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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Brasil: de país em desenvolvimento a país desenvolvido - Paulo Roberto de Almeida

 4598. “Brasil: de país em desenvolvimento a país desenvolvido”, Brasília, 9 março 2024, 14 p. Compilação dos quatro artigos elaborados sobre o não crescimento sustentado do Brasil nas últimas décadas e sobre as condições para o país alcançar o patamar do desenvolvimento econômico e social. Apenas divulgado parcialmente. Texto completo divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/117736151/4598_Brasil_de_país_em_desenvolvimento_a_país_desenvolvido_2023_2024_).


 Brasil: de país em desenvolvimento a país desenvolvido

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Compilação dos quatro artigos elaborados sobre o não crescimento do Brasil nas últimas décadas e sobre as condições para o país alcançar maiores níveis de desenvolvimento econômico e social sustentado.

 

Sumário: 

4509Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1)

4510. Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (2)

4594: O que falta para o Brasil ser um país desenvolvido? (1)

4595: O que falta para o Brasil ser um país desenvolvido? (2)

 

Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1)

 

Paulo Roberto de Almeida

revista Crusoé (n. 301, 9/02/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/301/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido/); divulgado parcialmente no blog Diplomatizzando (9/02/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/02/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais.html).

 

Nove décimos da História foram feitos de muitos sofrimentos para a maioria da humanidade. Desnutrição, inanição, morte precoce, pela fragilidade alimentar, pela intervenção de fatores naturais ou daqueles criados pelas mãos dos homens: invasões, guerras, dominação, escravidão, quando não matanças e apropriação das riquezas de outras tribos. Durante milhares de anos, a escravidão foi um fato corriqueiro na vida dos povos, seja como escravocratas, seja como objetos da servidão forçada, pela dominação, pelas dívidas, pela submissão sob qualquer pretexto. Sobrevieram melhorias na agricultura, a revolução tecnológica mais importante na trajetória das sociedades humanas, antes da segunda, milhares de anos depois: a revolução industrial, no século 18. O crescimento agrícola e a domesticação de espécies vegetais e animais representaram a superação da insegurança alimentar, que sempre pairou sobre todos. 

Historiadores retraçaram o destino das sociedades humanas e a transmissão das novas técnicas e variedades vegetais e animais ao longo do espaço euroasiático do hemisfério setentrional, liberto das barreiras que se interporiam a essa disseminação no eixo Norte-Sul, na faixa tropical. Tais barreiras estão na origem das divergências entre o norte temperado e as latitudes tropicais, uma das razões do lento desenvolvimento, ou da preservação do atraso, no hemisfério meridional (exceto Austrália e Nova Zelândia, situadas na zona temperada, e que se beneficiaram da colonização britânica).

Dez mil de anos se passaram entre a primeira, a agrícola, e a segunda revolução econômica da espécie humana, a industrial. A do século 18, na Europa ocidental, foi a primeira de um ciclo cada vez mais rápido de mudanças nos padrões industriais, criando a grande divergência entre as nações mais ricas e as outras, que permaneceram pobres. No intervalo, a humanidade conheceu progressos econômicos muito lentos, com avanços tecnológicos sendo neutralizados pela armadilha malthusiana, a geométrica expansão das populações exercendo uma pressão constante sobre o aumento aritmético da oferta alimentar. 

Não obstante, descobertas científicas – escrita, cálculo, observação da natureza, nascimento da própria história – e alguns avanços éticos – religiões não-sacrificiais, filosofia moral, noção de bem público, consciência da unidade fundamental da raça humana – fizeram com que algumas sociedades conhecessem progressos materiais, culturais e artísticos que ainda hoje se colocam como realizações admiráveis do espírito humano, ao lado de aspectos menos edificantes, como matanças em massa e a destruição de civilizações inteiras. 

Até o século 18, todas os povos e civilizações possuíam uma base agrícola bastante frágil, com desequilíbrios ocasionais que provocavam surtos de fome e a eliminação de “excedentes populacionais”, de acordo com concepções malthusianas que, felizmente, deixaram de se manifestar no momento mesmo de sua formulação. A partir de um lento acúmulo de inovações produtivas, ao longo de vários séculos, mas também de mudanças no plano das ideias, a Europa ocidental escapou da armadilha malthusiana para enveredar por um caminho de crescimento sustentado, a taxas mais elevadas do que aquelas conhecidas durante séculos, com progressos sociais.

A China vem à mente como exemplo de potencialização das oportunidades de criação de riqueza e prosperidade depois de uma longa estagnação. Ela sempre foi muito mais rica do que qualquer outro império ou economia nacional. No entanto, ela não conseguiu dar o salto produtivo que a colocasse na vanguarda da moderna sociedade industrial e de serviços, como ocorreu a partir da revolução industrial do século 18. Ela falhou nessa primeira, esteve ausente da segunda e na terceira estava dominada pelo maoismo demencial do Grande Salto para a Frente e da Revolução Cultural. Deng Xiaoping retirou-a dessa modorra e lançou-a no frenesi da grande interdependência global, passando a receber investimentos e abrindo-se ao comércio.

Com base nesse exemplo, como responder à questão título do artigo: por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? Ou dito de outra forma: por que o Brasil ainda é um país atrasado? Qualquer que sejam as interpretações que se possam fazer sobre as trajetórias das sociedades avançadas e das nações atrasadas, uma coisa fica clara no desenvolvimento histórico das sociedades do Novo Mundo, incorporadas à economia europeia e registrando uma grande divergência entre sua parte setentrional, basicamente anglo-saxã, e sua vertente latina, ou ibero-americana. É inegável que, partindo de processos colonizadores relativamente contemporâneos, a partir do século 16, a parte norte-americano deslanchou para uma trajetória histórica de precoce progresso material, e institucional, comparado ao mais lento desenvolvimento das nações latinas.

Historiadores econômicos, baseados em dados sobre produção e exportação de riquezas naturais, formulam a hipótese de que os novos espaços de ocupação ibérica nas Américas eram bem mais ricos do que as pequenas colônias agrícolas da América do Norte, criadas ou organizadas por uma vaga de imigrantes pobres, refugiados religiosos ou emigrados econômicos das frias paragens da Europa setentrional. Chega-se mesmo a enfatizar a imensa “renda per capita” do Haiti, o maior exportador de açúcar do mundo numa certa fase de sua colonização francesa, como se a renda monetária derivada dessas exportações constituísse evidência de progresso material ou de prosperidade na parte ocidental da ilha conhecida como Hispaniola. O próprio Nordeste brasileiro, no auge da produção açucareira, podia de fato exibir um alto nível de renda, mas, como no Haiti, a riqueza circulava entre proprietários e comerciantes, e se apoiava sobre uma economia escravista de extrema rotatividade no tocante ao “capital” humano.

Mais importante do que a simples disponibilidade de recursos naturais, ou a mobilização de fatores produtivos para a “extração” de valor de colônias de ocupação, é a conformação geral das instituições sociais e a capacidade de que podem dispor os agentes primários de criação de riqueza de se proteger contra a desapropriação dessa mesma riqueza pelos atores políticos atuando a partir de um Estado organizado. 

Se pudéssemos resumir as diferenças fundamentais entre as sociedades ibéricas e as sociedades anglo-saxãs, elas seriam estas: tudo o que não fosse expressamente concedido, permitido, alocado, atribuído pelo poder soberano – sob a forma de alvarás régios, mandato ou concessão especial – estava ipso facto proibido à iniciativa privada, devendo portanto aguardar que a atribuição régia ou burocrática se fizesse pelo Estado centralizado; do outro lado, tudo o que não fosse expressamente proibido por alguma legislação emitida legalmente poderia ser objeto da iniciativa individual ou coletiva por parte de particulares, sem a necessidade de um ato concessivo por parte do soberano. As primeiras, obviamente, foram as nações de tradição ibérica, as segundas, as anglo-saxãs. 

A outra diferença é que o povoamento em bases familiares na América do Norte, com famílias camponesas trazendo avanços tecnológicos já adquiridos ex-ante, não tinham correspondência nas colônias de exploração de recursos locais, em bases senhoriais, apoiadas na servidão das populações originais ou na escravatura africana, com reflexos nos modos de organização política e social em cada lado. A colonização anglo-saxã se faz a partir de instituições similares às que existiam nas comunidades de origem, com uma democracia de base simbolizada na eleição local dos xerifes de aldeia e dos juízes de condado, ao passo que no mundo ibero-americano a representação política sempre obedeceu aos ritos do mandonismo dos senhores de terras, secundados por oficiais da metrópole encarregados de um sistema amplamente disseminado de extração de recursos em favor da metrópole colonial. Esta é a base histórica da diferenciação. Veremos a continuidade desse processo no próximo artigo.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 13 de novembro de 2023

 

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Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (2)

 

 

Paulo Roberto de Almeida

revista Crusoé (n. 303, 23/02/2024, link: https://crusoe.com.br/cronica/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido-segunda-parte/); divulgado parcialmente no blog Diplomatizzando (23/02/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/02/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais_23.html). Relação de Publicados n. 1547. 

 

 

Raymundo Faoro, em sua tese de 1958 sobre os Donos do Poder, analisou o lento desenvolvimento do patrimonialismo ibérico até as formas modernas de corporativismo dos “estamentos burocráticos” que dominam o Estado e as relações contratuais nesses países. O patrimonialismo veio sendo transformado ao longo das novas formas de organização política nos países latino-americanos, sem jamais ter sido extirpado ou reduzido nas modernas repúblicas formalmente democráticas. 

Acresce a essas características do centralismo ibérico, o fato histórico relevante da contrarreforma, um movimento regressista, obscurantista, cientificamente obstrutor do progresso científico, ou seja, reacionário no plano da liberdade de ideias e no de sua transmissão. A ausência completa de uma revolução científica e, mais importante ainda, a completa omissão dessas sociedades na questão da alfabetização de massa impactou profundamente a trajetória posterior dessas sociedades, comparativamente às nações da tradição protestante, nas quais a leitura individual da Bíblia e a escolarização generalizada conduziram a patamares mais elevados de educação formal, que é a base da produtividade do capital humano, o grande diferencial das sociedades modernas.

Em 1900, no momento em que o Brasil consolidava seu regime republicano, a taxa de matrículas na escola primária era de apenas 258 estudantes para cada 10 mil habitantes, vis-à-vis as taxas de 1.969 estudantes para os Estados Unidos e de 1.576 para a Alemanha. Para ser mais preciso, o Brasil não conseguiu alcançar um nível de cobertura quantitativa em matéria de ensino primário comparável ao dos Estados Unidos no começo do século 19 antes dos anos 1970, ou seja, cerca de 150 anos depois. Essa realidade revela o tamanho da distância, puramente quantitativa, que separa o Brasil das nações educacionalmente mais avançadas. No plano qualitativo, os resultados deploráveis obtidos por estudantes brasileiros no âmbito de exames internacionais quanto a desempenho no ensino médio – por exemplo, o PISA da OCDE – confirmam as enormes carências relativas à formação de capital humano no Brasil. Trata-se de uma insuficiência estrutural construída em séculos de descaso e desprezo com a educação. 

Dispensável dizer que, com base na especialização em um número restrito de produtos primários e no sistema de trabalho escravo, com um mínimo de cultura letrada, inexistência de universidades ou de simples escolas de formação básica, e um sólido monopólio da Coroa sobre todas as formas de expressão política e intelectual, ademais da preservação do regime mercantilista jamais eliminado completamente, o Brasil não poderia sequer sonhar em acompanhar os primeiros rudimentos de revolução industrial que tiveram lugar na Nova Inglaterra, por exemplo, ou em abrir espaço a companhias privadas dedicadas a pequenas indústrias, estaleiros, estabelecimentos comerciais e bancários capazes de impulsionar uma economia de mercado que sempre permaneceu funcionando em bases extremamente precárias. 

Os progressos materiais foram muito lentos no período monárquico. O início do período republicano trouxe algum alento nas políticas de proteção à indústria nacional, mas em caráter bastante volátil, pois que também dependente da capacidade de importação, que sempre foi dada, até meados do século 20, pela produção rudimentar de algumas poucas commodities de exportação. A partir da depressão dos anos 1930, o Brasil envereda por um esforço de industrialização bem-sucedido, com taxas sustentadas de crescimento que se manterão acima da média mundial, com picos de alto crescimento até as crises do petróleo dos anos 1970, quando a dependência do combustível fóssil se situava acima de 80% do consumo. Nacionalismo, protecionismo, mercantilismo, dirigismo estatal foram os traços básicos industrialização desde então. 

A educação de massa permaneceu em níveis deploráveis, ou até conheceu retrocessos simultaneamente às grandes ondas migratórias, de urbanização e de democratização social registradas a partir dos anos 1960, com respeito à razoável escola pública construída nas décadas de 1930 a 1950. A falência progressiva da educação pública de massa traduz uma inépcia fundamental das elites brasileiras, todas elas, com destaque para o empresariado industrial, cuja pujança nacional foi alcançada em notável promiscuidade com o Estado e a tecnocracia pública. As mesmas elites, inclusive as oriundas do setor sindical operário, que ascenderam ao poder já no século 21, preservaram as mesmas deformações criadas e alimentadas durante todo o esforço de industrialização ao longo do século 20, quais sejam: o protecionismo, o dirigismo, o mercantilismo, o nacionalismo, o isolamento das cadeias mundiais de valor, em uma palavra, o stalinismo industrial, que já tinha sido a característica do regime militar. 

Ao lado dessas características estruturais e institucionais, cabe referir também a extrema volatilidade das políticas macroeconômicas e setoriais em determinadas fases. O Brasil é, provavelmente, o único país do mundo a ter conhecido oito sucessivas moedas no curso de três gerações, sendo seis diferentes moedas num período inferior a dez anos (os anos de hiperinflação de meados dos anos 1980 à primeira metade da década seguinte). A instabilidade macroeconômica se caracterizou igualmente por crises fiscais, volatilidade cambial, manipulação dos juros de referência e intenso uso dos bancos públicos, ao lado de atrasos indesculpáveis em importantes reformas estruturais. No plano da competição, cabe registrar a existência de monopólios estatais e de carteis do setor privado, ou seja, alta concentração em alguns setores e ganhos monopólicos em detrimento da renda da população. 

No plano da governança, o Estado brasileiro transformou-se num ogro famélico que suga, captura, extrai recursos, renda e riqueza produzidos no setor privado em favor dos mandarins corporativos exibindo por vezes comportamentos aristocráticos típicos do Ancien Regime, como é o caso do Judiciário. As disparidades de rendimentos do trabalho entre o setor público e o setor privado são inaceitáveis do ponto de vista de um sistema democrático baseado na transparência e na meritocracia. A baixa qualidade do capital humano compromete gravemente um processo de ganhos de produtividade que possam ser refletidos numa maior competitividade externa da economia brasileira, pois o grau de inovação é pífio para os padrões existentes em países de capacitação industrial similar ou comparável. Finalmente, o Brasil é o mais fechado país do G20, com base num coeficiente de abertura externa inferior à metade da média mundial. 

Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? Uma resposta simples seria representada pela inépcia das elites, todas as elites, as tradicionais, as “modernas”, as supostamente representativas dos trabalhadores e dos setores populares, os empresários, os banqueiros, os acadêmicos, os políticos, os altos funcionários públicos. Uma resposta ainda mais simples poderia ser encontrada numa realidade bem prosaica: ideias erradas, não ausência de capital, explicam o atraso do Brasil na atualidade.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 13 de novembro de 2023

revista Crusoé (n. 303, 23/02/2024, link: https://crusoe.com.br/cronica/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido-segunda-parte/); divulgado parcialmente no blog Diplomatizzando (23/02/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/02/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais_23.html). Relação de Publicados n. 1547. 

 

 

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O que falta ao Brasil para ser um país desenvolvido? (1) 

 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo da série “desenvolvimento” para a revista Crusoé

Revista Crusoé (n. 305, 8/03/2024; link: https://crusoe.com.br/o-caminho-do-dinheiro/o-que-falta-ao-brasil-para-ser-um-pais-desenvolvido-terceira-parte/); transcrito parcialmente no blog Diplomatizzando (9/03/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/03/o-que-falta-para-o-brasil-ser-um-pais.html). Relação de Publicados n. 1551.

 

 

Em dois artigos anteriores, focalizei a questão de saber por que o Brasil ainda é um país não desenvolvido: Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1)”, revista Crusoé (n. 301, 9/02/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/301/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido/); “Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (2)”, revista Crusoé (n. 303, 23/02/2024, link: https://crusoe.com.br/cronica/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido-segunda-parte/). Pretendo focar agora, neste terceiro artigo, nos elementos estruturais e institucionais que obstam, e que já obstaram, a que o Brasil se apresente ao mundo como um país de renda média alta, sem os miseráveis que povoam as ruas, sem o flagelo da fome e sem tantos outros males históricos de nossas renitentes carências sociais.

Não faltam recursos naturais, os mais diversos, que ainda são abundantes, e o serão pelo futuro indefinido. Tampouco falta ao Brasil energia renovável, agora, e certamente nos anos à frente. A pirâmide demográfica ainda é positiva, mas já no movimento inverso ao do bônus, com uma tendência recente, e indesejável, à emigração de cérebros, por fatores não de todo obscuros. Os problemas principais radicam na baixa produtividade do capital humano, na insegurança jurídica e no caráter errático das políticas macroeconômicas e setoriais; por fim, há essa introversão protecionista historicamente persistente, que nos mantêm pouco inseridos nos circuitos mais dinâmicos da economia global.

São esses fatores gerais, alguns conjunturais, vários estruturais, desde muito tempo, que obstam ao Brasil a necessária ascensão a uma renda per capita bem mais próxima da média da OCDE do que ela é hoje, aparentemente estacionada no mesmo patamar desde a crise dos anos 1980. Cabe identificar o momento em que perdemos o passo.

Pode datar daquela década nossa renitente tendência à estagnação em baixos índices de crescimento econômico. Nos cinquenta anos anteriores, a despeito de recorrências inflacionárias persistentes, o Brasil tinha se caracterizado por níveis altamente favoráveis de crescimento do PIB, embora com certa tendência ao aumento das desigualdades, o que de certa forma estava conforme à curva de Kuznets, o famoso U invertido, segundo o qual as forças de mercado em expansão primeiro aumentam, depois diminuem a desigualdade econômica entre os estratos sociais. Os militares deram o golpe em 1964 – mais contra a inflação do que contra um improvável comunismo – com a economia brasileira ainda situada na terceira dezena dos PIBs mais relevantes, e o deixaram num patamar 50% mais elevado. Depois ainda conseguimos pular para baixo da barreira das dez economias mais importantes.

Mas, assim como a primeira década da gestão tecnocrática da ditadura militar foi competente nas reformas e na estabilização para o crescimento e a expansão manufatureira nas exportações, a segunda década foi pródiga em erros deploráveis nos investimentos, o que resultou na dupla crise da dívida externa e da aceleração inflacionária. O crescimento para dentro resultou na continuidade do baixo coeficiente de abertura externa, num nacionalismo produtivo que isolou o Brasil das cadeias mundiais de valor e numa esquizofrenia nas contas públicas que se refletia num orçamento triplicado: o fiscal, praticamente inoperante após poucos meses, o monetário, caracterizado pelo emissionismo desenfreado para financiar obras faraônicas, e o das estatais, usado sobretudo para captar recursos do exterior de molde a jogar adiante o peso já enorme do serviço de uma dívida externa também triplicada. De positivo, o regime militar deixou a industrialização realizada, de negativo o enclausuramento.

De fato, o principal fator a obstar nossa contínua ascensão econômica é a introversão econômica, mas não só econômica. As universidades – que foram premiadas durante todo o período ditatorial – ainda arrastaram para a Constituinte de 1988 a proibição de contratação de professores estrangeiros, ademais de uma outra ridícula introversão, a linguística, ambas corrigidas depois. Mas persistiu o isolamento da pesquisa universitária do chão de fábrica, o que se reflete no baixo grau de inovação industrial, resultando, por sua vez, de pífios ganhos de produtividade. Esta tem duas vertentes principais, a do capital, cuja melhoria pode ser obtida via ingresso de investimentos diretos, inclusive na infraestrutura, e a produtividade do capital humano, notoriamente deficiente por conhecidas razões da estrutura educacional. Daí que se tornam ainda mais dramáticos os baixos níveis de proficiência nos exames do PISA – o programa da OCDE de avaliação dos jovens na língua materna e nas matemáticas e ciências elementares –, nos quais o Brasil ocupa persistentemente os últimos lugares entre 70 países.

Aliás, a novela da aproximação e afastamento da OCDE, o clube não mais dos países ricos, mas das boas práticas em políticas macroeconômicas e setoriais, se arrasta de maneira errática desde o governo Collor, quem primeiro ensaiou um exercício de interação. Ele teve prosseguimento nos governos FHC, Temer e Bolsonaro (quando o processo de adesão foi formalizado), mas permaneceu congelado durante os três mandatos e meio do lulopetismo no poder, o que voltou a ser registrado sob Lula. O Brasil não precisa necessariamente aderir à OCDE como membro pleno, mas poderia pelo menos estudar e aplicar os padrões de políticas econômicas e setoriais que caracterizam os países de maior estabilidade fiscal e monetária, de maior abertura econômica e liberalização comercial e, consequentemente, de maior renda per capita e bem-estar social. 

Os países atualmente desenvolvidos – e eles o são há muitas décadas, senão séculos, embora alguns de desempenho positivo mais recente, como a Coreia do Sul – não precisam obrigatoriamente ser economias de altas taxas de crescimento do PIB per capita, mas dotados de sólidos fundamentos macroeconômicos, com boa governança na administração pública, alta qualidade do capital humano e grande abertura aos investimentos estrangeiros e ao comércio internacional. Estes parecem ser os padrões que caracterizam os países membros da OCDE, ou pelo menos aqueles que são testados, aplicados e avaliados constantemente pela organização sediada em Paris, hoje acolhendo muitos países em desenvolvimento, inclusive vários da América Latina.

Não existe, obviamente, uma receita milagre para fazer um país de renda média alçar-se rapidamente aos escalões mais altos do Índice de Desenvolvimento Humano. Mas existem exemplos conhecidos de retrocesso ou de estagnação nos “voos de galinha”, com inflação e crises fiscais ou cambiais se alternando a intervalos regulares. Por vezes, é mais importante aprender com os fracassos de países comparáveis – alguns até bem próximos de nós – do que com experiências de sucesso, que resultam de uma série variada de boas políticas domésticas, de condições externas favoráveis e de um pouco de sorte (que também ajuda). O Brasil teve a “sorte” de não seguir nosso vizinho platino no seu longo declínio econômico, que repetiu os mesmos erros várias vezes seguidas. Em “compensação”, mantém certo fascínio recorrente pelo desequilíbrio fiscal, resultado de governantes desejosos de mostrar prodigalidade em certas obras de retorno duvidoso e de parlamentares ávidos por projetos paroquiais, que acabam fragmentando a operacionalização das despesas orçamentárias em uma miríade de pequenas obras em seus redutos eleitorais. 

O que, sobretudo, nos faltou, ao longo de décadas e de séculos, foi a componente educacional da produtividade do capital humano, e não necessariamente em nível de graduação ou pós-graduação. Nossas ciências até que acompanham o estado da arte dos avanços científicos no mundo, pelo menos no plano dos estudos nas ilhas de excelência dos estabelecimentos oficiais, embora o lado tecnológico seja menos brilhante, pela já referida baixa interação entre universidades e empresas privadas, que acabam recorrendo a “caixas pretas” importadas. O que realmente distancia o Brasil dos países mais produtivos do planeta é a qualidade deplorável do ensino de massa nos graus elementares do ensino público: se o atraso quantitativo nas taxas de escolarização foi em grande medida sanado – embora com um atraso de mais de um século comparativamente aos pioneiros da educação –, não se pode dizer o mesmo da deterioração qualitativa dos primeiros ciclos de ensino. É certo que a ampliação do recrutamento escolar – acompanhando os processos de urbanização e de democratização do acesso ao ensino público – responde em parte pela perda de qualidade, mas o investimento público no fundamental e a mediocridade da formação de professores respondem pelo núcleo duro das deficiências detectadas nos exames do PISA. 

 

(Continua no quarto e último artigo desta série, com a discussão das políticas apropriadas para um processo de desenvolvimento sustentado.)

 

Brasília, 4594, 7 março 2024, 4 p. 

Revista Crusoé (n. 305, 8/03/2024; link: https://crusoe.com.br/o-caminho-do-dinheiro/o-que-falta-ao-brasil-para-ser-um-pais-desenvolvido-terceira-parte/); transcrito parcialmente no blog Diplomatizzando (9/03/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/03/o-que-falta-para-o-brasil-ser-um-pais.html). Relação de Publicados n. 1551.

 

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O que falta ao Brasil para ser um país desenvolvido? (2) 

 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Quarto e último artigo da série “desenvolvimento” para a revista Crusoé

 

 

Em três artigos anteriores discutimos as razões pelas quais o Brasil continua, ainda, um país persistentemente em desenvolvimento – 4509. “Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1); 4510. Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (2) – e, o terceiro da série: “O que falta para o Brasil ser um país desenvolvido? (1). Vamos encerrar o ciclo, desta vez, discutindo o caminho pelo qual o Brasil poderia, finalmente, alçar-se à condição de país desenvolvido. Os argumentos, em cada um dos quatro artigos, são necessariamente sintéticos, dada a amplitude das questões, mas eles estão baseados num largo conhecimento da literatura especializada – economia e sociologia do desenvolvimento –, mais a experiência adquirida em décadas (como diplomata e acadêmico) de viagens pelo mundo, de atenta observação da trajetória de países fracassados e exitosos na trilha do crescimento econômico e do desenvolvimento social sustentado e sustentável, assim como em reflexões ponderadas sobre como o Brasil pode dar, finalmente, a sua arrancada final.

 

Se o Brasil cresce pouco, a razão está simplesmente na baixa taxa de investimento, a partir de percentuais irrisórios de poupança do setor privado, quando não da despoupança estatal. É notório que o Estado extrai recursos em demasia da sociedade, diminuindo, assim, a capacidade do setor privado de se expandir e de criar empregos, renda e riqueza. Não se pode acreditar que o Estado passe a criar riquezas a serem distribuídas à sociedade, ou pelo menos aos mais pobres, apenas pela via da extração de uma parte da renda gerada no setor privado. A OCDE costuma justamente insistir em que os Estados devem normalmente se concentrar naquilo que eles podem fazer melhor: prestar serviços coletivos e contribuir para a criação de um bom ambiente de negócios, capaz de, justamente, gerar ainda mais renda e riqueza pela via de mercados livres. Ora, se o Estado se apropria de uma parte desproporcionalmente elevada da renda gerada na sociedade, como ocorre tradicionalmente no país, ele diminui proporcionalmente o volume de investimentos necessários à expansão da oferta agregada (para empregar termos que os adoradores do Estado compreendem bem). Ora, o Brasil possui uma carga fiscal próxima da média dos países da OCDE para uma renda per capita cinco vezes menor: algo, portanto, está profundamente equivocado no plano da tributação.

A recente reforma tributária – mas incidindo exclusivamente sobre o consumo – corrigiu algumas das bizarrices mais deploráveis da estrutura existente, entre elas a taxação em cascata, cumulativamente, e levou o Brasil de volta ao conceito do IVA, que tinha sido criado numa das primeiras reformas da ditadura militar, completamente deformado nas décadas seguintes. Exceções e subsídios foram mantidos ou introduzidos por lobbies dos mais perversos, o que provavelmente obrigará a alíquota efetiva dos novos impostos a situar-se em patamares elevados comparativamente à média de outros países. Persistem dúvidas sobre se a regressividade tributária será de fato aliviada ou preservada nos níveis atuais. 

Se ouso resumir um receituário que permitiria ao Brasil consolidar um processo de reformas básicas suscetíveis de produzir uma taxa sustentada de crescimento econômico, com transformação produtiva e distribuição social dos resultados, estas seriam as medidas ideais:

1) Estabilidade macroeconômica: inflação baixa, moeda sólida, contas fiscais em ordem, regras do jogo estáveis, câmbio flexível, juros de mercado, mercados de capitais e sistemas de créditos abertos ao equilíbrio natural entre poupadores e investidores, sem os excessos da intervenção estatal, independência da autoridade monetária e responsabilização dos gestores fiscais e orçamentários. Dito assim, parece simples, mas levamos década para criar uma ferramenta de preservação do valor da moeda – um Banco Central focado principalmente nessa meta –, mas sermos fiscalmente responsáveis – com tentações políticas ao dispêndio irresponsável em diversos governos –, em tentativas fracassadas de manipulação dos juros e do câmbio – e ainda achamos, infelizmente, que o Estado é a melhor via para garantir crescimento por indução tecnocrática, em lugar de uma microeconomia livre dos constrangimentos intervencionistas e protecionistas.

2) Competição microeconômica: ausência de monopólios e cartéis, regras claras de concorrência no setor privado, concessões públicas em serviços coletivos com aplicação do chamado princípio de market contestability, estímulo à abertura do mercado doméstico à competição estrangeira para estimular inovação e a busca constante de qualidade e preço na oferta agregada (além de pressão deflacionista). Neste quesito, parece clara a orientação de certos governos a se apropriarem de empresas estatais para finalidades imediatas, desajustadas de objetivos a largo prazo de modernização competitiva nos mercados globais, assim como a tentação de até induzir empresas privadas a cumprirem “metas governamentais”, em lugar de apenas obter resultados no seu próprio âmbito microeconômico.

3) Boa qualidade das instituições públicas: governança transparente, controles cruzados, responsabilização nos cargos de confiança, diminuição da estabilidade e das vantagens nos cargos públicos, eficiência nos típicos serviços de Estado (justiça, principalmente), com vistas à redução dos chamados ‘custos de transação’. Parece claro que a insegurança jurídica é um dos principais “resultados” de um poder judiciário intrusivo e ativista demais (sobretudo na área trabalhista), da qual decorrem custos de transação anormalmente elevados no Brasil, ademais da tradicional “mão forte” do estamento político sobre o funcionamento das atividades privadas nos três níveis da federação.

4) Alta qualidade dos recursos humanos: condição essencial para o aumento da produtividade do trabalho; os desafios maiores, paradoxalmente, não estão no pessoal qualificado de alto nível, mas na formação básica e técnico-profissional do conjunto da população; o melhor, e talvez o único, investimento realmente prioritário que os governos precisam fazer é o de educar bem todos os membros da sociedade. Como já ressaltado nos artigos anteriores, esta é, provavelmente, a maior tragédia nacional, a de ter começado muito tarde na cobertura ampla da escolarização dos mais jovens – praticamente um século e meio depois dos países mais avançados –, agregado ao fato da perda de qualidade da educação pública nos dois primeiros níveis e a deficiência adicional de se ter um terceiro ciclo e a pós-graduação relativamente descolados das necessidades do setor privado.

5) Abertura ao comércio e aos investimentos estrangeiros: não se trata de adotar, necessariamente, uma postura liberal, mas ela deveria ser pelo menos aberta ao comércio exterior – o que significa aceitar a concorrência de produtos estrangeiros como estímulo à competitividade dos produtos nacionais – e certamente receptiva aos investimentos diretos, condição para a aquisição de tecnologias avançadas e de ideias inovadoras. Percorrendo, entretanto, a inteira série de medidas de defesa comercial, e de protecionismo explícito, ao redor do mundo, desde a segunda revolução industrial, o que se constata é que o Brasil foi um dos mais países mais fechados ao comércio internacional, com níveis de proteção – não apenas alíquotas aduaneiras, mas também medidas paratarifárias – dificilmente registrados nos países que mais avançaram em suas respectivas trajetórias de inserção à economia global. Não se percebe qualquer contenção do nacionalismo industrial e do protecionismo míope. 

 

Não é seguro que as lideranças políticas e econômicas do Brasil atual consigam concertar, entre si, um consenso básico a respeito de um amplo programa e um processo de reformas estruturais e setoriais em torno dos cinco conjuntos de medidas sintetizadas nos parágrafos anteriores. Observando-se, contudo, os poucos países que saltaram a barreira do não desenvolvimento para uma situação de “classe média confortável” – quase todos na franja asiática do Pacífico –, constatamos que aqueles que o fizeram acumularam mais sucessos nas reformas indicadas do que fracassos temporários na direção de um projeto nacional exequível. 

“Ficar rico é glorioso” disse, na distante década de 1980, o líder chinês pós-maoísta Deng Xiaoping, dando início à reconstrução de uma nação miserável, então dotada de uma renda per capita inferior à metade da do Brasil. O preconceito contra a riqueza, a inveja dos ricos, a obsessão contra as desigualdades (inerentes às sociedades, em toda a história da humanidade) talvez sejam um dos principais defeitos da nacionalidade no caminho do desenvolvimento sustentado. Mas o Brasil tem condições de superar seu atraso delongado...

 

Brasília, 4595, 9 março 2024.

Conjunto dos artigos: 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4598, 9 março 2024, 14 p.

 

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