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quinta-feira, 6 de junho de 2019

A vez dos negacionistas climáticos em Brasília - Marcos Magalhães

A vez dos negacionistas em Brasília
Marcos Magalhães
Capital Politico, 4/06/2019 

Poucos dias depois das eleições europeias, marcadas entre outros fatos pelo forte avanço dos partidos verdes, começam a ganhar terreno em Brasília as vozes daqueles que contestam as advertências sobre a mudança climática e os seus efeitos sobre a vida no planeta. No papel de cientistas, diplomatas e políticos, eles estiveram em comissões do Senado e da Câmara apresentando gráficos, criticando o que chamam de previsões catastróficas e lançando um olhar de desconfiança em relação ao Hemisfério Norte.

O tema chegou ao Senado por meio de uma audiência pública conjunta das Comissões de Meio Ambiente e de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Logo na abertura da reunião, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), primeiro autor do requerimento para a realização da audiência, deu o tom de sua preocupação. Ele disse que tem procurado, “com uma dose de coragem”, estimular o debate sobre o que chamou de o “tema mais polêmico do mundo”. E criticou a “vassalagem” do Brasil, que, a seu ver, tem aceitado “tudo isso” como verdade absoluta, para evitar perdas no comércio internacional.

“Agora nós temos um novo governo, e é importante saber se este novo governo mantém a linha que foi vitoriosa nas eleições passadas, que a meu juízo – e teve o meu apoio – é uma linha de soberania nacional, de não entregar grande parte do patrimônio nacional sob argumentos que são hipóteses que não se confirmaram”, afirmou Bittar.

Coube a ele, por meio de seu requerimento, convidar para a audiência dois cientistas que têm apresentado duras críticas aos integrantes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão criado pelas Nações Unidas para acompanhar o tema: Luiz Carlos Baldicero Molion, da Universidade Federal de Alagoas, e Ricardo Augusto Felício, da Universidade de São Paulo. A exemplo dos negacionistas norte-americanos, que têm levado suas dúvidas a Washington, os dois professores inauguraram, em Brasília, a prática de contestação no Poder Legislativo da participação humana na mudança climática.

Segundo Molion (foto de sua exposição na audiência pública), o clima varia por causas naturais, e os eventos extremos – como tempestades e inundações – sempre aconteceram e vão continuar a acontecer. Então, a seu ver, é preciso haver mais planejamento e adaptação, porque a população mundial está aumentando. Para o professor, as emissões de gás carbônico, que devem ser controlada em todo o mundo segundo o Acordo de Paris, não podem ser responsabilizadas pelo aquecimento global.

“O CO2 não controla o clima global”, disse Molion durante a audiência conjunta no Senado. “Ele não é um gás vilão; ele é o gás da vida. Este planeta já teve 7.000 ppm de CO2. Hoje, só tem 400 ppm. A maioria das plantas deixa de funcionar com a concentração em torno de 200 ppm. Nós só estamos com 400 ppm. Se baixarem a concentração de CO2, nós não vamos ter mais plantas”, advertiu.

Em resposta ao senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que lhe perguntou se não haveria então nenhum problema em desmatar a Amazônia, Molion foi direto. Sob o ponto de vista do clima, argumentou, “a Amazônia não faz sentido nenhum”, porque ela seria neutra. A preservação da floresta, a seu ver, só faz sentido com os objetivos de preservar a biodiversidade e evitar a erosão e o assoreamento dos rios. “Nesse caso, a mata é importante”, avaliou. “É claro que o homem interfere no microclima, mas no clima regional não interfere, e no clima global, muito menos”, concluiu.

Felício aprofundou a crítica ao IPCC e acrescentou uma pitada geopolítica. Com um broche da bandeira do Brasil na lapela, ele questionou os modelos gerados pelos cientistas do painel das Nações Unidas. Alguns desses modelos, quando rodados, observou “fazem o planeta virar uma bola de neve”, enquanto outros “fazem o planeta virar uma estufa gigantesca”. Para o professor, as advertências do IPCC servem de “legitimação geopolítica” para intervenção em decisões que devem ser tomadas pelos próprios países. Tudo faria parte, a seu ver, de uma ação de “agentes internos e externos sobre a nossa soberania”.

O convite aos dois pesquisadores pode ser compreendido como parte de uma batalha de comunicação, movida principalmente por parlamentares ligados ao agronegócio. Importadores de vários países, especialmente europeus, têm sofrido pressão para evitar a compra de soja brasileira produzida em regiões onde pode ter havido desmatamento, especialmente na Amazônia. O desmatamento dessas áreas, segundo o argumento frequentemente lembrado, contribui para o aquecimento global, que, de acordo com os negacionistas, não está ligado à atividade humana. Ambientalistas europeus acompanham cada vez mais de perto essa questão e poderão ser seguidos, nos próximos anos, por ativistas de outros países importadores.

Esse movimento tem preocupado as bancadas ligadas ao agronegócio. Para elaborar uma posição, esses parlamentares foram buscar respostas não apenas no meio acadêmico, mas no próprio governo. O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, esteve na Comissão de Agricultura da Câmara apenas um dia depois da primeira audiência no Senado relativa à questão climática. Ele considerou prioritário o investimento na mudança da imagem da agricultura brasileira, prejudicada, a seu ver, pela divulgação de “informações equivocadas” nos países importadores. Sem mencionar diretamente a acusação de que o agronegócio brasileiro teria influência sobre o aquecimento global, ele fez a defesa da produção nacional.

“O Brasil se tornou um dos atores mais importantes na agricultura mundial e, até por isso, começou a enfrentar barreiras à entrada de seus produtos em outros mercados”, disse Araújo aos deputados. “Em muitos casos a imagem do agronegócio brasileiro é criticada para minar a competitividade de nossos produtos, mas é preciso lembrar que apenas 30% de nosso território são usados para produzir alimentos e 60% se mantêm com vegetação nativa”, enumerou.


Os competidores internacionais do Brasil no mercado de alimentos podem mesmo, como observou o ministro, valer-se do argumento do aquecimento global para enfrentar com maior sucesso a concorrência brasileira. Também podem ser comprovados os números apresentados por Araújo sobre a extensão da área protegida no Brasil. Esses argumentos estão bem encaminhados quando se trata da produção de alimentos longe de áreas desmatadas. Mas podem ser questionados nos casos onde os produtos exportados são provenientes de áreas antes cobertas pelas florestas. E a contestação patrocinada por parlamentares ligados ao agronegócio de informações científicas aceitas internacionalmente a respeito da mudança climática não parece ajudar a agricultura brasileira. Ao contrário, ela pode provocar desconfianças em relação aos motivos dessa iniciativa.