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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Minitratado da Reencarnação - Paulo Roberto de Almeida


Minitratado da Reencarnação

Paulo Roberto de Almeida

Não, não quero falar da reencarnação “real”, aquela na qual acreditam piamente hindus e tibetanos, pelo menos os religiosos, nisso seguindo, ao que parece, os antigos egípcios, que já não estão mais entre nós para contar como era a sua experiência nessa matéria, supostamente rica. Os primeiros são radicais, capazes até de interromper a construção de um templo por uma minhoca que apareceu no canteiro de obras; afinal, nunca se sabe: pode ser a mãe de alguém. Enfim, se os egípcios ainda nos assustam com múmias de Hollywood, os outros nunca provaram o que afirmam.
Quero falar de outra reencarnação, de tipo virtual; uma que mobilizaria, ao que parece, os simples escritores, ou escrevinhadores, como eu, que ficam imaginando vidas alternativas com base no famoso what if?, isto é, o que eu faria se me fosse dado retomar o curso (que dizem retilíneo) da história, se eu pudesse inverter a flecha irrecorrível do tempo? O que eu faria se pudesse reescrever meu itinerário, se me fosse dado viver a mesma vida, mas escolhendo, com o benefício do hindsight, o melhor caminho para algumas das velhas (ou novas, diferentes) situações, se eu pudesse prever as consequências e fazer, assim, as escolhas mais convenientes?
Em outros termos, o que eu faria se me fosse dado configurar o “ótimo paretiano” de minha existência em nada extraordinária, mas bastante diferente da de muitos outros de minha geração? O que eu teria feito de diferente para, digamos, ficar rico, famoso e admirado? Bem, estou apenas usando uma figura de estilo. Nunca pensei em ficar rico, de verdade; embora, algumas vezes, as loterias, que eu não joguei, bem que poderiam ter ajudado a trocar algum carro velho. Mas todo mundo, pelos menos normal, sempre quer ser admirado pelos outros, o que implica ser famoso primeiro. Minhas vantagens comparativas nunca estiveram, hélas, nos esportes ou na música – sou o maior desafinado que jamais encontrei na vida e no mundo –, as duas áreas que mais rendem fama e dinheiro para os sortudos ou talentosos.
Minhas (poucas) vantagens comparativas sempre estiveram naquele setor infelizmente tão depreciado e desvalorizado no Brasil: a educação e a cultura. Fui um rato de biblioteca desde o início, e não poderia ser de outro modo, ao residir perto de uma biblioteca pública infantil. Enfim, poderia, sim, ter sido diferente, se eu tivesse preferido ficar mais tempo jogando pelada na rua, com a molecada do bairro, em lugar de me enterrar na biblioteca todos os dias depois da escola, e ainda retirar livros para ler em casa, no exato momento em que ela fechava, às 6 horas da tarde. Quase todo dia, eu levava um ou dois livros para casa, tentando devolvê-los já no dia seguinte; não era fácil, pois ler na cama, à contraluz, não era uma das coisas mais confortáveis que se pode imaginar para o devorador de livros que eu era (ainda sou).
Mas então o quê: como seria com alguma reencarnação de encomenda? Será que eu poderia ter ficado famoso como jogador de futebol? Não acredito! Eu só era um pouco menos ruim jogando que cantando; não creio que teria feito uma brilhante carreira do lado dos esportes e certamente nenhuma no campo das artes. Melhor, assim, ter ficado com os livros, que pelo menos me deram prazer intelectual, sem que eu me arriscasse a desafinar ou a desmantelar a armação do time a cada página virada.
Agora, retomando minhas opções preferenciais, como teria sido então? Com exceção de alguns poucos intelectuais de peso, quem, alguma vez, ficou famoso, no Brasil, por gostar de livros, ou por pretender ter uma carreira na educação, ou seja, no magistério e na redação de livros? Deveria eu trocar de reencarnação? Em qual tipo de personagem eu deveria reencarnar, exatamente? Teria de ser o contrário de tudo o que sempre gostei de fazer? Ler, refletir, escrever, eventualmente publicar o que resultar de tudo isso? Sei que jamais ficarei rico, muito menos famoso; mas quem sabe eu seria, enfim, admirado por todos aqueles que gostam dessas mesmas coisas?
OK, OK, então por onde começamos essa reencarnação dirigida para o que eu sempre gostei de fazer? Bem, eu recomeçaria exatamente pelo mesmo cenário infantil: uma biblioteca pública. O que mudaria, talvez, para aumentar minhas chances de sucesso no futuro projetado, seria a condição social de minha família: em lugar de pai e mãe que saíram da escola primária para trabalhar, pessoas de classe média. Não que eu tenha vergonha da pouca educação de meus pais, pois isso faz parte da vida, mas o fato é que eu cresci em uma casa sem livros e sem revistas ou jornais; seria preciso, pelo menos um pouco, dispor de dinheiro para comprar livros (e também aqueles sundays e banana-splits que eu cobiçava sem poder comprar).
Será que tudo é uma questão de dinheiro? Uma reencarnação com mais livros e mais dinheiro mudaria, de fato, a minha vida? Talvez ajudasse um pouco. Não creio que eu chegaria a ser, de verdade, muito diferente do que sou hoje: um amante dos livros, um obcecado por livros, um maluco que passa o seu tempo a ler, a refletir a partir dessas leituras e a escrever, colocando no papel as impressões de tudo isso. Um pouco mais de livros, não teria mudado essa “fatalidade”; afinal de contas, lendo o tempo todo, seria fisicamente impossível, talvez, ler mais ainda.
Enfim, se eu tivesse crescido em outro meio social, talvez eu pudesse ter comprado os livros que não estavam à minha disposição, nas várias bibliotecas que frequentava intensamente, e talvez tivesse publicado mais cedo, tendo alcançado aquela fama – não exatamente narcisista – que permite ter livros resenhados na grande imprensa e comentados pela chamada intelligentsia. Isso eu confesso que não consegui fazer, e talvez o meu projeto de reencarnação poderia ter ajudado em algo nesse departamento. Quem sabe eu poderia reencarnar como editor de mim mesmo? (Não! Isso seria uma fraude contra as boas práticas da difícil profissão de editor; os honestos, quero dizer, pois também existem os que fazem ação entre amigos.)

OK, reconheço agora que não estou escrevendo o que disse que iria fazer, ou seja, um minitratado da reencarnação; para restar fiel aos exemplos precedentes desta minha série, esta deveria ser uma peça sistemática, expondo rigorosamente, isto é, “cientificamente”, as bases da reencarnação, para depois retomar literariamente meu “outro” destino neste mundo tão imprevisível. O que na verdade flui do meu teclado é uma espécie de minibiografia saudosista falando apenas da minha obsessão por livros e pela palavra escrita. O que posso fazer se não sou perito nessa coisa de reencarnação, e sequer acredito nesse tipo de baboseira? Bem, peço o perdão dos crentes sinceros nesse tipo de coisa, ou seja, as “almas puras”. Acredito, também sinceramente, que os reencarnados verdadeiros, quando inteligentes, sempre têm coisas boas para contar.
Aqui entre nós, existem, de fato, reencarnados verdadeiros? Vocês também, como eu, não desconfiam dessas pessoas que pretendem ser a reencarnação de Cleópatra, de Júlio Cesar, de Napoleão? Nunca encontrei alguém que dissesse ter sido a reencarnação de algum escravo egípcio que construiu as pirâmides dos grandes faraós, que foi um dos assassinos do mesmo Cesar, ou um simples soldado de Napoleão, que morreu nas planícies geladas da Ucrânia, na inútil tentativa de voltar para casa. Alguém admite ter sido uma simples minhoca, como aquelas mães de tibetanos? Todos pretendem ter vivido algum personagem famoso. Blefe, tudo isso!

Bem, voltando ao meu projeto de reencarnação, ou melhor, ao espírito deste meu minitratado, quero dizer simplesmente isto: o que todo mundo procura, afinal, numa eventual volta ao mundo em condições melhores do que as anteriores – sim, também não conheço ninguém que pretenda voltar pior – é que, salvo um acidente ocasional, uma surpresa do acaso, é a virtude de pelo menos ser feliz no amor. Como teria sido se, em lugar daquela timidez incontrolável, eu tivesse tido a coragem de falar com aquela loirinha da terceira fila, tê-la convidado para o cinema de domingo, supondo-se que eu também teria dinheiro para o sorvete na saída? Como teria sido se eu tivesse tido a coragem de dar-lhe um beijo, e declarar o meu amor eterno? OK, mudando agora de assunto: suponhamos que eu tivesse tido a chance de ter ajudado no trabalho escolar da filha daquele editor famoso, que ele tivesse em seguida me convidado para escrever meu primeiro livro para jovens do ensino médio? Eu já teria sido famoso antes de entrar na Faculdade, onde eu evidentemente assombraria os professores com a minha erudição fenomenal e precoce. Talvez fosse convidado para ser assistente daquele famoso sociólogo que depois virou presidente por acaso...

Mas que coisa: estou sonhando. Reencarnação não existe, e o melhor que podemos fazer por nós mesmos é levar esta vida terrena – a única de que dispomos – de forma responsável, tentando ser bons para nós mesmos, para todos os que nos cercam, sem esquecer a humanidade em seu conjunto (estou sendo exagerado e pretensiosamente generoso, claro). Creio que a essência e o princípio de tudo para merecer uma boa reencarnação – para os que acreditam nessas coisas, claro – é fazer isso mesmo o que acabo de escrever: deixar o mundo melhor, pelo menos um pouco melhor, do que aqueles que encontramos quando aqui chegamos. Afinal de contas, somos todos responsáveis pela administração deste pequeno planeta perdido na imensidão da galáxia. Boa sorte aos que reencarnarem. É melhor ser ativo aqui mesmo, sem perda de tempo e sem esperar um ponto de partida melhor.
Ser responsável com o mundo e a espécie humana é difícil, mas isso se faz pelo trabalho honesto, pela participação cidadã nos negócios da comunidade, pela elevação material e espiritual – isto é, pela educação e cultura – de todos os que nos cercam e de todos aqueles que podem se beneficiar de nossas boas ações. Em resumo, devemos sempre visar bastante alto em nossos objetivos de vida, para que consigamos realizar pelo menos uma parte de tudo aquilo que almejamos. Isso, supostamente, nos traria um vale-brinde para a reencarnação, a ser descontado em algum momento de nossas vidas (inclusive, e de preferência, nesta aqui mesmo, na terrena). Pode também valer um ingresso em algum livro de recordações.
Em todo caso, boa sorte a todos os que miram na reencarnação. A minha, virtual, já está feita: ela se expressa naquilo que escrevo e publico. Vale!

Brasília, 28 de fevereiro de 2011 [Revisão: 05/11/2011]

9 comentários:

Vanessa Reis disse...

Incrível o post. Bem como, para mim, a tal "reencarnação". E sendo incrível, deliciei-me com as palavras; assim como me delicio com essa idéia de reencarnação (teria eu sido a Rainha de Sabah ou uma de suas lacaias?). Encontrei-me nas suas experiências. Se é que alguém pode se encontrar nas experiências do outro. Enfim, achei único seu post. Tão como as suas experiências e divagações acerca dos caminhos que escolhemos e também dos caminhos que não escolhemos. Certamente, você fez meu dia se tornar mais interessante hoje! Alimentou meus pensamentos.

Mário Machado disse...

Só a mim que disseram que fui um soldado morto numa guerra inutil do império romano?

Professor não foi o que você quis dizer, é claro, mas aqui você é o editor de si mesmo.

Abraços,

SamirHdeMoraes disse...

Olá, professor Paulo Roberto!
Seu post estimulou-me a também escrever algumas linhas, no caso, um contraponto a você. Têm elas humildemente o intuito de gerar movimento de curiosidade na região da cabeça desse nobre e letrado professor, rato de biblioteca – como se autodefine, algo sobre o que discorreu e pertencente a uma das áreas mais atávicas da formação humana. Friso na região da cabeça pela razão exata de que, na opinião deste que lhe escreve, a mesma inteligência que usamos e com a qual nos confundimos, ou o foco que pensa - aparentemente residente no cérebro humano -, capaz de perscrutar as mais diferentes áreas humanas, carrega consigo, na maioria dos casos, um bloqueio, uma falha operacional, um bug, uma região de sombra que o impede de seguir estudando, bisbilhotando e fazendo novas descobertas no campo da realidade física da vida em regiões limítrofes, inclusive como fenômeno físico-químico. Um grave erro ou, no mínimo, um desperdício, me parece. À mente solta, livre, crescem tentáculos quase infinitos. Claro que no enorme leque das possibilidades de estudo em uma vida de cem anos devemos priorizar algumas áreas para ir mais fundo, porém, declinar de aquela exatamente que trata do sentido e funcionamento da existência e para onde tudo se afunila, não parece muito lógico, não é mesmo?
Calma, por favor (rs)! Não espere que meu parágrafo seguinte lhe atente a inteligência com a tentativa de um expediente doutrinador ou mesmerizante, dogmático ou de lavagem cerebral. Há muito superei a religião e a mística como ferramenta para fundamentar o que penso, ferramentas ainda usadas em grande escala na regência das mentes do mundo contemporâneo, mas que já não cerceiam boa parte do pensamento ocidental marxista e liberal, adepto da vida objetiva e da própria construção da realidade, que não mais outorga poderes a mitos, deuses e santos. Ademais tais ferramentas se limitam ao campo filosófico e das ideias envelhecidas, cristalizadas; não se prestam ao pensador investigativo, insaciável, que já compreendeu que tudo evolui sempre e que as próprias ideias e conceitos da realidade estão aí incluídos. Na verdade, lhe faço abaixo pequena digressão para mais bem colocar o que pretendo, mas, desde já, acrescento que o suprassumo de minha experiência – hoje, reside na aplicação ininterrupta de um importante princípio comportamental: o da descrença. Não preciso absolutamente crer em nada e tudo que existe se limita à condição de fonte bibliográfica à minha disposição decorrente da experiência alheia (ou própria). Minhas verdades são minhas experiências.
Pois bem: por contingência de minha vida particular – perdi um irmão e um sobrinho, aos 18 e 17 anos, num acidente automobilístico, quando eu era muito jovem -, e, por total falta de explicação lógica do que ocorrera naqueles meros segundos, acabei por me tornar também um rato de biblioteca, só que, digamos assim, um rato com foco bem específico. Ninguém me convencia minimamente das razões por que o negócio era assim. Parti da cosmovisão religiosa católica e acabei por fazer estudo comparado da multitipologia religiosa ocidental, passando pelo sincretismo africano brasileiro e indo parar nas delícias multifacetadas do orientalismo, com sua espiritualidade contrastante à materialidade ocidental. Escolas secretas, ocultistas e esoterismo como (pseudo) ciência também receberam minha energia investigativa. Tudo ‘conto da carochinha’, realidades construídas e reproduzidas através dos tempos para fazer o sujeito se acalmar, aceitar sua insignificância e finitude e, claro, junto, uma moral acachapante e coletivamente necessária. Em todos esses lugares comuns, digamos assim, minha surpresa residia também pelo aceitar pacífico daquela condição por tantas pessoas em iguais condições às minhas. Acabei por perceber que eu era diferente, pois, em momento algum, parei de naturalmente pensar e de aplicar criticidade ao que descobria.

(...continua...)

SamirHdeMoraes disse...

(continuação)
Ainda que nada me saciasse (ainda bem), os anos dedicados aos recônditos lugares de la creación humana me deram certa profundidade de conhecimento nas questões existenciais que assolaram a odisseia do homem como ser pensante e, sobretudo, do ferramental que gerara para dar conta da empreitada. A filosofia, a religião, o ocultismo e a ciência – esta mais recentemente, tomaram corpo em diferentes tempos e lugares para dar cabo, dentre outras, do inexplicável e da tanatofobia. Embora pensasse que se tudo desse errado ao menos em minha morte eu teria acesso a elementos esclarecedores – presumia, a inquietude e a imaturidade da condição de jovem me fez experimentar muitas das práticas por onde passei, pois, afinal, estava procurando a explicação de um evento que faz sumir as pessoas e que subvertia a máxima evolutiva darwiniana, onde o estágio evolutivo alcançado sempre é base para outro ser possível. E a inteligência humana individualizada, que experimentou, apreendeu e aprendeu do primeiro ao último momento de vida, teria sentido em deixar de existir? Nada lógico.
Aos poucos percebi, entretanto, que não poderia duvidar dos registros da fenomenologia paranormal diversa – embora fossem eventos não explicados pela ciência ortodoxa, por mais claro que fosse o fato de que as pessoas davam forma a esses registros conforme suas crenças e simbologias. Assim, passei a ser um pesquisador mais maduro e a comparar registros e cosmovisões, sempre na tentativa de identificar a reincidência dos mesmos fenômenos em diferentes épocas e lugares. Um em especial me interessava muito: o do desdobramento (há muitos nomes para isso), aquele onde uma pessoa consegue sair e voltar para seu corpo. Muitos são os registros históricos sobre esse fenômeno e, apenas para enumerar alguns deles e mostrar sua amplitude na história humana:
• 347 A.C. Platão escreve sobre o caso da projeção consciente humana – uma caminhada extrafísica- de Er, o Armênio;
• 100 D.C. Plutarco de Queroneia registra relato projetivo consciente de Aristeu de Soles, da Silícia, Ásia Menor;
• 1743 – Na Suécia, Estocolmo, tem início o Diarii Spiritualis de Emanuel Swedenborg;
• 1832 – Novela autobiográfica de Honoré de Balzac – Louis Lambert;
• 1857 – Em Paris é lançado Le Livre des Esprits, de Allan Kardec (tópicos 153 a 171);
• 1929 –Nos EUA é lançado The Projection of the Astral Body, de Sylvan Joseph Muldoon e Hereward Hubert Lavington Carrington
Descobri numa biblioteca – e mais tarde o comprei num sebo, esse livro do Sylvan Muldoon e o li com vontade. Pela primeira vez eu me deparava com algo que poderia ser replicado como prática e que, embora usasse de terminologia um pouco envelhecida, falava da experiência pessoal do autor. Eu já tinha aprendido a relaxar, trabalhar com a energia da minha atenção e usá-la para fazer o corpo relaxar sucessivamente – algo que sempre acontece conosco quando vamos dormir, onde os diferentes estágios de sono são acompanhados por alterações na freqüência do batimento cardíaco, na respiração e nas ondas cerebrais (de Beta, da vigília, até Delta, do sono profundo). Acontece que sempre nos deixamos reféns deste processo e acabamos por abdicar da lucidez que possuímos na vigília. Assim, ‘empacotamos’ junto com o corpo. Mas, que tal deixarmos o corpo relaxar e adormecer gradualmente e paralelamente mantermos a consciência e a lucidez de todo o processo? Será que isso é possível? Como, se fomos educados para acharmos que somos o corpo e que o cérebro é a base única e definitiva do que pensamos? Aí está o grande erro, meu nobre professor Paulo Roberto. Não somos o corpo e, sim, um mero usuário dele. Como sei? Pela experiência, não pela crença.

(...continua...)

SamirHdeMoraes disse...

(continuação)
Minhas práticas foram dando frutos graduais, com projeções rápidas e seriadas ao amanhecer, onde me levantava e ia desempenhar tarefas pela casa e, quando me dava conta, voltava violentamente ao corpo e percebia que não havia saído ainda da cama. Detalhe: acontecimentos estes bem diferentes de um sonho, pois dirigia as coisas através de minha própria vontade (num sonho normalmente somos “sonhados”, não temos controle do contexto). Até que o primeiro grande evento aconteceu: fui dormir e cumpri minha rotina de relaxar e usar minha vontade lúcida para não dormir. Atravessei todas as fases com total lucidez, ou seja, não dormi em nenhum momento e, quando meu corpo se encontrava bem relaxado, pesado, e os ruídos do ambiente soavam bem distantes (quarto escuro com minha mulher ao lado), usei minha vontade e dei a ordem mental: vou me levantar! Simplesmente me levantei, lentamente desencaixando cada parte de mim da parte correspondente do corpo, e me vi, logo em seguida, de pé, ao lado da cama, vendo minha mulher e meu corpo físico deitado ao lado dela. Para encurtar, fui fazer pesquisa em outros cômodos da casa (andava em slow) e só voltei a me encaixar novamente quando, inadvertidamente, minha mulher se virou na cama e bateu com sua perna na minha. Neste momento, sem delongas, fui violentamente trazido à cama e encaixado no corpo.
Já nele, imediatamente percebi o conjunto do acontecido e a mecânica de todo o processo. Eu houvera usado a minha vontade e relaxado meu corpo, saído dele, olhado para ele de fora dele, andado lenta e demoradamente pela minha casa, observado os mais variados detalhes dentro dela, e voltado a ele logo em seguida, simplesmente sem um mínimo hiato de perda de lucidez, como a que estou usando agora para lhe registrar essas linhas. O que aconteceu, fiquei louco? Fui acometido de algum problema neuronial? Medicação? Alguém me hipnotizou? Autohipnose? Nada, nada e nada. Descarte essas e opções assemelhadas. Estou lhe dando aqui um testemunho experimental de que o corpo é literalmente um carro que guiamos durante uma vida física e, mais importante, o piloto, ah, este, o piloto, bom, o que posso lhe aferir unicamente é que, este, efetivamente não morrerá com o corpo.
Anos depois dessa experiência única (à época; sigo tendo experiências), descobri um trabalho único feito por um brasileiro na linha do que eu já vinha pesquisando individualmente. Foi lançado o Tratado de Projeciologia, por Waldo Vieira, simplesmente um tomo de 1222 páginas que tinha o propósito de ser marco de neociência de mesmo nome, que trazia, com rigor metodológico, a descrição das fases antes-durante-depois do ato projetivo, assim como fundamentação histórica e 1907 fontes bibliográficas do fenômeno através dos tempos, além das importantes hipóteses de pesquisa e proposição de um novo paradigma científico. Essa excelente ferramenta encurtou caminho para meus achados pessoais assim como o de muitas outras pessoas, estou certo. Contudo, para muitos ainda se assemelha ao ‘Santo Graal’ ou mero produto de um alucinado, talvez. Mas, importante retomar que não se trata de coisa de acreditar e, sim, de campo para o princípio da descrença, certo? É coisa para se pesquisar e ter suas próprias experiências. O que lhe posso aferir é que a projetabilidade do homem não tem nada de extraordinário, é um fenômeno inerente a sua natureza, que me parece ser multidimensional.

(...continua...)

SamirHdeMoraes disse...

(continuação)
Para o autocientista de primeira viagem, é claro que todas essas assertivas devem ser consideradas hipótese de pesquisa. Agora, interessante é que o campo de aplicação dessas hipóteses não é nenhum laboratório externo ou multi-instrumentalizado de alguma grande universidade técnica. Somos o próprio campo de aplicação, cientista e experimento ao mesmo tempo.
Bom, professor, espero não ter ido longe demais para o que me destinei. Lamento ter escrito mais seriamente exatamente no post onde procurou fazer linhas de humor reflexivo. Mas, é que o tema é sugestivo. Pense: se a hipótese de não morrer é real, é certo que continuaremos produzindo mentalmente (gerando pensamentos e impressões, construindo ideias e coisas em qualquer outro lugar) mesmo depois de definitivamente morrer nosso carro-humano. E se isso é plausível, considerando que nascemos com pendores não originados da cultura formativa nem da genética, torna-se factível já havermos existido antes de habitarmos o corpo de homem de hoje. Portanto, não só a hipótese de nascer de novo pode ser possível como, inclusive, podemos nesta vida estar realizando, com erros e acertos, determinado plano de viagem desenhado com inteligência e esmero em algum momento anterior.
O que você acha de escrever um livro para ser lido e reconhecido por você mesmo da próxima vez que aqui estiver?
Assim, sigamos lendo, pesquisando, escrevendo e aprendendo... sempre!
Abraço,
SamirHdMoraes

Ricardo Matsukura Lindemeyer disse...

Professor,

Acompanho há algum tempo o seu blog, e desde o início nutro respeito e admiração pelas suas idéias e, sobretudo, honestidade intelectual. Discordei, e continuo discordando de alguns posicionamentos do senhor, principalmente no campo da economia, mas, na maioria das vezes, foi inevitável o meu recuo frente aos argumentos apresentados pelo senhor.

Se antes o meu respeito era restrito ao campo das idéias, hoje, após ler o seu texto sobre reencarnação, devo afirmar que a sua visão de mundo e da vida realmente me sensibilizou. Acredito piamente que o nosso papel neste “pequeno planeta perdido na imensidão da galáxia”, é dar o melhor de nós mesmos, tentarmos superar nossas limitações e procurar ir além, sempre. Sonhador, quiçá demagógico? Não sei. Mas,a despeito de crenças religiosas (sou católico), acredito no poder da auto-determinação para criarmos nosso futuro, do valor do esforço individual para irmos aonde quisermos, independentemente de nossas origens. E isso somente é possível através do cultivo de valores, trabalho e educação, formal e moral.

Professor, muito obrigado pelas suas palavras, e desejo que o senhor continue nos proporcionando através de seus textos, momentos de reflexão e sabedoria.

Abraço,

Ricardo Lindemeyer

Paulo Roberto de Almeida disse...

Muito grato a todos os comentaristas reencarnados ou candidatos à reencarnação.
Eu não levao muito a sério esses meus minitratados. Como já escrevi eles são feitos para meu divertimento, no meio de textos mais sérios.
Mas tampouco eles deixam de reproduzir, sinceramente, meu pensamento sobre vários sentimentos humanos e meus próprios valores, independentemente de qualquer religião (na verdade sou um completo irreligioso, o que não quer dizer ateu).
Para os demais minitratados, ver este post:
http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/02/minitratados-sobre-as-grandes-questoes.html
Divirtam-se, como eu me diverti escrevendo...
Paulo R Almeida

Anônimo disse...

"Trata-se de que, mais uma vez, o homem se perdeu.Porque não é coisa nova nem acidental. O homem se perdeu muitas vezes ao longo da história,-ainda mais: é constitutivo do homem, diferente de todos os demais seres, o ser capaz de perder-se, de se perder na selva da existência, dentro de si mesmo, graças a essa outra sensação de perda, reoperar energicamente para voltar a encontrar-se. A capacidade e o desgosto de sentir-se perdido são seu trágico destino e seu ilustre privilégio.

(...)Pois bem, esse mundo em que tenho que ser, ao viver, me permite eleger dentro dele este sítio, ou outro, onde estar; mas a ninguém é dado escolher o mundo em que se vive; é sempre este, este de agora. Não podemos escolher o século nem a jornada ou data em que vamos viver, nem o universo em que nos vamos mover. O viver ou ser vivente, o que é o mesmo, o ser homeme não tolera preparação nem prévio ensaio. A vida nos é disparada a queima-roupa.(...)

(...)mas a vida não é senão o ser do homem,-portanto, isso significa o mais extraordinário, extravagante, dramático, paradoxal da condição humana, a saber: que é o homem a única realidade, a qual não consiste simplesmente em ser, mas tem de eleger o seu própio ser.(...)

A solidão radical da vida humana, o ser do homem, não consiste, pois, em que não haja realmente nada mais do que ele. Ao contrário: há nada menos que o universo com todo o seu conteúdo. Há, portanto, infinitas coisas,, mas, -aí está!,- em meio delas, o Homem, em sua realidade radical, está só,- só com elas e, como entre essas coisas estão os outros sere humanos,está só com eles. Se não existisse nada mais que um único ser, não se poderia dizer congruentemente que estaria só. A UNICIDADE NADA TEM A VER COM A SOLIDÃO. Se meditássemos sobre a "saudade" portuguesa,- como é sabido, saudade é a forma galaico-lusitana de "solitudinem", de soledade, - falariamos mais desta e veríamos que a solidão é sempre solidão de alguém, a saber, que é um ficar sozinho e um sentir falta.(...)

Conforme vamos tomando posse da vida e encarregando-nos dela, averiguamos que quando chegamos a ela, os demais se tinham ido e que temos de viver o nosso radical viver...sozinhos, e que, somente em nossa solidão, somos nossa verdade.
Desse fundo de solidão radical que é, sem rémedio, nossa vida, emergimos constantemente em uma ânsia, não menos radical, de companhia. Quereríamos achar aquele cuja vida se fundisse integramente, se interpenetrasse com a nossa. Para tanto, fazemos as mais várias tentativas. Uma é a amizade. Mas a suprema entre elas é a que chamamos de amor. O AUTÊNTICO AMOR NÃO É SENÃO A TENTATIVA DE PERMUTAR DUAS SOLIDÕES.
A solidão que somos pertencem, - e fazem parte essencial dela, - todas as coisas e seres do universo, que estão aí em nosso redor, formando nosso contorno, articulando nossa circunstância sem que jamais se funda com o cada um que o homem é, - e que, ao contrário, são sempre o outro, o absolutamente outro, - um elemento estranho e sempre mais ou menos estorvante, negativo e hostil, no melhor caso: não-coincidente, que, por isso, advertimos como alheio e fora de nós, como o forasteiro, - porque nos oprime, comprime e reprime: o mundo.


(...)está por fazer-se uma fenomenologia da ESPERANÇA.Que é no homem a ESPERANÇA?Pode o homem viver sem ela?(...)É possivel, -literal e formalmente posível,- um viver humano que não seja um esperar?Não é a expectativa a função primária mais essnecial da vida? e não é a ESPERANÇA o seu órgão mais visceral? Como se vê o tema é enorme.(...)
*José Ortega y Gasset, in:"El Hombre y la gente"; cap.II.

Que os "pequenos ratos"(de biblioteca!), continuem a rugir!

Vale!