GUERRA CIBERNÉTICA
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 11/06/2019
No século XXI, a tecnologia está definindo novas
formas de emprego bélico nas guerras tradicionais. A inteligência artificial
está abrindo espaço para armas e sistemas autônomos letais, robôs autônomos letais, ou ainda, robôs assassinos. Definidas como qualquer sistema de arma com autonomia em suas funções,
essas armas podem selecionar (isto é, procurar ou detectar, identificar,
rastrear, selecionar) e atacar (isto é, usar força bruta contra, causar dano ou
destruir) alvos, sem intervenção humana.
Em paralelo a esses desenvolvimentos tecnológicos - que terão impacto
na guerra como entendida até aqui - a
cibernética está inovando nas técnicas de enfrentamento sem o uso da força
convencional As ameaças globais nos dias de hoje estão se transformando
rapidamente: operações on line para influência e interferência em eleições,
armas de destruição em massa e sua proliferação, terrorismo,
contra-inteligência, e tecnologias
destrutivas, ameaças à competitividade econômica, espaço e armamento no espaço,
crime transnacional (armas e drogas), entre outras.
Na definição do teórico Clausewitz, “guerra é um ato de violência destinado a forçar o adversário a executar nossa
vontade”. A violência tem como objetivo controlar. O chinês Sun Tzu acrescenta
que “a maior proeza militar é vencer sem combater”: a astúcia e a manipulação
apresentam mais vantagens do que a agressividade para impor sua vontade sobre
os outros.
Já
chegamos a essa fase de sofisticação bélica. A guerra cibernética, definida com a utilização de meios numéricos para
desenvolver a função de controlar outros ou empresas, transforma radicalmente
os três componentes históricos da guerra: a espionagem, a sabotagem e a guerra
da informação, na linha observada por Sun Tzu.
Multiplicam-se informações sobre o uso da capacidade
cibernética – inclusive na espionagem, ataque e influência com o objetivo de
conseguir vantagem política, econômica e militar. Segundo se noticia, de um
lado a China, Rússia, Irã, Coreia do Norte, e de outro EUA, Israel, Reino Unido
e França, dispõem de meios cada vez mais sofisticados para obter informações de
governos e de empresas, para influir na vida das pessoas e destruir a
infraestrutura e objetivos estratégicos.
Na última
década esses países desenvolveram e experimentaram, com crescente capacitação,
técnicas para alterar informações e sistemas em outros países. Por anos,
conduziram espionagem cibernética para recolher inteligência e colocar em risco
a infraestrutura de outras nações. Mais recentemente, novos tipos de ataque
cibernético foram desenvolvidos e a mídia social passou a ser usada para
alterar o pensamento, o comportamento e as decisões, como ocorreu nas eleições
americanas pela ação da Cambridge Analytica-facebook. A medida em que bilhões de
novos instrumentos digitais são conectados e integrados na vida cotidiana e nos
negócios, competidores e adversários ganharão maior conhecimento para acesso às
informações protegidas pelos governos e empresas.
O mundo entrou em uma fase de guerra permanente: sem frente de batalha
e sem regras de engajamento. Em 2016, agentes de
inteligência da China conseguiram capturar instrumentos de espionagem da NSA e
os reposicionaram para atacar aliados dos EUA e empresas privadas da Europa e Ásia.
A guerra cibernética
se assemelha à guerra insurrecional, com a diferença de poder planejar e
executar a ação à distância, longe do inimigo. A utilização de algoritmos de
inteligência artificial multiplicará o impacto das ações e criará no adversário
novas vulnerabilidades. Será mais difícil a identificação de seus autores, pela
utilização dos robots para autorizar a difusão de falsas informações nas redes
sociais ou para a disponibilização com livre acesso de algoritmos permitindo
incluir pessoas em qualquer vídeo e de colocar em sua boca o que se deseje
que ele diga. É possível que já estejam acontecendo operações de espionagem cibernética, de
sabotagem ou de influência comandadas de maneira completamente autónoma,
necessitando apenas do sinal verde de alguém.
Essa nova forma de ver
as rivalidades e as estratégias adotadas pelas grandes potências globais está
tratada de forma simples e direta no recente livro “Cyber: a guerra
permanente”, de Jean Louis Gergorin e Leo-Isac-Dognin. O trabalho procura
responder como a emergência do instrumento cibernético se instalou no centro da Guerra permanente e
quais são as consequências dessa nova relação de forças.
O entendimento de que a tecnologia 5G possa ser explorada para
espionagem e sabotagem de instalações de infraestrutura, rede de comunicação e
centros financeiros passou a ser uma nova preocupação e está na raiz da
proibição da compra de produtos da Huawei para as redes 5G públicas ou privadas
nos EUA. A nova guerra fria entre os EUA e a China começou com o comércio, mas
deve se deslocar rapidamente para a tecnologia, onde a China dá mostras de
estar a frente de Washington nos avanços da aplicação da ultima geração 5G.
No
Brasil, nos últimos anos, instituições públicas e empresas tem sido objeto de
ataques por hackers e por organizações no exterior. Em 2013 Edward Snowden, ex-contratado da NSA, tornou públicos detalhes do
programa de espionagem da NSA, que espionava vários países,
inclusive o Brasil. A
vulnerabilidade do governo brasileiro foi admitida pelo então ministro da
defesa, como mencionei neste espaço em 2015 (Segurança Cibernética). Recentemente
o Itamaraty ficou paralisado por alguns dias, possivelmente depois de um ataque
cibernético. Espera-se que o Centro de Defesa Cibernética do Ministério da
Defesa tenha recursos adequados para desempenhar plenamente suas funções e
tentar proteger governo e empresas dessa nova forma de guerra que está ai para
ficar. O assunto é urgente.
Rubens Barbosa,
presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)
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