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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Vacinação pode ser pontapé para conter ataques à liberdade - Paulo Gontijo (Estadão)

 Vacinação pode ser pontapé para conter ataques à liberdade

Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo, voltar a tomar as ruas

Paulo Gontijo, presidente do Livres

Estadão | 1/02/2021, 3h

O início da vacinação é o primeiro passo para o País sair da pior crise enfrentada por esta geração. Em momentos de grandes dificuldades, nossa espécie anseia por grandes líderes apontando caminhos de superação. Infelizmente, no Brasil, nós nos deparamos hoje é como gigantismo da estupidez guiando a desordem e provocando instabilidades.

Não há ação técnica coordenada entre União e Estados. Onde precisamos de um governo para preservar a vida dos brasileiros, há apenas um comitê eleitoral. No lugar de distribuir vacinas, distribuem-se palavrões em churrascarias e cenas grotescas lambuzadas de leite condensado. O preço é alto e permanecerá sendo pago em largas prestações.

Após meses de negacionismo, Jair Bolsonaro ensaiou falar o óbvio: a vacina é essencial para a retomada econômica. Mas antes que sentíssemos qualquer alívio, o presidente retomou a sua narrativa insana, defendendo a ideia de que basta ao povo coragem para voltar à normalidade e enfrentar o vírus que já vitimou mais de 220 mil brasileiros.

Há, porém, algo pior do que seus discursos irresponsáveis: o boicote à vacinação. Fruto de uma combinação entre aloprados ideológicos, generais incompetentes e a pura omissão, seja na diplomacia ou na falta de implantação de um sistema de gestão do programa de imunização. E assim seguimos patinando, com consequências graves para a vida de todos os brasileiros e também para a economia.

As piores repercussões humanitárias ainda estão a caminho. Há risco de reedições da catástrofe de Manaus. Segundo projeções do economista Daniel Duque, com o fim do auxílio emergencial e a segunda onda da doença a extrema pobreza pode atingir até 20 milhões de brasileiros e a pobreza, que antes da pandemia era a condição de menos de 25% da população, pode chegar a mais de 30%. Quando aplicadas no ano passado, políticas de transferência de renda foram consenso. Agora voltam ao centro das atenções. Interrompido sem uma transição minimamente estruturada, o auxílio emergencial acabou significando um custo fiscal muito maior em razão da desorganização, da falta de planejamento e do caos político do governo Bolsonaro.

Criar uma ampla rede de proteção com transferências diretas para os mais pobres e vulneráveis é uma política herdeira do pensamento de liberais como Thomas Paine, Stuart Mill, Friedrich Hayek e Milton Friedman. Indiscutível do ponto de vista social, essa necessidade ilumina um problema crônico e estrutural do Estado brasileiro: apesar de consumir 40% da riqueza nacional todos os anos com um orçamento trilionário, nosso poder público, engessado em despesas obrigatórias, não foi capaz de construir uma proteção minimamente robusta para os mais vulneráveis. Mudar essa realidade deveria ser o centro das preocupações políticas.

Neste momento, cabe às vozes liberais o cuidado com os mais frágeis no presente, sem lhes sacrificar o futuro. Nosso esforço de guerra contra a covid-19 não pode perder de vista o pós-guerra. A reconstrução da economia e do mundo que herdaremos será mais ágil, ampla e inclusiva na medida em que tivermos a capacidade de implementar políticas públicas que sejam fruto da urgência, mas não se contaminem pelo desespero. Não apenas é possível, como necessário, aliar sensibilidade social à responsabilidade fiscal, a reformas que aumentem a eficiência do Estado brasileiro, à proposta da Lei de Responsabilidade Social – elaborada pelo Centro de Debate de Políticas Públicas após debate surgido no movimento Livres –, que remaneja programas sociais já existentes em busca de mais efetividade.

Em direção oposta a esse esforço, porém, o que assistimos é a proposições para ampliar poderes de forma abusiva, diminuir a transparência ou simplesmente promover líderes do Executivo. São exemplos o alargamento de prazos das medidas provisórias e da Lei de Acesso à Informação, a injustificável menção a decreto de estado de defesa pelo procurador-geral da República e a ameaça aberta de insurreição antidemocrática em 2022 pelo próprio presidente, inspirado na invasão dos trumpistas ao Capitólio. Com isso, antes de avançar, é preciso assegurar que não vamos retroceder.

O alerta liberal contra excessos do poder estatal está mais pertinente do que nunca. Não à toa, nós, do Livres, ingressamos com ação civil pública para convocar Jair Bolsonaro a apresentar em juízo as provas que ele reiteradamente alega possuir sobre a suposta fraude eleitoral em 2018. Não há espaço para omissão. A credibilidade do sistema eleitoral é pilar da legitimidade da democracia liberal. Utilizar o prestígio da Presidência da República para minar as bases da democracia é um atentado à Constituição. Em meio a uma pandemia, faltam até palavras para classificar. Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo. Em ambos os casos, a vacina será o passaporte para que possamos voltar a sair de nossa casa, tomar as ruas e desfrutar, juntos, o prazer da liberdade. E, sobretudo, encarar a responsabilidade de defendê-la.

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,vacinacao-pode-ser-pontape-para-conter-ataques-a-liberdade,70003600643

domingo, 1 de setembro de 2019

O governo como principal estimulador das queimadas - Natalie Unterstell, Paulo Gontijo e Gabriel Santos

Por uma resposta à altura da nossa potência ambiental

Comissão vai ajudar o país a retomar políticas públicas adequadas e transparentes

​O Governo do Amazonas declarou estado de emergência em função do alastramento das queimadas em agosto. Mesmo sem nenhuma queimada legal ter sido autorizada neste ano, ainda assim o número de focos de calor alcançou níveis sem precedentes. 
No vizinho estado do Acre, foi a população que reagiu rápido, depois de sofrer com problemas respiratórios. Um grupo de Rio Branco iniciou uma petição pela instalação da CPI das Queimadas que já alcançou 4 milhões de assinaturas. A urgência do tema mobilizou a sociedade civil no Brasil e no exterior, que foi às ruas cobrar por uma resposta à emergência climática. E o que fez o governo?
Bolsonaro chegou atrasado. O número de queimadas atingiu maior nível o nesta década —acima dos 80 mil focos no Brasil e mais de 43 mil na Amazônia— enquanto o país acumulava milhões de reais em prejuízo. E nós estamos apenas na metade da estação seca na região Norte do país. Historicamente, é na segunda metade dela que a situação piora.
O que nos levou ao nível de emergência não foram ventos fortes associados a extremos climáticos. Também tem pouco a ver com o uso produtivo: em geral, quem realiza atividades no ambiente amazônico costuma dominar técnicas de manejo do fogo ou fazer agricultura sem queimar. Segundo a bióloga Erika Berenger, da Universidade de Oxford, a Amazônia não sofre incêndios espontâneos. De acordo com os nossos melhores climatologistas, este não é um ano de seca em função de eventos climáticos.
Queimadas iniciadas de forma intencional e criminosa são a causa e têm como objetivo arrebatar ilegalmente terras públicas. A sensação de impunidade motivou e cresceu a olhos vistos, uma vez que os principais interlocutores do governo com a sociedade afirmaram para quem quisesse ver, ler ou ouvir, o intento de acabar com a fiscalização e o cumprimento das leis ambientais. Um governo que se elegeu com o discurso de combate à corrupção, fecha os olhos para as ilegalidades ambientais e se torna aliado e protetor de quem destrói a biodiversidade do país.
Até hoje, o Ministério do Meio Ambiente não apresentou nenhuma estratégia, plano ou política pública para cuidar da nossa biodiversidade. O orçamento destinado à prevenção e ao controle de queimadas foi cortado pela metade neste ano. Distribuídos nos estados, a maioria dos cargos de superintendentes do IBAMA continuam vagos por decisão do ministro. 
Os planos de controle do desmatamento sumiram. A área responsável por adaptação climática foi excluída da estrutura e hoje não há um único servidor cuidando do assunto. E há um forte negacionismo do conhecimento já acumulado por instituições na gestão das florestas e na agricultura de vanguarda. Todos esses fatores já ameaçam o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, para o qual o compromisso ambiental é essencial.
Diante da inação governamental e da falta de diálogo, os movimentos cívicos Acredito, Agora! e Livres propuseram uma resposta imediata, com base nas milhões de assinaturas, pedindo providências concretas. Propõe-se a instalação de uma comissão externa, que terá papel fiscalizatório, envolvendo as duas casas legislativas federais sobre o Ministério do Meio Ambiente. Precisamos que o Brasil priorize uma política ambiental efetiva e eficiente.
Não é sobre colocar agentes públicos para apagar fogo, tampouco proibir por decreto as queimadas —que mais parece uma ação para inglês ver.  O verdadeiro desafio é assegurar que, em matéria ambiental, o poder público aja com responsabilidade e transparência. O Brasil, país megadiverso e rico em natureza, só se tornará a potência ambiental que é se tiver política pública adequada para isso.