À espera de Lula
Marcos Magalhães
Gustavo Petro torce pela vitória do petista contra Bolsonaro
Era um domingo de festa em Bogotá. Depois de duas tentativas frustradas, o economista Gustavo Petro, de 62 anos, tomava posse como o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia. Ao grupo de jornalistas brasileiros que lhe perguntaram quais eram suas expectativas sobre o vizinho ao sul, ele foi sucinto: "Pois, que ganhe Lula!".
Oitenta e três dias separam a simbólica cerimônia de posse de Petro - e de sua vice-presidente negra Francia Márquez - do segundo turno das eleições brasileiras. E dois meses inteiros ainda se passarão antes que chegue ao Palácio do Planalto o vencedor nas urnas eletrônicas.Já é possível observar, porém, que a grande mudança na Colômbia pode ser considerada o mais recente capítulo de um importante ciclo de transformações políticas que tem lugar nos últimos anos na América do Sul. Um ciclo cujo momento mais importante ocorrerá neste ano, no Brasil.Alguns dos protagonistas desse ciclo estiveram presente no domingo à posse do novo presidente colombiano. Viajaram a Bogotá para prestigiar a cerimônia, por exemplo, os novos presidentes da Bolívia, Luis Arce, e do Chile, Gabriel Boric - ambos de uma nova geração de líderes de esquerda no subcontinente.
Jair Bolsonaro preferiu enviar seu ministro das Relações Exteriores, Carlos França, que logo tratou de classificar as declarações pró-Lula do novo presidente colombiano como frutos tardios da retórica eleitoral. Mas em Brasília se detecta com clareza a onda de mudanças que se espalha nas demais capitais sul-americanas.Caso Bolsonaro venha a obter um novo mandato, estará praticamente cercado de governos um pouco mais ou um pouco menos à esquerda, com as exceções do Paraguai e do Uruguai, os dois sócios menores do Brasil no Mercosul.Se Luís Inácio Lula da Silva voltar a ser o presidente, por outro lado, as mudanças que começaram a oeste e agora se espalham ao norte do subcontinente chegarão ao coração da América do Sul. E poderão exercer influência sobre os resultados das eleições previstas para o ano que vem na Argentina, principal sócia brasileira na integração regional.
Mas que tipo de esquerda será essa? Aparentemente uma esquerda menos barulhenta que a do início do século, quando os vastos recursos provenientes da exportação de commodities agrícolas e minerais irrigavam promessas de bem-estar nem sempre realizadas.A nova safra de governos de esquerda não contará com os benefícios de uma economia mundial em expansão. Muito pelo contrário, existem indicadores de permanência de altas taxas de inflação e de baixos índices de crescimento - quando não de recessão.A primeira consequência imediata é a ascensão do pragmatismo como qualidade política. Os novos líderes sabem que precisarão equilibrar promessas de crescimento e de distribuição de renda com medidas de austeridade, o que pode tornar mais curta a lua de mel com os eleitores.Mas há também uma oportunidade ainda pouco explorada no novo cenário global, mas que pode ser bastante útil para governos sul-americanos dispostos a abraçar um novo modelo econômico: o estímulo global à construção de uma economia de baixo carbono.
Isso vale até mesmo para países de intensa exploração de hidrocarbonetos como a Bolívia, que obtém boa parte de suas reservas internacionais com a exportação de gás natural. O país já tenta se posicionar - assim como o Chile - como grande produtor de lítio, mineral essencial para a produção de carros elétricos.Os horizontes ainda apenas entrevistos da transição ecológica abrem também grandes possibilidades para a Colômbia de Petro. Assim como para o Brasil. Os dois países contam com largas porções de seus territórios cobertos pela floresta amazônica, que pode vir a ser exemplo mundial na construção de uma nova e inclusiva bioeconomia.
O Brasil detém mais de 60% da floresta, enquanto a Colômbia responde por aproximadamente 6% do total. Mas a floresta representa nada menos do que 40% do território colombiano. Ou seja, boa parte do futuro do país depende do futuro da Amazônia.Atualmente a região de fronteira entre os dois países é mais conhecida pelos riscos ligados ao narcotráfico e à destruição da floresta. O novo presidente colombiano disse que a guerra contra as drogas foi perdida, e ele ainda precisará demonstrar como pretende lidar com o tema.Em seu discurso de posse, porém, Petro já demonstrou que pretende adotar políticas favoráveis à transição ambiental e valorizar a Amazônia, que classificou como "um dos pilares do equilíbrio climático e da vida no planeta".Em sua opinião, é possível transformar a população que hoje habita a região em cuidadora da floresta, mas para isso são necessários recursos internacionais. Ele propôs converter a dívida externa em investimentos para recuperar as florestas. Anunciou também que pretende se empenhar na defesa ambiental."Não vamos permitir que a avareza de uns poucos ponha em risco a nossa biodiversidade", disse Petro em seu discurso, onde defendeu a transição para uma economia sem carbono e sem petróleo. "A Colômbia será uma potência mundial da vida. O planeta Terra é a 'casa comum' dos seres humanos, e a Colômbia vai liderar essa luta pela vida planetária".Gustavo Petro terá quatro anos de mandato para dar início à guinada que pretende promover em seu país, em busca de paz, proteção ambiental, distribuição de renda e crescimento econômico. Não será trivial.Se a tendência de mudança na América do Sul contagiar o Brasil em outubro, ele poderá ter o novo ocupante do Palácio do Planalto como parceiro nessa difícil tarefa. Petro já está à espera de Lula.