sexta-feira, 6 de abril de 2012

O emergente e o imperio: Dilma em Washington

Dois artigos sobre uma visita, que pode ser mais que uma visita, desde que não envolva lições de economia política que não caberia dar ao país que justamente sempre foi um parceiro interessado no progresso das relações econômicas.
Paulo Roberto de Almeida 

Financial Times, April 1, 2012 6:54 pm

Brazil-US relations near turning point

The case of cachaça, the stiff sugar cane spirit used in Brazil’s national cocktail, the caipirinha, is probably not the first thing on the mind of US President Barack Obama as he prepares for a visit from his Brazilian counterpart, Dilma Rousseff, next week.
But reversing a longstanding US refusal to recognise the Brazilian drink as distinctive from Caribbean rum – thereby subjecting it to adverse tax treatment on rum imports designed to protect producers in the US Virgin Islands and Puerto Rico – is one of several relatively easy “deliverables” that Mr Obama could offer Ms Rousseff when she arrives on April 9.

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Stubborn trade disputes and differences in approach to geopolitics have traditionally clouded what is otherwise a mature if somewhat standoffish friendship between the dominant powers of the Americas. Brazil wants recognition from the US for its growing geopolitical clout, most importantly its bid for a permanent seat on the UN Security Council, but without sacrificing its neutrality in the process. Washington, meanwhile, wants a better idea of what Brazil, known for its pragmatism on foreign relations, actually stands for.
“Relations between Brazil and the US have historically been very broad but also relatively shallow,” said Paulo Sotero, director of the Brazil Institute at the Woodrow Wilson International Centre for Scholars in Washington.
Once tempted to treat Brazil as just another, if slightly more important, Latin American country, the US is increasingly being challenged to acknowledge its growing role as an international player on the back of its fast economic growth.
A surging middle class in Brazil has created new markets for US multinationals, ranging fromMcDonald’s and Pepsi to General Motors. But even as the total volume of trade has grown, the relative importance of the US to Brazil’s economy has declined. China has overtaken the US as Brazil’s biggest trading partner and new investor.
At the same time, Brazil has become increasingly concerned about what it sees as “unbalanced” trade with China, which imports Brazilian commodities but few of its manufactured goods. The US by contrast is one of the biggest markets for Brazilian aircraft maker Embraer, one of Latin America’s flagship industrial companies.
Relations between leaders of the US and Brazil have traditionally been warm – Mr Obama once called former Brazilian president Luiz Inácio Lula da Silva “the man”. But in practice, Brazil’s independent stance on foreign affairs – it regularly abstains in votes on sanctions against oppressive regimes in the Middle East and on other issues – has grated with the US. In particular, Mr Lula da Silva upset Washington when he led an attempt to forge an independent civilian nuclear deal with US arch-enemy Iran in 2010.
Yet while Mr Lula da Silva’s Iran adventure was politically costly in terms of relations with Washington, it was a sign of Brazil’s diplomatic coming of age, the Council on Foreign Relations think-tank said in a report last year. “Brazil’s participation alerted the major powers to its presence on global security issues and served notice that Brazil would remain a significant international actor,” the report, Global Brazil and US-Brazil Relations, said.
With the election of Ms Rousseff in late 2010, Mr Obama set out to repair the relationship. He visited Brasília three months after she took office, describing Brazil as an “equal” partner and acknowledging though not openly supporting Brazil’s aspiration for a permanent seat on the Security Council.
The challenge for both sides is where to take the relationship now. The US has already lifted a tariff on Brazilian ethanol imports – an important breakthrough. It could restart a US Air Force contract for 20 Embraer attack aircraft that it abruptly cancelled earlier this year. It is also making it easier for Brazilians to get visas. And it could also, of course, recognise cachaça as something distinctly Brazilian, rather than lumping it in with other Latin American rum.
Most significant, however, would be for the US to offer formal support for Brazil’s aspirations to join the Security Council. Proponents argue this would put the ball in Brazil’s court, forcing it to become a more responsible contributor to the world order. Indeed, some argue that this sort of acknowledgment as an equal partner is all that Brazil has ever really wanted from Washington.
“Brazil doesn’t want a trade deal from the US, it doesn’t want military co-operation,” says João Augusto de Castro Neves, political analyst at Eurasia Group. “It just wants recognition and that only costs a few words.”

Dilma vai a Washington

06 de abril de 2012 | 3h 07
Paulo Sotero - O Estado de S.Paulo
Os presidentes Dilma Rousseff e Barack Obama têm boas notícias a compartilhar, mas também importantes diferenças a acertar quando se reunirem na Casa Branca, na segunda-feira. A líder brasileira chega para a conversa com sua autoridade consolidada e a popularidade reforçada em casa por seu desempenho no primeiro ano do governo, a despeito da desaceleração do crescimento econômico e dos sucessivos escândalos de corrupção que forçaram meia dúzia de ministros a pedir as contas. Obama, por sua vez, tem a exibir uma economia em recuperação e perspectivas favoráveis de reeleição em novembro. Isso significa que seu diálogo com a colega brasileira deve continuar por mais dois anos e meio, e quase o dobro disso se Dilma se reeleger em 2014.
É um horizonte de tempo suficiente para os dois líderes traduzirem em ações o desejo que dizem compartilhar de aprofundar as relações bilaterais, que são amplas, amistosas, povoadas de declarações de boas intenções, mas não passam disso. Na década que se encerrou no dia da posse de Dilma no Palácio do Planalto, o Brasil e os Estados Unidos se distanciaram. O fracasso, em 2003, das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que os países copresidiram, a trombada no Irã em 2010 e a inconsequência dos muitos grupos de trabalho criados pelos dois governos foram os fatos marcantes. Nesse mesmo período, com a economia brasileira em crescimento puxado pela expansão do mercado interno e a demanda chinesa por commodities, as trocas entre os dois países aumentaram, mas a participação relativa dos Estados Unidos no comércio exterior brasileiro caiu de 24% do PIB para menos de 12%.
Cientes dessa realidade e de que o diálogo bilateral se encontra em fase de reconstrução, iniciada com a visita de Obama a Brasília em março do ano passado, os dois governos evitaram criar expectativas quanto aos resultados da viagem de Dilma. A ênfase dada pelo Planalto à cooperação bilateral em educação, ciência e tecnologia e as medidas que Dilma vem tomando para estimular a competitividade e o crescimento da economia brasileira sublinham sua compreensão sobre a oportunidade que tem nas mãos e põem os dois países em rotas convergentes.
Trata-se de completar a transformação histórica que o País iniciou com a democratização, em 1985, consolidou com a estabilização da economia dez anos depois, aprofundou com a redução da pobreza e a expansão da classe média na década seguinte e depende agora da execução de reformas estruturais que permitam a um Brasil ascendente na cena mundial livrar-se do peso do déficit público, aumentar a taxa de investimento e alcançar um novo patamar de desenvolvimento. É nesse quadro, que se tornará mais complexo nos anos à frente com a redução do crescimento da China, que Dilma parece atraída pela ideia de uma relação mais intensa com os Estados Unidos.
Há certamente dúvidas em Washington quanto à eficácia das políticas adotadas por Brasília a partir do anúncio do Plano Brasil Maior, em agosto passado, para aumentar a competitividade da indústria nacional. As medidas de caráter protecionista embutidas na estratégia são vistas como sintomas de uma política que trata mais dos efeitos que das causas do problema. Mesmo assim, o cenário promissor da economia brasileira nos anos à frente alimenta o interesse de Obama numa aproximação com o Brasil.
Contra esse pano de fundo, altos funcionários americanos e brasileiros se esforçaram nas últimas semanas para valorizar as relações bilaterais. O Brasil "é uma história de sucesso e um exemplo que inspira soluções em outros países", disse o subsecretário de Estado William Burns em recente visita ao País. E salientou que empresas dos dois países fabricam, inovam e avançam juntas: "Nos Estados Unidos, estamos cientes de que nosso sucesso dependerá de abraçar as complementaridades com parceiros inovadores e dinâmicos e o Brasil pode e deve estar no topo dessa lista." Em visita a Nova York, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, destacou o empenho do governo brasileiro em atrair mais investimentos dos Estados Unidos e aprofundar as relações entre os dois países.
Declarações como essas não diminuem o ceticismo que prevalece em Washington e Brasília sobre as chances de a visita de Dilma a Obama produzir resultados. Fatos recentes e divergências em temas globais. A crítica que a presidente brasileira fez em reunião dos Brics, na semana passada, à estratégia de sanções contra o Irã, liderada pelo Estados Unidos, expôs uma diferença insuperável. Obama acredita que as sanções são a melhor alternativa a uma solução armada e estão produzindo o resultado desejado de forçar Teerã a negociar seu programa nuclear. Na mesma linha, há as críticas de Brasília, reiteradas por Dilma em Nova Délhi, ao "tsunami monetário" que os bancos centrais americano e europeu estariam produzindo para fazer frente à crise econômica, com efeitos colaterais nocivos para o valorizado real e as contas externas brasileiras. O fato de o Brasil omitir críticas à política de manipulação do câmbio praticada pela China torna a cobrança ainda menos aceitável em Washington. No lado brasileiro, causa perplexidade a relutância americana em dar ao País o mesmo reconhecimento que confere à India e apoiar formalmente a pretensão brasileira por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Pesa, também, o mal explicado cancelamento pela Força Aérea americana da compra de 20 Super Tucanos que seriam usados no Afeganistão. A decisão, justificada como confusão burocrática, frustrou um negócio que constituiria o primeiro engajamento de natureza estratégica entre os dois países em décadas. Cabe a Dilma e Obama, em seu encontro, provar que os céticos estão errados.
*Jornalista, é diretor do Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington

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