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segunda-feira, 9 de abril de 2012

(Des)Industrializacao brasileira: duas visoes distintas - Affonso Celso Pastore e Amir Khair


Duas visões distintas mas até certo ponto complementares do debate sobre a desindustrialização no Brasil :
(1) Por que a indústria parou de crescer nos últimos anos ? (Affonso Celso Pastore, professor da USP e ex-presidente do BC)
(2) Estimular a industrialização (Amir Khair
 Ambos no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO de Domingo, Abril 08, 2012

Por que a indústria parou de crescer nos últimos anos?
AFFONSO CELSO PASTORE
 O ESTADO DE SÃO PAULO
Domingo, Abril 08, 2012

A incapacidade de responder à competição externa é uma das causas da estagnação

O setor industrial brasileiro é bastante aberto ao comércio internacional. Como câmbio real valorizado, e com os preços em dólares de produtos manufaturados exportados e importados pelo Brasil mantendo-se estáveis devido à recessão e ao baixo crescimento na Europa e EUA, crescem as importações e mantém se estagnadas as exportações brasileiras de bens de consumo. Os dois gráficos ao lado mostram que enquanto os índices de quantum exportado de bens duráveis e não duráveis de consumo vêm se mantendo estáveis ou declinando ligeiramente, entre 2009 e 2011 as respectivas quantidades importadas praticamente dobraram. A incapacidade de responder à competição externa é uma das causas da estagnação da indústria.

Mas isso não conta toda a história. O setor industrial é, também, muito menor do que o setor produtor de serviços. O PIB do setor de serviços representa mais de 65% do PIB brasileiro, empregando em torno de 60 milhões de trabalhadores, enquanto que o PIB da indústria de transformação representa apenas 25%, empregando um volume de trabalhadores muito menor, em torno de 20 milhões. Por outro lado, os dados das contas nacionais negam o "saber convencional" de que somente a indústria paga os "bons salários". No ano de 2009 (o último dado disponível)o salário médio pago pela indústria era de R$ 15.870, enquanto o salário médio pago pelo setor de serviços atingia R$ 14.006, que é muito próximo do salário médio da indústria. Obviamente amassa real de salários do setor de serviços é em torno de 3 vezes maior do que a massa de salários paga aos trabalhadores da indústria, sendo a maior responsável pela sustentação da demanda agregada.

Atualmente setor industrial está deprimido, sofrendo com a competição externa, mas o setor produtor de serviços que não sofre essa competição está superaquecido, e se beneficia dos estímulos dados pelo governo à expansão da demanda. Como o setor de serviços é o grande empregador de mão de obra, leva a economia a operar muito perto - ou mesmo acima - do pleno emprego. Não há, assim, nenhum paradoxo no fato de que ao lado de um setor industrial que não cresce, a taxa de desemprego no Brasil é a menor da história.

Com esse comportamento do mercado de trabalho crescem os salários reais tanto no setor de serviços quanto no setor industrial. O crescimento dos salários reais não levaria a um aumento de custos de produção da indústria caso a produtividade da mão de obra tivesse crescimento semelhante. Contudo, um estudo recente do Ipea (Comunicado N.º 133) mostra que a produtividade da mão de obra na indústria não vem crescendo, o que leva ao aumento do custo unitário do trabalho na indústria. Os dados do IBGE permitem estimar esse aumento: entre 2009 e 2011 o custo unitário do trabalho (salários divididos pela produtividade média da mão de obra) na indústria elevou-se em torno de 15% em termos reais.

A elevação dos salários reais não é acarretada pelo aumento da demanda de mão de obra da indústria, que segundo os dados do Caged vem contratando muito pouco ou mesmo nada. Ela é proveniente do aquecimento do setor de serviços que acarreta, simultaneamente: o aumento da demanda agregada de bens de consumo, devido à sua contribuição ao aumento da massa real de salários; e o aumento do custo unitário do trabalho para a indústria.

O setor produtor de serviços também sofre as consequências da elevação do custo unitário do trabalho, mas, como é fechado ao comércio internacional, pode repassá-lo pelo menos parcialmente aos preços. Já o setor industrial é muito aberto, e a competição dos produtos importados limita a sua capacidade de repassar aumentos de custos para preços.

Em consequência, estreitam-se as "margens" da indústria, limitando a sua capacidade de crescer. Em grande parte os estímulos derivados do aumento da demanda doméstica "vazam" para as importações. Mas esse "vazamento" não decorre apenas da valorização cambial e dos baixos preços internacionais de produtos importados e exportados pelo Brasil, e também da elevação do custo unitário do trabalho.

Diante desse quadro, o governo acena com três reações. Primeiro, procura acentuar estímulos à demanda, quer para elevar o consumo, quer, como diz a presidente Dilma, para "libertar o espírito animal" dos empresários, levando ao aumento da formação bruta de capital fixo. Além de o BC prosseguir baixando a taxa real de juros, devem ampliar-se as pressões para expansão do crédito, com o uso dos bancos públicos. Já há alguns meses vêm caindo as taxas de 12 meses de expansão do crédito de bancos privados nacionais, o que se deve em grande parte à inadimplência elevada do crédito ao consumidor provocada pelo exagero no financiamento a automóveis em 2010, mas em contrapartida vem se elevando a taxa de 12 meses de expansão do crédito de bancos públicos, e entre eles o BNDES, que deve ser premiado com novas transferências do Tesouro.

Segundo, o governo quer evitar a continuidade da valorização cambial e, se possível, gerar algum enfraquecimento adicional do real. Para isso manterá elevadas as intervenções no mercado de câmbio e, se necessário, poderão ser tomadas novas medidas tributárias para desestimular ingressos de capitais. Terceiro, pode intensificar formas disfarçadas de protecionismo, como o uso de alíquotas diferenciadas de impostos indiretos domésticos, como aumento das alíquotas do IPI sobre produtos importados que tenham simulares domésticos, como já ocorreu nos automóveis.

Outra linha de ação é o aumento puro e simples do protecionismo. Há sinais de que o ministro do Desenvolvimento vem criticando a "timidez" do ministro da Fazenda em elevar as barreiras protecionistas e o controle da taxa cambial, e não sabemos até que ponto a presidente Dilma é simpática a ações discricionárias mais fortes neste campo.

No pressuposto de que "a demanda cria a própria oferta" o governo provavelmente vai disparar novos estímulos à demanda e novas formas de evitar os "vazamentos" da demanda para o exterior.Oque esperar?

Se no contexto de fortes estímulos à demanda doméstica o governo tiver sucesso em enfraquecer o real e/ou elevar direta ou indiretamente o protecionismo, colherá um aumento adicional da inflação. Os dados de preços mostram que a inflação de "serviços" continua elevada devido às pressões salariais. Essas pressões tenderão a se acentuar com novos estímulos à expansão da demanda. Lembremos que a contribuição maior para reduzir a inflação vem dos preços dos bens "tradables" industrializados, que se interromperá com o enfraquecimento do real e o aumento do protecionismo.

Se o governo ainda estiver comprometido com a inflação baixa, terá de limitar o enfraquecimento do real e o protecionismo.  Com isso, evitará inflação mais alta nos bens "tradables industrializados", mas ao continuar estimulando a expansão da demanda não conterá a alta de salários reais.O mais provável, contudo, é que a perseguição de uma meta de inflação mais baixa seja coisa do passado.

Infelizmente esse é um quadro no qual não há preocupações com a produtividade e com a eficiência econômica. A busca desses objetivos não parece ter importância, mesmo porque produz resultados apenas a longo prazo, e o horizonte do governo é o do seu mandato, e não o que garanta o crescimento de longo prazo.

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Amir Khair
Estimular a industrialização
As atenções do governo estão voltadas ao processo de desindustrialização em curso no País. Para isso acabou de lançar o segundo pacote de estímulos à indústria, com medidas mais fortes do que o primeiro, o Brasil Maior, lançado em agosto.
Trata-se de um conjunto de medidas de estímulo à competitividade que envolve desonerações fiscais, crédito mais abundante, proteção contra o produto importado, medidas cambiais e preferência nas compras governamentais às empresas sediadas no País.
Conquanto essas medidas estejam no rumo certo, considero que tem alcance limitado, ficando aquém da necessidade para a retomada firme da industrialização no País.
Mas o que falta?
Alguns acham que é necessário fazer reformas, e citam a tributária, a trabalhista e a previdenciária. Outros o câmbio com o real sobrevalorizado e outros as taxas de juros cobradas pelos bancos. Vamos avaliar os argumentos, a posição do governo e apresentar propostas que possam contribuir ao debate.
O pano de fundo é a maior guerra comercial da história, com maior concorrência atingindo as indústrias em todos os países, não só aqui.
1. Reformas. Virou lugar comum falar que são necessárias reformas. Fato é que não são fáceis de serem aprovadas, pois envolvem fortes interesses em disputa no âmbito do Congresso. Foram inúmeras as propostas de reforma tributária, todas desejando simplificar as 27 legislações estaduais sobre o ICMS por uma única legislação federal com cobrança desse imposto no destino, onde o bem é consumido ou usado, ao invés de sê-lo na origem onde é vendido. Essa reforma só poderá ser aprovada se o governo bancar as perdas de arrecadação nas operações interestaduais que poderão ocorrer para oito Estados.
A reforma previdenciária no sistema geral deixou de ser necessária, pois ficou provado que o sistema urbano é e continuará sendo superavitário e o sistema rural, que é deficitário, tende a sê-lo cada vez menos com a redução da população rural. Além disso, nenhum impacto teria essa reforma para a indústria.
A reforma trabalhista, sim, teria o impacto na indústria caso fosse possível flexibilizar as regras no mercado de trabalho, mas dificilmente passa no Congresso dada a forte resistência das centrais sindicais para não permitir a perda de direitos conquistados.
Assim, apostar na solução das reformas não vai resolver, podendo inclusive piorar a situação.
2. Câmbio. É a maior dor de cabeça do governo e da indústria. A valorização do real chegou a tal ponto que é quase impossível competir com o produto estrangeiro. Para se ter uma ideia, no Plano Real, para controlar a inflação, usou-se mega taxa de juro para atrair especuladores externos para valorizar o real. Com isso formou-se a âncora cambial com o real equivalendo a um dólar. Em valores de hoje esse câmbio do Plano Real, considerando a inflação pelo IPCA valeria R$ 2,60 por dólar e pelo IGP-DI, R$ 3,60. O governo, no entanto, entende que o câmbio a R$ 1,80 por dólar está bom para preservar a competitividade industrial e teme que se for acima disso pode disparar processo inflacionário. Não creio.
O principal problema do governo, no entanto, é tentar segurar em R$ 1,80 face à enxurrada de dólares que está entrando no País. São US$ 8,8 trilhões que foram despejados no mercado pelos países desenvolvidos para evitar o colapso do seu sistema bancário desde a crise de 2008. Só parte insignificante desses recursos invadiu o País, mas a pressão continuará para penetrar nossa economia, tirando mais ainda competitividade das nossas empresas. O governo tem como estratégia para manter o câmbio em R$ 1,80, a compra de dólares pelo Banco Central (BC), que emite títulos para enxugar a liquidez advinda com a emissão monetária para efetuar a conversão. Com isso, está enxugando gelo e causando profundo rombo nas finanças do governo. Em 2011 ultrapassou R$ 100 bilhões essa operação. São recursos que poderiam ser usados para uma forte desoneração industrial.
Tenho defendido em artigos que a melhor forma de enfrentar o excesso de moeda externa é emitindo o correspondente em reais, ou seja, ampliando a base monetária. Isso não causará inflação, pois o controlador da inflação é externo ao País nos preços estagnados ou cadentes dos bens e serviços internacionais como decorrência da crise. E isso poderá se estender por vários anos.
Creio que um câmbio mais favorável à competitividade industrial deve ficar acima de R$ 2,00. Não prevejo inflação com essa depreciação, pois os preços dos importados cairão em dólar para tentar penetrar no País, dada a super oferta internacional.
3. Taxa de juro. Na crise de 2008, o presidente Lula determinou aos bancos oficiais a redução das taxas de juros e, apesar da avaliação dos bancos privados de que isso iria prejudicar os lucros e elevar a inadimplência dos bancos oficiais, o que ocorreu foi o contrário.
O governo finalmente adota essa estratégia. Ela visa ampliar o consumo e, com isso fortalecer a indústria, pois a maior parte do crescimento será atendida por ela usando sua capacidade ociosa, sem necessidade de investimento. Com o aumento das vendas, crescem os lucros e a capacidade de expansão com novos investimentos. É o círculo virtuoso do crescimento.
Atendendo determinação da presidente, na quinta feira, o Banco do Brasil reduziu suas taxas de juros e a Caixa deverá fazê-lo na próxima semana. A presidente afirmou que "não há justificativa técnica para o elevado spread bancário no País". De fato, a desculpa apresentada pelos bancos de que o spread é elevado devido à inadimplência elevada é risível, pois a inadimplência é consequência e não causa da taxa de juro. A parte do leão que querem preservar é o elevado ganho no spread.
O governo deve enfrentar essa questão conjugando outras medidas que induzam os bancos a reduzir suas taxas de juros, como, por exemplo, regular o porcentual de depósito compulsório dos bancos no BC de acordo com a taxa de juro praticada.
O caminho para o fortalecimento industrial passa pelo crescimento, que poderá ocorrer com a redução das taxas de juros bancárias e com o câmbio pouco acima de R$ 2,00. Vamos acompanhar.

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