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terça-feira, 12 de setembro de 2023

A face brasileira do G20 - Marcos Magalhães (Metrópoles, Blog do Noblat)

 

A face brasileira do G20

Marcos Magalhães

Lula na busca da construção de um mundo mais justo e de um planeta sustentável

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/a-face-brasileira-do-g20-por-marcos-magalhaes

Ricardo Stuckert/PR
Lula na Índia, com lenço no ombro e marca indiana na testa -- Metrópoles

“Um mundo justo e um planeta sustentável”. Esses são os dois ideais que vão orientar, a partir de dezembro, a presidência brasileira do G20, segundo anunciou no domingo em Nova Dehli o presidente Luís Inácio Lula da Silva, ao final da cúpula do grupo.

As duas metas fazem sentido em um mundo ainda marcado por enormes desigualdades e por uma crise climática que começa a mostrar sua face em diversas partes do planeta.

Não basta, porém, que estejam em destaque na declaração final a ser aprovada na cúpula do Rio de Janeiro, em 2024.

Ambas precisam encontrar seu caminho no mundo real, onde as disputas de poder entre os Estados mais poderosos ditam a agenda de maneira mais intensa que as imagens de pessoas famintas e de fenômenos climáticos extremos.

Nas palavras do presidente brasileiro, a busca da construção de um mundo mais justo e de um planeta sustentável atende às duas prioridades estabelecidas pelo país para o comando rotativo do G20: a inclusão social e a transição energética. Ao lado de uma terceira prioridade – a reforma da governança global.

A pobreza só alcança os olhos dos habitantes dos países mais ricos por meio de fotos e imagens distribuídas por redes de televisão e canais de notícias na internet. Os números mostram, porém, como ela está presente no dia a dia da metade menos desenvolvida do planeta.

Mais de 700 milhões de pessoas enfrentam a fome, segundo o mais recente relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Outros 2,4 bilhões de seres humanos passam por insegurança alimentar moderada ou grave. Ou seja, quase 30% da população mundial.

Em artigo publicado na imprensa brasileira durante a cúpula da Índia, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, anunciou a intenção de estabelecer uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, com foco na garantia de acesso a alimentos e no financiamento à geração de renda às populações mais vulneráveis.

“Desejamos cooperar e inspirar”, escreveu Vieira. “Já provamos uma vez que só podemos eliminar a fome por meio de políticas públicas que reduzam as desigualdades, eliminem a pobreza e garantam às populações a possibilidade de acesso a alimentos adequados, saudáveis e produzidos de forma sustentável”.

No mesmo artigo, o ministro lembrou ser prioridade do governo a adoção de medidas de combate à mudança climática, como o controle do desmatamento. Ao lado de estímulo à bioeconomia, com destaque para produtos derivados da biodiversidade brasileira.

O próprio presidente Lula, por sua vez, defendeu no encerramento da cúpula de Nova Dehli maior participação de países emergentes nas decisões de órgãos como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – além do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Dessa forma, por um lado seria possível equacionar de maneira mais favorável as dívidas contraídas por países em desenvolvimento junto às instituições multilaterais. Por outro, dar a esses países mais voz em decisões que afetam a estabilidade global.

Todas essas metas parecem dignas, pelo menos, de constar da pauta dos grandes debates globais. Mas elas vão concorrer, tanto nas mesas de negociação quanto nas manchetes dos principais órgãos mundiais de imprensa, com temas bem mais ligados às disputas de poder.

Os fatos que precederam a conferência na Índia já indicavam os desafios políticos do momento global. Ainda envolvido com a guerra na Ucrânia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, não foi a Nova Dehli. O presidente da China, Xi Jinping, também evitou o encontro devido a tensões crescentes com o país vizinho, onde se reuniria o G20.

Após a cúpula, contabilizaram-se perdas e ganhos. Políticos, naturalmente. A Índia saiu como grande vencedora, ao conseguir aprovar por consenso uma declaração final – com palavras mais leves sobre o conflito na Ucrânia. E se posicionou como líder do chamado Sul Global.

A Índia também anunciou a criação de uma frente de países em defesa dos biocombustíveis, como Brasil e Estados Unidos, e de uma nova conexão ferroviária do sul da Ásia com a Europa – em direta competição com os caminhos da chinesa Belt and Road Initiative.

Cientistas políticos ouvidos antes e depois da cúpula também demonstraram o peso das disputas políticas entre as principais potências. Foi o caso do professor John Ikenberry, da Princeton University, em entrevista à publicação Foreign Policy.

“Existe uma crescente divisão no mundo entre um bloco ocidental, do G7, e um bloco oriental, liderado por China e Rússia”, expôs Ikenberry. “Entre eles estão os países do Sul Global, que, por motivos pragmáticos, buscam uma oportunidade de apresentar sua agenda de desenvolvimento e de justiça social”.

Agora será a vez de o Brasil levar adiante essa agenda. Em um mundo de crescentes rivalidades geopolíticas, não será fácil colocar em primeiro plano temas como combate à pobreza e desenvolvimento sustentável. Mas vale a pena tentar.

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018



terça-feira, 22 de novembro de 2022

Uma estratégia para as Américas - Marcos Magalhães (Metrópoles)

 Uma estratégia para as Américas (por Marcos Magalhães)

A presença de Lula na COP 27 serviu para mostrar ao mundo que o Brasil estava de volta, disposto a reassumir seu papel de liderança
Marcos Magalhães
Metrópoles, blog Guga Noblat, 22/11/2022

De volta do Egito, onde conquistou simpatias ao apresentar ao mundo uma nova versão do Brasil, o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva tem pela frente as delicadas tarefas de compor o ministério e tecer a estratégia de inserção do país em um mundo em transformação.

A escalação dos colaboradores mais diretos vai esboçar a face da nova administração. Os sinais estarão claros nas indicações de nomes para pastas emblemáticas como Fazenda, Planejamento, Justiça, Relações Exteriores e Educação.

Ao público interno esses sinais dirão muito sobre as alianças preferenciais de Lula, as suas opções sobre política econômica, as suas apostas em áreas sensíveis como meio ambiente e os reposicionamentos que pretende promover em setores como educação e política externa.

Ao mesmo tempo que analisará cada detalhe desse processo de composição do governo que assume em primeiro de janeiro, um outro público – composto por observadores internacionais – também vai começar a coletar sinais de uma nova geopolítica.

A presença de Lula na COP 27 serviu para mostrar ao mundo que o Brasil estava de volta, disposto a reassumir seu papel de liderança nas negociações mundiais sobre o tema ambiental e, especialmente, sobre a questão climática. A viagem foi a mensagem.

A partir de agora, porém, cada movimento ou declaração de Lula será acompanhado em detalhes por analistas empenhados em decodificar as opções preferenciais da futura gestão em um conturbado cenário global.

É verdade que algumas das mais importantes opções estarão ligadas a temas como as negociações de um acordo com a União Europeia, a guerra na Ucrânia e o modelo das novas relações com dois importantes parceiros do Brics, a Rússia e a China.

Mas é aqui mesmo nas Américas que se encontram desafios e oportunidades capazes de moldar uma parte significativa da nova inserção do Brasil no mundo.

Entre os principais desafios estão as relações com dois vizinhos da América do Sul – Argentina e Venezuela. Entre as mais promissoras oportunidades, por outro lado, está a construção de uma parceria inovadora com os Estados Unidos de Joe Biden.

Tradicionalmente a política externa ocupa discreto espaço nas campanhas presidenciais brasileiras. Neste ano, porém, o atual presidente, Jair Bolsonaro, a inseriu em sua tentativa de disseminar temores sobre os efeitos de uma vitória nas urnas de seu oponente.

A Venezuela foi o bicho papão mais frequente. A volta ao poder de Lula, repetiu Bolsonaro ao longo de toda a campanha, poderia levar o Brasil a seguir o mesmo modelo autoritário de esquerda adotado por Nicolás Maduro. Um modelo, ressaltou o atual presidente, que levou centenas de milhares de venezuelanos a buscar a sobrevivência em países vizinhos.

Em sua versão 3.0, Lula terá a dupla oportunidade de marcar suas diferenças com o modelo venezuelano – do qual já foi bastante próximo – e de relançar seu papel de liderança regional ao estimular negociações já em andamento com a oposição que levem à realização de eleições livres e transparentes no país vizinho, preferencialmente antes da data prevista de 2024.

As deficiências democráticas na Venezuela não são novas. O pedido de ingresso do país no Mercosul, do qual está suspenso justamente por causa do autoritarismo, chegou a ser debatido durante um ano no Senado antes da concessão do aval brasileiro.

Como o próprio Lula se elegeu neste ano a bordo de uma ampla frente democrática, contra as tendências autoritárias da gestão Bolsonaro, a participação ativa em um esforço pela volta da democracia à Venezuela poderia reforçar seu papel moderador na região.

Sobre a Argentina, os fantasmas são outros: alta inflação e estagnação econômica. O atual presidente brasileiro recorreu várias vezes aos números do insucesso argentino para advertir os eleitores dos riscos para a economia de uma vitória da oposição no Brasil. Algo como o antigo Efeito Orloff: eu sou você amanhã.

A presença heterodoxa na equipe de transição instalada em Brasília serviu para estimular os temores disseminados durante a campanha eleitoral. A falta de uma política clara de responsabilidade fiscal, repetem os críticos, poderia levar à volta de índices inaceitáveis para a inflação.

As respostas a essas inquietações começarão a ser elaboradas a partir da indicação da futura equipe econômica, nas próximas semanas. Enquanto isso, no país vizinho, as autoridades tentam evitar que a inflação alcance os 100% anuais. Os brasileiros mais velhos lembram bem o que é isso.

Também aqui Lula tem a chance da renovação. Pode mostrar que é possível retomar o crescimento com baixa inflação, como já fez em seu primeiro mandato. E pode retomar em novas bases um projeto de integração regional largamente desprezado por Bolsonaro.

Rumo ao Norte neste que os norte-americanos gostam de definir como o Hemisfério Ocidental, restará definir o novo modelo das relações entre o Brasil e os Estados Unidos.

Durante os dois primeiros anos do atual mandato, Bolsonaro tinha no então presidente Donald Trump não apenas um colega, mas um ídolo. Ou um modelo a ser seguido no Brasil, com todo seu conteúdo de arrogância, mentiras e enfrentamentos. A direita da direita.

Bolsonaro apostou em Trump até o fim, o que ajudou a tornar quase gélido o relacionamento bilateral após a vitória de Joe Biden. Agora, em Washington, assessores do atual presidente e acadêmicos ligados às questões políticas das Américas apostam em uma reaproximação.

E aqui residem, talvez, algumas das boas oportunidades que se podem oferecer ao novo governo brasileiro. Lula já teve um primeiro encontro no Egito com o representante de Washington para a questão climática, John Kerry.

O novo governo brasileiro tem sido visto pelos norte-americanos como parceiro preferencial na questão ambiental e na definição de novos modelos econômicos.

Como disse ao jornal O Globo a diretora para os Andes da ONG Escritório em Washington para a América Latina (WOLA), Gimena Sánchez-Garzoli, os Estados Unidos querem, junto ao Brasil de Lula, ser os líderes globais do meio ambiente. “Querem ser parceiros numa relação verde e numa economia verde”, definiu.

A oportunidade está ao alcance do futuro governo brasileiro.

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.


quarta-feira, 7 de setembro de 2022

O terceiro centenário começa agora - Marcos Magalhães, sobre palestra de Ricupero na ABL

 Um belo texto de Marcos Magalhães sobre a palestra do embaixador Ricupero na ABL.

O terceiro centenário começa agora

Marcos Magalhães

Jornal Metrópoles, 6/09/2022

 

Pouca gente circulava nas ruas do centro do Rio de Janeiro no fim da tarde da última sexta-feira, como costuma acontecer desde a pandemia. Mas uma pequena multidão disputava as últimas cadeiras disponíveis em um auditório da Academia Brasileira de Letras para assistir a uma palestra do embaixador Rubens Ricupero.

Ex-ministro da Fazenda, do Meio Ambiente e da Amazônia na década de 90, ele foi escalado pela academia para falar sobre o “Brasil em um mundo de acelerada transformação”, dentro do ciclo de debates sobre o bicentenário do país.

Aos 85 anos, ele lançou duas perguntas à audiência. A primeira, mais histórica: o que se fez na diplomacia nos últimos 200 anos? A segunda, prospectiva: o que se pode fazer ao longo dos próximos 100 anos?

As duas perguntas indicam uma terceira, que deveria estar no centro dos debates quando o país chega aos dois séculos de independência: qual é o lugar do Brasil no mundo neste começo do século 21?

Para Ricupero, poucos países devem tanto à diplomacia como o Brasil, que hoje tem um território dois terços superior ao que teria inicialmente e que vive em paz há 152 anos com todos os seus vizinhos.

Coube ao Barão do Rio Branco no início do século 20, como recordou o embaixador, tecer a estratégia de política externa adotada como bússola por décadas à frente. A postura do Brasil, segundo o antigo chanceler, era a de um país “amante da paz, conciliador e avesso à loucura das hegemonias”.

O otimismo do Barão o levou, durante discurso em 1905, a prever que o Brasil estaria entre as maiores nações da América Latina que, a seu ver, alcançariam em 50 anos condições de se colocar, juntamente com os Estados Unidos, entre as mais poderosas do mundo.

Não chegamos nem perto disso. E, neste início de século, o Brasil bicentenário está diante de um mundo tomado por múltiplas crises. Depois da crise financeira de 2008, recordou o embaixador, ocorreram o “retorno com força” da extrema direita, a ameaça de uma nova guerra fria, desta vez entre Estados Unidos e China, e a invasão da Ucrânia.

Como se isso não bastasse, o mundo sofre com catástrofes naturais “com digital humana”, como a pandemia e o aquecimento global. Ameaças contra as quais de nada vale o poder militar e econômico e que exigem cooperação em tempo de renovadas rivalidades geopolíticas.

É diante desse cenário cheio de desafios que se coloca a segunda pergunta: o que fazer nos próximos 100 anos? Ou, em outras palavras, como o Brasil quer se colocar no mundo?

As reflexões bem que poderiam ter lugar de destaque nas campanhas eleitorais desse ano do bicentenário. Mas cedem espaço, em momento de radicalização política, à discussão de medidas econômicas de curto alcance e a novos episódios das guerras culturais.

O próprio 7 de setembro foi raptado pela disputa eleitoral. A data nacional passou a ser vista como o momento máximo de mobilização promovida pelo atual governo em busca de reeleição. Uma celebração partidária, longe de uma data a ser pacificamente celebrada por toda a nação.

Longe dos comícios, Ricupero ensaiou, em sua palestra na Academia Brasileira de Letras, possível resposta aos atuais desafios internacionais. Se não é possível atender às expectativas de 1905 do Barão do Rio Branco, observou, o país pode buscar um caminho alternativo.

“Outro estilo de ser potência é possível, que não militar ou econômica”, disse Ricupero. “Uma potência ambiental, de direitos humanos, de promoção de igualdade racial e social, solidária a fracos e a vulneráveis”.

Para sair em defesa desses valores, recordou o embaixador, será necessário que os coloquemos em prática aqui mesmo, até mesmo para que venhamos a conquistar a autoridade necessária a essa postura diante do resto do mundo.

Ou seja, a adoção de uma nova agenda interna – baseada na defesa do meio ambiente, na redução das desigualdades e do combate ao racismo e a outras discriminações – seria a base necessária para a construção de uma renovada agenda externa.

O protagonismo baseado no exemplo já ocorreu em passado recente. A partir de uma bem-sucedida política em defesa da Amazônia, o Brasil passou a ser visto pelo resto do mundo como parceiro necessário nos principais foros de debates sobre a questão ambiental.

A aceleração do desmatamento nos últimos três anos, acoplada à perplexidade na comunidade internacional diante da percepção de risco de uma possível ruptura institucional, retirou do país muito do protagonismo exercido nas últimas décadas.

Se o Brasil pretende reconquistar apoio e simpatia internacionais, precisará primeiramente mudar a sua agenda interna. E essa mudança só poderá ser promovida pelo governo a ser eleito em outubro.

O ano de 2023 será o primeiro ano do terceiro século do Brasil como país independente. Se o bicentenário pegou o país no contrapé, dividido e radicalizado, será sempre possível corrigir o rumo. A adoção de uma nova agenda social e ambiental, como defendeu Ricupero, pode bem ser o início desse novo momento da nossa história.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

 


quinta-feira, 11 de agosto de 2022

À espera de Lula - Marcos Magalhães (Metrópoles Online)

 À espera de Lula

Marcos Magalhães

Metrópoles Online
09 de agosto de 2022

Gustavo Petro torce pela vitória do petista contra Bolsonaro

Era um domingo de festa em Bogotá. Depois de duas tentativas frustradas, o economista Gustavo Petro, de 62 anos, tomava posse como o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia. Ao grupo de jornalistas brasileiros que lhe perguntaram quais eram suas expectativas sobre o vizinho ao sul, ele foi sucinto: "Pois, que ganhe Lula!".

Oitenta e três dias separam a simbólica cerimônia de posse de Petro - e de sua vice-presidente negra Francia Márquez - do segundo turno das eleições brasileiras. E dois meses inteiros ainda se passarão antes que chegue ao Palácio do Planalto o vencedor nas urnas eletrônicas.Já é possível observar, porém, que a grande mudança na Colômbia pode ser considerada o mais recente capítulo de um importante ciclo de transformações políticas que tem lugar nos últimos anos na América do Sul. Um ciclo cujo momento mais importante ocorrerá neste ano, no Brasil.Alguns dos protagonistas desse ciclo estiveram presente no domingo à posse do novo presidente colombiano. Viajaram a Bogotá para prestigiar a cerimônia, por exemplo, os novos presidentes da Bolívia, Luis Arce, e do Chile, Gabriel Boric - ambos de uma nova geração de líderes de esquerda no subcontinente.

Jair Bolsonaro preferiu enviar seu ministro das Relações ExterioresCarlos França, que logo tratou de classificar as declarações pró-Lula do novo presidente colombiano como frutos tardios da retórica eleitoral. Mas em Brasília se detecta com clareza a onda de mudanças que se espalha nas demais capitais sul-americanas.Caso Bolsonaro venha a obter um novo mandato, estará praticamente cercado de governos um pouco mais ou um pouco menos à esquerda, com as exceções do Paraguai e do Uruguai, os dois sócios menores do Brasil no Mercosul.Se Luís Inácio Lula da Silva voltar a ser o presidente, por outro lado, as mudanças que começaram a oeste e agora se espalham ao norte do subcontinente chegarão ao coração da América do Sul. E poderão exercer influência sobre os resultados das eleições previstas para o ano que vem na Argentina, principal sócia brasileira na integração regional.

Mas que tipo de esquerda será essa? Aparentemente uma esquerda menos barulhenta que a do início do século, quando os vastos recursos provenientes da exportação de commodities agrícolas e minerais irrigavam promessas de bem-estar nem sempre realizadas.A nova safra de governos de esquerda não contará com os benefícios de uma economia mundial em expansão. Muito pelo contrário, existem indicadores de permanência de altas taxas de inflação e de baixos índices de crescimento - quando não de recessão.A primeira consequência imediata é a ascensão do pragmatismo como qualidade política. Os novos líderes sabem que precisarão equilibrar promessas de crescimento e de distribuição de renda com medidas de austeridade, o que pode tornar mais curta a lua de mel com os eleitores.Mas há também uma oportunidade ainda pouco explorada no novo cenário global, mas que pode ser bastante útil para governos sul-americanos dispostos a abraçar um novo modelo econômico: o estímulo global à construção de uma economia de baixo carbono.

Isso vale até mesmo para países de intensa exploração de hidrocarbonetos como a Bolívia, que obtém boa parte de suas reservas internacionais com a exportação de gás natural. O país já tenta se posicionar - assim como o Chile - como grande produtor de lítio, mineral essencial para a produção de carros elétricos.Os horizontes ainda apenas entrevistos da transição ecológica abrem também grandes possibilidades para a Colômbia de Petro. Assim como para o Brasil. Os dois países contam com largas porções de seus territórios cobertos pela floresta amazônica, que pode vir a ser exemplo mundial na construção de uma nova e inclusiva bioeconomia.

O Brasil detém mais de 60% da floresta, enquanto a Colômbia responde por aproximadamente 6% do total. Mas a floresta representa nada menos do que 40% do território colombiano. Ou seja, boa parte do futuro do país depende do futuro da Amazônia.Atualmente a região de fronteira entre os dois países é mais conhecida pelos riscos ligados ao narcotráfico e à destruição da floresta. O novo presidente colombiano disse que a guerra contra as drogas foi perdida, e ele ainda precisará demonstrar como pretende lidar com o tema.Em seu discurso de posse, porém, Petro já demonstrou que pretende adotar políticas favoráveis à transição ambiental e valorizar a Amazônia, que classificou como "um dos pilares do equilíbrio climático e da vida no planeta".Em sua opinião, é possível transformar a população que hoje habita a região em cuidadora da floresta, mas para isso são necessários recursos internacionais. Ele propôs converter a dívida externa em investimentos para recuperar as florestas. Anunciou também que pretende se empenhar na defesa ambiental."Não vamos permitir que a avareza de uns poucos ponha em risco a nossa biodiversidade", disse Petro em seu discurso, onde defendeu a transição para uma economia sem carbono e sem petróleo. "A Colômbia será uma potência mundial da vida. O planeta Terra é a 'casa comum' dos seres humanos, e a Colômbia vai liderar essa luta pela vida planetária".Gustavo Petro terá quatro anos de mandato para dar início à guinada que pretende promover em seu país, em busca de paz, proteção ambiental, distribuição de renda e crescimento econômico. Não será trivial.Se a tendência de mudança na América do Sul contagiar o Brasil em outubro, ele poderá ter o novo ocupante do Palácio do Planalto como parceiro nessa difícil tarefa. Petro já está à espera de Lula. 

Marcos Magalhães

domingo, 14 de novembro de 2021

Agruras do Mercosul - Marcos Magalhães e Paulo Roberto de Almeida

 Excelente artigo de Marcos Magalhães sobre os desacordos atuais no Mercosul. Os problemas NÃO SÃO do Mercosul, e sim dos próprios países membros. Se ouso falar a verdade, elas são duas: a redução unilateral de tarifas do Brasil— que é ILEGAL pelas regras da TEC - não vai reduzir a inflação no Brasil, como alega o ministro Paulo Guedes, que desconhece completamente o Mercosul e até política comercial, ou o Gatt-OMC. Por outro lado, autorizar ou não o Uruguai a negociar acordos de liberalização comercial isoladamente é realmente contrário ao espírito e à letra de uma união aduaneira, mas vamos reconhecer que esta só existe para garantir uma reserva de mercado para os Industriais protecionistas da Argentina e do Brasil, da mesma forma como eles garantem há décadas reservas nacionais de mercado CONTRA os interesses de seus próprios consumidores. Em resumo: não existem problemas DO Mercosul, os problemas são dos dois sócios maiores.

Paulo Roberto de Almeida 

Inflação alta abre fraturas no Mercosul

Marcos Magalhães 

Capital Politico, 9/11/2021

Ao observar uma tempestade, natural ou política, é comum imaginar que só poderemos avaliar a extensão dos danos quando as águas baixarem. Como se a lenta volta a uma situação anterior desnudasse aos poucos os riscos que até então apenas imaginamos.

O Mercosul, neste momento, enfrenta uma situação inversa. A rápida subida dos índices de inflação ajuda a desmascarar uma crise de relacionamento que até então parecia mais ou menos encoberta por frases de efeito de conversas diplomáticas.

A ação que desnudou a falta de entendimento dentro do bloco foi tomada pelo governo brasileiro, ao reduzir de forma unilateral em 10% as alíquotas de importação em 87% dos produtos que compõem o chamado universo tarifário.

A redução foi anunciada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como medida de combate à inflação no Brasil, que deve chegar a 9,3% em 2021, segundo as estimativas mais recentes. A meta da inflação para este ano, é bom lembrar, é de 3,75%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

O problema é que a redução das alíquotas, adotada de maneira unilateral até o fim de 2022, deveria ter sido adotada de forma consensual pelo conjunto do Mercosul, pois elas estão previstas nas regras da Tarifa Externa Comum (TEC).

O governo brasileiro anunciou há poucas semanas um acordo com o argentino para a abertura da economia, mas não ocorreu uma decisão formal do bloco. Ou seja, o Brasil, para combater a inflação, de certa forma ignorou a regra de consenso adotada pelo Mercosul.

“A modernização do Mercosul passa também pela dimensão tarifária”, disse Guedes ao comentar a decisão. “É importante ter acesso e atenção às necessidades internas de forma a reduzir o custo de comida, de itens essenciais para a população brasileira”.

Reação

Ao noticiar a redução das alíquotas, o jornal El País, de Montevidéu, acusou o governo brasileiro de promover uma “ruptura” nas normas internas do bloco. Sem o consenso dos quatro integrantes, uma decisão como esta “fere” o Mercosul, na visão uruguaia.

Ao adotar uma postura unilateral, escreveu no principal diário de Montevidéu o articulista Pablo Fernández, o Brasil estaria deixando “caminho livre” ao Uruguai para negociar acordos de livre comércio com a China e outros países.

Até aqui, todos os acordos com países e blocos têm sido negociados em conjunto pelos quatro integrantes do Mercosul. O principal deles, ainda pendente de conclusão por causa de divergências na área ambiental, é com a União Europeia.

Adepto de maior abertura econômica, o Uruguai há anos defende a possibilidade de firmar acordos diretamente com outros países. A Argentina e o Brasil sempre resistiram, alegando que seria necessário manter a unidade do bloco. Até que o atual governo brasileiro passou a ver a possibilidade com mais simpatia.

Em setembro, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, disse ter recebido uma oferta formal da China para dar início a estudo de viabilidade de um possível futuro acordo de livre comércio entre os dois países. O tema é tão importante para o governo uruguaio que Lacalle convidou representantes de todos os partidos políticos para anunciar a aproximação com Pequim.

A disposição do Uruguai de buscar um voo solo nas negociações comerciais não tem sido bem recebida pelos argentinos. Em reunião de cúpula em que se celebraram os 30 anos do Mercosul, o tema chegou a motivar um momento de tensão.

Após ouvir Lacalle dizer que o bloco não poderia ser uma “carga” para o Uruguai, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, insinuou que os uruguaios poderiam deixar o bloco se não estivessem satisfeitos. “É mais fácil descer do barco se essa carga pesa muito”, afirmou.

Crise

Os dois já estiveram juntos desde então, tentando reduzir a tensão no relacionamento bilateral. Mas não chegaram a um consenso. E o Brasil, que poderia adotar uma posição de liderança no bloco, demonstra simpatia pela reivindicação uruguaia, mas não apresenta uma proposta para o futuro do Mercosul.

A difícil situação econômica dos dois maiores países do bloco também não ajuda. Se a inflação brasileira se aproxima dos 10% e causa ansiedade ao recordar as dificuldades dos tempos anteriores ao Plano Real, no país vizinho a alta inflação se tornou uma realidade permanente.

Nos doze meses até setembro a inflação argentina foi de 52,5%, tornando ainda mais difícil a vida de uma população já bastante afetada pelo desemprego e pelo alto nível de pobreza. O índice pode ser ainda maior em 2022, prejudicando as perspectivas eleitorais dos peronistas de Fernández.

Embora tenha concordado com a redução das alíquotas de importação sugerida pelo Brasil, com exceção de setores considerados estratégicos, o governo argentino não parece confiante de que a medida ajude a reduzir a inflação em seu próprio país.

A falta de perspectivas econômicas tem levado inclusive grandes empresários a buscar abrigo do outro lado do rio da Prata. Montevidéu tem sido vista por eles como um porto seguro, quando comparada à sempre agitada Buenos Aires.

Em reportagem sobre as eleições legislativas do próximo mês, o jornal londrino Financial Timesinforma que os líderes do mundo de negócios na Argentina estão “votando com seus pés”.

O bilionário do setor petrolífero Alejandro Bulgheroni e o “rei da soja” Gustavo Grobocopatel, informa o jornal, já vivem no Uruguai, “onde a economia é mais estável e o regime de impostos é mais amigável”.

Se a alta da inflação revelou o grau de desentendimento entre os integrantes do Mercosul, o futuro do bloco só começará a ficar claro depois das eleições presidenciais no Brasil, em 2022, e na Argentina, em 2023. Caberá à política buscar a convergência capaz de proporcionar um novo modelo para a integração regional.

Marcos Magalhães
Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ magmarcos@outlook.com


terça-feira, 26 de outubro de 2021

O Meteoro e a renovação da política externa - Marcos Magalhães (Capital Político)

 O Meteoro e a renovação da política externa

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Brasil longe da festa da eleição de Biden - Marcos Magalhães (Capital Político)

 Parece que quando o presidente Bolsonaro finalmente reconhecer a vitória (ugh!) de Biden e decidir apresentar seus cumprimentos, isso vai ser considerado totalmente inadequado e irrelevante.

Paulo Roberto de Almeida

 

Longe da festa

Marcos Magalhães

Capital Político, 10/11/2020


A primeira segunda-feira após o anúncio da vitória de Joe Biden amanheceu em festa. O fim da longa espera pelos resultados das eleições nos Estados Unidos e a notícia de que uma das vacinas em fase final de desenvolvimento demonstrou 90% de eficácia contra o coronavírus levaram o otimismo de volta aos mercados.

As bolsas subiram na Europa e na Ásia. No Brasil, o Ibovespa começou a semana em alta de 4%. O dólar, que andava arisco, caiu à menor cotação desde setembro. Tudo isso apesar do estado de negação do ainda presidente Donald Trump. E, no caso dos mercados brasileiros, do silêncio do presidente Jair Bolsonaro.

Durante o final de semana, líderes de várias partes do mundo enviaram mensagens de felicitação ao presidente eleito Joe Biden. A primeira-ministra Angela Merkel disse que os Estados Unidos e a Alemanha, como parte da União Europeia, devem enfrentar juntos “os grandes desafios do nosso tempo”.

De Tóquio, o primeiro-ministro Yoshihide Suga postou no Twitter que espera trabalhar com Biden para fortalecer as relações bilaterais e garantir “paz, liberdade e prosperidade” na região do Indo-Pacífico.

Os vizinhos argentinos também foram rápidos. “Saúdo Joe Biden, o próximo presidente dos Estados Unidos, e Kamala Harris, que será a primeira vice-presidente feminina daquele país”, escreveu o presidente Alberto Fernández em suas redes sociais. 

É bem verdade que o governo chinês optou inicialmente pelo silêncio. “Tomamos conhecimento de que Biden se declarou vencedor nas eleições”, disse o porta-voz Wang Wenbin. “Nosso entendimento é que o resultado da eleição será determinado de acordo com as leis e procedimentos dos Estados Unidos”.

Depois de experimentar um período de grande tensão no relacionamento com Trump, Pequim avalia o que esperar do novo momento político americano. “No curto prazo as relações serão menos tensas”, escreveu no Global Times o vice-diretor do Instituto de Estudos Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais, Yuan Zheng.

“Mas no longo prazo”, ressalvou o especialista, “os laços bilaterais deverão enfrentar maiores desafios, à medida que Biden ressalta a liderança americana, e ele não poupará esforços para se alinhar aos países aliados para conter a China, o que parece ser mais ameaçador para a China em comparação à administração Trump”.

Silêncio

Se o governo chinês ao menos apresentou uma declaração diplomática a respeito da eleição de Biden, Brasília permaneceu em silêncio. Apenas o vice-presidente Hamilton Mourão previu que, “na hora certa”, Bolsonaro transmitiria os “cumprimentos do Brasil a quem for eleito”.

Segundo Mourão, o presidente estaria apenas aguardando notícias sobre a possibilidade de serem detectados votos falsos nas eleições americanas. Uma precaução que não parece haver sido compartilhada pelos líderes das maiores democracias do mundo, que não só reconheceram os resultados das eleições como já enviaram saudações ao presidente eleito.

Sob o argumento do cuidado com possíveis fraudes eleitorais, Bolsonaro mantém a fidelidade a Trump e se cala. Seu silêncio serve como poderosa mensagem à sua base política, decepcionada com os resultados das urnas. Mas deixa todo um país refém dos sentimentos dos integrantes de seu núcleo duro de seguidores.

Ninguém duvida que o Brasil e os Estados Unidos manterão as suas tradicionais relações. Mas a postura inicial de Brasília em relação ao futuro governo americano pesará na hora de redefinir as bases desse relacionamento, agora sob uma administração democrata.

Prioridades

Na verdade, o governo brasileiro anda muito seletivo ao definir as suas prioridades externas. Até hoje Alberto Fernández espera uma mensagem de congratulações de Bolsonaro por sua eleição para a presidência da Argentina, há um ano. E a Argentina é a principal parceira do Brasil no Mercosul.

Fernández, por sinal, estava na cerimônia de posse no final de semana do novo presidente da Bolívia, Luis Arce. O governo brasileiro não enviou sequer um ministro a La Paz. Foi representado pelo embaixador na Bolívia, Octavio Cortes. Até mesmo o presidente da Colômbia, Iván Duque, politicamente próximo de Bolsonaro, esteve na capital boliviana.

O presidente brasileiro parece mais preocupado com as cores do redesenhado mapa político regional. Ele tem dito que anda atento à expansão do vermelho pela vizinhança.

Entre os motivos de sua apreensão estão as eleições de Fernández e Arce, além da recente decisão dos eleitores chilenos, em plebiscito, de convocar uma assembleia para dar ao país uma nova Constituição, que substitua o texto herdado do ditador Augusto Pinochet – que já foi elogiado publicamente por Bolsonaro.

O ambiente político na Bolívia ainda está longe da estabilidade. Houve manifestações na região opositora de Santa Cruz de la Sierra em defesa de uma auditoria das eleições presidenciais. Três dias antes da posse ocorreu um atentado contra o presidente eleito. Uma bomba de dinamite foi lançada contra o seu escritório de campanha.

Mesmo assim, Arce optou por um discurso de conciliação. “Iniciamos uma nova etapa em nossa História e queremos fazê-lo com um governo que seja para todos e para todas, sem discriminação”, disse o novo presidente da Bolívia.

A 6230 quilômetros dali o presidente Joe Biden também apostou na conciliação em seu primeiro pronunciamento após a divulgação dos resultados que lhe garantiram a vitória. “Precisamos parar de tratar os oponentes como inimigos”, recomendou. “É hora de deixar de lado a retórica inflamada, acalmar os ânimos, ouvirmos uns aos outros”.

Párias

Suas palavras espalharam uma sensação de alívio, que podia ser percebida em artigos, editoriais de grandes jornais e declarações de líderes de várias partes do mundo. Não porque se trate de um presidente mais liberal ou mais conservador, mas porque o presidente eleito indica preferência pelo diálogo e, sempre que possível, pela cooperação internacional.

O meio ambiente é um bom exemplo. Biden promete recolocar os Estados Unidos no Tratado de Paris sobre mudanças climáticas, em sintonia com aquilo que a atual liderança do Itamaraty vê como “globalismo”. E indica que terá atenção especial ao desmatamento da Amazônia, o que colocou o governo brasileiro em estado de prontidão.

Em discurso a jovens diplomatas, duas semanas antes das eleições americanas, o ministro Ernesto Araújo mostrou que não liga muito para os que acusam a sua gestão de ter promovido o isolamento do Brasil – com exceção, é claro, da aproximação com Donald Trump.

“Nos discursos de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas deste ano, os presidentes Bolsonaro e Trump foram praticamente os únicos a falar em liberdade”, disse Araújo. “Sim, o Brasil hoje fala em liberdade através do mundo. Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.

Para Araújo, “é bom ser pária”. Ele é visto como um dos integrantes do chamado grupo ideológico do governo, esse mesmo que Bolsonaro procura agradar ao retardar o envio de saudações a Joe Biden por sua internacionalmente reconhecida eleição.

Os “ideológicos” vibravam quando Bolsonaro falava publicamente de seu apoio à reeleição de Trump, integrante da mesma direita radicalizada que aposta no confronto como método político. E aplaudiram o presidente quando ele criticou os eleitores argentinos por suas escolhas.

O Brasil não pode ficar refém dos “ideológicos”. O país levou décadas para moldar a reputação de um parceiro confiável na construção de consensos. Poderá ter de dedicar anos para reconstruir a sua imagem junto à comunidade internacional.

Marcos MagalhãesMarcos Magalhães

Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ magmarcos@outlook.com