A Aliança pela Liberdade e os
estudantes da UnB
Paulo Roberto de Almeida
A UnB possui, ao que
parece com status de ciência, um curso de Astrologia. Aliás, mais do que isso:
trata-se de um Núcleo inteiro de estudos, o de Fenômenos
Paranormais, que promove, ao que se informa, pesquisas e cursos em quatro
áreas: astrologia, ufologia, conscienciologia e terapias integrativas.
Bem, eu aposto que nenhum dos especialistas trabalhando
nessas áreas, ou mesmo qualquer outro ser pensante, operando com “chutes” a
partir de dados empíricos da realidade, poderia prever que, num campus
universitário tão bizarro quanto esse que responde pelo nome de UnB, o corpo
discente acabaria colocando na direção do Diretório Central do Estudantes, a
chapa vencedora que responde pelo singelo nome de “Aliança pela Liberdade”. Aposto,
justamente, que colocando as eleições para o DCE no quadro de apostas daqueles
bookmakers ingleses (que são capazes de apostar até qual é o número exato de
gays da família real britânica), a vitória da chapa chamada de “conservadora”
pelos sete outras concorrentes não faria mais do que 25 por 1, quem sabe até
mais do que isso. Confesso que eu também, conhecendo a UnB, seus fantásticos
alunos e seus professores maravilhosos, não apostaria muito dinheiro no sucesso
dessa chapa.
Mas, por incrível que isso
possa parecer, neste glorioso mês de outubro de 2011, venceu a sensatez, a
racionalidade, o desejável, o simples bom senso.
Em face de um
vasto leque de chapas concorrentes (oito no total), todas com alguma coisa
agressiva no nome – tipo “Ação Direta”, “Mobiliza”, ou mesmo aquela
poeticamente intitulada “Canto Maior” –, de todas essas que prometiam, menos
uma, continuar a luta de classes por outros meios, ganhou a única que declarava
sua intenção de ocupar-se prioritariamente dos assuntos estudantis, da melhoria
das condições de estudo, numa UnB passavelmente caótica e entregue a grupelhos
políticos e seitas ideológicas que remetem não ao século XXI da globalização,
mas ao século XIX dos movimentos anticapitalistas.
A esquerda delirante,
subitamente acometida de alguns laivos de razão, atribui sua derrota à
tradicional divisão entre essas tribos exóticas, que, de outro modo, teriam
vencido pelo total de votos (4.004 votos, contra os 1.280 da chapa vencedora,
ou 22% do total). As chapas de esquerda lutavam por coisas estranhas como: “Fortalecer
o trote solidário”, “Combater o Plano Nacional de Educação” (e a UNE, por
extensão), “Realização do Congresso Estatuinte”, ou ainda aumentar a
assistência estudantil e as prestações de muitas coisas, sem quaisquer
contrapartidas. A chapa vencedora, por sua vez, prometia objetivos compreensivelmente
pragmáticos, do tipo: “Implantar parlamento de estudantes, onde cada Centro
Acadêmico terá uma cadeira; Apoiar as fundações como forma de financiamento;
Criação de Parque Tecnológico e término das obras da UnB-Ceilândia; Fortalecer
as empresas juniores e o intercâmbio com instituições estrangeiras; Reivindicar
por novas concessões de lanchonetes, reprografias, livrarias e restaurantes nos
campi.”
Parece que, por uma vez, os
estudantes da UnB resolveram deixar de lado a luta de classes e assumir a luta
pela melhoria das condições de ensino e de estudo no campus. Ainda assim, cabe registrar, como o fez o
presidente da chapa eleita, que 25 mil alunos não votaram nas eleições, seja
por cansaço natural, isto é, descrença nas possibilidades de ações pragmáticas,
seja por desinteresse puro e simples pelo ativismo político. O fato é que o
“caos natural” que afeta a UnB não é diferente dos problemas de muitas outras
universidades públicas, federais ou estaduais, nas quais o corporativismo de
professores e funcionários se mistura ao militantismo de correntes minoritárias
para criar um ambiente de baixa produtividade, a ineficiência geral dos
serviços de apoio e uma tolerância mediocrizante com os baixos padrões educacionais
exibidos pela maior parte delas.
Eu encerro meu comentário,
extremamente rápido, sobre as eleições na UnB com estas simples palavras, que
pretendo reveladoras do meu pensamento e dos temores que mantenho – como provavelmente
dezenas ou centenas de outros estudantes que simplesmente desejam estudar – em relação
a um processo de degradação dos padrões educacionais no Brasil atual (e na vida
pública em geral).
Considero que o Brasil
enveredou, desde muito tempo – ou seja, todo esse cenário de corrupção agravada
e de mediocrização crescente da vida pública vem de muito antes que energúmenos
tenham conquistado o poder no Brasil – por uma via que só pode levá-lo à
decadência gradual e constante. Trata-se de um processo já conhecido em outras
experiências internacionais de retrocessos sociais, econômicos e políticos,
como podemos constatar pela Argentina atual (que ainda não parou de decair),
pela Grã-Bretanha pré-Tatcher (quero dizer, nos primeiros oitenta anos do
século XX) e pela China pré-anos 1990 (mas que ainda não se enquadrou em
padrões civilizatórios mais elevados no plano da estrutura política), ou seja,
todo o processo de decadência chinesa, que leva de meados da dinastia Qing
(talvez desde o século XVII), até a superação do maoísmo delirante, já sob o
comando de novos mandarins esclarecidos (mas igualmente despóticos).
Esse retrocesso, no caso
do Brasil, se traduz em sindicalismo mafioso (muito parecido com o processo
argentino), em introversão econômica (e aqui temos muitos países que seguem a
receita do avestruz), e em aumento da corrupção generalizada (pela chegada de
amorais e de imorais no comando do Estado). Mais importante, porém, do que
todos os atrasos e retrocessos materiais que possam ocorrer em decorrência dos
fenômenos e processos apontados acima, o que é mais revelador do retrocesso
brasileiro é o atraso mental em que vivem dezenas, centenas, milhares de
pessoas detentoras de algum poder em escala social – militantes de partidos,
dirigentes políticos, empresários e simples cidadãos – e que partilham das
mesmas ideias imbecilizantes que as manifestadas em quase todas as chapas
derrotadas nas eleições do DCE-UnB.
Os estudantes-militantes
que defendem aquelas posições são perfeitamente representativos do que existe
de pior na sociedade brasileira atualmente, e esse pior está perfeitamente
instalado no poder. Sou, sim, pessimista quanto ao futuro do Brasil, ao vê-lo
dominado pelas mesmas ideias – ou seus equivalentes funcionais – que levaram
outros países à decadência e à irrelevância. De vez em quando, muito
acidentalmente, pessoas sensatas resolvem dar uma virada, como ocorreu agora na
UnB, mas na maior parte das vezes o quadro é desolador.
Espero que o exemplo da
UnB frutifique e se multiplique, embora eu tenha muitas dúvidas sobre se,
quanto, e quando isso vai acontecer em outros lugares e instituições. Espero
estar errado em meu pessimismo pessimista – desculpem, mas a redundância me
pareceu necessária – mas o que vejo pelo Brasil afora me deixa muito
preocupado. Acredito que vamos empreender uma longa travessia do deserto, por
paragens perfeitamente medíocres, com educação em retrocesso, com instituições
dilapidadas pelos novos bárbaros que estão ai assaltando e dominando o Estado.
Espero estar errado, mas é
o que penso atualmente.
Paulo
Roberto de Almeida
(Brasília, novembro de 2011)
Addendum em 17/11/2011:
Este texto foi postado num blog de alunos da UnB que se intitula
Como eles se definem?
Sinteticamente por estas palavras:
Juventude Conservadora da UnB
Brasília, BrazilSomos jovens universitários nadando contra a maré vermelha dentro da UnB. Temos valores. Temos princípios. Sim, somos conservadores. ;)
Fiz o seguinte comentário ao post, mais dirigido ao princípio do que ao post:
Agradeço a transcrição desse post do meu blog Diplomatizzando neste blog de estudantes da UnB. Eu apenas o fiz porque se tratava realmente de algo excepcional, ou seja, de reação de estudantes a um quadro de deterioração visível das condições "mentais" de trabalho e estudo na UnB, ainda que as condições materiais possam melhorar gradativamente (o progresso é uma fatalidade, como diria Mário de Andrade).
Apenas uma observação, quanto ao fundo, e ela toca na própria designação do blog e do grupo de estudantes que o sustenta e agita.
"Conservador" é, por definição, o indivíduo que pretende conservar o que existe. Mas, e se o que existe é manifestamente mau, perverso, inadequado, anacrônico?
Sei que vocês querem conservar os bons valores, os princípios corretos e as diretrizes mais adequadas ao progresso da UnB e do Brasil, tal como espelhadas e representadas pelos personagens que vocês colocaram em destaque, todos intelectuais de destaque, e eu até diria progressistas, no contexto de suas respectivas épocas.
Se existe uma coisa de que o Brasil, e a UnB mais ainda, necessita são de reformas, reformas em todas as áreas e setores.
Então, eu diria que o que deveria distingui-los e guia-los nessa luta contra os novos bárbaros seria o sentido de REFORMA, não de conservação.
Cordialmente,
Paulo Roberto de Almeida
Professor, apesar de não fazer parte diretamente da Aliança, acompanhei seu nascimento quando estava no mestrado. E posso afiançar que seus integrantes estão entre as pessoas mais sérias e objetivamente engajadas que conheço. Tenho para mim que esse é o começo, apenas o comecinho de uma grande virada na política brasileira, que se não for resolver qualquer coisa de forma permanente, ao menos estancará a sangria moral que vivemos atualmente no nosso espaço público. Abraços, Rafael Paulino
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