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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Politica externa: imaginando um cenario alternativo

Uma outra diplomacia é possível!
Pois é: resolvi tomar emprestado o slogan dos malucos antiglobalizadores para imaginar, apenas imaginar, como seriam as coisas se nós estivéssemos ainda no "ancien régime" lulista em matéria de diplomacia.
Como teria reagido o homem que chamou o carniceiro de Tripoli de "meu irmão, camarada", em face dos massacres perpetrados pelo "cachorro louco" (Reagan dixit) contra o seu próprio povo?
Provavelmente algo do gênero: "Calma lá pessoal: esses flamenguistas estão protestando violentamente contra um homem que só quer o bem do seu povo. Não se pode, a qualquer pretexto, sair por aí bloqueando ruas, queimando pneus, perturbando a paz de quem quer trabalhar, apenas porque não se concorda com a atual situação. O Kadafy é um homem bem intencionado..."
E provavelmente, eu digo provavelmente, o representante na ONU, em qualquer foro, seria instruído a não fazer nada, esperar para ver como as coisas evoluiriam. E ainda teríamos de aguentar aquelas notas insossas, que conclamariam as partes a não recorrer à violência, a dialogar pacificamente para resolver as diferenças...
Pois é, de vez em quando a gente pode imaginar que uma outra diplomacia é possível, uma muito pior.
É o que reconhece este editorial do Estadão. Um jornal que não mudou nada, absolutamente nada. Quem mudou foi a diplomacia...
Paulo Roberto de Almeida

Da água para o vinho
Editorial - O Estado de S.Paulo
24 de fevereiro de 2011

Os assessores da presidente Dilma Rousseff repetem a toda hora que a diferença entre ela e o antecessor Luiz Inácio Lula da Silva é de estilo, não de substância. Pelo menos numa área crucial para um país como o Brasil - a política externa - o que se acaba de ver é outra coisa: uma mudança substancial, da água para o vinho. Inicialmente, os desconfiados podiam atribuir ao feminismo e à condição de ex-presa política da ainda presidente eleita a sua crítica aberta à recusa brasileira, no ocaso da era Lula, de condenar o Irã na ONU por graves violações de direitos humanos, notadamente no episódio da viúva Sakineh Ashtiani, condenada ao apedrejamento por suposto adultério e cumplicidade na morte do marido. A menos de um mês da posse, numa entrevista ao Washington Post, Dilma assegurou que a sua posição não iria mudar quando estivesse na cadeira presidencial. A promessa acaba de passar por seu primeiro teste.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas, sob a presidência da brasileira Maria Luiza Ribeiro Viotti, condenou anteontem por unanimidade o regime do coronel Muamar Kadafi pela selvagem repressão contra a população líbia, na tentativa de dar fim às manifestações pela sua derrubada do poder em que se instalou há 41 anos. O colegiado também exigiu uma solução negociada para a crise no país. O Brasil foi um dos patrocinadores do texto aprovado. Mais do que isso, sustentou a iniciativa da Grã-Bretanha, em nome da União Europeia, para que o Conselho de Direitos Humanos da ONU, em reunião extraordinária afinal marcada para amanhã, em Genebra, abra uma investigação sobre as atrocidades perpetradas pela tirania líbia. Previsivelmente, trabalharam contra a proposta - e a mera convocação do Conselho - os países árabes (exceto a Jordânia), africanos, Cuba e Venezuela.

Para ficar na última exibição de opróbrio da diplomacia lulista, em novembro último, ao se abster de condenar o Irã, o Brasil se alinhou com esses mesmos regimes, além da própria Líbia. Com Kadafi, o brasileiro tinha cevado relações quase tão próximas quanto as que mantém com os irmãos Castro e o caudilho Hugo Chávez. Em dezembro de 2003, quando ainda não havia completado um ano no Planalto, Lula teve em Trípoli o primeiro de seus quatro encontros com o tirano homicida. Numa tenda estritamente vigiada por soldados armados com metralhadoras, Lula afirmou que jamais esqueceu "os amigos que eram meus amigos quando eu ainda não era presidente". Não se tratava de negócios; era mesmo pessoal. Não admira que, de volta à Líbia, passados 6 anos e mais um encontro, daquela vez na Nigéria, Lula o saudasse como "amigo e irmão". Tampouco admira que, na boataria sobre a fuga de Kadafi, o Brasil tenha sido citado como um dos seus possíveis destinos, depois da Venezuela.

Pode-se apostar 1 milhão contra 1 tostão, portanto, que, se a tempestade de areia que varre o mundo árabe e engolfou a Líbia tivesse estalado quando Lula se tostava ao sol de sua popularidade e Dilma presidente ainda era uma miragem, o então chanceler Celso Amorim aceitaria de bom grado a instrução do chefe para minimizar a matança ordenada pelo "amigo e irmão". E o Brasil estaria na companhia de sempre ao lado dos opressores. Como a história não se escreve como Lula provavelmente teria apreciado, no seu lugar está uma defensora sem meios termos dos direitos humanos, e no lugar de Amorim está um chanceler, Antonio Patriota, que não poderia ter sido mais firme ao exprimir publicamente, mais de uma vez, o repúdio cabal do Planalto às atrocidades na Líbia.

Na terça-feira, enquanto a delegação do Brasil fazia a coisa certa na sede das Nações Unidas em Nova York, em Brasília, numa entrevista ao lado da colega francesa Michèle Alliot-Marie, o chefe da diplomacia brasileira usava as palavras certas - "inadmissível, inaceitável" - para qualificar a violência hidrofóbica de Kadafi contra manifestantes desarmados. O ensandecido Kadafi está submetendo o seu povo a sofrimentos sem paralelo nos 87 anos de vida independente da Líbia. Mas isso deu objetivamente à presidente Dilma a oportunidade de romper com uma política externa que só serviu para envergonhar o País na comunidade das nações democráticas.

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