Impressionista no
sentido de ser subjetivo, não como afiliado à corrente francesa de pintura,
obviamente.
Em todo caso,
cabe prestar uma homenagem a esses homens que fazem um trabalho admirável de
integração social, o único que deveria ser feito com esse mesmo sentido de nação,
sem o assistencialismo habitual dos companheiros.
Paulo Roberto de
Almeida
A
FORÇA DOS MILITARES NA AMAZÔNIA
Uma
visão da ação dos militares na Amazônia.
Perfilados,
os soldados aguardaram em posição de sentido, sob o sol do meio-dia. Eram
homens de estatura mediana, pele bronzeada, olhos amendoados, maçãs do rosto
salientes e cabelo espetado.
O
observador desavisado que lhes analisasse os traços julgaria estar na Ásia.
No microfone, a palavra de ordem do capitão: 'Soldado Souza, etnia tucano'.
Um rapaz da primeira fila deu um passo adiante, resoluto, com o fuzil no ombro,
e iniciou a oração do guerreiro da selva, no idioma natal. No fim, o grito de
guerra dos pelotões da fronteira: "SELVA !!"
O segundo a repetir o texto foi um soldado da etnia desana, seguido de um
baniua, um curipaco, um cubeu, um ianomâmi, um tariano e um hupda.
Todos repetiram o ritual do passo à frente e da oração nas línguas de seus
povos; em comum, apenas o grito final: "SELVA !!!"
Depois, o pelotão inteiro cantou o hino nacional em português, a plenos
pulmões.
Ouvir aquela diversidade de indígenas, característica das 22 etnias que habitam
o extremo noroeste da Amazônia brasileira ha 2.000 anos, cantando nosso hino no
meio da floresta, trouxe à flor da pele sentimentos de brasilidade que eu
julgava esquecidos.
Para chegar à Cabeça do Cachorro é preciso ir a Manaus, viajar 1.146
quilômetros Rio Negro acima até avistar São Gabriel da Cachoeira, a maior
cidade indígena do país.
De lá, até as fronteiras com a Colômbia e a Venezuela, pelos rios Uaupés,
Tiquié, Içana, Cauaburi e uma infinidade de rios menores, só Deus sabe.
A duração da viagem depende das chuvas, das corredeiras e da época do ano,
porque na bacia do Rio Negro o nível das águas pode subir mais de dez metros
entre a vazante e o pico da cheia.
É um Brasil perdido no meio das florestas mais preservadas da Amazônia.
Não fosse a presença militar, seria uma região entregue à própria sorte.
Ou, pior, à sorte alheia.
O Comando dos Pelotões de Fronteira está sediado em São Gabriel. De lá partem
as provisões e o apoio logístico para as unidades construídas à beira dos
principais rios fronteiriços: Pari-Cachoeira, Iauaretê, Querari,
Tunuí-Cachoeira, São Joaquim, Maturacá e Cucuí.
Anteriormente formado por militares de outros estados, os pelotões hoje
recrutam soldados nas comunidades das redondezas. Essa opção foi feita por
razões profissionais: 'O soldado do sul pode ser mais preparado
intelectualmente, mas na selva ninguém se iguala ao indígena'.
Na entrada dos quartéis, uma placa dá idéia do esforço para construí-los
naquele ermo: 'Da primeira tábua ao último prego, todo material empregado
nessas instalações foi transportado nas asas da FAB'.
Os pelotões atraíram as populações indígenas de cada rio à beira do qual
foram instalados: por causa da escola para as crianças e porque em suas
imediações circula o bem mais raro da região: salário.
Para os militares e suas famílias, os indígenas conseguem vender algum
artesanato, trocar farinha e frutas por gêneros de primeira necessidade,
produtos de higiene e peças de vestuário.
No quartel existe possibilidade de acesso à assistência médica, ao
dentista, à internet e aos aviões da FAB, em caso de acidente ou doença
grave.
Cada pelotão é chefiado por um tenente com menos de 30 anos, obrigado a
exercer o papel de comandante militar, prefeito, juiz de paz, delegado, gestor
de assistência médico-odontológica, administrador do programa de inclusão
digital e o que mais for necessário assumir nas comunidades das imediações,
esquecidas pelas autoridades federais, estaduais e municipais.
Tais serviços, de responsabilidade de ministérios e secretarias locais, são
prestados pelas Forças Armadas sem qualquer dotação orçamentária suplementar.
Os quartéis são de um despojamento espartano. As dificuldades de abastecimento,
os atrasos dos vôos causados por adversidades climáticas e avarias técnicas e o
orçamento minguado das Forças Armadas tornam o dia-a-dia dos que vivem em pleno
isolamento um ato de resistência permanente.
Esses militares anônimos, mal pagos, são os únicos responsáveis pela defesa dos
limites de uma região conturbada pela proximidade das Farc e pelas rotas do
narcotrófico. Não estivessem lá, quem estaria? "SELVA !!!"
Lema do soldado da Amazônia:
"Senhor,
tu que ordenastes ao guerreiro de Selva, sobrepujai todos os vossos oponentes,
dai-nos hoje da floresta, a sobriedade para resistir, a paciência para
emboscar, a perseverança para sobreviver, a astúcia para dissimular, a fé para
resistir e vencer, e dai-nos também senhor a esperança e a certeza do retorno,
mas, se, defendendo essa brasileira Amazônia, tivermos que perecer, oh
Deus, que façamos com dignidade e mereçamos a vitória, Selva !!!"