A vez dos negacionistas em
Brasília
Marcos
Magalhães
Capital Politico, 4/06/2019
Poucos dias depois das
eleições europeias, marcadas entre outros fatos pelo forte avanço dos partidos
verdes, começam a ganhar terreno em Brasília as vozes daqueles que contestam as
advertências sobre a mudança climática e os seus efeitos sobre a vida no planeta.
No papel de cientistas, diplomatas e políticos, eles estiveram em comissões do
Senado e da Câmara apresentando gráficos, criticando o que chamam de previsões
catastróficas e lançando um olhar de desconfiança em relação ao Hemisfério
Norte.
O tema chegou ao Senado
por meio de uma audiência pública conjunta das Comissões de Meio Ambiente e de
Relações Exteriores e Defesa Nacional. Logo na abertura da reunião, o senador
Márcio Bittar (MDB-AC), primeiro autor do requerimento para a realização da audiência,
deu o tom de sua preocupação. Ele disse que tem procurado, “com uma dose de
coragem”, estimular o debate sobre o que chamou de o “tema mais polêmico do
mundo”. E criticou a “vassalagem” do Brasil, que, a seu ver, tem aceitado “tudo
isso” como verdade absoluta, para evitar perdas no comércio internacional.
“Agora nós temos um novo
governo, e é importante saber se este novo governo mantém a linha que foi
vitoriosa nas eleições passadas, que a meu juízo – e teve o meu apoio – é uma
linha de soberania nacional, de não entregar grande parte do patrimônio
nacional sob argumentos que são hipóteses que não se confirmaram”, afirmou
Bittar.
Coube a ele, por meio de
seu requerimento, convidar para a audiência dois cientistas que têm apresentado
duras críticas aos integrantes do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC), órgão criado pelas Nações Unidas para acompanhar o tema:
Luiz Carlos Baldicero Molion, da Universidade Federal de Alagoas, e Ricardo
Augusto Felício, da Universidade de São Paulo. A exemplo dos negacionistas
norte-americanos, que têm levado suas dúvidas a Washington, os dois professores
inauguraram, em Brasília, a prática de contestação no Poder Legislativo da
participação humana na mudança climática.
Segundo Molion (foto
de sua exposição na audiência pública), o clima varia por causas
naturais, e os eventos extremos – como tempestades e inundações – sempre
aconteceram e vão continuar a acontecer. Então, a seu ver, é preciso haver mais
planejamento e adaptação, porque a população mundial está aumentando. Para o
professor, as emissões de gás carbônico, que devem ser controlada em todo o
mundo segundo o Acordo de Paris, não podem ser responsabilizadas pelo
aquecimento global.
“O CO2 não
controla o clima global”, disse Molion durante a audiência conjunta no Senado.
“Ele não é um gás vilão; ele é o gás da vida. Este planeta já teve 7.000 ppm de
CO2. Hoje, só tem 400 ppm. A maioria das plantas deixa de
funcionar com a concentração em torno de 200 ppm. Nós só estamos com 400 ppm.
Se baixarem a concentração de CO2, nós não vamos ter mais plantas”,
advertiu.
Em resposta ao senador
Fabiano Contarato (Rede-ES), que lhe perguntou se não haveria então nenhum
problema em desmatar a Amazônia, Molion foi direto. Sob o ponto de vista do
clima, argumentou, “a Amazônia não faz sentido nenhum”, porque ela seria
neutra. A preservação da floresta, a seu ver, só faz sentido com os objetivos
de preservar a biodiversidade e evitar a erosão e o assoreamento dos rios.
“Nesse caso, a mata é importante”, avaliou. “É claro que o homem interfere no
microclima, mas no clima regional não interfere, e no clima global, muito
menos”, concluiu.
Felício aprofundou a
crítica ao IPCC e acrescentou uma pitada geopolítica. Com um broche da bandeira
do Brasil na lapela, ele questionou os modelos gerados pelos cientistas do
painel das Nações Unidas. Alguns desses modelos, quando rodados, observou
“fazem o planeta virar uma bola de neve”, enquanto outros “fazem o planeta
virar uma estufa gigantesca”. Para o professor, as advertências do IPCC servem
de “legitimação geopolítica” para intervenção em decisões que devem ser tomadas
pelos próprios países. Tudo faria parte, a seu ver, de uma ação de “agentes
internos e externos sobre a nossa soberania”.
O convite aos dois
pesquisadores pode ser compreendido como parte de uma batalha de comunicação,
movida principalmente por parlamentares ligados ao agronegócio. Importadores de
vários países, especialmente europeus, têm sofrido pressão para evitar a compra
de soja brasileira produzida em regiões onde pode ter havido desmatamento,
especialmente na Amazônia. O desmatamento dessas áreas, segundo o argumento
frequentemente lembrado, contribui para o aquecimento global, que, de acordo
com os negacionistas, não está ligado à atividade humana. Ambientalistas
europeus acompanham cada vez mais de perto essa questão e poderão ser seguidos,
nos próximos anos, por ativistas de outros países importadores.
Esse movimento tem
preocupado as bancadas ligadas ao agronegócio. Para elaborar uma posição, esses
parlamentares foram buscar respostas não apenas no meio acadêmico, mas no
próprio governo. O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, esteve na
Comissão de Agricultura da Câmara apenas um dia depois da primeira audiência no
Senado relativa à questão climática. Ele considerou prioritário o investimento
na mudança da imagem da agricultura brasileira, prejudicada, a seu ver, pela
divulgação de “informações equivocadas” nos países importadores. Sem mencionar
diretamente a acusação de que o agronegócio brasileiro teria influência sobre o
aquecimento global, ele fez a defesa da produção nacional.
“O Brasil se tornou um
dos atores mais importantes na agricultura mundial e, até por isso, começou a
enfrentar barreiras à entrada de seus produtos em outros mercados”, disse
Araújo aos deputados. “Em muitos casos a imagem do agronegócio brasileiro é criticada
para minar a competitividade de nossos produtos, mas é preciso lembrar que
apenas 30% de nosso território são usados para produzir alimentos e 60% se
mantêm com vegetação nativa”, enumerou.
Os competidores
internacionais do Brasil no mercado de alimentos podem mesmo, como observou o
ministro, valer-se do argumento do aquecimento global para enfrentar com maior
sucesso a concorrência brasileira. Também podem ser comprovados os números
apresentados por Araújo sobre a extensão da área protegida no Brasil. Esses
argumentos estão bem encaminhados quando se trata da produção de alimentos
longe de áreas desmatadas. Mas podem ser questionados nos casos onde os
produtos exportados são provenientes de áreas antes cobertas pelas florestas. E
a contestação patrocinada por parlamentares ligados ao agronegócio de
informações científicas aceitas internacionalmente a respeito da mudança
climática não parece ajudar a agricultura brasileira. Ao contrário, ela pode
provocar desconfianças em relação aos motivos dessa iniciativa.
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