O Barão do Rio Branco no Centenário de sua Morte:
Memória, Inspiração, Legado
Palácio
Itamaraty, 10 fevereiro de 2012
Luiz Felipe
de Seixas Corrêa
Graças
à inspirada iniciativa do Senhor Ministro de Estado e do Senhor Secretário
Geral, hoje nos reunimos no Palácio Itamaraty para dar início às comemorações
do centenário da morte daquele que se tornou o patrono desta Casa: o Barão do
Rio Branco.
Itamaraty.
Casa. Duas palavras que significam muito para nós. A sede da diplomacia
brasileira é o Palácio que deu o nome pelo qual nosso serviço exterior é
conhecido no Brasil e no mundo: Itamaraty. Mas a nossa Casa, nossa sede
espiritual, leva o nome de Rio Branco. A Casa de Rio Branco. Usamos a imagem do
Palácio Itamaraty quando tratamos de
formalidades, eventos, posturas ou linhas que seguimos. Utilizamos a expressão
“a Casa” para nos referirmos a uma determinada cultura que nos singulariza; um
certo modo de fazer o que nos compete; um certo jeito plural de encarar o
Brasil, o mundo, o Brasil no mundo e o mundo no Brasil. Como o Barão o via:
imenso, singular na sua complexidade. Um país em busca de seu destino. Uma
síntese das três culturas que nos formaram: a europeia, a africana e a
indígena.
Seria impossível pensar o Brasil de hoje
– tanto o Brasil real, quanto o Brasil imaginário - sem Rio Branco. Teríamos
certamente menos território e possivelmente maior dificuldade de nos inserirmos
na nossa região e no mundo como um todo. Rio Branco, de certo modo, atualizou a
possibilidade de um Brasil ainda inseguro de sua própria personalidade entre o
europeísmo da Monarquia e o incipiente atlantismo da República. Encarnou a
transação. Trouxe à sociedade brasileira o orgulho da nacionalidade, que se definia à medida que se consolidavam
as fronteiras do país, o nosso espaço nacional.
Poucos
estadistas e intelectuais brasileiros terão sido capazes de aliar um sentimento
profundo do Brasil, uma visão de grandeza,
um conhecimento amplo da História, a uma invulgar capacidade de
operação, de mobilização de pessoas em torno de ideias e objetivos concretos.
Poucos terão sido, ao mesmo tempo, tão judiciosos, tão eficazes e tão astutos.
Seu trabalho de consolidação das
fronteiras do país, por meio de recurso à arbitragem internacional ou de
negociações diretas com nossos vizinhos, permanece ainda hoje como a mais
relevante obra da diplomacia nacional. A evolução pacífica de nossas relações
com os vizinhos sul-americanos ao longo do século XX, assim como os atuais
processos de integração, são em boa medida consequência do trabalho de
estadista levado a cabo por Rio Branco.
Era profundamente conservador. Destacava-se pela sobriedade. Ao mesmo tempo,
tinha perfeita noção da importância simbólica da pompa em cerimônias públicas.
Austero e de caráter reservado, não se vangloriava nem apregoava vitórias. Em
um país de bacharéis, tinha aversão à retórica. De temperamento pragmático,
herdou do pai o culto pela precisão das ideias e conceitos. Não era dado a
análises rebuscadas ou à escritura de ensaios. Seu forte era o relato, a narrativa,
a recuperação da História tal como ocorrida, a argumentação jurídica, a
controvérsia, o convencimento, a “razão de Estado”. A paixão de toda a sua vida
foram os estudos de História diplomática e militar do Brasil. Escreveu diversos
textos esparsos, entre os quais as importantíssimas “Efemérides Brasileiras”. Sobressaía
pela imponência do seu físico, por seu modo de ser afável, por seu gosto pelos
prazeres da boa mesa, pela certeza com que expunha suas visões e afirmava suas
convicções.
Sua dedicação ao trabalho permaneceu
lendária. Serviu ao país com espírito de
desprendimento. Filho de um dos maiores estadistas do Império, ele próprio Ministro de Estado por quase dez
anos, morreu sem deixar patrimônio pessoal. Apesar de suas simpatias
monarquistas, trabalhou com irrestrita lealdade para a República.
Nosso
Barão foi um dos personagens que melhor compreendeu a importância do contexto
externo para a formação e a afirmação do Brasil. De forma inteiramente
original, mas coerente com a tradição histórica, estabeleceu matrizes de ação e
de pensamento, adiantou-se a seu tempo, dominou sua época, encarnou a visão do passado e
projetou o futuro do Brasil no mundo em transição entre os Séculos XIX e XX.
Acabou transformando-se num mito: através de sua imagem, reinventou-se e
fortaleceu-se um Brasil que, diante da ruptura formal entre a monarquia e a
república, andava inseguro sobre o seu passado, desconfiado do seu presente e
temeroso do seu futuro.
Viveu
intensamente o seu tempo e as suas circunstâncias. Para a diplomacia
brasileira, celebrar Rio Branco é, portanto, de certa forma dialogar consigo
mesma, indagar a própria memória, medir-se com a promessa do passado e a expectativa
do futuro.
Seu nome permanece associado a um tipo
ainda não totalmente ultrapassado de diplomacia -- a de fixação de fronteiras e
da posse de territórios. A ele atribui-se a expressiva afirmação de que
"território é poder". Mas sua
obra foi muito além da definição de nossos limites. Em sua gestão no Ministério
das Relações Exteriores, o Barão lançou as bases das diretrizes de política
externa que se mantiveram ao longo do século XX, e continuam a orientar a
“cultura” do Itamaraty.
São diversas as leituras que se podem
fazer da sua vida e da sua obra, uma essencial e indissoluvelmente ligada à
outra. Personagem complexo, nele conviveram extremos de comportamento e de
atitudes. Já se escreveu muito sobre o Barão, cujos papéis pessoais permanecem
no Arquivo Histórico do Itamaraty como relíquias da nossa personalidade
coletiva. Poucos ângulos de suas atividades terão deixado de ser
esquadrinhados. Tudo se conhece sobre o personagem e, no entanto, quanto
mais se o estuda, mais se imagina que
pode estar faltando alguma coisa para a exata compreensão de todas as suas
dimensões. Um não-sei-quê de insuficiência que se apossa de quem rebusca as
biografias, os escritos, as análises existentes sobre o Barão. Como se algo
ainda estivesse escondido. Como se faltasse uma peça, um dado, algum elemento
fugidio que, descoberto, pudesse trazer novas e originais re-visões do
personagem. Assim são os grandes homens. Deixam para a posteridade o dom de
suas próprias contradições, de suas próprias ambiguidades, do que foram, do que
não foram e do que poderiam ter sido. São mistérios em claro; enigmas a descoberto;
monumentos às suas próprias grandezas.
Talvez a principal de suas grandezas
tenha sido a de encarnar a continuidade dentro da transformação, de atenuar a
ruptura entre a ordem monárquica e a republicana. Sua imagem, sob este aspecto,
é a imagem da sociedade brasileira que tem conseguido se transformar ao longo
do tempo e ao longo dos acontecimentos sem perder o controle de seus próprios
interesses e o espaço de sua convivência transitiva. Rio Branco reconcilia a república com a monarquia
e, pela afirmação nacionalista, identifica o patriciado brasileiro com os
valores permanentes da sociedade. Prolonga no tempo a imagem plástica da ordem
social brasileira e estabelece na consciência coletiva o respeito pela
dignidade austera e sábia do governante. Através de Rio Branco perpetua-se no
século XX a sombra poderosa do mito do Imperador, da benévola, paternal e
erudita figura de D. Pedro II, tão viva até hoje ainda no imaginário brasileiro.
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Recuperar o Barão pressupõe começar pelo
princípio. E o princípio foi seu pai: José Maria da Silva Paranhos, o Visconde
do Rio Branco, um dos personagens mais importantes do período monárquico, por suas atividades tanto na política
interna, quanto na política externa do Brasil.
Paranhos
pai iniciou sua carreira pública pela mão de Honório Hermeto Carneiro Leão,
futuro Marquês de Paraná e chefe do Gabinete da Conciliação, por ocasião de sua
missão em Montevidéu e Buenos Aires na Guerra contra Rosas (1850/1851). Foi
então testemunha privilegiada e agente de um dos mais importantes momentos da
diplomacia brasileira, em que se asseguraram as bases definitivas sob as quais
viriam gradualmente a se consolidar os Estados da região na sua conformação
atual.
Paranhos terá sido um dos responsáveis
pela fixação nas percepções das lideranças monárquicas brasileiras de um
paradigma que influenciou longamente as relações do país com seus vizinhos: a
associação entre a forma republicana e a instabilidade e a fragmentação, por
oposição à estabilidade e à unidade propiciadas pela monarquia.
Sua vida daí para a frente se caracterizaria pela interação permanente
da diplomacia com a política. Foi várias vezes Ministro. Chefiou o Gabinete de
mais longa duração de todo o período monárquico.
Em 1860,
sintetizaria, em discurso na Câmara sua visão do estilo de diplomacia que o
Brasil deveria seguir no Prata: “ ...porque temos consciência de nossa força,
podemos ser moderados, benévolos e até generosos, tanto quanto estes
sentimentos forem compatíveis com a dignidade nacional e com os direitos e
grandes interesses do Império”.
Poucas citações resumem de forma tão apropriada a essência da política
platina então praticada pelo Brasil, uma visão matricial que o Barão mais
adiante adaptaria aos novos tempos e que se transformaria em característica
singular da diplomacia do Itamaraty.
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Paranhos Júnior nasceu em 1845. Desde criança conviveu com os notáveis
da época. Em sua mocidade, viveu o ciclo
de atividades de seu pai, ora voltado para os negócios internos do país, ora –
quase permanentemente – presente no teatro das decisões platinas. Quão
importantes terão sido para a formação de sua visão do Brasil as sensações
colhidas na convivência com um dos principais atores de um período de intensa
atuação diplomática, de intervenções, de tramas secretas, de guerras, durante
as quais o Brasil participou ativamente do processo de conformação e
estabelecimento das nações platinas, ao mesmo tempo que resguardou a sua
fronteira meridional?
Em 1864, o futuro Barão, terminados os estudos
secundários, partiu para São Paulo, onde cursaria a Faculdade de Direito. Lá o
alcança a turbulência da guerra do Paraguai. Coleciona mapas, estuda as
batalhas e faz anotações sobre a história militar e diplomática do Brasil. Participa
de manifestações de apoio aos heróis da guerra e em celebrações de vitórias.
Da Faculdade, passa ao jornalismo. Entre
1865 e 1870, escreve para “L’Illustration”, conhecida revista parisiense. Em 1867, concluídos os estudos, empreende sua
primeira viagem à Europa. Visitou Portugal, França, Alemanha e Áustria.
Ao regressar ao Rio de Janeiro em 1868, elegeu-se para o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, e assumiu brevemente a cadeira de História e
Corografia do Colégio Pedro II. Em 1869, tomaria um assento de Deputado. Revela, porém, confessadamente,
escasso pendor para o debate político. Em sua personalidade, conviviam sobretudo
o intelectual dedicado aos estudos e o boêmio, amante da boa mesa, das
aventuras amorosas e das diversões noturnas.
Em 1870, exerce sua primeira missão diplomática ao acompanhar o Visconde
seu pai como Secretário em sua quinta missão ao Prata.
Durante o período em que o velho Rio Branco chefiou o Gabinete
(1871-1875), Paranhos Júnior manteve a cadeira na Câmara e atuou na imprensa como redator do jornal “A
Nação”, criado para dar sustentação política ao Gabinete. Escrevia sobretudo
sobre as questões do Prata.
Trabalhou ao mesmo tempo sobre a
obra escrita pelo alemão L. Schneider sobre a guerra do Paraguai. Fez no texto
uma anotação sobre a política do Brasil no Prata em que sintetiza sua visão:
“O Brasil tem dado mais de uma prova
de que não abriga os planos de conquista que lhe tem sido atribuídos.... O que
desejamos sinceramente é que os nossos vizinhos nos deixem em paz. Território,
temo-lo de sobra”.
1875
acabaria sendo um divisor de águas na vida de Paranhos. Tendo de enfrentar o
preconceito do próprio Imperador e da Princesa Isabel contra a união que
contraíra com a artista belga Marie Stevens, pleiteia um posto diplomático na Europa. Meses
se passariam até que em maio de 1876, a Princesa Regente decidisse nomeá-lo
Cônsul em Liverpool. Ao partir, Paranhos iniciaria longa permanência no Exterior,
de mais de vinte e cinco anos.
A
distância física não o afastaria espiritualmente do Brasil: “Ubique Patriae
Memor” – “Onde estiver, lembro-me da Pátria” – diria o lema inscrito em seu
brasão. Fez amplas pesquisas em fontes primárias, a exemplo dos arquivos
históricos das potências coloniais, que viriam a ser fundamentais para explicar
seu êxito posterior nas negociações para a definição das fronteiras nacionais.
Com o desaparecimento do pai em 1880, Paranhos Júnior viu-se privado de
seu mentor. Estava pronto para empreender seu vôo solitário. Em 1888, quase ao
apagar das luzes da monarquia, seria feito Barão por D. Pedro II, com o mesmo
título do Visconde seu pai.
Pouco a pouco, de Paris, onde viveu praticamente todo o tempo em que
esteve à frente do Consulado em Liverpool, passando pelos êxitos obtidos nas
questões de limites com a Argentina e a França, construiu os fundamentos da
obra que o conduziria ao Ministério em 1902.
Proclamada a República em 1889, o Governo
empenhou-se em superar as desconfianças
que por tanto tempo haviam mantido afastados o Império brasileiro e as vizinhas
repúblicas sul-americanas. A fixação definitiva das fronteiras tornou-se
prioritária. Apenas com dois países -- o Paraguai (1872) e a Venezuela (1859)
-- o Império fixara as fronteiras de modo definitivo.
A
primeira das questões territoriais a ser encaminhada envolvia o território de
Palmas, no oeste do atual estado de Santa Catarina, de pouco mais de 30.000
km², colocada sob a arbitragem do Presidente dos Estados Unidos, Grover
Cleveland, após a rejeição pelo Congresso Nacional do acordo previamente assinado
pelo Governo Provisório com a Argentina. Indicado em 1893 para defender a
posição brasileira em Washington, Rio Branco entregou sua memória ao árbitro em
fevereiro de 1894. O laudo do Presidente Cleveland, dado ao conhecimento das
partes um ano depois, reconheceria em toda a sua plenitude o direito do Brasil.
Rio Branco começou então a tomar ares de herói nacional.
Em
julho de 1895, deixaria o Consulado-Geral em Liverpool e passaria a preparar,
em Paris, a defesa da posição brasileira na questão de limites com a Guiana
Francesa, sobre a qual o Brasil e a França viriam a assinar um compromisso
arbitral em abril de 1897. O governo
suíço foi indicado como árbitro. O laudo, dado ao conhecimento das partes em
dezembro de 1900, atendeu plenamente às posições nacionais. Praticamente todo o
território em litígio ficou com o Brasil, a fronteira foi fixada no curso de
água que identificávamos como sendo o Oiapoque e vedou-se à França o acesso à
margem esquerda do rio Amazonas. O Brasil, pela mão de Rio Branco, havia obtido
algo aparentemente impensável para a época: lograra ganhar uma causa contra uma
Grande Potência. Seu prestígio no Brasil tornou-se imenso.
Com suas vitórias nas arbitragens de
Missões e Palmas, o Barão, segundo o feliz achado de Rubens Ricupero,
“legitimou” uma República que até então só tinha conhecido desastres: o
encilhamento, os levantamentos
militares, a turbulência da época de Floriano, a Revolução Federalista,
a Revolta da Armada, Canudos.
Nomeado Ministro Plenipotenciário em
Berlim, Rio Branco não resistiria muito
aos apelos para que voltasse ao Brasil. Sua mulher havia falecido. Seus
problemas financeiros haviam sido equacionados com a pensão votada pelo
Congresso. Ainda assim relutou, alegando razões de ordem funcional, pessoal, de
saúde, financeiras, de família, ou falta de gosto pela política. Rodrigues
Alves, porém, não aceitou suas ponderações, fazendo-lhe ver que não podia “negar
ao país o sacrifício pedido”.
Havendo sido feito Ministro de Estado, o
Barão entregou a Joaquim Nabuco a defesa da causa brasileira na questão de
limites da Guiana Inglesa, submetida ao arbitramento do Rei da Itália por
tratado assinado em novembro de 1901. O laudo do rei da Itália, divulgado em
1904, acabou sendo mais favorável aos interesses ingleses do que aos direitos
brasileiros. Daí para a frente, o Brasil não mais utilizaria o recurso à
arbitragem.
Logo ao assumir o cargo, Rio Branco
defrontou-se com a necessidade de uma solução urgente para a questão explosiva
do Acre. Havia adquirido sensibilidade especial para esse tema em Berlim, onde,
com audácia e determinação, ainda que sem instruções precisas do Rio de
Janeiro, obstara a possibilidade de que capitais alemães participassem do
“Bolivian Syndicate”, entidade privada composta de acionistas norte-americanos,
ao qual o Acre havia sido arrendado pelo Governo boliviano. O Sindicato pretendia
transformar-se em companhia internacional, de maneira a assegurar o apoio das
Potências europeias aos seus projetos de extração da borracha. Circulavam rumores
de que o Governo alemão revelara-se
disposto a considerar o assunto favoravelmente. O problema era grave, de vez
que o território estava completamente povoado por agricultores brasileiros.
Por
sua conta, mas em estreito contato com Assis Brasil, Ministro em Washington, e
com Joaquim Nabuco, em Londres, o Barão
realizou diversas gestões de alto nível em Berlim para que o Governo alemão
dissuadisse possíveis interessados em participar do negócio. Agiu efetivamente
com firmeza, como comprovam os documentos da época depositados no Itamaraty e
nos arquivos alemães.
Rio Branco não se ateve apenas aos canais
diplomáticos convencionais. Demonstrando a tenacidade e a modernidade de seus
métodos de atuação, dirigiu-se
diretamente também aos potenciais investidores. Redigiu nota a banqueiros em
Berlim, Hamburgo, Colônia e Frankfurt e à imprensa alemã, na qual expôs as
reais circunstâncias da questão do Acre, assim como a falta de sustentação do
Sindicato.
Os intensos contatos mantidos pelo Barão
com seus interlocutores alemães, obtiveram os resultados esperados: nenhum
banqueiro ou capitalista alemão comprometeu-se com o Sindicato e o Governo
alemão não se envolveu na questão do Acre.
Rio Branco impediu assim que se
configurasse um perigoso precedente e uma virtual anomalia na América do Sul: o controle
praticamente soberano de uma parte do território continental por uma empresa privada
norte-americana e europeia, um verdadeiro enclave imperialista na Amazônia. A
importância por ele dada a esse tema
durante sua gestão em Berlim e a sensibilidade que adquiriu para seu potencial
de gravíssimos problemas de política externa certamente foram decisivas para a
urgência que atribuiu, logo que assumiu o Ministério, a uma solução para a
questão do Acre. A experiência adquirida em Berlim terá sido determinante
também para a estratégia extremamente sofisticada e pouquíssimo usual na época seguida
pelo Barão ao conduzir as negociações no plano bilateral simultaneamente com a
Bolívia e os EUA, atuando por canais laterais – inclusive a imprensa – e diretamente
também junto aos investidores.
Não se tratou, neste caso, diferentemente
das questões anteriores, de esgrimir argumentos históricos e geográficos para
defender a soberania brasileira sobre determinado território, mas sim de
procurar uma solução política e diplomática para um problema de fato criado
pela presença em território boliviano de uma população brasileira.
O Barão definiu desde logo como objetivo
a aquisição negociada do território, o que se concretizou com a assinatura
do Tratado de Petrópolis em 17 de
novembro de 1903. Mediante uma indenização financeira e outros benefícios
concedidos à Bolívia, atribuiu-se ao Brasil a soberania sobre um território de
cerca de 191.000 km². De todos os entendimentos promovidos por Rio Branco, esse
foi o único em que houve uma expansão territorial. Nos demais o Brasil
empenhara-se apenas pelo reconhecimento de direitos legítimos, decorrentes de
motivos históricos e jurídicos. Essa foi, também, a única ampliação territorial
do Brasil como nação independente.
Na
gestão de Rio Branco, foram ainda assinados tratados de limites com a Holanda
(Guiana Holandesa) em 1906, com a Colômbia em 1907 e com o Uruguai, assim como
com o Peru, em 1909.
Entre
1893, quando assumiu a defesa da posição brasileira na questão de Palmas, e
1909 Rio Branco esteve à frente de negociações que levaram ao reconhecimento
definitivo da soberania brasileira sobre territórios de cerca de 900.000 km²
(ou seja, mais de 1/10 da área atual do Brasil). Assegurava-se o Brasil, assim,
de um patrimônio diplomático inestimável, que permitiu ao país eliminar
qualquer hipótese de conflito decorrente de disputas territoriais. Encerrada
essa etapa de seu trabalho, Rio Branco comentaria já ter “construído o mapa” do
Brasil, e que seu programa seria então o de contribuir para a união e a amizade
entre os países sul-americanos”.
Rio Branco serviria a quatro presidentes:
Rodrigues Alves até 1906, Afonso Pena e Nilo Peçanha entre 1906 e 1910 e Hermes
da Fonseca até a sua morte em 1912.
Sua
gestão no Ministério das Relações Exteriores lançou as bases de diretrizes de
política externa que se mantiveram vigentes desde então: o atlantismo, de um lado, ou seja, a
ambição global da política exterior do
Brasil, então expressa pela aproximação com a Potência Emergente, os EUA, e, de
outro, o imperativo da aproximação e da cooperação
com os vizinhos sul-americanos.
As
relações com os países vizinhos viram-se ainda mais valorizadas com os
entendimentos iniciados em 1909, ano em que Rio Branco redigiu pessoalmente um
projeto de “Tratado de Cordial Inteligência Política e de Arbitramento” entre
Brasil, Argentina e Chile. Essa sua primeira tentativa de formação de uma
espécie de “entente cordiale” entre as três maiores nações do Cone Sul viria
mais tarde, após sua morte, a resultar na criação do chamado Pacto do ABC, em
1915, precursor remoto – não seria exagerado pensar - do Mercosul.
Em discurso pronunciado no Rio de Janeiro
em 1905 perante o Congresso Científico Latino Americano, Rio Branco
sintetizaria sua visão presciente da política regional do Brasil: “..A nação
brasileira só ambiciona engrandecer-se pelas obras fecundas da paz....e quer
vir a ser forte entre vizinhos grandes e fortes....É indispensável que antes de
meio século, quatro ou cinco das maiores nações da América Latina cheguem, como
a nossa grande e querida irmã do Norte, a competir em recursos com os mais
poderosos Estados do mundo”.
A morte do Barão, após penosa
enfermidade, foi percebida instantaneamente como uma “grande perda nacional”,
tal como estampado na primeira página do Jornal do Brasil em 11 de fevereiro de
1912. “O grande homem caíra para não mais se levantar” lamentava a Gazeta de
Notícias do mesmo dia.
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O grande homem, segundo Nietzsche,
concentra em si mesmo uma força enorme: torna-se capaz de se apropriar de uma
época pela simples razão de que acumulou forças por mais tempo e é mais forte
do que os demais. O grande homem é uma
culminação, um fim. Assume com indiferença o seu próprio interesse e entrega-se
com fatalismo a uma ideia, a algo grande.
José Maria da Silva Paranhos Júnior foi
um grande homem no sentido nietzcheano. Adiantou-se ao seu tempo, encarnou a
visão do passado e projetou o futuro do Brasil de forma tão coerente com a
tradição histórica, quanto inteiramente original.
Por ocasião do Seminário promovido em
agosto de 2002 pelo Itamaraty para
comemorar o centenário da posse do Barão
como Ministro das Relações Exteriores, perguntava-me: Que diria de nós hoje o velho Barão se nos
aparecesse em pessoa? A mesma pergunto faço-me hoje. Daria aproximadamente a
mesma resposta. Creio que se orgulharia de ver que o seu legado principal
permanece intocado, que o Brasil não deixou escapar um centímetro sequer de
suas fronteiras à demarcação precisa e incontestável. Não deixaria de se
encantar também com a ocupação ampla e profunda do território nacional por uma
gente perseverante, diversa, única em sua linguagem e plástica em sua adaptação
ao meio. Seguramente nos chamaria a atenção por esta ou aquela insuficiência.
Mas se sentiria orgulhoso da sua Casa, da perpetuação do seu nome e do seu
estilo num Itamaraty respeitado no Brasil e no Exterior.
Ficaria ainda mais satisfeito com a
recuperação da autoestima dos brasileiros ocorrida nos últimos anos, em que a
estabilidade macroeconômica, o
crescimento e a redução das desigualdades propiciou ao país uma inserção mais
afirmativa nos círculos decisórios internacionais.
E
nós, que lhe diríamos?
Acho
que simplesmente: Muito obrigado Senhor Barão! Continuamos e continuaremos
fiéis à sua memória, à sua inspiração e ao seu legado!
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Professor,
ResponderExcluirSei que de cavalo dado não se olha os dentes, por isso não queria reclamar. Mas apenas por curiosidade, por que vários dos textos postados vêm com o problema técnico das palavras juntas? Fico matutando essa pergunta quando vou anotá-los num editor de texto, rs.
Obrigado,
Abs.
Julio SP,
ResponderExcluirEsse problema das palavras juntas é um grande mistério para mim.
Já encontrei em muitos textos feitos em processador de textos -- geralmente em Word -- e depois colados num blog qualquer.
Suponho que seja uma deficiência de algum dos programas envolvidos, ou do roteador que transmitiu os dados.
Como você sabe, existem sistemas simples, baseados em caracteres ASCII, muito elementares, e outros em base mais amplas, com maior número de caracteres.
Pode ser isso.
Paulo Roberto de Almeida
Dr. P.R.A,
ResponderExcluirO embaixador Seixas Corrêa no discurso de abertura do seminário, por ocasião das "comemorações" do centenário da morte de Rio Branco, não atentou para o fato de que José Maria da Silva Paranhos Junior ingressara, aos 17 anos, na Faculdade de Direito de São Paulo (Largo de São Francisco); em 1862 e não 1864(!); transferindo-se para a Academia de Direito de Recife,em 1865, no quinto ano, onde graduou-se bacharel.
*Fonte Álvaro Lins, in:"Rio Branco"(Biografia);3ª edição;EDITORA ALFA OMEGA, São Paulo, 1996.
Vale!