sexta-feira, 6 de abril de 2012

Politicas industrial e comercial do governo - observacoes PRA


Políticas industrial e comercial do governo Dilma: observações pontuais

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor.
Respostas a questões colocadas por jornalista da imprensa brasileira.

1) O governo tem eleito setores na hora de oferecer reduções de impostos e mudanças de cobrança de encargos trabalhistas. É essa uma prática eficiente para fortalecer a produção industrial?

 PRA: A produção industrial, em sua acepção própria, envolve o conjunto do setor chamado usualmente de secundário, ou seja, transformação manufatureira de matérias-primas, insumos e produtos intermediários diversos com vistas à oferta de bens finais, duráveis, não-duráveis e semiduráveis, para os mercados consumidores, internos e externos. O que o governo vem fazendo, de forma absolutamente improvisada e aleatória – ou seja, atuando apenas quando pressionado por determinados setores que podem estar sentido mais intensamente o peso da concorrência externa – é oferecer algumas facilidades de forma tópica, elegendo setores que se mobilizaram para pedir medidas do governo.
Não se trata, portanto – e isso precisa ficar bem claro –, de uma política, e sim de respostas a demandas específicas por parte de alguns setores. O governo apresenta seu conjunto de medidas como constituindo uma política, mas é evidente que seu caráter discriminatório não permite qualificá-lo dessa maneira, apenas e tão somente como um “pacote de ajuda”, restrita, localizada, pontual e, provavelmente, equivocada e insatisfatória.
O que fortalece a posição industrial de um país? Em primeiro lugar, a existência de um ambiente de negócios estável, previsível, aberto aos investimentos industriais, apresentando externalidades positivas – infraestrutura, mão-de-obra educada e treinada, mercados solventes – e sobretudo podendo trabalhar com custos compatíveis com os existentes na concorrência, que atualmente tem dimensão mundial. Ora, é evidente que esses requisitos e pré-condições não existem no Brasil, qualquer que seja o critério sob o qual examinemos esse ambiente, sobretudo aqueles fatores institucionais, macro e microeconômicos que viabilizam ou não uma atividade industrial competitiva: crédito acessível, estímulos à inovação, pressões competitivas que induzem à melhoria dos processos produtivos e dos produtos deles resultantes. Basta consultar qualquer um dos relatórios correntes que tratam dessas questões: o Doing Business, do Banco Mundial, por exemplo, ou o World Competitiveness Report, do Fórum Econômico Mundial. Existem diversos outros, mas esses dois já possuem ampla gama de informações sobre o ambiente em que trabalham as indústrias localizadas no Brasil (nacionais e estrangeiras).
E o que se observa, consultando esse tipo de material? De modo geral, a posição do Brasil não é muito gratificante na escala de países, situando-se, em geral, no último terço da lista. Mas, a realidade é ainda mais dramática, do ponto de vista das políticas, justamente. Se fracionarmos os critérios e as classificações setoriais desses relatórios e pesquisas em dois grupos distintos, de um lado, os que de tipo “macro”, ou seja, que têm a ver com o quadro geral dos negócios no Brasil, sob responsabilidade do governo, portanto, e, de outro lado, os elementos “micro”, que têm a ver com a própria ação das empresas, como responsabilidade privada, o quadro que emerge é estarrecedor. Todos os critérios atinentes ao governo – infraestrutura, impostos, comércio exterior, burocracia em geral – empurram o Brasil para as últimas posições desses rankings, ao passo que se isolamos os critérios pertencentes ao universo das próprias empresas, a classificação apresenta sensível melhora. É evidente que o papel do governo é retardatário e constitui mais um obstáculo do que propriamente um elemento positivo na atividade industrial.
Agora, se além de não cumprir com seus deveres de oferecer um ambiente positivo para a ação do setor privado, o governo ainda fica poluindo o ambiente, ao criar regras específicas, especiais, exclusivas, para certos grupos ou setores, sem estender os mesmos favores e privilégios aos demais, é evidente que o governo está praticando, em primeiro lugar, uma discriminação odiosa, no limite inconstitucional, mas de toda forma imoral e vergonhosa. Em segundo lugar, o que ele está fazendo é poluir todo o ambiente de negócios no Brasil com regras ad hoc, de expedientes casuais e casuísticos, fazendo uma mixórdia naquilo que se chama habitualmente de “regras do jogo”, que se convertem assim, em regrinhas pessoais para um jogo específico determinado não pelos próprios empresários e responsáveis pelas indústrias, individualmente, mas por um pequeno grupo de burocratas que ser arvora o direito – a arrogância seria um termo mais apropriado – de saber mais sobre o mundo da produção do que os próprios responsáveis.
Em terceiro lugar, o governo está dizendo ao conjunto da classe empresarial do Brasil que ela só pode existir, competir e sobreviver por meio de seus favores específicos, não através de um conjunto de regras claras, impessoais, não discriminatórias, estáveis e tudo o mais. Isso já não é mais capitalismo, e sim fascismo econômico: o governo está transformando o empresariado industrial em servos do poder, em títeres que só existem e atuam por meio dos fios e scripts manipulados por um bando de burocratas. Não sei se os líderes empresariais já se deram conta, mas eles deixaram de viver num país capitalista, aberto e competitivo, para viver num ambiente de fascismo econômico, dirigista, dependente, intervencionista, numa palavra, se vive em stalinismo industrial.

2) A pedido dos próprios empresários, o governo adotou barreiras contra produtos importados nos mais diversos setores. Alguns dizem que o Brasil está ficando protecionista e temem a volta da reserva de mercado que tanto mal fez ao desenvolvimento do país no passado. Os setores beneficiados, porém, dizem que há uma guerra comercial em curso: com excesso de produção nos países de origem e favorecidos pelo real valorizado e pela guerra dos portos, não apenas estrangeiras, não instaladas no país, mas até subsidiárias de multinacionais com fábricas aqui estão colocando produtos a preços abaixo do razoável para desovar a produção no Brasil e preservar os empregos em seus países de origem. Como o senhor vê essa questão?

Existem vários equívocos nesse tipo de argumentação, obviamente capciosa, e construída exatamente para justificar as medidas protecionistas sempre reclamadas por certos empresários, mas que não deveriam existir se as condições existente no ambiente de negócios do Brasil, justamente, fossem favoráveis. Não existe nenhuma “guerra comercial” em curso, apenas reflexos de deficiências “made in Brazil”, que impedem a produção industrial feita aqui de ser competitiva interna e externamente. Nenhum dos problemas que afetam a indústria brasileira tem origem externa; ao contrário, todos eles derivam de erros macroeconômicos – como a enorme dívida pública, por exemplo, que leva a juros altíssimos, e daí à atração de capitais que gera valorização cambial – e de insuficiências do ambiente microeconômico no Brasil: tributação extorsiva, péssima infraestrutura, burocracia lentíssima em todo o espectro de negócios, custos altos de transação tanto pela cartelização de fato em vários setores (comunicações é um deles) quanto pela morosidade da justiça.
A própria mal chamada “guerra dos portos” é um exemplo claríssimo da selva legal em que se converteu o Brasil, que já não constitui mais um mercado unificado, mas, como na era medieval, um arquipélagos de pequenos mercados regionais – os 27 estados dessa falsa federação – cada qual com suas regras, níveis de impostos e concorrência predatória e selvagem no plano fiscal, justamente. Outros fatores e exemplos poderiam ser aduzidos para demonstrar que a chamada institucionalidade, ou seja o quadro legal sob o qual deveriam trabalhar os agentes privados, tem recuado a épocas pretéritas, criando um ambiente de negócios totalmente permeado por regras ad hoc e constante barganha de favores, uma vez que as dificuldades e a enorme carga fiscal é criada pelas próprias autoridades políticas.
O governo adota medidas que são inclusive ilegais no plano do sistema multilateral de comércio. Alguns poucos exemplos: a Cofins, que é uma contribuição para o financiamento da seguridade social, jamais deveria ser aplicada às importações, pois está claro que nenhum dos produtos importados se beneficiou – um termo mal aplicado neste caso – de qualquer contrapartida do governo ou do emprego de mão-de-obra local, cujo sistema previdenciário tivesse hipoteticamente de ser financiado por um imposto específico; trata-se simplesmente de um abuso e de uma ilegalidade, até inconstitucional. Por outro lado, a exigência de conteúdo local para produtos importados, ou seja, que já pagaram tarifa de importação, é absolutamente contrária ao princípio do tratamento nacional – um dos cânones do Gatt – e aos acordos emanados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais, especificamente o acordo Trims, Acordo sobre Aspectos Comerciais de Investimentos, que proíbe expressamente a imposição de qualquer tipo de conteúdo local ou de exigências de exportação. Ou seja, o governo está se contrapondo a regras do sistema multilateral de comércio de modo aberto e explícito, o que apenas acrescenta ao primitivismo e ao caráter tosco dessas medidas.
O governo está simplesmente premiando um grupo de indústrias poderosas, e seus amigos sindicalistas, e obrigando todos os brasileiros a pagar a conta, como se fosse pecado aos cidadãos preferirem produtos mais baratos e de melhor qualidade, como os importados. O governo, confirmando sua natureza fascista econômica, compele os cidadãos a pagar mais caro quando eles poderiam estar consumindo mais e melhor num sistema aberto como deveria ser o de um país normal.
Todos os argumentos do governo são capciosos e sem fundamento, e se formos examinar a origem real dos problemas existentes veremos que todos eles têm origem no próprio Brasil, e aqui deveriam ser resolvidos por medidas e políticas que atacassem seus fundamentos, não por paliativos e bodes expiatórios que apenas prolongam a existência desses problemas. Não é culpa de americanos, europeus ou chineses que os juros no Brasil sejam tão altos; eles tampouco têm culpa pela alta carga tributária imposta pelo governo aos produtores brasileiros (nacionais e estrangeiros aqui instalados); eles não têm a menor parcela de responsabilidade pela nossa péssima infraestrutura ou pelos elevados custos derivados de carteis setoriais ou monopólios de fato (como a Petrobras); eles jamais tiveram algo a ver com a baixíssima taxa de poupança no Brasil, um fator derivado de escolhas políticas, e de políticas econômicas, que privilegiam o consumo e não o investimento, ou que desviam a poupança potencial para o financiamento do próprio governo. Todos esses problemas são “made in Brazil”, e enquanto não forem corrigidos, vão continuar pesando sobre o destino do país.
O que o governo vem fazendo, numa típica “política de avestruz”, é isolar o Brasil do resto do mundo, praticando o velho protecionismo e os desvios autárquicos do passado. Pagamos um alto preço pelo insulamento da economia nacional do ambiente internacional, em todos os setores, e aparentemente estamos adentrando em mais um período de introversão industrial e de protecionismo comercial. Não poderia haver coisa pior para nosso itinerário enquanto nação moderna: o governo nos conduz ao atraso.

Paulo Roberto de Almeida
Paris, 6 de abril de 2012

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