Tel-Aviv terá de decidir entre ser um pária internacional ou um parceiro no Oriente Médio
Thomas L. FriedmanThe New York Times É colunista e ganhador de três prêmios Pulitzer. Escreveu 'De Beirute a Jerusalém'
A diplomacia dos EUA para colocar um fim à guerra em Gaza e forjar um novo relacionamento com a Arábia Saudita vem convergindo para uma grande escolha diante do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu: o que Israel deseja mais, Rafah ou Riad? Israel prefere organizar uma invasão completa de Rafah para tentar acabar de vez com o Hamas, sem oferecer estratégia para a saída de Gaza ou horizonte político para uma solução de dois Estados? Ao escolher este caminho, o resultado será apenas a piora do isolamento de Israel, forçando uma ruptura real com o governo Biden.
Ou prefere a normalização das relações com a Arábia Saudita, uma força de paz árabe para Gaza e uma aliança de segurança liderada pelos EUA contra o Irã? Isso teria um custo diferente: um compromisso do seu governo de trabalhar para a criação de um Estado palestino com uma Autoridade Palestina reformada, mas com o benefício de incluir Israel na mais ampla coalizão de defesa americana, árabe e israelense que o Estado judaico já integrou, ao mesmo tempo criando alguma esperança de que o conflito com os palestinos não seja uma "guerra perpétua".
Esta é uma das decisões mais importantes que Israel já teve diante de si. E o que me parece ao mesmo tempo perturbador e deprimente é o fato de, seja na coalizão que governa o país, na oposição ou nas forças armadas, não haver hoje uma só liderança que ajude consistentemente os israelenses a compreender essa escolha, entre ser um pária global ou um parceiro no Oriente Médio, ou explicando por que a segunda alternativa é a correta.
TRAUMA. Reconheço o quanto os israelenses estão traumatizados por causa dos ignóbeis assassinatos, estupros e sequestros praticados pelo Hamas no dia 7 de outubro. Não me surpreende que muitos aqui simplesmente desejem vingança, e seus corações endureceram a tal ponto que não conseguem enxergar nem se importar com todos os civis, incluindo milhares de crianças, que foram mortos em Gaza enquanto Israel demole tudo para tentar eliminar o Hamas. Tudo isso foi dificultado ainda mais pela recusa do Hamas, até o momento, em libertar os reféns restantes.
Mas vingança não é estratégia. É pura insanidade o fato de Israel estar nessa guerra há mais de seis meses e a liderança militar israelense ter permitido que Netanyahu siga buscando uma "vitória total" ali, incluindo um provável mergulho em breve nas profundezas de Rafah, sem nenhum plano de saída ou parceiro árabe preparado para interceder uma vez que a guerra termine. Se Israel acabar envolvido em uma ocupação indefinida de Gaza e da Cisjordânia, isso exporia o país a tóxicos desgastes militares, econômicos e morais que seriam o deleite do mais perigoso adversário de Israel, o Irã, e afastaria seus aliados no Ocidente e no mundo árabe.
INTERESSE ÁRABE. No início do conflito, líderes israelenses diziam que líderes árabes moderados desejavam que Israel eliminasse o Hamas, um braço da Irmandade Muçulmana que todos os monarcas árabes detestam. É claro que eles gostariam de ver o fim do Hamas.
Agora está claro que isso é impossível, e prolongar a guerra não é do interesse dos Estados árabes moderados, particularmente a Arábia Saudita.
A partir das conversas que tive em Riad e em Washington, descreveria a visão atual do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman da invasão israelense nos seguintes termos: saiam assim que possível. No momento, tudo que Israel está fazendo é matar cada vez mais civis, voltando contra si os sauditas que eram favoráveis à normalização das relações, criando mais recrutas para a Al-Qaeda e o EI, aumentando o poder do Irã e seus aliados, fomentando a instabilidade e afastando da região um investimento estrangeiro muito necessário. A ideia de acabar com o Hamas "de uma vez por todas" é um sonho inalcançável, na visão dos sauditas.
Se Israel quiser prosseguir com operações especiais em Gaza para atingir a liderança do grupo, tudo bem. Mas nada de ocupação permanente. Por favor, vamos chegar a um cessarfogo pleno e à libertação dos reféns o quanto antes, para nos concentrarmos no acordo de normalização e segurança envolvendo americanos, sauditas, israelenses e palestinos.
Esse é o outro caminho que Israel poderia trilhar agora, aquele que nenhuma liderança importante da oposição israelense está defendendo como prioridade, mas aquele pelo qual torcem o governo Biden e os sauditas, egípcios, jordanianos, marroquinos e emiradenses. Nada garante o seu sucesso, mas o mesmo vale para a "vitória total" que Netanyahu está prometendo.
ABRIR MÃO. Este outro caminho começa com Israel abrindo mão de qualquer invasão militar a Rafah, que fica bem na fronteira com o Egito e consiste na principal rota de entrada da ajuda humanitária em Gaza.
A região tem mais de 200 mil moradores permanentes e, agora, mais de um milhão de refugiados. Também é ali que se diz que os últimos quatro batalhões mais intactos do Hamas estão protegidos e, quem sabe, até seu líder, Yahya Sinwar.
O governo Biden vem dizendo publicamente que Netanyahu não deve se envolver em uma invasão completa de Rafah sem ter um plano crível para retirar os civis. Mas, privadamente, eles são mais diretos ao dizer a Israel: não pode haver invasão maciça a Rafah, e ponto final.
Um funcionário do governo americano me explicou: "Não estamos dizendo a Israel para simplesmente deixar o Hamas em paz. Estamos dizendo que acreditamos haver uma forma mais precisa de ir atrás da liderança do grupo, sem demolir cada quarteirão de Rafah".
Os funcionários acreditam que, se Israel demolir agora toda a cidade de Rafah, depois de ter feito o mesmo com grande parte de Khan Yunis e da Cidade de Gaza, sem ter um parceiro palestino com credibilidade para aliviar o fardo de segurança de governar uma Gaza despedaçada, o país cometerá o tipo de erro cometido pelos EUA no Iraque, sendo obrigado a lidar com uma insurgência e uma crise humanitária permanentes.
Mas haveria uma diferença essencial: os EUA são uma superpotência que pôde falhar no Iraque e se recuperar. Para Israel, uma insurgência em Gaza seria um fardo pesadíssimo, especialmente sem ter amigos.
E é por isso que os americanos me dizem que, se Israel for adiante em Rafah, o presidente Biden pensará em limitar a venda de determinados armamentos a Israel.
Isso porque o governo Biden acredita que uma invasão total prejudicará as perspectivas de uma nova troca de reféns e destruirá três projetos vitais nos quais o governo vem trabalhando para melhorar a segurança de Israel no longo prazo.
PROJETOS. O primeiro é uma força de paz árabe que poderia substituir as forças israelenses em Gaza, para que Israel possa sair dali sem se ver encalhado com uma ocupação simultânea de Gaza e da Cisjordânia. Vários países árabes têm debatido o envio de forças de paz a Gaza para substituir os israelenses, desde que haja um cessar-fogo permanente, e a presença desta força seria formalmente abençoada por uma decisão conjunta da Organização pela Libertação da Palestina, o guarda-chuva que reúne a maioria das facções palestinas, e a Autoridade Palestina. Os países árabes muito provavelmente insistiriam em receber alguma assistência logística dos militares americanos. Nada foi decidido ainda, mas a ideia é ativamente considerada pelos envolvidos.
O segundo é o acordo diplomático de segurança entre americanos, sauditas, israelenses e palestinos, cujos termos o governo está perto de finalizar com o príncipe herdeiro saudita. Entre eles: 1) um pacto de defesa mútua entre EUA e Arábia Saudita que eliminaria qualquer ambiguidade a respeito do que os americanos fariam se o Irã atacasse a Arábia Saudita.
Os EUA viriam em defesa de Riad, e vice-versa; 2) facilitar o acesso saudita ao armamento americano mais avançado; 3) um acordo nuclear civil supervisionado que permitiria à Arábia Saudita reprocessar os próprios depósitos de urânio para uso no seu próprio reator nuclear civil.
CONTRAPARTIDA. Em troca, os sauditas limitariam o investimento chinês no país e quaisquer laços militares com Pequim, desenvolvendo seus sistemas de defesa da próxima geração usando somente armamento americano. A Arábia Saudita também normalizaria as relações com Israel, desde que Netanyahu assumisse o compromisso de trabalhar por uma solução de dois Estados com uma Autoridade Palestina reformada.
E, por fim, os EUA reuniriam Israel, Arábia Saudita, outros países árabes moderados e os principais aliados europeus em uma só arquitetura integrada de segurança para combater a ameaça dos mísseis iranianos.
Esta coalizão não poderá ser invocada sem que Israel saia de Gaza e assuma o compromisso de trabalhar por um Estado palestino. Os Estados árabes não aceitarão serem vistos como protegendo Israel do Irã se Israel estiver ocupando permanentemente Gaza e a Cisjordânia. Funcionários dos governos americano e saudita também sabem que, sem Israel no acordo, os componentes de segurança dificilmente conseguiriam a aprovação do Congresso.
A equipe de Biden quer concluir a parte americana e saudita do acordo para poder atuar como o partido de oposição que falta a Israel nesse momento, e dizer a Netanyahu: você pode ser lembrado como o líder que governava no momento da maior catástrofe militar de Israel no dia 7 de outubro, ou como o líder que tirou Israel de Gaza e abriu o caminho para a normalização das relações entre Israel e o país muçulmano mais importante. A escolha é sua. E essa proposta deve ser apresentada publicamente, para que todos os israelenses possam vê-la.
Os interesses de Israel no longo prazo estão em Riad, e não em Rafah. É claro que nenhuma dessas alternativas é uma certeza e ambas trarão riscos. E sei que não é tão fácil para os israelenses pesar os prós e os contras quando há atualmente tantos protestos globais criticando o país pelo seu comportamento em Gaza ao mesmo tempo em que ignoram a conduta do Hamas. Mas é esse o papel das lideranças: defender que o caminho para Riad traz vantagens muito maiores no fim do que o caminho para Rafah, que será apenas um mortal beco sem saída.
Respeito totalmente o fato de que serão os israelenses que terão de viver com a própria escolha. Só gostaria de me certificar de que eles sabem que há uma escolha.
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