Como já escrevi sobre isso, corrigindo os erros mais perversos, volto a postar novamente um texto de 2010, quando a história circulava mais uma vez...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de junho de 2019
Shanghai, terça-feira, 21 de setembro de 2010
Pinochet foi, sim, o responsável por uma repressão sangrenta, e disso não deve caber a menor dúvida. Tudo isso num quadro de exacerbação das lutas políticas no Chile como raramente se viu na história daquele país. Já passou e a esquerda chilena também aprendeu, embora a um preço terrível.
Voltemos porém a Friedman: os boatos sobre suas ligações ou apoio à ditadura de Pinochet são a coisa mais sórdida que já vi na história das mistificações políticas fabricadas por certos comentaristas políticos sem nenhum caráter.
Friedman não tem nada a ver com a ditadura, nunca endossou ditaduras, jamais seria a favor de um ditador assassino como Pinochet, ou seja, ele não tem nada a ver, absolutamente, com o processo político chileno.
Todas essas alegações são divulgadas por pessoas de má fé, que não tem nada de mais inteligente a dizer sobre sua contribuição econômica -- que elas são incapazes de apreciar, e sequer de compreender -- e ficam se referindo, de modo fantástico, errado, mentiroso, a essa suposta ligação dele com a ditadura chilena.
A história é muito simples.
Depois de várias tentativas da equipe de Pinochet, a inflação não baixava, justamente, pois que ditadores trogloditas como Pinochet acreditavam que podiam comandar a economia como se comandam soldados, com ordens executivas e controles disciplinares.
Nada deu certo nos primeiros meses e anos da ditadura.
Alguns ex-alunos da universidade de Chicago chamaram Friedman para dar algumas palestras no Chile, na Universidade Católica, se bem me lembro, e ele foi. Deu suas palestras, como faria para qualquer auditório, em qualquer país, sempre recomendando suas receitas habituais: liberdade de preços, de iniciativa, afastamento da mão pesada do Estado dos negócios econômicos etc.
Não sei exatamente quem sugeriu ao general recebê-lo, dado o prestígio do monetarista (um título do qual ele não se envergonhava, certamente). O general o chamou, ele aceitou conversar, e esteve apenas uma única vez com Pinochet, recomendando exatamente as mesmas coisas que proferiu em suas palestras: liberdade econômica, abertura ao comércio e aos investimentos estrangeiros, enfim tudo muito simples e democrático, como ele sempre fez com qualquer auditório, para qualquer interlocutor, inclusive para o presidente Reagan (que seguiu seu conselho de desmantelar os controles ainda existentes na economia americana). Apenas isso, nada mais: uma conversa entre um economista sem qualquer poder, a não ser o das ideias, e um general, troglodita, que aparentemente não confiava nada em acadêmicos e professores em geral.
Friedman saiu do gabinete de Pinochet certo de que o general não tinha sido convencido por suas ideias, por suas palavras.
De fato demorou um bocado, até que o Chile conseguiu, finalmente, encontrar o caminho da estabilidade e do crescimento. Foi preciso uma crise séria no final dos anos 70 ou início dos 80, atingindo o sistema bancário, para que a economia chilena realmente enveredasse pelo caminho da liberalização mais completa.
Desde então ela se mantém, mais ou menos, segundo as linhas traçadas por Milton Friedman.
Enfim, espero ter ficado claro que Friedman não teve nada a ver com a ditadura chilena, nem com as barbaridades pinochetistas. Ele tampouco pode ser creditado pelo sucesso do "modelo" chileno. Ele se limitou a proferir palestras.
Quem tomou as decisões, baseadas ou não em suas ideias -- e presumo que muitas o foram -- foram os próprios chilenos, administradores, políticos, economistas do governo, acadêmicos, em suma, grande parte dos chilenos achou que valia pena enveredar por outro caminho que não o do dirigismo econômico, o do protecionismo comercial, enfim, o cepalianismo e o prebischianismo tradicionais na América Latina.
Nenhum "denegridor" de Friedman, ou de Pinochet, poderá recusar o fato de que o Chile foi o país que mais cresceu na AL, desde o início dos anos 1990.
Nenhum "economista" anti-monetarista, anti-Friedman poderá negar o fato de que o Chile é um país liberal, ou neoliberal, se quiserem, que ele é aberto, tem baixa proteção, tem mais acordos de livre-comércio do que qualquer outro país, de que eles recusam o dirigismo econômico e as soluções "socialistas".
Tudo isso não é matéria de opinião. São fatos.
Quem quiser contestar as ideias econômicas de Milton Friedman é livre para fazê-lo. Preferivelmente de modo inteligente.
Quem quiser apenas denegrir Friedman, com acusações mentirosas, é gentilmente "desconvidado" a se expressar neste blog.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 22.09.2010)
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