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quinta-feira, 26 de abril de 2012

As Malvinas no inicio da crise da divida de 1982 - O Globo

Nota PRA: a transcrição desta matéria do Globo, em síntese informativa do MRE, está incompleta, pois suprimiu o nome do autor; quem souber ou puder, favor me informar, para completar os créditos devidos ao autor.)
Nota PRA2: Agradeço ao leitor Andre Eiras, meu amigo de blog, sempre solícito, que me enviou a informação sobre a autoria do artigo interessante, abaixo transcrito, que tinha ficado sem crédito devido à ausência do registro no boletim que recebi.

José Casado e Eliana Oliveira 
O Globo, 25/04/2012

País socorreu Argentina, disfarçou exportações e não resistiu ao impacto da crise na dívida

RIO E BRASÍLIA - Na manhã da quarta-feira 31 de março de 1982, Guillermo Cabral telefonou para a sede do Banco de La Nación em Londres. Há 40 anos na instituição estatal, mais da metade na mesa de operações de câmbio, Cabral era responsável pela gerência dos ativos do Estado argentino na praça londrina, na época o principal centro financeiro internacional. De passagem por Buenos Aires, recebera da Marinha informação sobre movimento de tropas para um conflito com o Reino Unido, a partir da invasão das Malvinas nas 72 horas seguintes.
Ao telefone, mandou um dos assistentes em Londres transferir para a Suíça todo o dinheiro argentino guardado em bancos londrinos. Fizera assim, em 1978, quando a Argentina ameaçara ir à guerra com o Chile. Temendo o bloqueio do dinheiro nos Estados Unidos, na época Cabral sacou US$ 10 bilhões, enviou ao Panamá e, dali, distribuiu pelo mundo, numa operação financeira planejada sob o codinome "Andes".
No dia seguinte, ele descobriu que a diretoria do banco dera uma contra-ordem. Tentou desfazê-la — chegou a gravar um telefonema aos subordinados em Londres determinando "desobediência". Não adiantou, fora novamente desautorizado pela diretoria do La Nación.
Quando acabou a invasão militar, no 2 de abril, a Argentina não tinha dinheiro sequer para começar a guerra: Londres bloqueou US$ 1 bilhão em depósitos — incluídas as reservas das Forças Armadas (US$ 100 milhões) para compras de armas. No balanço feito pelo ministro da Economia, Roberto Alemann, restavam apenas US$ 400 milhões em caixa. Dez dias depois, Cabral foi transferido da mesa de câmbio para a biblioteca do banco público. Tornou-se a primeira vítima argentina na retaguarda da Guerra das Malvinas.
A invasão militar do arquipélago ainda não completara uma semana, quando a embaixada brasileira em Londres alertou Brasília: bancos brasileiros enfrentavam dificuldades em obter recursos no mercado internacional para negócios de rotina. "Ao que parece, o Banco Real teria sido o mais atingido", escreveu o embaixador Roberto Campos, acrescentando: "Os bancos estão perplexos".
Aos 65 anos, ex-seminarista, diplomata experiente e economista fervorosamente dedicado à fé no liberalismo econômico, Campos entendia o significado mas não escondia a surpresa. Prolixo, desde o início da crise enviara a Brasília uma pilha de mensagens nas quais desenhava um cenário favorável à Junta Militar argentina em sua ofensiva contra o Reino Unido. Subestimara o tamanho da crise, a intensidade da reação britânica, os reflexos nas economias latino-americanas e no jogo de poder no continente. Agora, assistia aos fatos insistindo em atropelar suas teses.
A guerra no Atlântico Sul não era a causa principal, mas agravara muito o estado das finanças públicas em toda a América Latina, abalada pela quadruplicação dos preços do petróleo na década anterior. Para piorar, os Estados Unidos executavam uma escalada na sua taxa de juros — a referência para empréstimos internacionais em dólares. Era uma forma de transferir dos EUA ao resto do mundo parte do custo da alta do petróleo nas contas norte-americanas. Sem fôlego, os debilitados governos latino-americanos começaram 1982 aceitando pagar juros duplicados para renovar seus créditos.
O conflito aguçou a desconfiança sobre a capacidade de pagamento de dívidas externas na América Latina. Provocou um "efeito dominó", como admitiu Campos mais tarde, ao informar o Itamaraty sobre as "enormes dificuldades" do Peru em conseguir US$ 28 milhões no Banco do Brasil e outros US$ 172 milhões em seis bancos do circuito Tóquio-Arábia Saudita-Nova York. Alguns rejeitavam negociar com o Brasil "de modo explícito". O Banco da Escócia, por exemplo, fazia isso de maneira "intencional", relatou o embaixador em Londres.
A Bolívia caiu primeiro, quando os britânicos começaram a bombardear a capital das Malvinas. No dia 12 de maio, o Banco Central boliviano comunicou à embaixada do Brasil em La Paz "não poder saldar seus compromissos financeiros". A dívida vencida somava US$ 19 milhões com o Brasil e US$ 47 milhões com a Argentina. O calote era pequeno, em relação às dívidas acumuladas na região, mas sintomático.
Nos dias seguintes, o BC boliviano emitiu US$ 9 milhões em cheques administrativos para outros bancos, que foram recusados por "falta de fundos". A Bolívia tinha US$ 30 milhões a receber da Argentina, por fornecimento de gás, mas não conseguia. Esse dinheiro "já está sendo considerado como contribuição boliviana ao esforço de guerra argentino", ironizava a embaixada brasileira em La Paz em mensagem a Brasília.
A Junta Militar argentina metera-se numa guerra sem armas nem dinheiro. O país já estava asfixiado por uma dívida de US$ 35 bilhões — equivalente a 54% do Produto Interno Bruto —, antes do conflito. Logo passou à desagregação econômica e a palavra "moratória" entrou no léxico da diplomacia brasileira. Os bancos argentinos perdiam depósitos ao ritmo de 1% ao dia. Com a escassez de dinheiro, os juros subiram e os preços rapidamente foram duplicados (a inflação dobrou, para a média de 209% ao ano).
Sob bloqueio militar, financeiro e comercial da Europa, mercado ao qual destinava 25% das exportações, a Argentina via-se economicamente derrotada, antes mesmo do embate militar definitivo nas ilhas. Pediu ajuda ao Brasil, na forma de "facilidades adicionais em matéria de crédito e comércio exterior" — segundo memorando que o Conselho de Segurança Nacional classificou como "secreto".
Produtos de uso civil e militar eram comprados ou embarcados em navios para a Europa, tendo o Brasil como origem ou destino indicado. Essa dissimulação das compras e vendas argentinas, como se fossem brasileiras, envolvia o disfarce da origem do pagamento do seguro e do frete marítimo — cujo custo se multiplicara por cinco por causa do risco de navegação no Atlântico Sul. Parte das mercadorias, quando descarregadas nos portos de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, seguiam para a Argentina em veículos da antiga Transportadora Coral.
A Argentina se rendeu em 14 de junho. Humilhado no campo de batalha, o país mergulhou numa crise sem precedentes. Coincidência ou não, oito semanas depois o México fez um inesperado anúncio de moratória da sua dívida externa. Nos dez meses seguintes, o Brasil e mais 40 países quebraram e aceitaram os empréstimos emergenciais do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A essa altura, a Guerra das Malvinas se tornara uma página remota na História da crise da dívida latino-americana.

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Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/malvinas-efeito-domino-do-conflito-que-arrastou-brasil-4727876#ixzz1tBlYqygc
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Um comentário:

Unknown disse...

Os autores são José Casado e Eliane Oliveira.

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