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domingo, 1 de setembro de 2019

O governo como principal estimulador das queimadas - Natalie Unterstell, Paulo Gontijo e Gabriel Santos

Por uma resposta à altura da nossa potência ambiental

Comissão vai ajudar o país a retomar políticas públicas adequadas e transparentes

​O Governo do Amazonas declarou estado de emergência em função do alastramento das queimadas em agosto. Mesmo sem nenhuma queimada legal ter sido autorizada neste ano, ainda assim o número de focos de calor alcançou níveis sem precedentes. 
No vizinho estado do Acre, foi a população que reagiu rápido, depois de sofrer com problemas respiratórios. Um grupo de Rio Branco iniciou uma petição pela instalação da CPI das Queimadas que já alcançou 4 milhões de assinaturas. A urgência do tema mobilizou a sociedade civil no Brasil e no exterior, que foi às ruas cobrar por uma resposta à emergência climática. E o que fez o governo?
Bolsonaro chegou atrasado. O número de queimadas atingiu maior nível o nesta década —acima dos 80 mil focos no Brasil e mais de 43 mil na Amazônia— enquanto o país acumulava milhões de reais em prejuízo. E nós estamos apenas na metade da estação seca na região Norte do país. Historicamente, é na segunda metade dela que a situação piora.
O que nos levou ao nível de emergência não foram ventos fortes associados a extremos climáticos. Também tem pouco a ver com o uso produtivo: em geral, quem realiza atividades no ambiente amazônico costuma dominar técnicas de manejo do fogo ou fazer agricultura sem queimar. Segundo a bióloga Erika Berenger, da Universidade de Oxford, a Amazônia não sofre incêndios espontâneos. De acordo com os nossos melhores climatologistas, este não é um ano de seca em função de eventos climáticos.
Queimadas iniciadas de forma intencional e criminosa são a causa e têm como objetivo arrebatar ilegalmente terras públicas. A sensação de impunidade motivou e cresceu a olhos vistos, uma vez que os principais interlocutores do governo com a sociedade afirmaram para quem quisesse ver, ler ou ouvir, o intento de acabar com a fiscalização e o cumprimento das leis ambientais. Um governo que se elegeu com o discurso de combate à corrupção, fecha os olhos para as ilegalidades ambientais e se torna aliado e protetor de quem destrói a biodiversidade do país.
Até hoje, o Ministério do Meio Ambiente não apresentou nenhuma estratégia, plano ou política pública para cuidar da nossa biodiversidade. O orçamento destinado à prevenção e ao controle de queimadas foi cortado pela metade neste ano. Distribuídos nos estados, a maioria dos cargos de superintendentes do IBAMA continuam vagos por decisão do ministro. 
Os planos de controle do desmatamento sumiram. A área responsável por adaptação climática foi excluída da estrutura e hoje não há um único servidor cuidando do assunto. E há um forte negacionismo do conhecimento já acumulado por instituições na gestão das florestas e na agricultura de vanguarda. Todos esses fatores já ameaçam o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, para o qual o compromisso ambiental é essencial.
Diante da inação governamental e da falta de diálogo, os movimentos cívicos Acredito, Agora! e Livres propuseram uma resposta imediata, com base nas milhões de assinaturas, pedindo providências concretas. Propõe-se a instalação de uma comissão externa, que terá papel fiscalizatório, envolvendo as duas casas legislativas federais sobre o Ministério do Meio Ambiente. Precisamos que o Brasil priorize uma política ambiental efetiva e eficiente.
Não é sobre colocar agentes públicos para apagar fogo, tampouco proibir por decreto as queimadas —que mais parece uma ação para inglês ver.  O verdadeiro desafio é assegurar que, em matéria ambiental, o poder público aja com responsabilidade e transparência. O Brasil, país megadiverso e rico em natureza, só se tornará a potência ambiental que é se tiver política pública adequada para isso.

domingo, 1 de junho de 2014

Soldados na Amazonia: um relato impressionista

Impressionista no sentido de ser subjetivo, não como afiliado à corrente francesa de pintura, obviamente.
Em todo caso, cabe prestar uma homenagem a esses homens que fazem um trabalho admirável de integração social, o único que deveria ser feito com esse mesmo sentido de nação, sem o assistencialismo habitual dos companheiros.
Paulo Roberto de Almeida

A FORÇA DOS MILITARES NA AMAZÔNIA
Uma visão da ação dos militares na Amazônia.

Perfilados, os soldados aguardaram em posição de sentido, sob o sol do meio-dia. Eram homens de estatura mediana, pele bronzeada, olhos amendoados, maçãs do rosto salientes e cabelo espetado.
O observador desavisado que lhes analisasse os traços julgaria estar na Ásia.
No microfone, a palavra de ordem do capitão: 'Soldado Souza, etnia tucano'.
Um rapaz da primeira fila deu um passo adiante, resoluto, com o fuzil no ombro, e iniciou a oração do guerreiro da selva, no idioma natal. No fim, o grito de guerra dos pelotões da fronteira:  "SELVA !!"

O segundo a repetir o texto foi um soldado da etnia desana, seguido de um baniua, um curipaco, um cubeu, um ianomâmi, um tariano e um hupda.

Todos repetiram o ritual do passo à frente e da oração nas línguas de seus povos; em comum, apenas o grito final: "SELVA !!!"

Depois, o pelotão inteiro cantou o hino nacional em português, a plenos pulmões.

Ouvir aquela diversidade de indígenas, característica das 22 etnias que habitam o extremo noroeste da Amazônia brasileira ha 2.000 anos, cantando nosso hino no meio da floresta, trouxe à flor da pele sentimentos de brasilidade que eu julgava esquecidos.

Para chegar à Cabeça do Cachorro é preciso ir a Manaus, viajar 1.146 quilômetros Rio Negro acima até avistar São Gabriel da Cachoeira, a maior cidade indígena do país.

De lá, até as fronteiras com a Colômbia e a Venezuela, pelos rios Uaupés, Tiquié, Içana, Cauaburi e uma infinidade de rios menores, só Deus sabe.

A duração da viagem depende das chuvas, das corredeiras e da época do ano, porque na bacia do Rio Negro o nível das águas pode subir mais de dez metros entre a vazante e o pico da cheia.

É um Brasil perdido no meio das florestas mais preservadas da Amazônia. Não fosse a presença militar, seria uma região entregue à própria sorte. Ou, pior, à sorte alheia.

O Comando dos Pelotões de Fronteira está sediado em São Gabriel. De lá partem as provisões e o apoio logístico para as unidades construídas à beira dos principais rios fronteiriços: Pari-Cachoeira, Iauaretê, Querari, Tunuí-Cachoeira, São Joaquim, Maturacá e Cucuí.

Anteriormente formado por militares de outros estados, os pelotões hoje recrutam soldados nas comunidades das redondezas. Essa opção foi feita por razões profissionais: 'O soldado do sul pode ser mais preparado intelectualmente, mas na selva ninguém se iguala ao indígena'.

Na entrada dos quartéis, uma placa dá idéia do esforço para construí-los naquele ermo: 'Da primeira tábua ao último prego, todo material empregado nessas instalações foi transportado nas asas da FAB'.

Os pelotões atraíram as populações indígenas de cada rio à beira do qual foram instalados: por causa da escola para as crianças e porque em suas imediações circula o bem mais raro da região: salário.

Para os militares e suas famílias, os indígenas conseguem vender algum artesanato, trocar farinha e frutas por gêneros de primeira necessidade, produtos de higiene e peças de vestuário.
No quartel existe possibilidade de acesso à assistência médica, ao dentista, à internet e aos aviões da FAB, em caso de acidente ou doença grave.

Cada pelotão é chefiado por um tenente com menos de 30 anos, obrigado a exercer o papel de comandante militar, prefeito, juiz de paz, delegado, gestor de assistência médico-odontológica, administrador do programa de inclusão digital e o que mais for necessário assumir nas comunidades das imediações, esquecidas pelas autoridades federais, estaduais e municipais.

Tais serviços, de responsabilidade de ministérios e secretarias locais, são prestados pelas Forças Armadas sem qualquer dotação orçamentária suplementar.

Os quartéis são de um despojamento espartano. As dificuldades de abastecimento, os atrasos dos vôos causados por adversidades climáticas e avarias técnicas e o orçamento minguado das Forças Armadas tornam o dia-a-dia dos que vivem em pleno isolamento um ato de resistência permanente.

Esses militares anônimos, mal pagos, são os únicos responsáveis pela defesa dos limites de uma região conturbada pela proximidade das Farc e pelas rotas do narcotrófico. Não estivessem lá, quem estaria? "SELVA !!!"


Lema do soldado da Amazônia:
"Senhor, tu que ordenastes ao guerreiro de Selva, sobrepujai todos os vossos oponentes, dai-nos hoje da floresta, a sobriedade para resistir, a paciência para emboscar, a perseverança para sobreviver, a astúcia para dissimular, a fé para resistir e vencer, e dai-nos também senhor a esperança e a certeza do retorno, mas, se, defendendo essa  brasileira Amazônia, tivermos que perecer, oh Deus, que façamos com dignidade e mereçamos a vitória, Selva !!!"

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O Brasil e o trabalho escravo - Atlas digital publicado

O Brasil, e isso não é um título de glória, é o mais antigo "cliente" da mais antiga ONG existente no mundo, a Anti-Slavery Society. Acredito que não deva ter existido um só ano, desde o início do século XIX, quando essa sociedade inglesa foi criada, em que o Brasil não deva ter comparecido nas páginas dos relatórios anuais da ASS, na condição de acusado.
É triste, mas é assim...
Por isso devemos saudar a publicação de um Atlas do trabalho escravo no Brasil, para que talvez um dia (mas vai demorar, reconheço), o Brasil deixe de ser "cliente" da ONG inglesa, na condição de acusado...
Um dia eu também gostaria de fazer um Atlas de Relações Internacionais com meus bons amigos Hervé Thery e Neli Aparecida de Mello, se eles me derem esse privilégio.
Paulo Roberto de Almeida 


Geógrafo produz atlas do trabalho escravo
Jornal da Ciência edição 4504, 24/05/2012

Perfil típico é de homens, migrantes e analfabetos usados para atividades de desmatamento.

Eduardo Paulon Girardi, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Presidente Prudente, é um dos geógrafos autores do Atlas do Trabalho Escravo no Brasil. Escrito juntamente com Hervé Théry, Neli Aparecida de Mello e Julio Hato, da Universidade de São Paulo (USP), o material caracteriza pela primeira vez a distribuição, os fluxos, as modalidades e os usos do trabalho escravo no País, nas escalas municipal, estadual e regional.

Segundo o Atlas, o perfil típico do escravo brasileiro do século XXI é um migrante maranhense, do Norte do Tocantins ou do Oeste do Piauí. Também é típico que seja do sexo masculino e analfabeto funcional. Em geral esses trabalhadores são levados para as fronteiras móveis da Amazônia, em municípios de criação recente, onde são utilizados principalmente em atividades vinculadas ao desmatamento.

A obra utiliza fontes oficiais e consolidadas do Ministério do Trabalho e da Comissão Pastoral da Terra e detalha as ocorrências por setores da economia e em todo o território nacional. Atividades relacionadas com pecuária ou carvão vegetal, em certas regiões da Amazônia, estão entre os exemplos de risco muito alto de existência de trabalho escravo.

Além do diagnóstico, o Atlas oferece dois outros produto: o Índice de Probabilidade de Trabalho Escravo e o Índice de Vulnerabilidade ao Aliciamento. De acordo com o autor, essas são ferramentas inovadoras e essenciais para gestores de políticas públicas e que podem contribuir expressivamente para o planejamento governamental no combate a essa prática criminosa que ainda é adotada no Brasil. Ele destaca também que, com esses dados, financiadores e empresas podem evitar associações com empresários ligados ao trabalho escravo.

O livro está disponível somente em versão digital no endereço http://migre.me/9bewu. Ele foi lançado pela organização Amigos da Terra - Amazônia Brasileira.

PEC do trabalho escravo - Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou em Plenário a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438/01, do Senado, que permite a expropriação de imóveis rurais e urbanos onde a fiscalização encontrar exploração de trabalho escravo. Esses imóveis serão destinados à reforma agrária ou a programas de habitação popular.

Segundo o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40), quem explora trabalho escravo já está sujeito a reclusão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência praticada. A pena é aumentada da metade se o crime é cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

De acordo com o presidente da Câmara, o deputado Marco Maia (PT-RS), nos próximos dias será criada uma comissão mista de cinco senadores e cinco deputados para discutir a elaboração de um projeto de lei que regulamente a PEC. Para Marco Maia, é preciso fazer uma diferenciação entre o que é trabalho escravo e o que é desrespeito à legislação trabalhista.

O Código Penal define assim o crime de trabalho escravo: "Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto" (artigo 149).

O PL 3842/12 retira os termos "jornada exaustiva", "condições degradantes de trabalho" e "preposto" (o chamado gato) e inclui a necessidade de ameaça, coação e violência para a caracterização do trabalho escravo.

(Informações da Unesp e da Agência Câmara