Hoje, 10 de Fevereiro de 2012, faz 100 anos que o Barão do Rio Branco morreu. O Itamaraty deve dar início a uma série de comemorações em sua homenagem: exposições, colóquios, seminários, selo, etc.
De minha parte, tenho o prazer de dar início, nesta mesma data, à publicação destas memórias, cuja organização, compilação e decifração me custaram certo trabalho.
Começo pela minha introdução metodológica, e logo em seguida vou transcrever as primeiras anotações encontradas em um caderno que ele deixou.
Paulo Roberto de Almeida
Memórias do Barão do Rio Branco
Nota Liminar do organizador
Paulo Roberto de Almeida
Dentre os muitos papéis
deixados pelo Barão no momento de sua morte, na mais completa desordem,
encontrava-se um curioso caderno, que permaneceu obscuro durante muito tempo – et pour cause –, cujas características
passo aqui a relatar, antes de pronunciar-me rapidamente sobre seu interessante
conteúdo.
De aparência anódina, como
um caderno qualquer de obrigações escolares – desses que instituições
veneráveis, como o Colégio D. Pedro, adotavam como suporte de trabalhos de seus
alunos, quase um caderno de rascunhos –, o que foi encontrado entre a barafunda
de papéis que o Barão tinha deixado espalhados por pelo menos três mesas de seu
gabinete (e em alguma gavetas da única cômoda que ali existia) era um [este que
passei a ler a partir de cópias fotostáticas feitas por alguém certo tempo
depois] de capa oleada marrom, lombada preta, circundado por um barbante (um
tanto sujo devido a um uso provavelmente constante), que por sua vez retinha um
simples pedaço de papel com esta inscrição a lápis, na letra inconfundível de
Paranhos: “Reservado; não tocar”.
Ao abrir o caderno – como
constatei, na única manipulação que me foi dada fazer pelos zelosos guardiões
do Arquivo Histórico Diplomático do Itamaraty, no Rio de Janeiro – o consulente
se depara com outro pedaço de papel, de igual feitura (provavelmente destacado
às pressas do mesmo pedaço de papel que serviu para compor a nota na capa), também
rabiscado a lápis, na mesma letra, com estas simples indicações: “Proibida a
reprodução ou divulgação antes de cem anos de minha morte; ver com Moniz de
Aragão e Araújo Jorge as condições de sua preservação e manutenção sob sigilo
pelo tempo indicado.” [Nota do compilador: o Barão se refere a seus dois
principais auxiliares de chancelaria: José Joaquim Moniz de Aragão e Artur
Guimarães de Araújo Jorge, mais tarde biógrafo e introdutor de suas obras
completas, pelo menos aquelas publicáveis.]
Apenas isto, e nada mais.
Nas páginas seguintes, numeradas à mão, já começavam as anotações manuscritas
do Barão, algumas datadas, outras simplesmente localizadas no espaço (a maior
parte do Rio, outras entradas feitas em Petrópolis), sem maiores indicações
quanto ao dia exato de sua redação, a não ser alguma referência à agenda
diplomática corrente – o que permite definir, em princípio, um momento provável
de redação – ou a algum despacho por ele mesmo preparado – na sua indefectível
letra cursiva – o que também permite reconstituir a cronologia da inscrição
original.
As inserções são
obviamente lineares, ou seja, feitas sequencialmente pelo Barão nos três anos
seguintes ao seu aniversário de 1909, quando ele começou a redigir as notas do
caderno escolar, em momentos diversos e com humores diferentes, mas sem o
cuidado de manter a estrita cronologia de um diário “normal”. Por “diário
normal” entenda-se o registro sistemático dos eventos correntes pelo seu
redator, uma peça íntima que preserve o retrato exato do que o autor está
pensando no ato de sua redação, a partir dos fatos do dia. Não é o caso deste “caderno
de memórias” do Barão, que não concebeu os registros com esta intenção, mas
provavelmente com o propósito de anotar pensamentos que lhe vinham ocasionalmente
ao espírito quando confrontado a uma questão qualquer da agenda diplomática do
Brasil ou de suas relações pessoais.
Ou seja – aqui já entrando
na interpretação do que entendo seja a substância mesma do caderno de notas do
qual empreendo agora a transcrição –, o conteúdo do volume em questão não
conforma exatamente o que poderíamos chamar de “memórias”, no sentido corrente
do termo. O Barão provavelmente pretendia – ao sentir o peso dos anos e o
acúmulo de responsabilidades, depois de tantos presidentes a que serviu –
deixar um testemunho sobre seu pensamento profundo – e verdadeiro – sobre os
temas com os quais se entretinha, independentemente e além dos papéis oficiais
que ocupavam 99% do seu tempo útil de diplomacia oficial a serviço da nação. E
por que ele não queria que estas notas fossem divulgadas antes de pelo menos
cem anos decorridos de sua morte? Presumivelmente porque tinha consciência do
delicado de suas opiniões sinceras sobre pessoas, países, sobre fatos e
percepções pessoais que mantinha nas mais diversas situações que enfrentava na
labuta diária à frente da chancelaria, que já tinha sido a de seu pai e mentor
respeitado.
Rio Branco sentia
necessidade de expressar-se de alguma outra forma que os telegramas e ofícios
que mandava preparar sobre temas diversos, que as notas que redigia à intenção
dos presidentes a que serviu – e eles foram muitos, mesmo que ele não
pretendesse continuidade nas suas funções – ou que os muitos artigos de
imprensa que redigiu ao longo dos anos, alguns até assinados com algum nom de plume, que ele escolhia ao sabor
do momento, para defender-se de, ou atacar, algum inimigo concreto ou
imaginário que ele detectava em certos editoriais e artigos de opinião não
assinados sobre algum aspecto qualquer de sua diplomacia ou das relações
internacionais do Brasil que ele tão bem conduzia. Ele não podia fazê-lo de
modo público, pois muitas de suas impressões pessoais certamente causariam
impacto – algumas até escândalo – se viessem a público pouco depois de sua
morte, ou mesmo alguns anos depois. Ao iniciar a redação destas “memórias” não
memorialísticas, Paranhos sabia que suas notas não poderiam, não deveriam, ser
postas ao conhecimento público, dada a sensibilidade de certos temas, e também
por uma razão muito simples: ele próprio estaria infringindo uma das normas
básicas da diplomacia, que é a necessária discrição sobre as reais intenções
dos atores da política internacional de um país em temas delicados da vida
nacional, assuntos que têm a ver, necessariamente, com a autoestima nacional e
o orgulho próprio que um Estado responsável mantém a respeito de seus
interesses imediatos, sempre envelopados numa teia de boas relações e de
desejos de positiva colaboração com algum outro ator da vida internacional, no
plano bilateral, ou no quadro mais amplo de sua inserção mundial.
As notas e inscrições
rápidas do “caderno escolar” do Barão são, assim, mais uma espécie de “exercícios
filosóficos” sobre as relações internacionais do Brasil, do que propriamente um
registro fiel de sua labuta cotidiana à frente da chancelaria. Ele talvez
quisesse utilizar os rascunhos do caderno como a hipotética base futura de um
verdadeiro volume de “memórias póstumas”, se o tempo e uma aposentadoria tranquila
lhe tivessem permitido retomá-los em condições de lazer e de dedicação integral
a tal tipo de empreendimento. Disso não temos certeza, pois nenhuma indicação
concreta nessa direção foi deixada no caderno ou em qualquer um dos muitos
papéis – numerosos, desordenados, alguns até incompreensíveis, fora do contexto
em que foram criados e deixados ao léu – amontoados em seu gabinete de trabalho
(e de residência, quase podemos dizer) ao longo dos muitos anos que passou
naquele casarão da rua Larga que veio a tomar outro nome, com as inconstâncias
da vida republicana e a instabilidade que sempre tiveram os aspectos institucionais
num Brasil quase tão desordenado quanto os papeis deixados por Paranhos.
Mas os elementos
especificamente formais desse “caderno íntimo” do Barão interessam ao público
de hoje em dimensão menor do que seu conteúdo propriamente político, e diplomático.
Este constitui o verdadeiro cerne de um pensamento rico que agora podemos
desvelar em sua integralidade, sem as amarras que o século decorrido desde sua
redação original impôs a um homem que, além de amar profundamente o país do
qual ficou afastado durante tanto tempo – mais de vinte anos, a partir de sua
designação para o consulado em Liverpool –, também soube consignar de modo mais
claro um conjunto de opiniões momentâneas, mas reveladoras de sua preocupação
com o futuro da nação grandiosa que ele antevia com sua visão de estadista
responsável e ponderado. O Barão tinha, sim, ademais dos cuidados triviais com
a diplomacia corrente, uma visão de futuro para o Brasil, uma grande estratégia
que ele não conseguiu formalizar em algum livro de história diplomática ou de
síntese das relações internacionais do país, mas que ele provavelmente
pretendia redigir a partir destas notas que, graças a um conjunto fortuito de
circunstâncias, passamos agora a revelar...
Paulo
Roberto de Almeida
[Continua...]
Caro Dr. P.R.A.,
ResponderExcluirMagnificente!
Vossência dispõe de material sufiente para um livro?!...
Vá em frente...!...Fica a sugestão para o título:"Memórias Póstumas de Juca Pato: Refelexões Além-túmulo"(!)
Vale!