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domingo, 2 de junho de 2019

A Constituição contra o Brasil: artigos de Roberto Campos - Paulo Roberto de Almeida, resenha de Lucas Berlanza

Uma resenha de meu livro em torno dos artigos de Roberto Campos sobre a Constituição de 1988:

“A Constituição contra o Brasil”: uma nova forma de ler Roberto Campos

Nunca existirá livro mais indispensável para conhecer o icônico liberal brasileiro Roberto Campos que seu grande trabalho de memórias e reflexões A Lanterna na Popa. É provavelmente impossível. No entanto, a obra organizada pelo também diplomata Paulo Roberto de Almeida e lançada pela LVM Editora, A Constituição contra o Brasil – Ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988, é uma adição oportuníssima à bibliografia existente sobre esse mordaz e lúcido mato-grossense.
Os conceitos aqui abordados não são inéditos. Os principais, que se repetem em diversos textos desta coletânea, estão expostos no segundo volume de A Lanterna, em versão bastante mais resumida. No entanto, é uma experiência insubstituível deliciar-se com a sequência de 65 artigos de Roberto Campos – sendo um deles, As falsas soluções e as seis liberdades, não um artigo, mas o texto integral de seu famoso discurso de abertura do mandato no Senado Federal em 1990 -, organizados em ordem cronológica, todos eles escritos durante e depois da feitura do texto que hoje oferece as diretrizes fundamentais da lei brasileira.
Em A Lanterna, o leitor vê a descrição do próprio Roberto Campos de seus atos e reflexões. Em A Constituição contra o Brasil, esse mesmo leitor tem a ímpar oportunidade de visualizá-lo em ação, acompanhar o desenvolvimento, a progressão de suas irritações, de seu inconformismo, de suas investidas espirituosas e acidamente divertidas contra os seus contemporâneos constituintes de 88 e tudo aquilo que se entronizou na “Carta Magna” de dirigista e delirante, consagrando a mentalidade demagógica e estatizante da Nova República.
Os artigos são precedidos e sucedidos por trabalhos da lavra do próprio Paulo Roberto de Almeida. O primeiro, Roberto Campos e a trajetória constitucional brasileira, é uma competente contextualização dos ensaios de Campos, procurando situá-los em sua época e nos eventos que se passavam. O segundo, concluindo o livro, intitulado A Constituição contra o Brasil: uma análise de seus dispositivos econômicos, é uma reflexão de Almeida sobre os aspectos esquizofrênicos da Constituição no campo econômico e suas consequências, palpavelmente sentidas nos anos que sucederam sua elaboração.
Há muitas passagens de interesse e curiosidade histórica, como aquela em que Roberto Campos afirma que Paulo Rabello de Castro e Paulo Guedes seriam nomes de uma “brilhante e jovem geração emergente” que “corrigiriam o sinistro legado do PMDB: perda de credibilidade externa e incredulidade interna”. Duas coisas Campos não pôde prever: que ao desafio do legado peemedebista se somaria o legado medonho do PT e que Paulo Rabello, na hora de dar testemunho de suas ideias, seria tão decepcionante. De Paulo Guedes, escolhido para o ministério do presidente eleito Jair Bolsonaro, o futuro há de dizer se poderá provar que o velho Campos não estava totalmente errado em seu prognóstico.
Aparece aqui ainda certa convicção em uma espécie de fatalismo da ampla concretização das economias de mercado que talvez sofresse alguma dose de decepção, tivesse Campos vivido mais um pouco. De todo modo, aqui e acolá, o leitor garimpará alguns tesouros e algumas informações que permitem traçar um quadro mais preciso das ideias com que o mato-grossense chegou a simpatizar: veem-se vários elogios aos economistas da Escola Austríaca, especialmente Mises e Hayek, resgatados com sucesso nos últimos anos para o público brasileiro; um aceno simpático à demarquia, sistema político proposto por Hayek e advogado no Brasil pelo empresário Henry Maksoud; um elogio ao então deputado Flávio Rocha e ao economista Marcos Cintra pela proposta de simplificação tributária; ataques certeiros ao imposto sindical e até a leitura de que, se não permite violências do Estado, a Nova República já vinha sendo marcada pelo aumento alarmante da violência geral e dos crimes comuns.
Tem lugar ainda nos artigos sua crítica ao sistema presidencialista, uma “semi-ditadura temporária” que fracassou no Brasil, com alguma menção esporádica a seu projeto de semipresidencialismo ou presidencialismo parlamentar, além de sua defesa do voto distrital misto, da limitação do acesso dos partidos à representação no Parlamento e da exigência de fidelidade partidária. Isso decorre em parte de sua visão do sistema da Constituição de 1988 como um sistema “promiscuísta”, em que os poderes se invadem em suas prerrogativas e perdem sua eficácia na contenção de crises, favorecendo a emergência de impasses institucionais, bem como de sua desaprovação ao que chamou de “multipartidarismo caótico”, que leva à fragmentação e ao nosso tão famoso presidencialismo de coalizão.
Transparece ainda sua admiração pelo primeiro presidente militar, Castelo Branco, de quem foi ministro, e sua concepção de que a certeza de que uma nova Constituição inteiramente formada pelos parlamentares constituintes seria o único caminho para o Brasil era uma doença, apelidada de “constitucionalite”, acometendo políticos com delírios de grandeza e dispostos a “brincar de Deus”. Para Roberto Campos, melhor teria sido modificar a Constituição do regime militar, que já contava com muitas virtudes desobedecidas pelos próprios militares e seu “Poder Revolucionário Constituinte”, como a sua “severidade antiinflacionária”. Em vez disso, a Nova República preferiu consagrar um texto inteiramente novo, criado sob o influxo das circunstâncias políticas e que teve a desgraça de surgir logo antes da queda do muro de Berlim, inspirado na anacrônica e esquerdizante Constituição portuguesa da Revolução dos Cravos.
Roberto Campos diagnostica nos seus artigos uma inumerável coleção de patologias “nacionalisteiras” e estrovengas paquidérmicas que o Brasil abraçou ao, no momento de sua transição para uma abertura política, menosprezar a necessidade ainda mais urgente de uma abertura econômica, que inserisse o país definitivamente no moderno capitalismo. Seu apelo, posto que lamentavelmente ainda atual e vivo como nunca, precisa ser replicado e resgatado, para que possamos o quanto antes dizer que seus artigos já são “apenas” peças primorosas da História.

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