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sábado, 4 de junho de 2022

Assis Chateaubriand e o Conceito do Direito - Marcílio Franca (A União, PB)

Meu amigo e grande intelectual, especialista em Direito da Arte, Marcílio Franca, ficou muito feliz ao encontrar um livro "desaparecido", ou quase indisponível no mercado, e o fez por meio da digitalização de uma das maiores Brasilianas conhecidas, a Biblioteca Oliveira Lima, situada na Catholic University of America, à qual o grande historiador brasileiro, diplomata entre 1891 e 1913, doou seu imenso acervo bibliográfico e artístico em 1923, continuando a ser professor na CUA até sua morte, em 1928.

Ele relata aqui seu prazer de reencontrar o livro no acervo agora disponível, e, mais especialmente, o "duelo" entre dois intelectuais paraibanos engalfinhados pela mesma cadeira de Filosofia do Direito na Faculdade de Direito do Recife. Para quem conhece Assis Chateaubriand apenas pela sua carreira de magnata da imprensa brasileira, desde os anos 1920 até a era militar dos anos 1960, ou pela biografia de Fernando Morais, Chatô, o rei do Brasil, ficará contente de saber que ele foi, antes de seu sucesso empresarial, um intelectual de primeira grandeza.

Reproduzo aqui, o texto do seu artigo, publicado no mais que centenário jornal A União, de João Pessoa, PB, e mais abaixo, partes da página do jornal que trouxe este belo artigo.

Paulo Roberto de Almeida 


Assis Chateaubriand e o Conceito de Direito

 

Marcílio Franca[1]

A União, João Pessoa, PB, 4/06/2022

 

Ele tinha estrela. Em 1915, com apenas 23 anos, Assis Chateaubriand, nascido na mesma e discreta Umbuzeiro (PB) de Epitácio e João Pessoa, venceu o já célebre intelectual Joaquim Pimenta, cearense de Tauá, então com 29, em um ruidoso e renhido concurso público para professor de filosofia do direito e direito romano da Faculdade de Direito do Recife. 

O certame mobilizou os círculos eruditos locais. Apesar de jovem, Chateaubriand já tinha alcançado fama como excepcional estudante da “Casa de Tobias Barreto”, advogado e também como jornalista, atividade à qual se dedicava desde os 15 anos. Contava com o apoio de João Barreto, o filho de Tobias, e do jornalista Annibal Fernandes. Pimenta, por seu turno, era um combativo articulista da imprensa cearense e pernambucana, polemista hábil e exímio filósofo. Era benquisto entre acadêmicos e a mocidade, e já ostentava a livre-docência em direito.

O concurso não foi fácil. Ultrapassada a fase escrita, Chatô dissertou, nas provas orais, sobre "O Interdito Uti Possidetis". O ponto sorteado por Pimenta cuidou da "Nomologia e seus Sistemas: Arbitrarismo, Naturalismo Físico e Fenomenismo". Havia ainda a submissão e discussão das teses. Pimenta apresentou um escrito intitulado “Cosmogonia do Direito Romano”, em que apontava as fontes pré-históricas do direito e discutia os sistemas jurídicos de povos primitivos. Chateaubriand submeteu a julgamento a tese “Conceito do Direito”, há tempos desaparecida de bibliotecas, sebos e livrarias e sobre a qual não havia maiores notícias, sequer nos bem conservados arquivos da Faculdade de Direito do Recife. 

A surpreendente vitória do jovem Chateaubriand na Congregação recifense, graças ao voto de minerva do diretor Sofrônio Portela, foi notícia de capa em todos os jornais da capital pernambucana. Com o governo estadual, a estudantada e a opinião pública majoritariamente a favor de Joaquim Pimenta, que decidiu recorrer a meios políticos e jurídicos contra o certame, Chatô partiu para o Rio de Janeiro a fim de garantir a sua nomeação. 

Além do primeiro lugar e do bom trânsito de que já gozava entre alguns políticos da capital federal, Chatô armou-se também de seis pareceres de juristas consagrados: Pedro Lessa, Afonso Celso, Afrânio Melo Franco, Esmeraldino Bandeira, Manuel Vilaboim e Epitácio Pessoa. Mesmo contrariando os interesses do general Dantas Barreto e do seu sucessor no governo de Pernambuco, o governador Manoel Borba, o presidente da república Venceslau Brás decidiu pela nomeação de Chatô. Foi assim que Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello tomou posse como professor da Faculdade de Direito do Recife em 05 de janeiro de 1916.

Paraibano e professor de direito, eu andava há muito tempo, sem sucesso, à procura de “Conceito do Direito”, a tese vencedora de Chatô. Esta semana, graças ao estimado embaixador Paulo Roberto de Almeida, fiquei sabendo que a fabulosa Biblioteca Oliveira Lima, de Washington, considerada por Gilberto Freyre "a catedral de estudos brasileiros nos EUA”, disponibilizou mais de um milhão de páginas digitalizadas do seu acervo. 


 E eis que, em meio a livros, monografias, decretos, sermões, panfletos, programas de concertos e de teatros que vão desde o século 16 até meados do século 20, encontro o livro perdido de Chateaubriand - uma pequena jóia de Teoria Geral do Direito, com pouco mais de 50 páginas, muito bem fundamentado em autores estrangeiros e nacionais, em que são esmiuçados conceitos basilares da juridicidade, como direito objetivo, direito subjetivo, coação, moralidade, sujeitos e objetos do direito. No opúsculo, Chatô demonstra, sem margem para dúvida, grande habilidade para a arena acadêmica - carreira que viria a trocar definitivamente pela vida advocatícia, jornalística e empresarial logo em 1917, ao transferir-se para o Rio de Janeiro. 

Bom, a bela surpresa de encontrar na Biblioteca Oliveira Lima a obra que há tempos eu procurava só não foi maior que a alegria de ver que “Conceito do Direito" foi publicada, em 1915, pelas oficinas gráficas do tradicional jornal público paraibano “A União”, a sempre jovem senhora que, desde 1893, ocupa um papel relevante na cultura brasileira, conservando e difundindo a nossa memória. 



[1] Professor Visitante da Universidades de Pisa (Itália), Professor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba e Procurador do Ministério Público de Contas da Paraíba, onde coordena a Força-Tarefa de Proteção do Patrimônio Cultural. Árbitro da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, para as áreas de direito da arte e do patrimônio cultural, árbitro da Corte de Arbitragem para a Arte (CAfA, Rotterdam, Países Baixos) e do Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL (Assunção, Paraguai). Pós-doutorado em Direito no Instituto Universitário Europeu de Florença (Itália). Foi Professor Visitante em Turim (Itália) e Ghent (Bélgica).









Um comentário:

Anônimo disse...

A tese consta da biblioteca da Faculdade de Direito do Recife. Tirei cópia recentemente