segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Uma nota oficial: o verso... e o reverso (ou versão oficial e versão oficiosa)

Abaixo, um exemplo de dupla linguagem, literalmente, expressamente, desavergonhadamente.
Trata-se de uma dessas notas oficiais de "demissão irrevogável" num país imaginário, em sua versão escrita, e a mesma nota em sua versão pensada, não escrita, mas é a que vale, para fins de registro histórico.
Não sabemos quem são os autores, de uma e de outra, e provavelmente isto nunca se saberá, pois as brumas da burocracia se encarregam de esconder os verdadeiros redatores de tais notas e os taquígrafos telepáticos que se encarregam de captar o verdadeiro significado das palavras apenas esboçadas na versão oficial, que representam apenas um travestimento do que se pretendia realmente dizer.
Aqui vamos: 


Nota oficial em tipo normal; versão verdadeira em itálico


“Tendo em vista a perseguição política e pessoal da mídia que venho sofrendo há dois meses sem direito de defesa e sem provas;..."
Tendo em vista as reiteradas matérias dessa maldita imprensa, que acabaram por desvelar o que eu pretendia que fosse mantido em segredo;...

"... levando em conta a divulgação do parecer da Comissão de Ética da Presidência da República - que também me condenou sumariamente com base neste mesmo noticiário sem me dar direito de defesa -"
... levando em conta o que escreveram esses velhinhos decrépitos dessa tal de Comissão de Ética, que acabou endossando o que saiu na maldita imprensa, sem me consultar para traçarmos um relatório conjunto, esses traidores...

"... decidi pedir demissão do cargo que ocupo, em caráter irrevogável."
... tive, contra a minha vontade, e depois de resistir o quanto pude durante dias e semanas seguidos, de acatar as ordens de quem manda, e retirar-me contra a minha vontade do cargo que ocupo, no qual eu tentei me segurar o mais que pude.

"Faço isto para que o ódio das forças mais reacionárias e conservadoras deste país contra o Trabalhismo não contagie outros setores do Governo."
Tive de fazer isso porque meus colegas políticos acharam que não aguentavam mais a pressão da opinião pública, que pedia a minha cabeça, e para que essa pressão não se desatasse contra outros colegas de profissão.

(...)

"Saio com a consciência tranquila do dever cumprido, da minha honestidade pessoal e confiante por acreditar que a verdade sempre vence."

Compelido a sair, carregando ainda o medo de ser processado por mentir e fraudar, espero que não me obriguem a devolver todos os recursos desviados em nome da nossa causa, da minha causa nobre, com a certeza de que continuarei fazendo o que sempre fiz, apenas que doravante tomando mais cuidado para não ser pego.

Um comentário:

  1. Simplesmente, SENSACIONAL! Bastante cômico, se não fosse triste...

    ResponderExcluir

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.