aos congressistas. "Colocamos nossa posição, não de arrogância, de poder pelo poder, mas de quem respeita o parlamento", disse a senadora Kátia Abreu (PP-TO), após a reprovação de Marzano, que considerou uma forma de "proteger" o País nas relações internacionais. "Nós sabemos o que estamos fazendo."

O discurso corporativista do Congresso pode servir como biombo. A rejeição de um indicado diplomático é fato raro e costuma indicar problemas na articulação política do governo - isso às vésperas das eleições internas na Câmara e no Senado. Na sessão de ontem, o senador Cid Gomes (PDT-CE) dizia que queria votar logo a indicação daquele embaixador de Genebra "para ir aquecendo". Há meses, senadores de trajetórias tão díspares quanto Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) falavam na necessidade de "enquadrar" a política externa e "reposicionar" o Itamaraty. 

Ernesto Araújo sofre cobranças internas no governo e externas. Dois grupos fazem lobby por sua demissão: o agronegócio e os militares. Ambos, por sinal, pilares eleitorais de Bolsonaro. A seu favor, o chanceler conta o apoio da ala ideológica do governo, da militância virtual e do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o filho do presidente que mais interfere na política externa.

O revés no Senado ocorreu horas depois de o Itamaraty e o Planalto serem compelidos a reconhecer publicamente a derrota do aliado Donald Trump, nos Estados Unidos. O republicano tornou-se um dos poucos incumbentes não-reeleitos na Casa Branca. Bolsonaro relutava em parabenizar o democrata Joe Biden como presidente eleito. Mas o fez após o colégio eleitoral confirmar Biden por ampla margem - 306 a 232 votos. O democrata tem uma agenda contrária à de Bolsonaro e já anunciou que irá pressionar o Planalto na política ambiental.

Esse é outro fator a pesar contra Ernesto Araújo. O chanceler tem contatos nos Estados Unidos, onde serviu antes de chegar ao comando do ministério. Ele foi diretor do antigo Departamento de EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty. Saberia como abrir caminhos para construir uma relação com os democratas, mas a principal referência dele em Washington é de ser um "trumpista".

Foi ele quem, em 2017, escreveu na revista de artigos do Itamaraty um texto enaltecendo Trump como espécie de "líder" e "salvador" do Ocidente. Foi ele quem, neste ano, durante a pandemia do novo coronavírus, emulou críticas da militância trumpista e bolsonarista à China, num texto com o título "Chegou o Comunavírus". Foi ele quem, em 22 de abril, numa reunião ministerial cujo vídeo viria a público, falou mal do país comunista que controlava boa parte da produção de medicamentos e equipamentos de saúde, além de ter sido o primeiro a registrar a covid-19 - o trecho foi suprimido por causa da sensibilidade a assuntos de Estado.

Incomodado com críticas, Araújo recomendou ao Brasil que assumisse de vez o título de "pária internacional". Sob seu comando, o governo abandonou a promessa de campanha de uma "diplomacia sem ideologia". Numa guinada conservadora, Araújo deu palanque a blogueiros bolsonaristas, afastou o Brasil de do histórico de intermediador moderado nos fóruns internacionais e perdeu prestígio na arena ambiental, agenda que ele despreza com o termo "climatismo". Nas discussões sobre direitos humanos, elevou "Deus" e o cristianismo ao topo das prioridades.

O chanceler nunca teve amplo apoio no Congresso, mas costumava ter certa consideração de parte dos congressistas governistas porque sempre comparecia para se explicar a cada crise diplomática. Agora, sofreu seu pior revés.

A queda de Trump e as rusgas com a China deterioraram as condições políticas para sua permanência. O agronegócio brasileiro depende das importações por parte da China, maior parceiro comercial do País e principal destino da soja, o que preocupa diplomatas e empresários. Ernesto, por duas vezes, repreendeu o embaixador da China, Yang Wanming, e na prática defendeu Eduardo Bolsonaro, em bate-bocas virtuais que constrangeram o meio diplomático em Brasília. A China já ameaçou retaliações.

Além disso, o governo dá sinais de que cargos ministeriais estão em jogo. O Planalto negocia apoios para eleger um presidente da Câmara amigável como sucessor de Rodrigo Maia (DEM-RJ), costumeiro crítico de Araújo. 

Só Dilma e Geisel tiveram indicações diplomáticas rejeitadas

O governo Bolsonaro passa à história como um dos poucos a ter uma indicação diplomática rejeitada no Senado. Houve outros dois casos. Em 2015, num sinal de fragilidade  política da presidente Dilma Rousseff, o Senado derrubou o embaixador Guilherme Patriota, então indicado para a Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington. O placar, porém, foi apertado: 38 contra e 37 a favor. Em 1984, o general Ernesto Geisel também sofreu revés: o ex-ministro de Minas e Energia e ex-presidente da Pretrobrás Shigeaki Ueki foi rejeitado para Bruxelas, onde representaria o País perante a então Comunidade Económica Europeia, precursora da União Europeia. Diplomatas lembram ainda que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) retirou outros nomes ainda durante a tramitação, ao perceber que seria derrotado.

O Senado tem por costume chancelar quase automaticamente as indicações diplomáticas feitas pelo governo. Poucos parlamentares dedicam-se a temas de política externa e conhecem de perto os diplomatas. A interpretação deles é que, se as normas forem seguidas, a escolha de embaixador deve ser pessoal do presidente da vez, a quem costuma ser garantida essa liberdade. As sabatinas, geralmente, são protocolares.

Uma exceção foi o anúncio de que pretendia nomear o próprio filho Eduardo embaixador em Washington. O Planalto passou semanas verificando o termômetro para a aprovação e decidiu recuar.

Agora, não percebeu a insatisfação com os rumos da política externa. O caso foi considerado uma reviravolta. Isso porque passou pela comissão com 13 votos favoráveis e nenhum contrário. Só Kátia Abreu discursou contra, mas como já havia votado a favor, não conseguiu voltar atrás.

A derrota surpreendeu o governo e o Itamaraty em geral. Diplomatas em cargos de chefia lamentaram que Marzano tenha sido sacrificado. 

Não foi uma rejeição qualquer. Marzano é um quadro respeitado no Itamaraty, tido como bom colega, cordial e com bagagem intelectual. Engenheiro graduado no Instituto Militar de Engenharia (IME), uma das escolas de maior prestígio do País, ingressou no Instituto Rio Branco em 1989, em segundo lugar no concurso. Teve quatro promoções "por merecimento" na carreira, a última delas na gestão de Ernesto Araújo, quando chegou ao cargo de embaixador. 

Ocupa desde o início do governo o cargo de secretário de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania. No organograma, é uma espécie de terceiro escalão do Itamaraty. Acima dele, só o secretário-geral das Relações Exteriores, Otávio Brandelli, e o próprio ministro Ernesto Araújo.

No papel, o escopo de sua secretaria é amplo. Abaixo dele, estão os departamentos de Segurança e Justiça, Defesa, Meio Ambiente, Consular, Nações Unidas, entre outros. 

Foi também colocado pelo chanceler como chefe da Comissão de Ética do Ministério das Relações Exteriores. É, portanto, um nome da confiança do chanceler e tido entre os colegas como bastante católico. Em Genebra, atuaria principalmente nos debates sobre Direitos Humanos e já havia demonstrado facilidade em encampar o discurso pró-liberdade religiosa, como fez, num aperitivo, no ano passado ao visitar Budapeste, capital da Hungria. É um dos poucos países cujo líder Viktor Orbán, também de direita, remanesce como aliado de Bolsonaro.

Agora, o Itamaraty deverá fazer nova indicação. Questionado na noite de ontem, o ministério não comentou a derrota, nem quem será o substituto. 

Consultado pela reportagem minutos depois da derrubada de Marzano, o embaixador Paulo Roberto de Almeida, desafeto de Araújo, quis saber se ele perdera na comissão ou em definitivo no plenário. Informado de que a derrota fora imposta pelo plenário, reagiu assim: "Então está enterrado". Referia-se, claro, ao embaixador Marzano e não ao ministro, embora não seja segredo que anseie pelo fim da trajetória de Araújo como "chanceler acidental", como chama pejorativamente.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Bolsonaro recebe credenciais de novos embaixadores - 3/10/2019

Bolsonaro recebe credenciais de novos embaixadores


Jair Bolsonaro recebeu hoje, em uma cerimônia fechada no Palácio do Planalto, as credenciais de dez novos embaixadores no Brasil.
Trata-se de mero cumprimento do protocolo. Os embaixadores informam, por meio de cartas oficiais, que foram indicados como representantes oficiais de outras nações.
Os embaixadores que entregaram as credenciais nesta quinta-feira são:
Ygnacio Ybañez Rubio, embaixador da União Europeia;
Juan Angel Delgadillo Franco, embaixador do Paraguai;
Jennifer Lynne May, embaixadora do Canadá;
Norman Lizano Ortiz, embaixador da Costa Rica;
Gorazd Rencelj, embaixador da Eslovênia;
Johanna Brismar Skoog, embaixadora da Suécia;
Gideon Gumisai Gapare, embaixador do Zimbábue;
Florêncio de Almeida, embaixador de Angola;
Pauline Ruratotoye, embaixadora do Burundi;
Olímpio Maria Alves Gomes Miranda Branco, embaixador do Timor Leste.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Senado vetou embaixadores no passado - Helio Gurovitz (Epoca)

Além desses dois casos citados, permito-me citar o caso do indicado pelo governo Geisel (ou já no começo de Figueiredo) para a representação do Brasil junto à então Comunidade Econômica Europeia, na pessoa do ex-ministro de Minas e Energia de Geisel, Shigeaki Ueki.
Na verdade, ele não foi vetado, expressamente. Ele sequer foi chamado para sabatina. A mensagem simplesmente ficou na gaveta da CREDN-SF.
Auguro o mesmo destino para o designado pelo papaizinho que pretende uma política externa "sem ideologia", sem se dar conta que o que mais existe neste governo é ideologia, só que de extrema direita. Inchallah!
Paulo Roberto de Almeida

Quando um embaixador é vetado?

Senado rejeitou nomes indicados por Jânio Quadros e Dilma Rousseff. O primeiro caso tem mais em comum com a indicação de Eduardo Bolsonaro que o segundo

Confirmada a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro para a embaixada brasileira em Washington, ele ainda terá de passar por sabatina na Comissão de Relações Exteriores do Senado, depois seu nome será submetido à aprovação no plenário da Casa. Em geral, é um procedimento meramente protocolar. Mas não no caso do filho do presidente. 
De tão raras, as rejeições de embaixadores no Senado são consideradas eventos excepcionais. Dois casos no Brasil democrático ocorreram com presidentes que mantiveram relações tensas com o Legislativo e não terminaram seus mandatos: Jânio Quadros e Dilma Rousseff. 
Em 6 de junho de 1961, por 26 votos a 22, o plenário do Senado rejeitou a indicação do empresário José Ermírio de Moraes, fundador da Votorantim, para a embaixada do Brasil na então República Federativa da Alemanhã, em Bonn. Só em maio de 2015, quando por diferença de um voto (38 a 37) derrubaram a nomeação do diplomata Guilherme Patriota para a embaixada brasileira na Organização dos Estados Americanos (OEA), os senadores voltariam a vetar outro embaixador. 
A indicação de Patriota, irmão do ex-chanceler Antônio Patriota, foi vista como recado a Dilma. Ele trabalhara com o assessor internacional da Presidência Marco Aurélio Garcia e fora chefiado pelo próprio irmão na representação junto às Nações Unidas. Durante sua sabatina, adotou uma postura de confronto e derrapou nas respostas. 
“Ele poderia melhor representar a Venezuela que o Brasil”, comentou na ocasião o senador paraibano Cássio Cunha Lima, da oposição. Na mesma sessão, contudo, os senadores aprovaram com ampla margem outro indicado por Dilma para a embaixada de Paris. O conflito em torno das relações internacionais do Brasil não prosperou. 
O caso do governo Jânio tem mais em comum com a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro à embaixada em Washington. Ermírio não era diplomata de carreira, apenas um industrial de sucesso e amigo de Jânio, a quem recebia com frequência na sua casa de praia em Bertioga, no litoral paulista. “Foi vetado justamente pelo fato de ser íntimo do governante que desprezava o Congresso”, contam Duda Hamilton e Paulo Markun em 1961 – O Brasil entre a ditadura e a Guerra Civil. 
Várias características aproximam Jânio de Bolsonaro. Primeiro, o populismo. Jânio queria governar em relação direta com o povo e transmitia instruções por meio de seus proverbiais “bilhetinhos” (houve 1.534 em seu governo). Segundo, a retórica conservadora. As principais bandeiras eleitorais janistas foram as mesmas de Bolsonaro: o combate à corrupção e a austeridade. 
Terceiro, a dificuldade de articulação política no Legislativo. Eleito pelo pequeno PTN, jovem partido que não comandava mais de 2% das cadeiras no Parlamento, Jânio dependia de um arco extenso de alianças para governar, reunindo siglas mais fortes como UDN, PDC, PSB ou PSD. “Não tinha estômago para suportar o jogo político da democracia, que submete qualquer determinação a um longo processo de debate e negociação no Legislativo”, dizem Hamilton e Markun. 
Finalmente, a tentativa, logo ao assumir o governo, de imprimir um novo rumo à política externa brasileira e dar uma guinada na postura então seguida pelo Itamaraty. Com uma diferença: Jânio não empunhava as bandeiras da direita nacionalista como o clã Bolsonaro. Ao contrário, preconizava o afastamento dos americanos e uma inusitada aproximação do mundo socialista. 
“Suas posições políticas tiveram forte influência do ideário sociopolítico cristão e da visão de mundo do Ocidente, ainda que criticasse fortemente o colonialismo americano e europeu”, afirma o cientista político João Catraio Aguiar na análise A influência legislativa sobre a política externa de Jânio Quadros, publicada no ano passado. 
Na época, relata Catraio, os temas mais discutidos eram as relações com os países ocidentais e a aproximação dos países socialistas. Jânio admirava líderes independentes como o egípcio Gamal Abdel Nasser ou o iugoslavo Josip Broz Tito. Adotou uma postura mais crítica ao alinhamento automático do Brasil com os Estados Unidos. Aproximou-se do Movimento dos Não-Alinhados, condecorou o cubano Che Guevara em Brasília, foi recebido por Fidel Castro em Havana e abriu várias embaixadas brasileiras em países africanos. O então vice João Goulart, do esquerdista PTB, fez uma longa visita à China comunista. 
Seu chanceler, Afonso Arinos de Melo Franco, derivava da mesma matriz católica de Jânio, que criticava capitalismo e comunismo. Mas, ao contrário dele, tinha raízes udenistas e ainda acreditava que o Brasil deveria permanecer alinhado com as potências ocidentais. Havia um contraste entre a postura janista na política externa, a de seu próprio chanceler e a dos partidos de que dependia para governar. 
Por isso mesmo, a política externa se tornou um foco frequente de embates no Parlamento, culminando na rejeição da indicação de Ermírio. “A vitória de Jânio nas urnas foi o suficiente para disparar o gatilho da desconfiança e da vigilância sobre as ações externas do novo presidente”, relata Catraio. 
O Congresso passou a convocar quase todo mês o ministro das Relações Exteriores para longas sabatinas. Afonso Arinos tentava explicar as relações com Cuba, a neutralidade proclamada na Conferência do Cairo, as condições para intervenção noutros países, a necessidade de comércio externo diante da industrialização e, para isso, de aproximação da Alemanha Oriental, de países africanos, da China e da União Soviética. 
“Não reinou o ‘interesse nacional’, mas a estratégia partidária, principalmente de confronto ao governo”, conclui Catraio. “A polarização que cruzava os partidos encontrou lugar em temas como relações com o Ocidente e com os países socialistas.” 
Quanto mais polarizado o Parlamento, maior a chance de que a política externa se torne uma fonte de problemas para o presidente no Congresso. A indicação de Eduardo fornece ao Senado uma moeda de troca poderosa na relação com o pai dele, ainda mais dependente do Parlamento hoje do que era Jânio em seu tempo. 
 — Foto: Arte/G1 — Foto: Arte/G1
— Foto: Arte/G1

domingo, 24 de março de 2019

Mourão reuniu-se com mais que o triplo de embaixadores do que o chanceler - Poder 360


O vice-presidente poderia passar suas notas de reuniões com embaixadores – certamente seu assessor diplomático as fez – ao atual chanceler, para pelo menos ajudá-lo em seu trabalho oficial. Nada para humilhar, claro...
Paulo Roberto de Almeida

Mourão reuniu-se com mais que o triplo de embaixadores do que o chanceler

Chanceler reuniu-se com 7
E o vice-presidente, com 23
Dados são de agendas oficiais


O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão Sérgio Lima/Poder360 - 21.jan.2019
LAURIBERTO BRASIL e NATHÁLIA PASE
24.mar.2019 (domingo) - 5h50
O vice-presidente Hamilton Mourão reuniu-se com 23 embaixadores em seu gabinete no Palácio do Planalto desde a posse. O número representa mais que o triplo de vezes que o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, recebeu representantes de outros países.

Os dados são das agendas oficiais de ambos, Mourão e Ernesto. Leia a tabela com os representantes estrangeiros que conversaram com Mourão:

Representantes recebidos por Mourão
data
autoridade
3.jan
embaixadores da Bélgica, Patrick Herman, e da Holanda, Kees Van Rij
9.jan
ebaixadores da Argentina, Carlos Margariños, da República Dominicana, Alejandro Arias Zarzuela, e da Ucrânia, Rostyslav Tronenko
14.jan
embaixador da Espanha, Fernando Garcia Casas
21.jan
embaixadores da Tailândia, Susarak Suparat, e da Alemanha, Georg Witschel
23.jan
embaixador do Grão-Ducado de Luxemburgo, Carlo Krieger
28.jan
embaixador da Palestina, Ibrahim Alzaben
30.jan
embaixador do Chile, Fernando Schmidt
31.fev
embaixador do Canadá, Riccardo Savone
11.fev
embaixadores da Irlanda, Seán Hoy, da Austrália, Timothy Francis Kane, e da República Tcheca, Sandra Lang Linkensedorová
13.fev
embaixador do Vietnã, Do Ba Khoa
18.fev
embaixadores de Portugal, Jorge Cabral, e do Kuwait, Nasser Al Motairi
19.fev
embaixador da Grécia, Ioannis Pediotis
20.fev
embaixador da Sérvia, Veljko Lazic
21.fev
embaixador da França, Michel Miraillet
13.mar
embaixadores da Geórgia, David Solomonia, e da Espanha, Fernando Garcia Casas
19.mar
embaixador da França, Michel Miraillet
20.mar
embaixador da Nova Zelândia, Chris Langley


O chanceler teve encontros com 7 embaixadores. A representante do autodeclarado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, foi a única a reunir-se duas vezes com Ernesto:

Desde que tomou posse como ministro, o chefe do Itamaraty ficou, pelo menos, 21 dias fora do país em viagens diplomáticas. Ernesto passou por Peru, Suíça, Canadá, EUA, Polônia, Colômbia e Chile. Já Mourão viajou para fora em apenas uma oportunidade: em 21 de fevereiro para reunião do Grupo de Lima em Bogotá, na Colômbia.

DIVERGÊNCIAS

O vice-presidente discorda publicamente de políticas adotadas por Ernesto Araújo na área de relações exteriores. Chegou a se manifestar contra a transferência da embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém,prometida por Jair Bolsonaro.
Os palestinos reivindicam Jerusalém Oriental como capital de seu futuro Estado. Do outro lado do espectro nessa disputa está Israel, que reivindica Jerusalém como sua capital indivisível, algo que a maior parte dos países que integram a ONU (Organização das Nações Unidas) não aceita.
Em 28 de janeiro, o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, reuniu-se com Mourão. Afirmou ter saído “muito satisfeito” da reunião com o general e se mostrou otimista com as relações diplomáticas entre Brasil e Palestina.
“Tivemos uma conversa sobre a transações bilaterais entre Brasil e Palestina e saímos muitos satisfeitos que elas continuarão respeitando direitos internacionais e essa tradição brasileira ao longo dos últimos 70 anos”, afirmou.
Ernesto Araújo também foi preterido na 3ª feira (19.mar.2019) por Jair Bolsonaro ao não participar do encontro privado com Donald Trump no salão oval da Casa Branca, durante a viagem do presidente brasileiro aos Estados Unidos. Segundo relatos captados pela Folha de S. Paulo, Araújo demonstrou irritação na frente de outros ministros e foi acalmado por Paulo Guedes.
De acordo com o Itamaraty, ter recebido menos embaixadores que o vice-presidente não significa perda de prestígio do Ministro das Relações Exteriores. A função de receber embaixadores em audiências simples, segundo com o ministério, é do secretário-geral (2º na hierarquia). O levantamento do Poder360, no entanto, envolve audiências de todos os tipos com representantes (embaixadores, ou não) de outros países.
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