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domingo, 29 de setembro de 2019

Lacerda, do comunismo ao anticomunismo e fraco inspirador da atual direita - livro de Lucas Berlanza

Certas coisas não merecem ser retiradas do túmulo, pois não há correspondência entre os tempos do lacerdismo, contaminados pelo varguismo-desenvolvimentismo, e os tempos atuais, deformados pelo lulopetismo e capturados pelo olavo-bolsonarismo, uma contrafação do pensamento conservador.
Na verdade, os representantes atuais dessas correntes não possuem condições de propor qualquer programa racional de governo, pois uma está dominada por um mafioso encarcerado, a outra por um capitão desmiolado.
Lacerda seria alguém muito sofisticado para inspirar os ignaros rústicos da atualidade.
Louvo o cuidado de Lucas Berlanza em resgatar a grande contribuição de Carlos Lacerda para a política prática no Brasil – embora com restrições para com sua atitude realmente golpista em diversas oportunidades do esterilizante debate udenismo-pessedismo na República de 1946 –, mas não acredito que sua figura ou seus trabalhos possa fornecer a base para uma revitalização da UDN no momento presente. 
Como dizia Roberto Campos, a UDN era um partido burro formado por homens inteligentes, e ele estendia essa "reflexão" ao Itamaraty igualmente. Em outros termos, mentes brilhantes podem ter frequentado tanto o partido quanto a Casa de Rio Branco, mas a ação coletiva deixava muito a desejar. 
Paulo Roberto de Almeida

Livro busca reabilitar Lacerda, o Corvo, como padrinho da nova direita



A história não foi simpática com Carlos Lacerda (1914-1977).
Um dos grandes oradores do sua época, ficou marcado como o algoz de Getúlio Vargas. Houve um tempo em que lacerdismo, ou udenismo (de UDN, seu partido) eram quase palavrões.
Foi chamado de “Corvo”, apelido que pegou e o perseguiu até a morte. Político sagaz até a meia-idade, terminou a vida marcado como ingênuo, por ter acreditado que o golpe de 1964 seria apenas uma ponte para sua chegada ao Palácio do Planalto.
Num lance de desespero, teve de se humilhar ao formar uma quixotesca frente opositora com antigos adversários, como João Goulart e Juscelino Kubitschek. Fracassou.
Mas é possível ver Lacerda de outro ângulo. Por vias tortas, sua trajetória antecipou grande parte dos movimentos de direita que vemos neste início de século 21.
A retórica afiada antecipou a dos polemistas das redes sociais. A defesa de limites ao tamanho do Estado influencia a nova geração de liberais.
Mesmo sua conversão, de comunista militante para anticomunista ferrenho, é a mesma de diversos pensadores da direita atual.
Há um certo movimento de resgate da figura do jornalista e político, que atingiu o ápice quando governou o antigo estado da Guanabara (1960-65).
Em agosto, um encontro em Campinas (SP) aprovou a recriação da UDN (União Democrática Nacional), com loas a Lacerda. O partido, extinto em 1965 pela ditadura, ainda espera homologação do TSE para ser refundado.
Também está sendo lançado um novo livro sobre o tema. “Lacerda, a Virtude da Polêmica” (editora LVM), do jornalista Lucas Berlanza, é menos uma biografia clássica e mais um longo ensaio analítico sobre discursos e textos do personagem.
Berlanza não esconde admiração por Lacerda e busca, num livro denso e de rica pesquisa, contribuir para o resgate de sua imagem. Logo no início qualifica seu biografado como um “personagem incompreendido e injustiçado por contrariar os interesses de demagogos”.
“É um ícone do conservadorismo e do liberalismo no Brasil”, afirma o autor, que lamenta o fato de que “muitos porta-vozes da direita moderna parecem ter extremo pudor em assumir qualquer inspiração nele”.
Muito antes de Jair Bolsonaro fazer campanha prometendo unir o conservadorismo de costumes e o liberalismo econômico, Lacerda já percebia que esse era o caminho para a direita chegar ao poder e evitar a ascensão comunista. Defendia “preservar a ordem como único meio de salvar a liberdade”.
Pregou durante décadas a primazia da iniciativa privada e a desburocratização, e insurgiu-se como poucos contra o desenvolvimentismo de JK e suas políticas inflacionárias.
Foi um crítico da construção de Brasília, embora tenha recolhido sua artilharia quando viu que a empolgação na sociedade com a nova capital era uma onda irrefreável.
Mas foi no antiesquerdismo e suas inúmeras variações (varguismo, janguismo, sindicalismo) que Lacerda construiu sua reputação.
Abrigado no jornal “Tribuna da Imprensa”, seu texto era “cruento e satiricamente irresistível, usando e abusando de apelidos, invectivas pungentes, acusações e analogias das mais criativas”, como define Berlanza.
Num país carente de figuras de proa do conservadorismo (em oposição à abundância de “pais dos pobres”), é inevitável que Lacerda se destaque.
Mas há um obstáculo incontornável na tentativa de reabilitar a figura de Lacerda como uma espécie de godfather da nova direita: seu desapreço pela via democrática e seus constantes flertes com o golpismo. E Lacerda foi um golpista de mão cheia.
Um parágrafo que escreveu em 1950, por ocasião da eleição que trouxe Vargas de volta ao poder, até hoje é uma espécie de padrão-ouro da defesa da ruptura da legalidade:
“O sr. Getúlio Vargas não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.
Nunca, nem antes nem depois, algo parecido foi dito, embora Berlanza tente suavizar um pouco a declaração argumentando que era uma espécie de apelo contra a volta ao poder de um ex-ditador.
Cinco anos depois, ele voltou à carga, tentando impedir a posse de JK na Presidência e Jango na Vice, recém-eleitos pelo voto popular. “Esses homens não podem tomar posse, não devem tomar posse, não tomarão posse”, afirmou.
É justo, porém, que uma figura da importância histórica de Lacerda não seja reduzida à de alguém que passou a vida tramando contra adversários, algo que o livro faz muito bem.
E é inevitável não sentir uma certa melancolia com o fim de um político que poderia ter contribuído com o debate ideológico brasileiro muito mais do que conseguiu.
Preso pelo AI-5, ele fez greve de fome e escreveu uma tentativa de carta-testamento, talvez inspirado, ironicamente, pelo próprio Vargas que tanto combateu.
“Os heróis de fancaria vão ver como luta e morre, sozinho e desarmado, um brasileiro que ama a pátria, mas a pátria livre. Se isto acontecer, malditos sejam pra sempre os ladrões do voto do povo, os assassinos da liberdade”, disse.
Mas, diferente de seu arqui-inimigo, ele não saiu da vida para entrar na história. Morreria nove anos depois, uma pálida sombra do tribuno de outrora.

domingo, 2 de junho de 2019

A Constituição contra o Brasil: artigos de Roberto Campos - Paulo Roberto de Almeida, resenha de Lucas Berlanza

Uma resenha de meu livro em torno dos artigos de Roberto Campos sobre a Constituição de 1988:

“A Constituição contra o Brasil”: uma nova forma de ler Roberto Campos

Nunca existirá livro mais indispensável para conhecer o icônico liberal brasileiro Roberto Campos que seu grande trabalho de memórias e reflexões A Lanterna na Popa. É provavelmente impossível. No entanto, a obra organizada pelo também diplomata Paulo Roberto de Almeida e lançada pela LVM Editora, A Constituição contra o Brasil – Ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988, é uma adição oportuníssima à bibliografia existente sobre esse mordaz e lúcido mato-grossense.
Os conceitos aqui abordados não são inéditos. Os principais, que se repetem em diversos textos desta coletânea, estão expostos no segundo volume de A Lanterna, em versão bastante mais resumida. No entanto, é uma experiência insubstituível deliciar-se com a sequência de 65 artigos de Roberto Campos – sendo um deles, As falsas soluções e as seis liberdades, não um artigo, mas o texto integral de seu famoso discurso de abertura do mandato no Senado Federal em 1990 -, organizados em ordem cronológica, todos eles escritos durante e depois da feitura do texto que hoje oferece as diretrizes fundamentais da lei brasileira.
Em A Lanterna, o leitor vê a descrição do próprio Roberto Campos de seus atos e reflexões. Em A Constituição contra o Brasil, esse mesmo leitor tem a ímpar oportunidade de visualizá-lo em ação, acompanhar o desenvolvimento, a progressão de suas irritações, de seu inconformismo, de suas investidas espirituosas e acidamente divertidas contra os seus contemporâneos constituintes de 88 e tudo aquilo que se entronizou na “Carta Magna” de dirigista e delirante, consagrando a mentalidade demagógica e estatizante da Nova República.
Os artigos são precedidos e sucedidos por trabalhos da lavra do próprio Paulo Roberto de Almeida. O primeiro, Roberto Campos e a trajetória constitucional brasileira, é uma competente contextualização dos ensaios de Campos, procurando situá-los em sua época e nos eventos que se passavam. O segundo, concluindo o livro, intitulado A Constituição contra o Brasil: uma análise de seus dispositivos econômicos, é uma reflexão de Almeida sobre os aspectos esquizofrênicos da Constituição no campo econômico e suas consequências, palpavelmente sentidas nos anos que sucederam sua elaboração.
Há muitas passagens de interesse e curiosidade histórica, como aquela em que Roberto Campos afirma que Paulo Rabello de Castro e Paulo Guedes seriam nomes de uma “brilhante e jovem geração emergente” que “corrigiriam o sinistro legado do PMDB: perda de credibilidade externa e incredulidade interna”. Duas coisas Campos não pôde prever: que ao desafio do legado peemedebista se somaria o legado medonho do PT e que Paulo Rabello, na hora de dar testemunho de suas ideias, seria tão decepcionante. De Paulo Guedes, escolhido para o ministério do presidente eleito Jair Bolsonaro, o futuro há de dizer se poderá provar que o velho Campos não estava totalmente errado em seu prognóstico.
Aparece aqui ainda certa convicção em uma espécie de fatalismo da ampla concretização das economias de mercado que talvez sofresse alguma dose de decepção, tivesse Campos vivido mais um pouco. De todo modo, aqui e acolá, o leitor garimpará alguns tesouros e algumas informações que permitem traçar um quadro mais preciso das ideias com que o mato-grossense chegou a simpatizar: veem-se vários elogios aos economistas da Escola Austríaca, especialmente Mises e Hayek, resgatados com sucesso nos últimos anos para o público brasileiro; um aceno simpático à demarquia, sistema político proposto por Hayek e advogado no Brasil pelo empresário Henry Maksoud; um elogio ao então deputado Flávio Rocha e ao economista Marcos Cintra pela proposta de simplificação tributária; ataques certeiros ao imposto sindical e até a leitura de que, se não permite violências do Estado, a Nova República já vinha sendo marcada pelo aumento alarmante da violência geral e dos crimes comuns.
Tem lugar ainda nos artigos sua crítica ao sistema presidencialista, uma “semi-ditadura temporária” que fracassou no Brasil, com alguma menção esporádica a seu projeto de semipresidencialismo ou presidencialismo parlamentar, além de sua defesa do voto distrital misto, da limitação do acesso dos partidos à representação no Parlamento e da exigência de fidelidade partidária. Isso decorre em parte de sua visão do sistema da Constituição de 1988 como um sistema “promiscuísta”, em que os poderes se invadem em suas prerrogativas e perdem sua eficácia na contenção de crises, favorecendo a emergência de impasses institucionais, bem como de sua desaprovação ao que chamou de “multipartidarismo caótico”, que leva à fragmentação e ao nosso tão famoso presidencialismo de coalizão.
Transparece ainda sua admiração pelo primeiro presidente militar, Castelo Branco, de quem foi ministro, e sua concepção de que a certeza de que uma nova Constituição inteiramente formada pelos parlamentares constituintes seria o único caminho para o Brasil era uma doença, apelidada de “constitucionalite”, acometendo políticos com delírios de grandeza e dispostos a “brincar de Deus”. Para Roberto Campos, melhor teria sido modificar a Constituição do regime militar, que já contava com muitas virtudes desobedecidas pelos próprios militares e seu “Poder Revolucionário Constituinte”, como a sua “severidade antiinflacionária”. Em vez disso, a Nova República preferiu consagrar um texto inteiramente novo, criado sob o influxo das circunstâncias políticas e que teve a desgraça de surgir logo antes da queda do muro de Berlim, inspirado na anacrônica e esquerdizante Constituição portuguesa da Revolução dos Cravos.
Roberto Campos diagnostica nos seus artigos uma inumerável coleção de patologias “nacionalisteiras” e estrovengas paquidérmicas que o Brasil abraçou ao, no momento de sua transição para uma abertura política, menosprezar a necessidade ainda mais urgente de uma abertura econômica, que inserisse o país definitivamente no moderno capitalismo. Seu apelo, posto que lamentavelmente ainda atual e vivo como nunca, precisa ser replicado e resgatado, para que possamos o quanto antes dizer que seus artigos já são “apenas” peças primorosas da História.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Resenha do livro "O Evangelho do Barão" de Luis Claudio Villafane G. Santos - Lucas Berlanza

Artigos

“O evangelho do Barão”: um reencontro entre Rio Branco e o Brasil


Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

Quando as referências escasseiam, toda iniciativa de resgate dos grandes é motivo de júbilo. Em especial quando se trata da diplomacia e das relações internacionais – expediente fundamental no esforço de tornar o mais harmonioso possível o contato entre as diferentes nações, reduzindo o recurso ao arbítrio e à força bruta, invariavelmente desinteressante, mesmo quando inevitável, aos indivíduos e sua busca pela prosperidade. Estamos tentando sair de uma fase de amarga prostituição de nosso Itamaraty a interesses e projetos menos felizes, mas já fomos exemplo nessa seara, e o ícone desse prestígio é José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), o Barão do Rio Branco.
Lançamento de 2012, O evangelho do barão – Rio Branco e a identidade brasileira é um pequeno estudo de autoria do diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos, pesquisador ligado ao Instituto Rio Branco. Em vez de uma biografia dessa notável personalidade brasileira, o autor procura fazer de sua obra uma análise de seu impacto na construção de uma identidade nacional e estudar as razões pelas quais ele se tornou uma inspiração para toda a nossa diplomacia – a ponto de sua vida e obra serem chamadas de “evangelho” desde o título.
“O Barão segue como uma referência, ainda que já passível de revisão, na discussão dos rumos da política externa brasileira. Trata-se de um caso paradigmático de consolidação de uma doutrina para as relações exteriores de um país, observada – e até reverenciada – por tão longo tempo”, comenta o autor. A grande chave para entender Rio Branco, porém, é sua inspiração na monarquia – não por acaso manteve, em pleno período republicano, a designação associada a um título de nobreza, tendo estado à frente do Ministério das Relações Exteriores entre 1902 e 1912, sob quatro diferentes presidentes.
 
Os ideais de Rio Branco
Rio Branco era fundamentalmente um saquarema (alinhado ao Partido Conservador monárquico), simpático aos anos de maior estabilidade do Império, sob D. Pedro II. “As descontinuidades na condução da política exterior” entre Império e República “podem ser, e o são rotineiramente, embaçadas ou mesmo ocultadas”, mas a “sensação de permanência”, comenta o autor, “tem também bastante de construção ideológica. (…) Ao recuperar muitas das doutrinas do período monárquico, ou ocultar as rupturas em outros casos, o Barão soube incorporar em sua ideia de Brasil um importante patrimônio e o grande investimento que havia sido feito durante os anos do Império na construção de uma identidade coletiva política e socialmente operacional”.
Rio Branco teria sido importante na superação da crise simbólica de legitimidade do Estado brasileiro, equacionando-a com a consolidação de uma autoimagem calcada no caráter de um Estado nacional pacífico, não intervencionista e seguro dentro de fronteiras bem definidas. “O ideal da ‘conciliação’ e da criação de consensos, que marcou o apogeu do Segundo Reinado”, sob a hegemonia saquarema e a ordem do gabinete do Marquês do Paraná, “voltou a ser um ponto central do discurso que permeou a estabilização da nova ordem oligárquica que caracterizou a República Velha. O sucesso alcançado pelo Barão do Rio Branco na criação de uma visão percebida como consensual na condução das relações internacionais seria, inclusive, mais duradouro e se projetaria por muitas décadas depois de seu desaparecimento físico”.
Após longa análise do histórico imperial e do começo da República Velha no campo da diplomacia, Luís Cláudio insere o Barão e sua trajetória de esforços para, embora mais próximo à elite saquarema que ao grupo que a contestava, conseguir uma posição de proeminência dentro do Império, o que estaria prestes a alcançar quando, para sua infelicidade, veio a República. O texto então oferece um retrato muito curioso da transição de regime, com os gestos de força do governo Floriano Peixoto e a situação degradante do período conhecido como República da Espada, com destaque para a reação dos monarquistas inconformados, compreendidas aí as queixas de figuras como Joaquim Nabuco e Eduardo Prado.

As realizações de Rio Branco
Avalia também de que forma, ao ingressar ao governo, Rio Branco lidou com a desconfiança, de um lado, dos republicanos radicais com seu monarquismo, e de outro, com a pressão de monarquistas que viram nisso um ato de traição. “Em tese, independente de afiliação partidária, todos podem concordar com o objetivo de definir e assegurar as fronteiras, ou mesmo de conseguir ganhos territoriais. Em termos simbólicos, as fronteiras demarcam também a alteridade, o ‘outro’ em relação ao qual se constrói a identidade nacional. A questão da unidade e grandeza do território era um tema que vinha sendo explorado desde a independência como base do discurso sobre a identidade brasileira. E nesse campo, com as vitórias nas questões de Palmas e do Amapá, Paranhos Júnior já havia acumulado um capital político insuperável”, sendo alçado ao posto máximo da diplomacia. Não que o Barão não desse motivos para irritar os radicais: o autor comenta que ele apagava expressões de teor positivista dos documentos, irritando os adeptos da autoritária ideologia comteana que teve tanta relevância na República.
Villafañe relaciona também, é claro, as realizações práticas de Rio Branco, como os esforços, ao lado do liberal republicano parlamentarista gaúcho Assis Brasil, pela resolução da questão acreana em defesa dos brasileiros do Acre contra as autoridades bolivianas; a priorização das relações com os Estados Unidos, protetores da América diante do imperialismo efetivo das nações europeias, que entornaria na Primeira Guerra Mundial, apesar de as simpatias históricas e estéticas de Rio Branco e Nabuco serem francamente mais europeias, denotando seu senso absoluto de pragmatismo e interesse brasileiro; e a conclusão da definição das fronteiras com os países latino-americanos. É ainda explicada a brilhante performance de Rui Barbosa na Conferência de Haia, sob a autoridade do Barão. A ênfase, no entanto, é no aspecto simbólico e no peso de Rio Branco e suas políticas para uma ideia de Brasil.

Rio Branco e a ideia de Brasil
Um dos aspectos simbólicos que o autor ressalta é o enaltecimento da relação pacífica e da sobriedade institucional do Brasil da República Oligárquica, não mais em contraste com o Império, mas em contraste com a barbárie militarista da República da Espada. Rio Branco passa a valorizar dessa forma uma relação de continuidade com o Império. Sabemos perfeitamente que há muito pouco a aplaudir na República dos coronéis, bacharéis e fazendeiros, porém as vantagens na comparação direta com Deodoro e Floriano são notáveis e permitiram que Rio Branco fizesse seu trabalho. Chegou ao cargo, aliás, por decisão de Rodrigues Alves, também oriundo da elite imperial e um dos nossos melhores presidentes, que recusou, em nome da não-intervenção econômica, ratificar a Convenção de Taubaté.
Curiosamente, chama a atenção o momento em que o autor descreve um conjunto de vitrais inaugurados entre 1949 e 1950 na Washington National Cathedral representando os principais aliados dos EUA na política externa: a Inglaterra, o Canadá e a América Latina – e representando esta última estão dois líderes de movimentos de independência, Simón Bolívar e San Martín, e o brasileiro Barão do Rio Branco (!!). Representar o Brasil com a imagem de um diplomata e não de um príncipe ou soldado dá ideia da importância desse personagem.
Ainda sobre a questão simbólica e identitária brasileira, para Luís Cláudio, o legado da monarquia brasileira em termos de construção dessa identidade não é pequeno, porque ela “conseguiu substituir os laços diretos das províncias com a antiga metrópole pela referência ao Rio de Janeiro. Ela foi responsável pela propagação de um sentimento de patriotismo que superou a lealdade às ‘pequenas pátrias’ locais e regionais em prol da ideia de uma pátria que abrangesse a totalidade do território da antiga colônia.” A escravidão, porém, impedia que se entronizasse, no tecido social, a ideia efetiva de uma nação, calcada em “laços horizontais” entre os brasileiros. “O desenvolvimento de um sentimento nacional brasileiro, como apego à comunidade imaginada” mais do que a um simbolismo dinástico da Família Imperial e da Coroa, foi um projeto que amadureceu depois do golpe militar republicano, apesar da “vaga de patriotismo” verificada em ocasiões como a Guerra do Paraguai.
Tal “consolidação do sentimento nacional” nas bases modernas, particularmente viabilizadas pelos meios de comunicação de massa e o compartilhamento de notícias, permitindo a formação de uma maior “consciência comum”, “foi tarefa da República, e a definição da política externa republicana influiu na construção da identidade do país, o que se traduziu na fixação do Barão como um dos ‘pais fundadores’ do nacionalismo brasileiro, quase um século após a independência. A atuação de Juca Paranhos e a recuperação do mito fundador das fronteiras naturais predefinidas, preservadas pela colonização portuguesa, fecharam as portas de um discurso ideológico fundamental na consolidação do nacionalismo brasileiro”, de maneira que o Barão “passou a simbolizar uma grandeza territorial com a qual todos podiam concordar, acima de classes ou partidos”. Ligou-se, em sua retórica e realizações, a um projeto que, desde José Bonifácio, defende a concepção de uma única nação integrando a antiga América portuguesa.
O legado do Barão
Contemplar a representatividade de Rio Branco é contemplar, sim, a ideia de um Brasil calcado na pretensão de ser o “gigante”, o “colosso”, e simbolicamente ancorado na aspiração de um destino glorioso para essa monumental grandeza territorial. Porém, para aqueles a quem tal ideia soar ufanista e “geográfica” demais, pode ser também contemplar o valor da personalidade humana, fortalecendo um referencial mais pacífico de posicionamento no mundo e internamente, rechaçando as perseguições e convulsões autoritárias da República da Espada em prol de uma proposta de cosmopolitismo saudável e investimento nas negociações para resolução dos conflitos internacionais.
Seu resgate é antídoto, acima de tudo – e isto dizemos à revelia de qual seja a posição política efetiva do autor do livro, que desconhecemos completamente –, para asneiras regionalistas totalitárias que suplantem o interesse dos brasileiros, como nacionalidade e como indivíduos, em favor de interesses alheios aos seus, tal como se fez na última quadra histórica, e ainda há em nosso seio quem intente fazer.

sábado, 14 de março de 2015

O lugar dos partidos nas manifestações - Lucas Berlanza


O lugar dos partidos nas manifestações
Lucas  Berlanza
Instituto Liberal (via Blog Libertatum, em 14/03/2015)

À medida que as aguardadas manifestações do dia 15 de março vão ficando mais próximas, os diferentes grupos de interesse prestam maior atenção aos movimentos que as organizam e compreendem a dimensão que elas podem atingir. A preocupação prévia do Planalto com a articulação dos protestos e a queda retumbante de popularidade da presidente apenas jogam tempero nesse cenário. Diante desse desenho, e do fato de a palavra “impeachment” estar presente como nunca antes, desde Collor, no dia-a-dia nacional, os partidos começam a acordar para a realidade.
Um tanto tarde. Quem mobiliza e desperta consciências para a necessidade de uma oposição legítima – não limitada a uma disputa rasteira por cargos, mas disposta a um verdadeiro confronto de princípios e projetos de país, o que não é para covardes hesitantes – são movimentos sociais, como o Movimento Brasil Livre, que recentemente entrevistamos para este blog, e que demonstram a origem espontânea de sua articulação, sem o incentivo direto ou o investimento de legendas ou de “medalhões” da política brasileira. As manifestações de 15 de março são obra desses movimentos, convidando abertamente a todos os cidadãos. Têm bandeira: a do Brasil. Isso quer dizer que são apartidárias, e assim deveriam permanecer, para que sejam capazes de passar o melhor recado à sociedade, bem como por uma questão de justiça com aqueles que de fato tiveram a iniciativa e as organizaram.
Nesta quarta-feira, o maior partido de oposição, o PSDB, divulgou nota oficial em que declara apoio aos eventos que prometem levar multidões pelas ruas de vários estados, apontando-os como “manifestações de indignação dos brasileiros diante da flagrante degradação moral e do desastre econômico-social promovidos pelo governo Dilma Rousseff”. Os tucanos sustentaram o princípio da liberdade de expressão, alfinetando os arroubos autoritários do petismo, e anunciaram que participarão dos aglomerados “através de seu militantes, simpatizantes e várias de suas lideranças”. Essa declaração acontece pouco depois de Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do país e grande símbolo “humano” do partido, ter dito que “não adianta nada tirar Dilma”, e Aloysio Nunes, que até então vinha demonstrando um espírito combativo incomum para os companheiros de tucanismo, dizer que não quer impeachment, pois prefere “ver a Dilma sangrar” – o que enxergamos como uma afirmação lamentável, afinal a sangria prolongada da presidente representa a continuidade do sofrimento atroz do povo brasileiro, diante da crise instalada. Ora, exigir o impeachment – ou a renúncia – de Dilma é o principal clamor dos manifestantes, conquanto não seja o único, já que a indignação é bastante mais geral e abrangente. Posicionamento similar foi adotado em 2005, diante do falso “herói popular dos trabalhadores” Lula da Silva – que na verdade se orgulha de não gostar de ler e nunca foi lá muito chegado a trabalho -, quando o PSDB preferiu vê-lo “sangrar”. Quem sangra hoje, depois do maior escândalo de corrupção da história das Repúblicas, é o Brasil. O apoio tímido e tardio do PSDB, que não pode ser meramente reprovado pelos amantes da democracia, também não pode ser aproveitado de maneira oportunista pelas lideranças tucanas. Escrevemos na intenção de fazer um apelo, defendendo um ponto de vista que acreditamos prudente: bandeiras, símbolos e slogans, apenas aqueles que são genericamente de interesse nacional.  Nada de propaganda partidária.
Não somos contra manifestações de partidos, de maneira nenhuma; apenas não é o propósito. Sabemos que o MBL não é tucano, o povo que vai às ruas não é necessariamente tucano, esta não é uma manifestação do PSDB. Isto é o que deve ficar claro – e, felizmente, a julgar pelas declarações dos políticos do partido, eles também compreendem essa realidade.
Por outro lado, caso ações efetivas contra o governo possam se concretizar, no âmbito de processos políticos, em especial o impeachment, podemos prever que a anuência de partidos e representantes políticos formais se fará necessária. Não será o caso, então, de encarar os fatos com ingenuidade; não precisamos louvar ou apreciar as lideranças que possivelmente estiverem então fazendo acontecer, mas devemos entender que os limites pragmáticos nos impõem a aceitação dos trâmites institucionais democráticos, tal como funcionam. Os diferentes podem agir conjuntamente, se tiverem um propósito em comum.
A surpresa da semana é que quem toma iniciativas concretas, no momento, não é o PSDB; o Partido Solidariedade, presidido por Paulinho da Força, foi o primeiro a formalizar uma campanha oficial pelo impeachment. O partido alega estar há alguns meses buscando pareceres jurídicos que embasem a ousada decisão, como o do renomado Ives Gandra Martins, e pretende promover uma coleta de assinaturas favoráveis. Além disso, o que é mais importante, a coluna de Reinaldo Azevedo na Veja informa que o Solidariedade está em diálogo a respeito dessa possibilidade com o bloco de partidos que se uniram a ele para a eleição da Câmara, especialmente os nada desprezíveis PSB, PPS e PV. AFolha de São Paulo acrescenta que Paulinho já teria conversado sobre essa intenção com Eduardo Cunha, presidente da Câmara, visivelmente descontente com o relacionamento com o Planalto. Para tomar medidas concretas, precisamos de agentes concretos. Para os fatos que podem estar por vir, os partidos e representantes terão seu lugar. No domingo, porém, que esse lugar seja dimensionado, restrito aos seus méritos e à sua conveniência. Que os que assim desejam, não marchem como militantes de alguma sigla; marchem tão somente  – o que já é muito – como patriotas.
Sobre o autor
Acadêmico de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na UFRJ, e colunista do Instituto Liberal. Estagiou por dois anos na assessoria de imprensa da AGETRANSP-RJ. Sambista, escreveu sobre o Carnaval carioca para uma revista de cultura e entretenimento. Participante convidado ocasional de programas na Rádio Rio de Janeiro.
Matéria extraída do website do Instituto Liberal