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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 16 de novembro de 2021

O verdadeiro sentido da “coisa pública” — Eiiti Sato

 Publicado em: 16/11/2021

EIITI SATO - A IDEIA DE REPÚBLICA NO BRASIL

EIITI SATO - A IDEIA DE REPÚBLICA NO BRASIL

EIITI SATO, Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.

Ao longo do tempo o termo república assumiu vários significados designando de maneira genérica uma forma de relacionamento entre governantes e governados ou servindo para designar certos Estados tais como Roma, depois da queda da monarquia, e Siena, dos fins da Idade Média. No Brasil, o entendimento mais corrente está muito próximo daquele utilizado por Maquiavel, que inicia O Príncipe afirmando que “todos os Estados ... foram e são, ou repúblicas ou principados”, ou seja, uma forma de governo como alternativa à monarquia. Assim, no dia 15 de novembro é celebrado o dia em que a forma republicana de governo foi adotada no Brasil em substituição à monarquia. Com o passar dos anos a data passou a ter um caráter comemorativo tornando-se um costume fazer dela uma ocasião para discursos e outras manifestações laudatórias das virtudes e das vantagens da forma republicana de governo. Este breve ensaio, no entanto, pensando no que poderia haver de relevante para a compreensão da política brasileira, propõe uma reflexão em outra direção. 

A observação dos acontecimentos na esfera política leva a crer que o sentido mais precioso do termo República não é o de forma de governo que substitui a Monarquia, mas sim o de res publica, isto é o do entendimento das instituições do Estado como coisa pública. Com efeito, olhando-se o Brasil de hoje, conclui-se que o advento da república não significou, após cinco gerações, uma forma mais avançada ou mais eficaz de organizar as instituições políticas. Na verdade, o que se observa nas nações consideradas mais avançadas do mundo é que não há diferença entre regimes republicanos e monárquicos, ao menos no que se refere à idéia de democracia representativa e quanto à capacidade de o Estado cumprir seu papel, como eixo da ordem política e econômica voltado para a promoção da prosperidade. Nesse sentido, a presente análise sugere que seria mais apropriado, a cada dia 15 de novembro, simplesmente examinar a trajetória das instituições políticas do País e, de forma sensata e ponderada, procurar identificar aquilo que poderia ou deveria ser feito para defender e aperfeiçoar a democracia e as instituições que governam o País para que sejam, efetivamente, republicanas. 

REPÚBLICA, DEMOCRACIA E PROSPERIDADE

Em primeiro lugar vale insistir no fato de que uma escolha entre a forma republicana ou monárquica de governo não corresponde, na realidade, a uma opção a respeito do que pode haver de mais essencial na relação entre governantes e governados: liberdade, respeito às leis e direito de escolha. Há muito tempo, a república deixou de ser uma alternativa à tirania de príncipes autocráticos. O sentido essencial da república como expressão da vontade dos governados pode estar perfeitamente presente tanto nas monarquias quanto nos regimes chamados de republicanos. Parafraseando Maquiavel, pode-se dizer que “as grandes e modernas democracias de hoje ou são repúblicas ou monarquias constitucionais ...”. Em outras palavras, não se pode dizer que o apreço pela democracia e o apego ao processo de legitimação do poder político pela vontade dos governados, esteja menos presente na Dinamarca, no Reino Unido ou nos Países Baixos, que permanecem monarquias, do que nos Estados Unidos ou na França, que adotaram a forma republicana de governo. Esse fato sugere também que um conceito como democracia, entendido como princípio orientador da organização do Estado, pode se projetar em instituições muito variadas, não sendo possível, por exemplo, dizer que um sistema bicameral seja superior ou mais eficaz do que um parlamento unicameral, ou que o presidencialismo americano seja melhor do que o parlamentarismo britânico. As instituições resultam de processos históricos vividos de maneira individual e particular pelas nações, refletindo a combinação de uma variada gama de aspectos peculiares aos países que, dessa forma, ao longo do tempo e à sua própria maneira, vão construindo individualmente as instituições políticas que melhor lhes convém.

Mesmo do ponto de vista econômico, onde os dados quantitativos são abundantes, chama a atenção o fato de que não é possível estabelecer correlação entre formas democráticas de governo e formas de interação, entre Estado e economia, capazes de tornar a nação mais próspera. Ao longo da história, nações prosperaram dentro de um ambiente democrático e republicano, mas também prosperaram sob regimes autoritários e, em tempos mais recentes, casos como o da China e de outros países da Ásia lembram uma espécie de versão contemporânea do conceito de “absolutismo esclarecido”, que tanto entusiasmou muitos filósofos nos primórdios do Estado moderno. São governos bastante fortes que, de maneira autoritária, estabelecem padrões e normas de comportamento para os atores econômicos, tornando-os competitivos e gerando riqueza e abundância para suas sociedades. Pode-se argumentar que, no longo prazo, regimes autoritários acabam por tornar-se incompatíveis com o dinamismo exigido pelos negócios e pela inovação tecnológica que sustentam o progresso econômico. Por ora, no entanto, não há dados para confirmar essa hipótese e o analista pode apenas procurar sinais de que regimes políticos autoritários tornam-se, gradativamente, menos centralizadores e menos propensos à interferência na economia, à medida que a sociedade prospera e que, inevitavelmente, vai se tornando mais integrada à ordem econômica internacional. 

Por outro lado, nas grandes democracias ocidentais, a interferência na economia se faz menos por meio de medidas políticas de governantes, que estão sujeitos a leis, e mais por meio das ações do Estado como ator econômico capaz de influenciar e mesmo orientar o ambiente econômico. Todavia, nesse domínio, a participação do Estado na economia varia muito, havendo países, como os Estados Unidos, onde o Estado representa aproximadamente 1/3 do PIB e nações como a maioria dos países mais prósperos na Europa onde o Estado ultrapassa a metade do PIB, sem que se possa dizer que tenham deixado de proteger e valorizar a livre iniciativa e a liberdade econômica, de uma forma mais ampla e que as economias desses países tenham deixado de ser competitivas nos mercados internacionais. Do mesmo modo, não é possível identificar qualquer correlação entre os níveis de participação e interferência do Estado na economia, com a forma republicana ou monárquica de suas instituições políticas. No Japão, que é uma monarquia, o Estado representa uma parcela da economia semelhante à dos Estados Unidos, enquanto na França republicana o Estado é, proporcionalmente, tão grande quanto em outros países europeus, que são monarquias e igualmente prósperas. Nenhum analista e nenhum grande partido político na Europa ou nos Estados Unidos associa eventuais dificuldades econômicas, enfrentadas por qualquer uma dessas economias, às respectivas formas de governo, mas tão somente a ocasionais equívocos na política econômica ou simplesmente às variações cíclicas da economia. 

O ADVENTO DA REPÚBLICA NO BRASIL

Possivelmente, esses fatos ajudam a explicar porque o advento da forma republicana de governo no Brasil não ocorreu dentro de um ambiente político de intensos debates sobre idéias e de disputas dramáticas de poder entre monarquistas e republicanos. A abolição da escravidão, a questão militar, a ascensão de uma classe média e outros eventos considerados pelos historiadores como importantes para o advento da república, eram questões que poderiam ter sido manejadas dentro do regime vigente, uma vez que não há como afirmar que tivessem por origem qualquer incompatibilidade substantiva com o regime e, além disso, nações como o Reino Unido, os Países Baixos ou a Noruega, ao longo do tempo, realizaram seguidas mudanças nas suas instituições políticas, adequando-as às seguidas transformações, por vezes dramáticas, vividas pelas respectivas sociedades no decurso do último século e meio. Em 1889, a monarquia brasileira já era um governo do tipo representativo perfeitamente compatível com os padrões vigentes no mundo, em matéria de instituições que procuravam acomodar as principais forças políticas da nação. Além disso, D. Pedro II estava longe de ser um governante autoritário e centralizador. Alguns historiadores mencionam as disputas entre a Coroa e a Igreja Católica como um desses eventos importantes que teriam desencadeado a queda da monarquia, por ter contribuído para solapar a base política do Imperador. Entre as novidades advindas com a proclamação da república, uma delas foi a separação entre o Estado e a Igreja, mas esse processo ocorreu, de uma maneira ou de outra, em todas as monarquias que se modernizaram. A questão federativa, que aparece em destaque no Manifesto Republicano de 1870, a abolição da escravidão, as dificuldades econômicas ou ainda as inquietações no exército, na realidade constituíam parte de um processo de transformação mais ampla e profunda da sociedade brasileira, diante de um mundo que também se transformava. Na realidade, em toda parte, as instituições políticas sofriam mudanças e se acomodavam às novas circunstâncias sem, contudo, associar esse processo a escolhas entre republicanismo e monarquia. Em resumo, o regime monárquico não constituía empecilho real para as demandas sociais ou para uma eventual revisão nos padrões de participação política das forças econômicas emergentes da nação. 

Talvez o melhor retrato do ambiente em que foi implantada a forma republicana de governo tenha sido dada por Raul Pompéia que, em crônica publicada anonimamente, relata a melancólica partida do Rio de Janeiro de D. Pedro II e da família imperial, logo após o decreto de expulsão promulgado pelo Governo Provisório. No meio da madrugada – diz a crônica – sem manifestações de qualquer tipo, a família imperial partiu para o exílio sem deixar no Brasil nem sentimentos de ódio e nem partidários dispostos a iniciar uma luta política para promover seu retorno. Aliomar Baleeiro, logo na introdução de seu ensaio sobre a Constituição de 1891, também faz uma apreciação na mesma direção: “o povo brasileiro cansara-se da monarquia, cuja modéstia espartana não incutia nos espíritos a mística e o esplendor dos tronos europeus. O Imperador vestia trajes civis, pretos, como qualquer sujeito respeitável da época, sem fardas de dourados ... Conta-se que a Princesa Imperial trazia consigo, no decote, fósforos para acender, ela mesma, as velas à boca da noite.” 

A res publica NO BRASIL DE HOJE

Em nossos dias, de tempos em tempos, a República tem sido abalada por escândalos e a ineficiência crônica do Estado aparece nos mais diferentes domínios das instituições encarregadas do provimento de bens como justiça, segurança dos cidadãos e os inúmeros serviços públicos essenciais, que os Estados modernos prestam hoje às suas populações. Convém refletir sobre o fato de que esses escândalos, assim como a crônica ineficiência do Estado brasileiro, não são produtos da forma de governo, mas da incapacidade de construir e de manter instituições que tornem o Estado brasileiro tão eficaz quanto tem sido em muitos outros países republicanos ou monárquicos. Por exemplo, em países onde a justiça – talvez a componente mais essencial do Estado no que diz respeito à proteção dos direitos individuais e coletivos – se mostra razoavelmente operante, uma lei como a da chamada “ficha limpa” seria completamente inócua e desnecessária, uma vez que, se a justiça funcionasse razoavelmente no Brasil, os políticos indiciados como passíveis de serem enquadrados nessa lei já teriam sido, há muito tempo, devidamente condenados ou absolvidos. Há políticos que tomam posse de cargos executivos ou legislativos apesar de condenados e de procurados pela justiça por terem cometido crimes comuns, e cujo processo judicial tivera seu início bem antes da formalização até mesmo de sua candidatura. Há os tribunais eleitorais ou trabalhistas cuja existência é totalmente dispensável, uma vez que qualquer ação julgada por essas instâncias pode ser levada ou contestada em outras instâncias judiciárias. A menos que o poder dessas instâncias seja efetivamente reconhecido nas matérias de que tratam, a manutenção dessas cortes representa apenas um ônus para o Estado e, principalmente, um custo às vezes impagável para os cidadãos que buscam a justiça para proteger seus direitos. 

A distância entre a noção de res publica e as instituições do Estado brasileiro, que parece aumentar continuamente, assume a feição de um patrimonialismo político, cuja capacidade de adaptação se revela ilimitado. Falava-se de uma política “café com leite” referindo-se à República Velha, quando o poder se alternava entre os produtores de café de São Paulo e os proprietários de terras e criadores de gado de Minas Gerais. Hoje, após a eleição presidencial, Ministérios e agências da administração do Estado são disputados como se fossem espólios ou butins a serem conquistados. As manifestações a respeito de “direitos” a cargos e postos na administração pública ocorrem de forma aberta e sem qualquer pejo ou referência a qualquer propósito de servir à coletividade, que justificaria a existência de um Ministério ou agência governamental. Nos fins da Idade Média, após a tomada de uma cidadela sitiada, os vencedores disputavam entre si os espólios dos vencidos. Essa disputa se afigurava tão natural quanto o é hoje a disputa por cargos e indicações após uma vitória eleitoral. D. Quixote, personagem criado por Cervantes, com toda a sua ingênua pureza, prometia ao seu amigo e escudeiro Sancho Pança uma ilha que seria conquistada com o valor de seu braço. No caso do Brasil, trata-se de um espólio de proporções imensas. Conforme dados de 2009, disponíveis na página do Fundo Monetário Internacional, o Brasil era a oitava economia do mundo e o orçamento do Estado brasileiro, de quase US$ 600 bilhões, seria maior do que o PIB de países como Suíça (US$ 491 bilhões), Suécia (US$ 406 bilhões), Dinamarca ou Argentina (ambos com um PIB de cerca de US$ 310 bilhões). Na verdade, o Estado brasileiro equivalia, em 2009, à posição de 18ª. economia do mundo. Nesse quadro, a pergunta essencial é: para onde vai essa enorme soma de recursos? Além do sistema de arrecadação de taxas e impostos, existe alguma instituição do Estado que efetivamente funcione satisfatoriamente? Existe alguma instituição do Estado que possa ser qualificada como verdadeira res publica, isto é, serve unicamente ao interesse público? Por que as pessoas que possuem meios não procuram a saúde pública, não se utilizam dos transportes públicos, não confiam suas crianças à educação pública? Por que se permite que milhares de pessoas vivam em favelas degradantes à condição humana? Por que todas as organizações e indivíduos que possuem meios precisam contratar serviços privados de segurança? Enfim, a lista de perguntas é interminável. 

Esses fatos, mencionados a título de exemplo, apontam para o risco sempre presente de repetir o que se fez, em certa medida, nos fins do século XIX quando, ao invés de aperfeiçoar e adequar as instituições acompanhando as inevitáveis mudanças dos tempos, preferiu-se atacar as instituições da monarquia constitucional. O ambiente que tem cercado as últimas eleições e seus desdobramentos na forma de partilha do espólio conquistado, revelam que a ineficiência do Estado em prover bens públicos essenciais deve continuar, independente de quem seja eleito. Os recursos do orçamento público brasileiro são enormes, mas não são ilimitados. Pode haver focos de insatisfação na divisão do butim que podem evoluir para defecções e crises. Corre-se o risco de comprometer até mesmo a democracia sem, contudo, atingir efetivamente os procedimentos e costumes viciados existentes nas várias instâncias do Estado que, assim, continuarão servindo de guarida à ganância dos políticos desonestos. Ernest Hambloch, em 1934, escreveu uma interpretação bastante crítica a respeito dos primeiros anos da república – a República Velha (1889-1930) – na qual lembra um curioso episódio: quando Rojas Paul, presidente da Venezuela, soube da queda da monarquia brasileira, teria exclamado triste e profeticamente: “Este é o fim da única república que jamais existiu na América.” Obviamente, o presidente Rojas Paul empregava o termo república na sua acepção mais desejável: o do governo entendido como res-publica.

BIBLIOGRAFIA 

A. BALEEIRO, Constituições Brasileiras, volume II. 1891. Senado Federal, CEE/MCT, ESAF/MF. Brasília, 1999 (p. 13)

E. HAMBLOCH, Sua Majestade o Presidente do Brasil. Senado Federal, Brasília, 2000 (p. 34)

F. M. DA COSTA, Os Melhores Contos que a História Escreveu. Editora Nova Fronteira, R. De Janeiro, 2006 (pp. 461-7)


(Transcrito do blog de Ricardo Vélez-Rodríguez)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Vacinação pode ser pontapé para conter ataques à liberdade - Paulo Gontijo (Estadão)

 Vacinação pode ser pontapé para conter ataques à liberdade

Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo, voltar a tomar as ruas

Paulo Gontijo, presidente do Livres

Estadão | 1/02/2021, 3h

O início da vacinação é o primeiro passo para o País sair da pior crise enfrentada por esta geração. Em momentos de grandes dificuldades, nossa espécie anseia por grandes líderes apontando caminhos de superação. Infelizmente, no Brasil, nós nos deparamos hoje é como gigantismo da estupidez guiando a desordem e provocando instabilidades.

Não há ação técnica coordenada entre União e Estados. Onde precisamos de um governo para preservar a vida dos brasileiros, há apenas um comitê eleitoral. No lugar de distribuir vacinas, distribuem-se palavrões em churrascarias e cenas grotescas lambuzadas de leite condensado. O preço é alto e permanecerá sendo pago em largas prestações.

Após meses de negacionismo, Jair Bolsonaro ensaiou falar o óbvio: a vacina é essencial para a retomada econômica. Mas antes que sentíssemos qualquer alívio, o presidente retomou a sua narrativa insana, defendendo a ideia de que basta ao povo coragem para voltar à normalidade e enfrentar o vírus que já vitimou mais de 220 mil brasileiros.

Há, porém, algo pior do que seus discursos irresponsáveis: o boicote à vacinação. Fruto de uma combinação entre aloprados ideológicos, generais incompetentes e a pura omissão, seja na diplomacia ou na falta de implantação de um sistema de gestão do programa de imunização. E assim seguimos patinando, com consequências graves para a vida de todos os brasileiros e também para a economia.

As piores repercussões humanitárias ainda estão a caminho. Há risco de reedições da catástrofe de Manaus. Segundo projeções do economista Daniel Duque, com o fim do auxílio emergencial e a segunda onda da doença a extrema pobreza pode atingir até 20 milhões de brasileiros e a pobreza, que antes da pandemia era a condição de menos de 25% da população, pode chegar a mais de 30%. Quando aplicadas no ano passado, políticas de transferência de renda foram consenso. Agora voltam ao centro das atenções. Interrompido sem uma transição minimamente estruturada, o auxílio emergencial acabou significando um custo fiscal muito maior em razão da desorganização, da falta de planejamento e do caos político do governo Bolsonaro.

Criar uma ampla rede de proteção com transferências diretas para os mais pobres e vulneráveis é uma política herdeira do pensamento de liberais como Thomas Paine, Stuart Mill, Friedrich Hayek e Milton Friedman. Indiscutível do ponto de vista social, essa necessidade ilumina um problema crônico e estrutural do Estado brasileiro: apesar de consumir 40% da riqueza nacional todos os anos com um orçamento trilionário, nosso poder público, engessado em despesas obrigatórias, não foi capaz de construir uma proteção minimamente robusta para os mais vulneráveis. Mudar essa realidade deveria ser o centro das preocupações políticas.

Neste momento, cabe às vozes liberais o cuidado com os mais frágeis no presente, sem lhes sacrificar o futuro. Nosso esforço de guerra contra a covid-19 não pode perder de vista o pós-guerra. A reconstrução da economia e do mundo que herdaremos será mais ágil, ampla e inclusiva na medida em que tivermos a capacidade de implementar políticas públicas que sejam fruto da urgência, mas não se contaminem pelo desespero. Não apenas é possível, como necessário, aliar sensibilidade social à responsabilidade fiscal, a reformas que aumentem a eficiência do Estado brasileiro, à proposta da Lei de Responsabilidade Social – elaborada pelo Centro de Debate de Políticas Públicas após debate surgido no movimento Livres –, que remaneja programas sociais já existentes em busca de mais efetividade.

Em direção oposta a esse esforço, porém, o que assistimos é a proposições para ampliar poderes de forma abusiva, diminuir a transparência ou simplesmente promover líderes do Executivo. São exemplos o alargamento de prazos das medidas provisórias e da Lei de Acesso à Informação, a injustificável menção a decreto de estado de defesa pelo procurador-geral da República e a ameaça aberta de insurreição antidemocrática em 2022 pelo próprio presidente, inspirado na invasão dos trumpistas ao Capitólio. Com isso, antes de avançar, é preciso assegurar que não vamos retroceder.

O alerta liberal contra excessos do poder estatal está mais pertinente do que nunca. Não à toa, nós, do Livres, ingressamos com ação civil pública para convocar Jair Bolsonaro a apresentar em juízo as provas que ele reiteradamente alega possuir sobre a suposta fraude eleitoral em 2018. Não há espaço para omissão. A credibilidade do sistema eleitoral é pilar da legitimidade da democracia liberal. Utilizar o prestígio da Presidência da República para minar as bases da democracia é um atentado à Constituição. Em meio a uma pandemia, faltam até palavras para classificar. Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo. Em ambos os casos, a vacina será o passaporte para que possamos voltar a sair de nossa casa, tomar as ruas e desfrutar, juntos, o prazer da liberdade. E, sobretudo, encarar a responsabilidade de defendê-la.

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,vacinacao-pode-ser-pontape-para-conter-ataques-a-liberdade,70003600643

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Religião e liberdades truncadas: sobre o discurso do chanceler acidental na formatura do IRBr - José Augusto Lindgren Alves

Importante artigo do embaixador José Augusto Lindgren Alves comentando os muitos equívocos, as impropriedades políticas, os desvarios intelectuais e os absurdos diplomáticos do estarrecedor discurso do chanceler acidental na formatura da turma do Instituto Rio Branco que tinha como patrono o grande poeta João Cabral de Melo Neto.

Paulo Roberto de Almeida


RELIGIÃO E LIBERDADES TRUNCADAS: política externa e direitos humanos refletidos no curioso discurso do chanceler aos formandos do Instituto Rio-Branco

J. A. Lindgren-Alves*

Foi muito comentado o discurso do ministro das relações exteriores na cerimônia de formatura do Instituto Rio-Branco, em 22 de outubro, pela revolta que causou. As críticas, todas pertinentes diante dos absurdos enunciados, foram provocadas sobretudo pelo abuso do nome escolhido pelos formandos como patrono da turma, João Cabral de Melo Neto, assim como pela interpretação positiva do fato de o Brasil se ter tornado um pária na comunidade internacional. A par da falta de autocrítica de um profissional inexpressivo, autor de livro desconhecido, ao se declarar “diplomata e poeta” como João Cabral, o personagem que ocupa a cadeira do Barão de Rio-Branco sem qualquer ponto notável na carreira, declarou não ver problema, mas virtudes, no presente isolamento diplomático do Brasil. Insistindo numa ideia sui generis de liberdade, afirmou que “o Brasil de hoje fala de liberdade através do mundo”, para assinalar que os Presidentes Bolsonaro e Trump haviam sido, talvez, os únicos chefes de Estado a tocarem no assunto na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas deste ano.

Não vou tratar aqui das referências descabidas a João Cabral de Melo Neto, nem analisar a situação de nosso país no exterior. Tanto o primeiro como o segundo aspectos do discurso foram examinados, com justa indignação, por órgãos de imprensa sérios e personalidades competentes de diversos setores. Atenho-me, pois, à acepção exposta de liberdade e aos efeitos que ela reflete na política externa, com foco na área dos direitos humanos.

O conceito de Liberdade

Para esse estranho titular de uma pasta política laica voltada para a ação no exterior, “liberdade” nada tem a ver com o direito de ser livre em condições normais, de pensar, de se informar, de agir, de viver dignamente, no sentido que todos conhecem. Tampouco são as liberdades fundamentais, definidas com os direitos essenciais de todos os seres humanos, que abarcam o trabalho remunerado, a educação, a saúde, a alimentação, a moradia e a segurança social, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Qualificando esse documento multilateralista basilar de “verdadeiro hino à liberdade”, o orador anti-multilateralista o cita com indicação de artigos escolhidos, que, isolados e simplificados na enunciação, escondem mais que revelam o que ele deseja. Nem mesmo a “liberdade religiosa” expressamente mencionada corresponde à “liberdade de pensamento, consciência e religião”, prevista no Artigo 18 da Declaração Universal, cujo espírito abrange necessariamente o direito de não ter ou não seguir qualquer religião.

Nas palavras do ministro:

“A liberdade do ser humano reside na sua espiritualidade. Sem ela o homem é escravo do ciclo inútil do viver e do morrer. Sem ela o intelecto torna-se puramente calculador desprovido de poesia e criatividade. Sem a espiritualidade o homem perde o bom-senso e a capacidade de navegar num mundo de difíceis julgamentos morais, caindo em um dos extremos: ou a permissividade absoluta ou esse estranho hiper moralismo da atualidade, muito mais restritivo que o da era vitoriana.”[1] 

Por mais que eu próprio critique os paradoxos da cultura contemporânea, de um lado libertária e provocativa, de outro intolerante e castradora, denunciando exageros contraproducentes com o  objetivo de garantir o desenvolvimento dos direitos[2], não sei bem a que se refere o hermético pregador como “hiper moralismo muito mais restritivo do que o da era vitoriana”. Quanto a sua obsessão transcendental, ela se encontra mais explicada alhures, em artigo arcano de sua autoria intitulado “Liberdade Religiosa, Religião Libertadora”, publicado em 2019 em seu pretensioso blog Metapolítica 17:

“No meu caso, já fui ateu: mas quando comecei a ler e estudar sobre religião (inclusive, mas não apenas, a cristã), quando comecei a entender, quando comecei a compreender a profundidade do incompreensível, quando um dia li que os monges do Monte Atos eram capazes de enxergar o brilho da luz incriada, foi aí que voltei a crer.”[3]

Quase “contracultural” no irracionalismo místico, reminiscente dos cultos orientais em moda no Ocidente desde os tempos dos hippies, a teosofia do chanceler, que tem horror à teologia da libertação, enquadra-se na vertente neointegrista atual do catolicismo, diferenciada do integrismo tradicionalista de Bento XVI pela assimilação de posições protestantes em áreas específicas[4]. Carolas que não seguem o Santo Padre, opositores do profundamente humano Papa Francisco, os neointegristas, pelo menos no Brasil, se assemelham e se associam sem pruridos ao neopentecostalismo evangélico para impor “fundamentos” de ambas as fés ao Estado. Para eles, a questão preocupante da liberdade religiosa é menos o problema real das perseguições a cristãos em sociedades de religião diferente do que aquilo que denominam “cristofobia”: aversão patológica a Jesus Cristo como divino redentor. Perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, esse “fenômeno psíquico”, mencionado pelo neologismo no discurso do ministro aos formandos, já havia sido abordado um mês antes pelo Presidente da República, que nunca sabe bem o que está falando. Em alocução formal redigida provavelmente pelo próprio chanceler, disse ele:

“Faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia. (…) O Brasil é um país cristão e conservador, e tem na família sua base.”[5]

De que o Brasil seja predominantemente cristão não há dúvida. Horror a Cristo não creio tenha tido em qualquer período da História. Que seja conservador é uma asserção recente, parcial, com generalização forçada. A inclinação pela sensualidade exuberante sempre foi cultivada como característica do povo brasileiro, alegre e desinibido. Os políticos de centro e de esquerda sempre foram eleitos com posições sociais relativamente progressistas. Quanto à família, reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos como “núcleo natural e fundamental da sociedade” com direito à proteção pelo Estado, no Brasil como em todo o Ocidente é, há anos, crescentemente unicelular, ou desfeita e recomposta por casamentos sucessivos. Tem sido valorizada também em formas heteróclitas, rejeitadas pelos evangélicos puristas, por católicos no estilo da Opus Dei espanhola e por falsos moralistas de formações variadas, em cuja rejeição agressiva a homossexuais em geral concentram seu excesso freudiano de frustações inseguras.

Embora Bolsonaro tenha lembrado mais tarde a expressão “cristofobia” ao condenar a recente queima de igrejas no Chile e os atentados terroristas na França, “cristófobos” para o chanceler são, em primeiro lugar, os compatriotas que não seguem posições da extrema direita. Considerados comunistas ateus, corruptos e impatrióticos, participantes de uma conspiração demoníaca do “marxismo cultural” para dominar o mundo por meio do “globalismo” sob controle da ONU, esses indivíduos “cristófobos”, responsabilizados pelo secularismo do Estado, seriam inimigos a ser exterminados. Isso se evidencia no discurso do chanceler aos formandos pela condenação insistente do marxismo como ameaça terrível. Curioso é que isso ocorra e seja assimilado com verdade num período histórico em que o projeto emancipatório comunista se apresenta, no máximo, como causa de nostalgia para os seguidores mais próximos de Marx.[6] Pensam e agem da mesma forma que o chanceler a ministra da mulher, família e direitos humanos e todos os atuais ocupantes de funções oficiais brasileiras na cultura, educação e políticas públicas. A eles se acrescem os “bolsominions” das redes sociais e os grupos violentos que se manifestam nas ruas e na internet contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, esteios institucionais necessários da democracia em qualquer parte do mundo.

Paranoia de fazer inveja ao teatro do absurdo, de Ionesco a Becket com toques de Campos de Carvalho, nosso surrealista tropical, essa teoria de conspiração como estratégia propagandística para semear o pânico tem figuras destacadas em pensadores da nova direita euro-americana Alt Right. Entre eles se pretende inserir o brasileiro Olavo de Carvalho, professor de invencionices eruditas pela internet, autor de best sellers demolidores de tudo e de todos, menos dele próprio, com palavrões e um lustro de sapiência cabotina. Entre seus seguidores se filiam o chanceler trumpista e o filho do Presidente quase embaixador em Washington, os quais, juntamente com um assessor presidencial evangélico de política externa, formam o núcleo duro de nossa atual antidiplomacia.

Exercida a contragosto por um Itamaraty em frangalhos, remanejado até no organograma interno para acomodar a ideologia e as características pessoais do profissional titular – mais moço e menos experiente que os chefes de departamentos antes existentes, hierarquicamente superiores, postos à disposição, como nem o regime militar cogitou fazer -, a nova política externa, inteiramente inspirada pela chamada franja lunática da direita norte-americana, reforçada pela arrogância de Donald Trump, absorve postulações de pastores fundamentalistas e católicos integristas, determinados a transformar o Brasil numa nação monolítica orientada pela religião. Tal orientação é implementada sub-repticiamente em inciativas domésticas, como a diretriz de educação em decreto de 27 de outubro sobre Estratégias de Desenvolvimento, que manda ensinar o direito à vida desde a concepção e os “direitos do nascituro”, ou as portarias do ministério da saúde que exigem comunicação constrangedora à polícia para quem precisa recorrer à prática legal de aborto em gravidez por estupro. Na área externa, ademais da participação do Brasil, como ouvinte, em comissão norte-americana criada pelo Secretário de Estado Mike Pompeo sobre “direitos inalienáveis” oriundos da história do país, destaca-se nossa ridícula rejeição a qualquer referência a “gênero” em resoluções sobre saúde ou direitos da mulher. Inflexível a críticas porque convicto – não sem razão – de que a popularidade do presidente se deve em grande parte às posturas agressivas contra o “politicamente correto”, o chanceler faz questão de afirmar, com frequência, ter sido para isso, para o desmonte de nossas posições estabelecidas, que o Governo foi eleito. 

Liberdade religiosa como regressão

No esforço para tornar o país uma utópica “cidade de Deus”, fundada na literalidade das Escrituras mais do que na obra de Santo Agostinho, era esperado que as prioridades se dirigissem à “esfera de valores”. Foi com esse objetivo em mente que o Presidente desde quando candidato anunciava uma intenção “revolucionária”, quase “leninista”: primeiro destruir tudo, ou seja, tudo o que foi feito nessa esfera depois do regime militar, para depois construir à sua maneira. Tal esfera, a par da questão do meio ambiente, internacionalmente prioritária por motivos de sobrevivência terráquea, é precisamente a outra em que o Brasil redemocratizado teve papel decisivo na diplomacia multilateral do final do Século XX: a dos direitos humanos. Falo dela, sem ânimo exclusivo, porque a conheço bem, consciente de que colegas coevos da carreira diplomática podem fazer o mesmo sobre as áreas onde atuaram.

Na esfera dos direitos humanos, ao contrário do que antes dizia a esquerda e hoje é dito pela direita, por conta da soberania nacional, temendo ou não intervenções armadas da “ingerência humanitária” que o Brasil sempre combateu, o máximo que se deseja é dispor de referências civilizadoras para todos os países. A responsabilidade por tais direitos foi e continua a ser dos Estados. Estes, quando retrocedem em posições previamente aceitas, fazem-no em desapreço pela credibilidade que tinham. A coerção é moral, não policial, muito menos bélica. A impossibilidade de intervenções externas pela força não elimina, porém, o acompanhamento internacional legítimo, nem a força moral das recomendações acordadas. Tampouco descarta a eventualidade de boicotes unilaterais de potências, ou sanções coletivas, como o embargo de armas, aprovadas pelo Conselho de Segurança.  

Fato pouco conhecido numa sociedade auto-despiciente como a brasileira, que atribui tudo de bom ao exterior, sobretudo aos Estados Unidos, foi a ação de nossa diplomacia que salvou a Conferência de Viena sobre direitos humanos, de 1993; que garantiu os estatutos do Tribunal Penal Internacional na Conferência de Roma, de 1998; que propôs na ONU, em 1994, uma conferência contra a discriminação racial na África do Sul, realizada em Durban, em 2001; que conseguiu a aprovação dos documentos finais de Durban, cujo Programa de Ação forneceu as bases da luta antirracista seguida no mundo inteiro até hoje. Foi também a atuação do Brasil que propiciou pontos de entendimento no Cairo, em 1994, sobre direitos reprodutivos e saúde da mulher, na conferência sobre população, assim como em Pequim, em 1995, para o reconhecimento dos direitos da mulher na categoria dos direitos humanos[7]. Tínhamos, portanto, importante soft power. Se os avanços doutrinários desse conjunto de eventos foram desvirtuados depois, e creio ter sido eu dos primeiros a expressar preocupação com isso, os atores principais foram outros, todos contrários ao Iluminismo e ao marxismo, em nome de um progressismo pós-moderno de matriz norte-americana.

Depreciar o que o Brasil soberano fez de positivo e orientar a política externa para destruir aquilo que se conseguiu em favor dos direitos humanos como fator indispensável ao progresso social, somente se pode explicar por um fanatismo semelhante ao que ameaçava as próprias conferências, associado em muitos aspectos às crenças do terror islâmico. Não surpreende, assim, que os aliados atuais desse Brasil dito “conservador” sejam líderes ocidentais de arrogância chocante. Ou Estados de religião historicamente antagônica ao cristianismo, com leis que desprezam a igualdade cristã divulgada pelo apóstolo São Paulo, e práticas cristianofóbicas frequentemente mortíferas. Nesses Estados cuja nacionalidade é construída a partir da religião pré-colonial monoteísta, liberdade religiosa inexiste, nem tem chance de existir. Tanto porque a fé dominante é excludente das outras, como porque os opositores aos governos, vistos como corruptos e vendidos ao Ocidente, são correligionários radicalizados contra tudo que não seja sua facção extremista.

Na medida em que os extremismos opostos se assemelham, as teocracias islâmicas mais medievalistas podem até servir de modelo aos ocidentais da extrema direita. Para o chanceler brasileiro, inimigo do Iluminismo desde Voltaire e do multilateralismo da ONU, nada parece melhor que a Idade das Trevas. Em sua linguagem labiríntica, supostamente translúcida, com citações em grego de fácil entendimento para o “povo que escandaliza os intelectuais prudentes e sofisticados”, brasileiros “severinos” que ele diz homenagear com o termo adjetivado de João Cabral, os formandos do Instituto Rio-Branco este ano não estariam entrando numa carreira, que ele chama de “burocracia”. Estariam ingressando numa cruzada, “numa grande demanda, no sentido medieval (sic), numa aventura nacional e mundial de proporções históricas” pela essência do Homem, da Pátria e da Civilização. Os “djihadistas” islâmicos, que derrubaram o World Trade Center, escravizam e estupram mulheres yazidis e esfaqueiam fiéis em igrejas da França, pensam da mesma forma. Com a diferença de que os “djihadistas” se consideram combatentes numa guerra cósmica. Nosso ministro é modesto. Fala apenas numa “batalha de gigantes” (sic).

O preço que pagamos

Na política externa brasileira quase tudo retrocedeu. Da independência mantida patrioticamente por várias décadas à submissão completa e voluntária, não aos Estados Unidos como potência, mas ao Governo de Donald Trump, passou-se num piscar de olhos. Na área dos direitos humanos, somos agora contrários aos direitos reprodutivos, rejeitamos a igualdade de gênero, demonstramos tamanha ojeriza pela possibilidade de aborto que tratamos como suspeitos os casos previstos em lei. Fazemos até vista grossa à mutilação genital feminina, quando a oposição a ela se insere em propostas de políticas que insinuem a prática disseminada do aborto como questão de saúde pública. Usamos os direitos civis para condenar a Venezuela de Maduro, mas não apoiamos monitoramento das Filipinas de Duterte. Ignoramos direitos de povos indígenas. Desconsideramos recomendações da Organização Mundial da Saúde sobre a pandemia, que minimizamos como “gripezinha” enquanto os contágios prosseguem. Rejeitamos preocupações da Alta Comissária da ONU com os direitos humanos no Brasil, e defendemos o regime instalado pelo golpe de 64 como movimento patriota, de salvação do país. Resta saber o que mais faremos. Já copatrocinamos com os Estados Unidos de Trump uma “Declaração do Consenso de Genebra”, formalizada em 22 de outubro com assinaturas de trinta e um Estados, entre os quais Arábia Saudita e Sudão do Sul, repressores aos direitos da mulher, um compromisso de atuação conjunta contra o aborto. Continuaremos seguindo a comissão dos direitos inalienáveis inventada pelo Secretário Mike Pompeo? Será que descartaremos a Declaração Universal laica de 1948 para abraçarmos uma eventual declaração religiosa de extrema direita? Imitaremos os Estados Unidos com seus habituais dois pesos e duas medidas na área dos direitos humanos e liberdades fundamentais, protegendo aliados violadores e condenando adversários? Continuaremos a funcionar como seus procuradores em Genebra desde que Trump decidiu, em 2019, retirá-los do Conselho de Direitos Humanos?    

O preço dessas reviravoltas, sem falar nas mudanças em outras áreas cruciais, foi o abandono da imagem do Brasil como país confiável, cumpridor das obrigações assumidas. O custo complementar deve parecer pequeno: o sacrifício de uma das instituições nacionais antes mais respeitadas, inclusive pelas Forças Armadas, e um enorme desgosto, que a maioria dos diplomatas brasileiros na ativa têm dificuldade de engolir. Numa carreira de Estado necessariamente hierárquica, sem órgão classista e com um único chefe poderoso, pensar em resistência sem punição arrasadora é mera ilusão de fora. Embaixadores de volta ao Brasil mais antigos que o ministro de Estado, antes aproveitados em chefias de departamentos importantes, passaram a ficar sem funções, nos corredores ou em casa, sem sequer serem claramente contrários às políticas correntes. Para a maioria dos profissionais em serviço restam o desgosto pessoal e a vergonha perante colegas estrangeiros. Assim como se exaspera o desespero inerme de aposentados que veem seu trabalho destruído.

Para justificar a política externa atual, o discurso do ministro, no dia 28 de outubro, lembrou, com enlevo agradecido, que seu chefe, presidente do Brasil “cristão e conservador”, na noite da vitória, em 2018, havia proclamado: “Vamos libertar o Itamaraty!” Parte dessa libertação escravista, na novilíngua de George Orwell às avessas, ocorreu. Os diplomatas formandos, que tiveram o bom senso de escolher um grande patrono, que se cuidem. O desafio mental e moral nas condições que já enfrentam é imenso. Só há um conselho a dar: resistam no que for possível! Quando o pesadelo passar, o trabalho de reconstrução será deles.

    Brasília, 31 de outubro de 2020

Notas:

[1] http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas

[2] v. meus livros “Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade, Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade, Cap.6, e É Preciso Salvar os Direitos Humanos, São Paulo, Perspectiva, 2005 e 2018 respectivamente.

[3]https://www.metapoliticabrasil.com/post/liberdade-religiosa-religiao-libertadora

[4] Para a definição do neointegrismo, baseio-me em Gabriela Arguedas Ramírez, “Ideologia de gênero, neointegrismo católico e fundamentalismo evangélico: a vocação antidemocrática”, Revista Rosa 2, série 1, São Paulo, 2020.

[5]https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/09/22/leia-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-na-assembleia-geral-da-onu.htm

[6] V. Enzo Traverso, Melancolia de Esquerda: Marxismo, História e Memória, Belo Horizonte, Editora Âiné Aut-aut. Nr. 2., 2018. V. também os encontros, seminários internacionais e esforços pessoais variados de Slavoj Zikek, Alain Badiou e outros para definir o que pode ser comunismo na situação presente.

[7] Para a descrição desses fatos v. J.A. Lindgren-Alves, A Década das Conferências, 2ª Ed. Brasília, FUNAG, 2018. Especificamente sobre Durban, v.Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade, Cap.6.

Referência imagética:

Discurso do ministro Ernesto Araújo à turma João Cabral de Melo Neto. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eeEawfB7X-g


domingo, 26 de julho de 2020

Política externa e diplomacia no contexto das liberdades democráticas - Paulo Roberto de Almeida

Um trabalho preparado para uma palestra online, como explicitado nestas coordenadas: 

Neste domingo, dia 26/07, às 17hs, terei o prazer de falar sobre “Política externa e diplomacia no contexto das liberdades democráticas”, no 1o. Colóquio Sertanejo pela Liberdade, organizado pelo Instituto Libercracia (URL de acesso: https://www.youtube.com/watch?v=aRAzDtPiVXM).



Política externa e diplomacia no contexto das liberdades democráticas
  
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: palestra no I Colóquio Sertanejo pela Liberdade, no dia 26 de julho, Instituto Libercracia; finalidade: exposição e debate]


Esquema da palestra:
Introdução: como a diplomacia interage com as liberdades e a democracia
1. As conferências da paz da Haia de 1899 e de 1907: Rui Barbosa e a igualdade soberana das nações; Corte Arbitral Internacional; possibilidades e limites
2. A Grande Guerra e os 14 Pontos de Wilson; a denúncia bolchevique dos acordos secretos;
3. A Liga das Nações e o Acordo Briand-Kellog: o recurso obrigatório a meios pacíficos de solução de controvérsias e de disputas entre os Estados
4. O nascimento oligárquico da ordem internacional do pós-Segunda Guerra: a ONU
5. O processo de multilateralização da ordem política e econômica internacional
6. A descolonização, o fim do socialismo e a triplicação dos Estados membros da ONU
7. A busca de justiça nas relações internacionais: de Nuremberg ao TPP, passando pelas guerras civis nos Balcãs, por Ruanda e na África e Oriente Médio
8. A responsabilidade de proteger (R2P), limites da soberania estatal e a responsabilidade ao proteger
9. Progressos limitados da ordem democrática no contexto internacional
10. O Brasil no contexto global das liberdades democráticas: da ditadura à democracia e aos retrocessos do multilateralismo-globalista.

Leiam a íntegra neste link:

https://www.academia.edu/43713456/Pol%C3%ADtica_externa_e_diplomacia_no_contexto_das_liberdades_democraticas_2020_


sábado, 8 de outubro de 2016

8 de outubro de 1982: ditadura militar sobre a ditadura comunista na Polonia (eu estava lá)

Eu e Carmen Lícia, e nosso filho Pedro Paulo, ainda bebê nessa época, visitamos a Polônia pouco tempo depois desse aprofundamento da ditadura na Polônia, mas que já era um sinal claro da decadência inevitável do poder comunista, já que os militares foram chamados a tentar "colocar as coisas em ordem".
A comparação com o regime militar no Brasil, no auge da repressão, uma década antes, era inevitável, mas a despeito disso, um outro líder sindical no Brasil despontava como um líder de futuro no sistema político brasileiro.
Algum tempo depois, Lech Wallesa e Lula se encontraram em Roma, mais exatamente no Vaticano: o primeiro queria desmantelar o comunismo em seu país, o segundo queria ainda construir o socialismo no Brasil. Deu no que deu...
Ambos foram um fiasco, mas gozaram de certo prestígio durante algum tempo, tanto que foram eleitos presidentes, mas ambos fracassaram em transformar seus respectivos países.
Wallesa foi um incompetente, mas os liberais poloneses consertaram os estragos e fizeram a Polônia ingressar na UE. Lula e seus companheiros ineptos e corruptos simplesmente destruiram a economia brasileira, mas não temos liberais para consertar os estragos.
Ah, sim, o NYTimes esquece da morte de Guevara, num 8 de outubro.
Paulo Roberto de Almeida

On This Day: October 8

Updated October 8, 2013, 2:28 pm
On Oct. 8, 1982, all labor organizations in Poland, including Solidarity, were banned.


WARSAW OUTLAWS SOLIDARITY UNION



Measure Scraps Trade Groups and Limits Right to Strike
By JOHN KIFNER
Speical to The New York Times
OTHER HEADLINES
Jobless Rate Is Up to 10.1% in Month, Worst in 42 Years: 11 Million Are Idle: Data for New York Show Big Decline -- Report Intensifies Debate
Jobless Rate as Vote Issue: Democrats Buoyed; G.O.P. Is Concerned
Federal Reserve Cuts Loan Charge to Banks to 91/2%: Move From 10% Signals More Declines in Interest Rates; Stocks Climb by 20.88
Key Teamster Leader Is Convicted of Labor Racketeering by L.I. Jury
Outside Jobs of Many on Council Raise Conflict-of-Interest Question
Algeria Halts Payment of Claims Against Iran
WARSAW, Oct. 8 -- The Polish Parliament overwhelmingly approved a law today that bans Solidarity, the independent trade union that once captured the imagination and allegiance of nearly 10 million Poles.
The law abolishes all existing labor organizations, including Solidarity, whose 15 months of existence brought exhilaration to many but drew the anger of the Soviet Union and other Eastern-bloc countries. It replaces them with a new set of unions whose ability to strike is sharply restricted.
Reaction of Work Force Uncertain
The scattered, fugitive Solidarity activists, more than 600 of whose leaders are in custody under martial law, have given no indication of their response to the Government edict outlawing their organization.
More uncertain - and perhaps more crucial to the authorities - is the reaction of Poland's increasingly sullen and frustrated work force, hard-pressed by shortages of food and virtually everything else, shortages that will only grow worse as the winter draws on.
The reaction could range from grudging, passive acceptance by even more listless performance in the factories and mines - ''Italian strikes,'' as they are called here - that would harm the crippled economy even more, to the kind of food riots that have periodically toppled governments over the last 26 years or even outbursts of terrorism and violence.
But the hopes of the authorities, as voiced in the official press and the speeches today, were that the new unions would lead to ''normalization,'' a relaxation of tensions and the eventual lifting of the martial law imposed last Dec. 13.
Security guards stood all around the gray Parliament building and uniformed police scrutinized credentials as the members gathered. A chill wind wrapped the red and white Polish national flag around its pole on the roof so it did not flutter.
The special riot policemen, known as ZOMO, who have enforced martial law, were brought back into the city and barracked at several central Warsaw hotels. But no demonstrations developed during the day, and the police were kept mostly out of sight.
When the vote came to dissolve the first experiment in labor democracy in the Eastern bloc at 9 tonight, after nearly seven hours of droning speeches, there were only 10 votes against the Government's bill and 9 abstentions.
In the Parliament, whose 460 members include 262 representatives of the ruling Polish United Workers' Party and 113 representatives of its affiliated United Peasants' Party, the debate was less than heated.
''A new and brave proposal,'' said Jozef Barecki of the Workers' Party, one of 16 members who spoke on the bill. He added that it was ''a major step'' toward creating ''a trade union movement worthy of the contemporary needs of the working class.''
Waldemar Michna of the United Peasants' Party said the new law ''would play a historic role'' and called it ''a momentous act on the road to normalization.''
Two speakers, members of small, independent parties, criticized the bill. One of them, Janusz Zablocki, a member of the Christian Social Association, said: ''Solidarity, whether we like it or not, has became in the society a symbol for renewal. Honest conditions should be created for the renewal of Solidarity, and no attempt should be made for its liquidation.''
The passage of the bill should come as a relief to other Eastern bloc nations, particularly East Germany and Czechoslovakia as well as the Soviet Union, who, fearful the contagion would spread, have been putting pressure on the Polish authorities to stamp out the independent union movement.
Introducing the bill to Parliament, Wlodzimierz Berutowicz, a law professor and Chief Justice of the Supreme Court, said that it ''fulfilled the agreement made with the workers'' at Gdansk in August 1980 - although it was that very agreement that gave birth to Solidarity.
Professor Berutowicz went on at great length to imply that the bill had met with the approval of the International Labor Organization. Tonight in Geneva, however, the I.L.O. director general, Francis Blanchard, said his organization had asked the Parliament to delay approval of the bill until the unions to be abolished, including Solidarity, were consulted.
Professor Berutowicz, other Government officials and the official press insisted that the new unions would be valid instruments because the legislation says they are to be ''independent'' of the management and the Government and because they have the right to strike.
However, the unions are to be linked with the party apparatus - the real political power here - and the ability to call a strike is so severely regulated that, as a practical matter, it would be almost impossible.
Any disputes must go through a complex arbitration process, and a seven-day advance notice must be given before a strike can be called. The Parliament has the ability to declare any strike illegal.
Many segments of the work force, including workers in the state radio and television, hospitals, banks, as well as those involved in delivering food or maintaining oil pipelines are forbidden to strike.
The link with the party, which officials today characterized as a ''partnership,'' is specified in the legislation that says the unions must ''recognize the leading role of the Polish United Workers' Party in the building of Socialism as defined by the Constitution.''
The Solidarity movement was to a large extent a revolt against the entrenched and frequently corrupt party hierarchy. But today the Warsaw daily Zycie Warszawy said that ''partnership between the party and trade unions is the best guarantee for respect of their independence by the authorities and the administration.''

terça-feira, 8 de julho de 2014

Magna Carta: 800 anos de afirmacao de liberdades e de justica - National Archives USA

Dentro de pouco menos de um ano (mais ou menos, levando em conta as diferenças de calendário, desde o século 13), a Magna Carta completará 800 anos.
Ela constitui, sem dúvida alguma, a base de todas as liberdades modernas, do próprio príncipio democrático, do governo pelo consentimento dos governados, da taxação com representação e do devido processo legal.
Pretendo escrever alguma coisa a esse respeito, focando, obviamente, no caso brasileiro, onde ainda não chegamos, exatamente, à aplicação plena dos princípios da Carta.
Os barões da Inglaterra medieval estavam se revoltando contra um rei ladrão, João Sem Terras. No nosso caso é um pouco diferente, o que complica as coisas.
Quando os nossos barões -- que por enquanto são só ladrões -- se revoltarem contra a prepotência do Estado, contra as exações do(a) soberano(a), contra a falta de representação real no corpo parlamentar, contra as deformações da democracia, contra a corrupção (que eles mesmos patrocinam, ao comprar parlamentares, ao sustentar lobistas, ao subsidiar partidos mafiosos), contra as políticas especiais de puxadinhos e improvisações (que eles mesmos também pedem ao Estado todo poderoso), quando esses barões capitalistas conseguirem conduzir uma fronda empresarial contra o Estado, contra os corruptos que eles mesmos colocaram no poder, então, talvez, poderemos nos aproximar pelo menos um pouco dos valores e princípios da Carta de 1215.
Estamos um pouco atrasados, como vocês podem constatar.
Os franceses também, pois eles só foram conduzir uma fronda aristocrática depois que os mesmos ingleses já tinham decapitado um rei, que abusava justamente de seus poderes. Consentiram no início de um outro reinado, depois de breve experiência republicana -- um pouco sangrenta, para qualquer padrão -- mas resolveram tirar esse mesmo rei, desta vez pacificamente, depois que o mesmo resolveu se meter a besta, pretendendo retomar os antigos hábitos absolutistas da sua família. Aí os ingleses simplesmente importaram uma nova dinastia do continente, aprovaram um Bill of Rights que limitava sensivelmente -- na verdade podava totalmente -- os poderes do novo soberano, e desde então vivem pacificamente com os seus soberanos de teatro (mais comedia dell'arte do que tragédias shakespeareanas). Em todo caso, eles são a mais velha democracia do mundo, em funcionamento contínuo desde 1688.
Foram seguidos depois, mas no formato republicano, ainda que absorvendo todas as bondades da Magna Carta e do Bill of Rights, pelos seus expatriados da Nova Inglaterra e das demais colônias, que se revoltaram justamente quando os ingleses, ou melhor o seu rei, empreendeu uma tosquia muito forte nos seus rendimentos, aumentando taxas e cobrando outros impostos.
A fronda dos americanos foi uma revolução, como eles chamam, mas com isso criaram a primeira democracia moderna da história, e que se mantém até hoje com a mesma constituição original e algumas poucas emendas.
Por favor, não comparem com as nossas sete cartas constitucionais -- e dois ou três grandes remendos no curso de nossa história conturbada -- e as dezenas e dezenas, talvez já 80, emendas e de emendinhas. Tem uma até que regula trabalho de domésticas: alguma outra constituição abriga uma excrescência desse tipo? Nada aqui contra trabalhadores domésticos, mas não creio que isso deva figurar numa constituição.
Enfim, os nossos barões, que também são extorquidos pelos príncipes que nos governam não parecem ter muita disposição para mudar o cenário, menos ainda para decapitar um ou outro daqueles. Talvez quando a carga fiscal passar de 40% -- o que significa duas derramas, de um quinto cada, contra as quais se revoltou Tiradentes e outros intelectuais -- eles resolvam fazer a fronda. Posso explicar como fazer, se for preciso alguma assessoria técnica...
Por enquanto fiquem com este resumo do documento no site do National Archives and Records Administration, que tem uma cópia em sua sede de Washington.
Na postagem é possível acessar um texto em inglês modernizado desse documento essencial do itinerário democrático que começou 800 anos atrás.
Paulo Roberto de Almeida

The Magna Carta

Magna Carta, 1297:   Widely viewed as one of the most important legal documents in the history of democracy. On display in the new David M. Rubenstein Gallery. Presented courtesy of David M. Rubenstein.
Magna Carta
"The democratic aspiration is no mere recent phase in human history . . . It was written in Magna Carta."
--Franklin Delano Roosevelt, 1941 Inaugural address
On June 15, 1215, in a field at Runnymede, King John affixed his seal to Magna Carta. Confronted by 40 rebellious barons, he consented to their demands in order to avert civil war. Just 10 weeks later, Pope Innocent III nullified the agreement, and England plunged into internal war.
Although Magna Carta failed to resolve the conflict between King John and his barons, it was reissued several times after his death. On display at the National Archives, courtesy of David M. Rubenstein, is one of four surviving originals of the 1297 Magna Carta. This version was entered into the official Statute Rolls of England.
Enduring Principles of Liberty
Magna Carta was written by a group of 13th-century barons to protect their rights and property against a tyrannical king. It is concerned with many practical matters and specific grievances relevant to the feudal system under which they lived. The interests of the common man were hardly apparent in the minds of the men who brokered the agreement. But there are two principles expressed in Magna Carta that resonate to this day:
"No freeman shall be taken, imprisoned, disseised, outlawed, banished, or in any way destroyed, nor will We proceed against or prosecute him, except by the lawful judgment of his peers or by the law of the land."
"To no one will We sell, to no one will We deny or delay, right or justice."
Inspiration for Americans
During the American Revolution, Magna Carta served to inspire and justify action in liberty’s defense. The colonists believed they were entitled to the same rights as Englishmen, rights guaranteed in Magna Carta. They embedded those rights into the laws of their states and later into the Constitution and Bill of Rights.
The Fifth Amendment to the Constitution ("no person shall . . . be deprived of life, liberty, or property, without due process of law.") is a direct descendent of Magna Carta's guarantee of proceedings according to the "law of the land."


More Magna Carta Resources
You can read a translation of the 1297 version of Magna Carta, which was issued as part of Edward I's Confirmation of the Charters.
"Magna Carta and Its American Legacy" provides a more in-depth look at the history of Magna Carta and the influence it had on American constitutionalism.
You can also view a larger image of the Magna Carta.